domingo, 24 de julho de 2011

Política Cultural das Ruas

Dois coletivos periféricos, a Cooperifa de São Paulo e a Rede Enraizados, de Nova Iguaçu, mostram que a cultura das ruas veio para ficar.

O Portal RAIZ. vem acompanhando o trabalho desenvolvido nas periferias do país desde a sua criação em dezembro de 2005. É impossível falar de cultura popular sem falar no Samba, no Frevo, no Choro, então é impossível falar de cultura popular sem falar nos artistas urbanos e periféricos.
As comunidades periféricas sempre produziram arte. Música, artes plásticas, teatro, danças e mais recentemente, o cinema, fazem parte do cardápio cultural de vários bairros periféricos. O que os faz diferentes hoje? Porque a Periferia inspirou filmes com recordes de público, programas de TV, livros, encontros e debates? A pergunta inicial dessa reportagem era essa, mas os movimentos populares foram mais generosos e criativos quando revelaram sua produção editorial, musical e seus projetos culturais. A Fundação Avina de Investigacíon Periodística para el Desarrollo Sostenible, instituição que divulga novas relações para o desenvolvimento sustentável, e a Casa Daros, fundação suíça com a maior coleção de arte latino-americana, foram parceiras do Portal RAIZ. nessa investigação. Durante o período da investigação mantive um blog, junto com outros jornalistas latino americanos sobre o processo de construção da reportagem.

Cultura Periférica não é só ação social

São artistas plásticos, escritores, músicos, poetas, cineastas, que dão sua contribuição à cultura brasileira. Participam de coletivos, mantém políticas culturais em suas comunidades, carentes da ação do Estado, criam murais, filmes, espaços de manifestações artísticas onde expressam sua realidade. São cronistas de suas realidades. Aliás, segundo o artista multimídia Cazulo, da Cooperifa , em São Paulo, os artistas populares sempre estiveram muito presentes na cultura brasileira mas agora querem “participar do banquete, não queremos mais as migalhas”. O diferencial é que a mídia também descobriu seus nomes e endereços e eles não precisam mais descer o morro, mudar-se para o centro das cidades para serem ouvidos e entendidos. “Eu acredito na qualidade da arte da periferia. Muitos artistas saíram da periferia e hoje são clássicos, como os músicos do samba”, avalia Luis Carlos Dumontt, da Rede Enraizados, do Rio de Janeiro.
Outra grande novidade: há um público consumidor em suas comunidades. Nesse momento da política brasileira, mesmo sob o peso da crise financeira mundial, as camadas C e D estão conseguindo manter o poder de compra e ampliando o leque de consumo. Para André Torretta, proprietário da Ponte Planejamento, uma agência de pesquisa de mercado voltado exclusivamente para o consumo dessas classes, “a crise não atingiu essas classes sociais. Eles continuam consumindo e se divertindo em festas com milhares de pessoas”, afirma.
Mas o lazer agora não é só encontrado nas festas, bailes e churrascos nas lajes. Sergio Vaz, poeta e um dos fundadores da Cooperifa, admite “queremos ser descobertos e consumidos no bairro. As pessoas começam hoje a me ler, tomam gosto e vão procurar outros autores”. O processo desses novos artistas periféricos é bem diferente dos músicos que vendiam seus sambas aos grandes ídolos da época de ouro da rádio no Brasil. Os novos artistas criam livros, cds, filmes e cativam o público consumidor. “Os livros da Cooperifa custam até 10 reais. Por esse motivo se vende mais”, argumenta Vaz.

Dois exemplos de transformações

A Cooperifa, um coletivo de artistas da zona sul de São Paulo e a Rede Enraizados, no Morro Agudo, Nova Iguaçu, cidade da região metropolitana do Rio de Janeiro, são exemplos dessas mudanças de paradigmas e o objeto da reportagem Política Cultural das Ruas. O rapper Dudu do Morro Agudo, leva na bagagem a experiência da fundação da Central Única das Favelas, a CUFA, Baixada Fluminense. Seu cd “Rolo Compressor” foi gravado e mixado na sede dos Enraizados. Outra novidade, graças à tecnologia digital e a internet: os meios de produção estão muito próximos, na verdade nas mãos dos criadores.
Os meios de produção nas mãos dos criadores, disposição para criar, falar e viver em suas comunidades, preços acessíveis e uma atividade cultural intensa que gera eventos e atrai público que acaba consumindo seus artistas, poderia soar até como política pública mas são ações desses dois coletivos “periféricos”, sinalizadores de várias ações culturais coletivas como o BlackiTude baiano de Nelson Maca e a ação musical do brasiliense GOG, que também participaram dessa reportagem.
A entrevista com o economista Luis Nassif só veio confirmar a impressão de que a arte da periferia estabeleceu, “vieram pra ficar, não se iludam”, avisa o economista. Para André Torretta, 80% da população brasileira são formadas pelas classes C e D, “se existem ilhas, elas são formadas pelas classes A e B. Nada mais natural que essa explosão dos periféricos”. Geradores de eventos, criadores de arte e consumidores, os artistas da periferia não sentem vergonha do lugar de onde vieram e vivem. Suas criações, poemas, pinturas, capas de livros e músicas, podem ser apreciadas na Galeria Enraizados e Cooperifa. Para apresentar uma produção respeitável e diversa que dialoga com seus pares não teve curador, nem especialista responsável. A vitalidade e o questionamento do modo de vida violento que tentam impor as esses espaços, é a intenção dessa reportagem.
Reportagem: Thereza Dantas
Fotos: Eduardo Toledo (SP) e Zezzynho Andrade (RJ)

LEIA REPORTAGEM COMPLETA AQUI

sexta-feira, 22 de julho de 2011

ROMARIA DOS MÁRTIRES DA CAMINHADA: TESTEMUNHAS DO REINO!


Zé Vicente

O sol do dia 16 de julho lançou seus últimos raios sobre a grande fogueira erguida no pátio da matriz da pequena cidade de Ribeirão Cascalheira - MT, entregando para a lua cheia, esplêndida no céu, o brilho a ser derramado sobre a 5ª Romaria dos Mártires da Caminhada Latino Americana, que reuniu cerca de sete a dez mil pessoas, sem contar os que olhavam das calçadas, admirados e atentos e muitos que, mesmo distantes, se uniram em espírito.

Todos vestidos com vestes de festa, vindos dos quatro cantos do Brasil e de vários outros países, estamos postos num grande círculo, movidos pela energia vibrante dos abraços, beijos e sorrisos, trocados na emoção de reencontrarmos velhas amizades e sentirmos o calor de novos aconchegos.

Entre nós e em nós, se manifesta a presença deles e delas, os mártires, testemunhas fiéis do Reino da Vida, cujo sangue foi derramado no colo da mãe terra, por mãos assassinas, quase sempre a mando de quem, na cegueira da ambição desenfreada, pela posse do dinheiro, dos bens de toda a terra e do poder, pagam pistoleiros violentos, para executarem quem atravessa seu caminho, denunciando seus intentos criminosos e anunciando com a verdade da própria vida, a solidariedade irrestrita com os injustiçados e oprimidos.

Nas camisetas e faixas, nos estandartes e cantos, nos corpos de seus parentes que estão conosco e nas palavras testemunhais dos pastores, especialmente do Poeta e Profeta, Pedro Casaldáliga, bispo emérito da Prelazia de São Félix do Araguaia, com seus mais de 80 anos, 40 dos quais vividos nessa região, uma das mais violentas do Brasil. Marcado, há vários anos pelo Parkinson, Pedro, fez ecoar ainda com vigor que a fé lhe confere, sua mensagem de teimosa e resistente esperança pascal.

Ao som dos tambores e mantras de diversas tradições místicas, entra no grande espaço, o cortejo de mulheres, portando vasilhas pintadas com motivos indígenas, levando águas e flores. Circulam e dançam em volta da fogueira. Em seguida chegam crianças, meninos e meninas do povo dali, trazendo belos estandartes, com fotos e nomes dos (as) mártires, para o centro da grande roda. A equipe de coordenação vai orientando. A saudação de acolhida, com um toque orante, veio do atual bispo da Prelazia, Dom Leonardo. Finalmente, entra a Cruz do P.e João, conduzida por jovens mulheres. Do Círio Pascal, sai o fogo, posto na fogueira e nas velas das pequenas lanternas, recebidas por cada pessoa presente. A praça, rapidamente, se transforma numa constelação de luz. Um casal de Araras passa sobre nós, num belo e sereno vôo, costurando uma linha livre e sutil, ligando a lua, a fogueira e o ultimo vestígio do sol, exatamente na direção por onde seguimos em Caminhada, entoando os cânticos conhecidos: “Sou, sou teu, Senhor, sou povo novo, retirante, lutador!”, “Vidas pela vida, vidas pelo Reino”, “Ribeirão Bonito, cruz do P.e João!”...

Foram mais de três quilômetros até o pequeno Santuário dos Mártires, construído na margem esquerda da rodovia de quem sai de Cascalheira, logo após o pequeno rio, chamado Ribeirão Bonito. No trajeto alguns testemunhos, gritos de denuncia, das vitimas indígenas, jovens, mulheres, trabalhadores (as), cujos direitos sagrados estão sendo desrespeitados pelos atuais senhores do latifúndio, do agro-negócio, da droga, do sistema bancário. Passamos bem ao lado, da capelinha, onde o Padre João Bosco Penido Burnier, Missionário Jesuíta, viveu a sua última agonia, depois de ser alvejado à queima roupa, por um policial, no dia 12 de outubro de 1976. P.e João, acompanhava D. Pedro e foram pedir em favor de duas mulheres que estavam presas e eram torturadas injustamente. Ali, foi celebrada uma emocionante Vigília no dia anterior.

Ao chegarmos ao Santuário, mais alguns testemunhos. Um momento para a leitura Bíblica, a prece do Pai Nosso, a benção e partilha de um tipo de bolinho popular na região. Para encerrar a noitada festiva, nós, artistas presentes animamos o povo, com cantos e poesias. Pelas onze horas da noite, retornamos para as casas e escolas, onde fomos acolhidos, com carinho pelas famílias da cidade.

NA EUCARISTIA, O BRILHO DA GLÓRIA PASCAL!

A manhã do domingo, 17 de julho, estava luminosa pelo sol e a beleza de cores, no espaço, atrás do Santuário dos Mártires, preparado para a Missa de despedida da Romaria, concelebrada pelos bispos D. Leonardo, D. Eugênio, bispo da cidade de Goiás e pelo próprio D. Pedro e mais de 30 padres.

Toda celebração teve como foco principal a vitória pascal de Jesus e de todas as testemunhas da Ressurreição, desde os discípulos de Emaús (Lc 24,13), lembrando a multidão dos que lavaram suas vestes existenciais no sangue do Cordeiro (AP 7,9) e de quem, neste tempo presente, mantém a fidelidade a causa maior da vida!

Após a comunhão, ainda alguns testemunhos e denuncias, pela boca dos representantes indígenas; Cacique Marcos e sua mãe, do povo Xucuru, de Pernambuco, que fez uma bela prece aos Encantados, pela proteção da terra e dos seres vivos. Os Xavante, na sua dura luta pela retomada de sua terra tradicional Marãiwatsédé, no Mato Grosso, de onde foram deportados na década de 1960 e que retornaram em 2004 decididos a não abrir mão da terra sagrada, onde está sua memória e foram plantados os corpos de seus ancestrais.

Antes da benção e envio final, a mensagem emocionada de Pedro, temperada de carinho, profecia e convocação para a fidelidade no testemunho pascal: “multipliquem as romarias dos mártires da caminhada!... Esta, possivelmente será minha ultima Romaria com os pés nesta terra...!”

Com esta imagem inesquecível e ao som do hino: “Ribeirão Bonito, Cruz do Padre João, Alta Cascalheira, gente do sertão, o suor e o sangue, fecundando o chão!”, romeiros e romeiras da Caminhada, nos despedimos, para as longas viagens de volta, com os corações unidos e aquecidos na fogueira da esperança para a missão urgente, assumida, sem reserva, até o fim, por tantas testemunhas do reinado pleno e eterno da Vida para todas as vidas: João, Chicão, Marçal, Zumbi, Conselheiro, Margarida, Zé Claudio, Maria, Dorothy, Nativo...

Fortaleza, 19 de julho de 2011

Em memória da experiência da Revolução Sandinista de Nicarágua, cujos 32 anos se comemora neste dia.

Zé Vicente - poeta-cantor

Email: zvi@uol.com.br

Romaria dos Mártires em defesa da vida

Fonte: Jornal Brasil de Fato

O fotógrafo Douglas Mansur registra a Romaria dos Mártires da Caminhada, celebração de diferentes lutas dos povos

26/07/2011

João Peres

Fotos: Douglas Mansur

de Ribeirão Cascalheira (MT)

Há uma certa proeza em reunir milhares de pessoas no Araguaia em torno de uma causa. Mais ainda se for em torno de denúncias às violações de direitos humanos e à reafirmação da trajetória de quem caiu lutando por uma causa. E essa gente, de várias partes do Brasil e do mundo, viajaram muitas horas para acompanhar a Romaria dos Mártires da Caminhada, que ocorreu nos dias 16 e 17 de julho.

A romaria acontece a cada cinco anos, desde 1986, para homenagear gente como a Irmã Dorothy Stang, Chico Mendes, Zumbi, o pataxó Galdino Jesus dos Santos, Vladimir Herzog e Franz de Castro. Há sempre uma lembrança especial aos irmãos da América Latina, fundamentais para Dom Pedro Casaldáliga, que defende a ideia de que se deixem de lado as fronteiras regionais ao se falar na opressão dos povos.

"Não é uma festividade, não é um show. É uma memória martirial”, avisa Dom Pedro, que comandou a Prelazia de São Félix do Araguaia durante a maior parte de seus 40 anos de existência.

O mártir local, motivo da celebração, é o padre João Bosco Burnier, morto por policiaismilitares em 1976 ao tentar evitar que duas mulheres fossem torturadas. Ele e Dom Pedro acabavam de chegar à cidade quando receberam a notícia. Uma era irmã e, a outra, a nora de um sitiante que atirou contra um soldado que viera assassinar seu filho. Presas, foram forçadas a ajoelhar no milho e em tampas de garrafa para que confessassem o paradeiro do sitiante. Quando Burnier foi à delegacia cobrar a liberdade das mulheres, foi chamado de “comunista” e “subversivo”. Confundido com Pedro, sofreu um disparo, não resistiu aos ferimentos e morreu. Uma história que teve início na luta pela terra em meio a uma ditadura militar que incentivava a ocupação do interior brasileiro mediante desmatamento e violência.

Fé e política

O início oficial da romaria se dá com a memória dos mártires. Da praça central, em plena noite de lua cheia, os fiéis seguem uma caminhada de quatro quilômetros. Milhares de velas iluminam o trajeto,

guiado por cantos que pedem uma igreja consciente das necessidades dos pobres. É um momento de beleza e de celebração das diferentes lutas, culminando em denúncias das violações de direitos humanos e de terras indígenas, do machismo, do racismo e dos deslocamentos forçados.

O fim da procissão e a celebração da manhã de domingo, sob forte calor, são realizadas ao lado do Santuário dos Mártires da Caminhada. É uma construção simples, que tem em seu interior um altar de madeira local e fotos dos mártires. “Devemos renovar nosso compromisso de seguir em caminhada rejeitando tudo quanto seja mentira, corrupção, morte”, aconselha Dom Pedro. O povo volta para casa, e dentro de cinco anos come estrada novamente até o Araguaia.




quinta-feira, 21 de julho de 2011

Sem dar mole para a solidão

Fonte: Jornal Brasil de Fato

Análise

As pessoas têm amigos virtuais, se encontram pela rede e, em casa, afundam-se numa poltrona em frente à televisão

12/07/2011

Elaine Tavares

Já faz um ano que dobrei o cabo dos 50 e, talvez por isso, por já ter vivido tanto, a gente vai ficando cheia de melancolia. O tempo se expande, as coisas mudam muito rapidamente e quando vem o fim da tarde, nos surpreende emaranhada em lembranças passadistas. Outro dia fiquei assim depois de ler um correio eletrônico de uma amiga do meu pai, uma adorável senhora de mais de 80 anos. Pois ela é uma mulher ligada no tempo, vive conectada na internet, espalhando e recebendo informações. Acredita que as coisas modernas são conquistas de todos e que ninguém deveria ter de abrir mão delas.

Quando a visitamos há cerca de dois anos, ela nos recebeu com um churrasco gordo – típico da fronteira gaúcha – e sua habitual energia. Falou mal dos políticos e lembrou que lá, para os lados de Uruguaiana, quando alguém dava um passo errado ou se mostrava bandido, era costume se tocar o vivente campo afora com uma tocha acesa, cutucando a bunda. “É o que tínhamos de fazer com esses vagabundos que não cumprem as promessas: tocar a tocha acesa e fazer sair num carreirão”.

Ontem recebi um correio dela, e vinha melancólico, como eu. Falava da alegria que era, nos tempos antigos, de se sair de casa e fazer visitas aos vizinhos e parentes. A família se arrumava, a gurizada botava sapato novo, e lá iam todos, “a pezito no más”, para uma visita familiar. A vida se fazia em comunidade, as pessoas se conheciam. Nas ruas pacatas das cidadezinhas, quando a noite vinha, nas primaveras e verões, as famílias sentavam à calçada enquanto o piazedo brincava pela rua afora, bem à vista dos pais. Ninguém tinha medo de sequestro relâmpago ou de qualquer outro perigo externo. O máximo que se temia era a “velha da trouxa”, um tipo de mito que os pais inventavam para que as crianças não fossem muito longe.

Se era inverno, tempo de muito frio e vento gelado, a hora comunitária acontecia depois do almoço. O povo saía para a frente da casa, a comer bergamota e fuxicar, lagarteando (tomando sol). Os vizinhos se conheciam intimamente e todos cuidavam de todos, porque a vida se fazia em partilha e comunhão.

“Hoje, os mais novos são formados em solidão”, diz Elza. Não há mais saídas em família. Os amigos se telefonam e se convidam para sair. Nunca para entrar. Não há jantares nas casas uns dos outros, ninguém se visita. Os encontros são feitos em bares, restaurantes, campos neutros, descomprometidos, impessoais. As pessoas têm amigos virtuais, se encontram pela rede, trocam e-mails e, em casa, afundam-se numa poltrona em frente à televisão. Nas ruas há o medo, ninguém mais senta às calçadas, as crianças brincam nos plays. E nas gavetas dos armários proliferam os alprazolans (drogas químicas), porque, mesmo diante dessa realidade, é uma obrigação social que a pessoa seja “felizinha”.

As lembranças de Elza, e minhas também, são de um tempo outro, quando o sistema capitalista ainda não tinha aprofundado suas raízes no nosso país. Agora, diante do quadro de dependência econômica e superexploração do trabalho – típicos do capitalismo dependente - quem tem tempo para sentar às calçadas, comunitariamente, a contar histórias? Há que estar o tempo todo a trabalhar, ganhar dinheiro, para comprar mais, e mais, e mais. A roda do consumo girando loucamente, inclusive no que diz respeito às pessoas. Aquele que consegue manter um amigo por mais de cinco anos é quase um herói. As relações são fluidas, supérfl uas, descartáveis.

Elza, que é otimista, não choraminga. Ela analisa seu tempo, fala com saudade do que já passou, mas afugenta a tristeza. “Esse é um tempo novo. Haveremos de encontrar caminhos. Mas que há muita solidão, isso há”. E tem horas que dói! Mas a solidão de que fala não é simplesmente essa de se estar sozinho no meio do nada. É a triste solidão de estar vazio, de não ter mais sonhos, projetos, essas molas que nos tocam para frente, a utopia. A certeza aparentemente absurda de se olhar um campo vazio e saber que ali nascerão flores. Assim andamos nesses tempos sombrios. Com olhos visionários, a vislumbrar o que ainda virá. E o que nos faz andar é isso mesmo: a certeza de que virá!

Elaine Tavares é jornalista.

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Comentários

Sem dar mole para a solidão

Jucelene Oliveira - 2011-07-14 17:48

Li seu texto e achei-o muito interessante.

Eu ainda não cheguei aos 30, mas me lembro de muitas coisas que quando eu era criança aconteciam e que agora, há muito tempo, já não aciontecem mais. Lembro dos estabelecimentos fechados aos domingos e das famílias almoçando juntas à mesa e depois, sentadas ao sofá para assistir aqueles programas de domingo. Também sinto um pouco de melancolia quando lembro disso. Hoje as pessoas não têm tempo para nada, nada mesmo. Amigos, só virtuais, e um monte de gente desconhecida que adicionam nas redes sociais para dizer que são populares. Doce ilusão.

Parabéns por suas reflexões. Me identifiquei bastante.




quinta-feira, 14 de julho de 2011

Tributo ao cantor e compositor Zé Martins


Frei Gilvander Moreira(1)

“Canta comigo. Cante esta canção, pois cantando sonharemos juntos pra fazer o mundo mais irmão... Eu quero acreditar na vida, ver o sol em cada amanhecer, ter no rosto um sorriso amigo, acreditar que o sonho é pra valer.” (Música “Eu quero acreditar”, de Zé Martins)

“Quem tem assim um pai apaixonado não fica só nem termina abandonado...” (Música “Pai Apaixonado”, de Zé Martins)

“Liberdade vem e canta e saúda este novo sol que vem. Canta com alegria o escondido amor que no peito tens. Mira o céu azul, abraço aberto pra te acolher.” (Música “Liberdade”, de Zé Martins).

“Olha o reino de Deus chegando, ele já está aqui, é o amor se concretizando, fazendo o povo feliz...” (Música “Tempo de Deus”, de Zé Martins).

----------Sentindo já uma grande saudade tenho a ousadia de quebrar o silêncio, respeitoso e reverente, para recordar um pouco da grandeza espiritual e cultural que Zé Martins legou ao povo cristão. Suas músicas libertadoras cantarão para sempre em meu ser. Estar ao lado de Zé Martins em assessoria de Encontros de CEBs – Comunidades Eclesiais de Base - foi uma bênção que nunca esquecerei. Tive a graça de partilhar alguns momentos inesquecíveis de convivência com este amigo, companheiro, pastor e profeta, semeador de esperança, de fraternidade, de justiça e de amor. Tudo isso a partir da forma como nos fez ver a vida cristã em suas composições. No som e na letra das suas músicas.
----------José Martins de Paula – o nosso cantor e compositor mineiro Zé Martins – morreu e ressuscitou, aos 49 anos, na noite do dia 16 de outubro de 2009, em Pouso Alegre, MG, onde foi sepultado. Mesmo tendo uma Tuberculose Cerebral em 2002, que foi vencida com muita garra, conseguiu realizar vários projetos e sonhos, como: ingressar na faculdade de Direito, coordenar a equipe de Canto do 11º Intereclesial das CEBs, em Ipatinga, MG, em julho de 2005; assessorar brilhantemente a Equipe de Canto do 12º Intereclesial das CEBs, em Porto Velho, RO, em julho de 2009; e Viver, simplesmente viver e conviver ...
----------Nos últimos três dias de vida, foi acometido por uma infecção generalizada que o levou precocemente para a eternidade. Em 24 de março de 1960, nascia Zé Martins em São João do Manteninha, MG. Filho de Alício, um alfaiate e de Esmeralda, uma costureira, era o mais velho em uma família de 10 filhos. Casado há 17 anos com Ângela Garcia de Carvalho com quem teve duas filhas: Betânea (13 anos) e Beatriz (16 anos). A essas Zé Martins somava mais uma, Bárbara, filha de Ângela, do primeiro casamento dela, considerada uma filha e que lhe deu o único neto que conheceu em vida, João Gabriel, “alegria de sua vida”, filho de Bárbara e Emerson.
----------“Zé Martins era um apaixonado com a vida; tinha uma vontade enorme de viver. Superou muitas dificuldades” sussurra Ângela, entre lágrimas.
Além de compositor de aproximadamente 1200 músicas religiosas, Zé Martins foi religioso jesuíta, estudou filosofia e teologia. Estava cursando Direito (6º período) e dizia-se decidido a se tornar um juiz de direito. Sempre muito ligado às CEBs integrava a equipe de articulação das CEBs mineiras. Tinha laços estreitos com as Pastorais da Juventude do Brasil.
----------Zé Martins foi o editor de 49 edições da Revista de Canto Pastoral EM CANTAR(2) , que tem como objetivo apresentar canções de cantores e compositores das Comunidades cristãs para evangelizar através da música.
----------Zé Martins participou do Grupo MARCA – Movimento de Artistas da Caminhada -, cultivando grande amizade com os cantores Zé Vicente, Padre Zezinho, Irmã Sílvia, Socorro Lira, Vera Lúcia, Babi Fonteles, Roberto Malvezzi (Gogó), João Bento e muitos outros.

Gravou três CDs pelas Edições Paulinas-COMEP (38 músicas):
1) Certezas (1994); 2) Seguindo (1999); 3) Pra festa jamais acabar (2002).
Criou com Ângela (grande parceira dele) o CENOR – Centro Oscar Romero – www.estudiocenor.com.br – pelo qual gravou os seguintes CDs: a) Maria Mãe (Cantos de Nossa Senhora); b) Eu Digo Sim (Cantos Vocacionais); c) Jesus é o Presente (Missa de 1ª Eucaristia); d) Jesus, Deus Conosco (Cantos para celebrar o Natal).
Zé Martins lançou também três coleções de CDs com livrinhos de cantos: 1) Missas e salmos do Tempo Comum; 2) Missas especiais (do Coração de Jesus, Missa Vocacional, Missa da Bíblia, Missa do Crisma); 3) Cantos para Quaresma, Semana Santa e Páscoa. Ele estava preparando novas coleções de músicas.

----------De 26 a 29 de julho de 2007, Zé Martins havia ajudado na assessoria do 5º Encontro Mineiro das CEBs, em Uberlândia, MG, que teve como tema “CEBs, ECOLOGIA E MISSÃO” e como lema “na construção de uma sociedade sustentável a serviço da vida.” Naquele encontro, Zé Martins foi a liderança na coordenação da animação, sempre incentivando os novos cantores e artistas. Nunca quis brilhar sozinho. Deve-se divulgar que no final do encontro, no momento de avaliação, ao percebermos que tínhamos ficado com dívidas, foi o primeiro a repassar todo o dinheiro que ele tinha conseguido com a venda de seus CDs para ajudar no pagamento das despesas do encontro. Nunca se preocupou em acumular riquezas.
----------Zé Martins revelou também o grande compromisso e paixão que o movia no apoio à APAC – Associação de Proteção e Amparo aos Condenados - de Pouso Alegre, dedicando-se a esse projeto de todo o coração. Acreditava no ser humano.
----------O compositor e cantor João Bento, primo de Zé Martins, agradece ao Zé Martins pela publicação de quase 100 canções de sua autoria na Revista EM CANTAR e nos recorda: “Zé Martins foi um autêntico cristão, militante, pois, ainda jovem, foi até preso na defesa dos ideais de libertação. Foi um evangelizador libertador. Um sonhador que colocou quase todos seus ideais em prática. Um filho amoroso, um esposo companheiro, um pai muito apaixonado. Era também um humorista, gostava de contar “causos” e piadas. Uma pessoa bem-humorada.”
----------Elisiê, irmã caçula de Zé Martins, diz: “Perdi mais que um irmão, perdi também um pai, um amigo. O Zé, por ser o mais velho, virou nosso patriarca depois que nosso pai faleceu e mesmo morando em outra cidade, era sempre presente.”
----------Zé Martins gostava de definir as CEBs assim: “As CEBs são um nível eclesial fundamental onde os batizados vêem sua fé de modo comunitário, profético e missionário numa opção preferencial pelos pobres denunciando o sistema capitalista e animando a todos para a construção de uma sociedade orientada pela utopia do Reino de Deus”.
----------Obrigado Zé Martins! Partilhando vida em plenitude – vida eterna e terna -, ao lado de Irmã Dorothy, Dom Hélder, Dom Luciano, Dom Oscar Romero e “144 mil”, você continuará muito vivo em nós, no nosso meio, mesmo na ausência física. Tentaremos vivenciar os valores tão nobres que você testemunhou ao longo dos seus bem vividos 49 anos.
----------Cantaremos com você pra fazermos um mundo mais irmão!

No link, abaixo, Homenagem das CEBs de São José dos Campos a Zé Martins:
http://video.tiscali.it/canali/truveo/86267477.html

(1) Carmelita, mestre em Exegese Bíblica, professor de teologia Bíblica, assessor da CPT, CEBI, CEBs, SAB e Via Campesina; e-mail: gilvander@igrejadocarmo.com.brwww.gilvander.org.br

(2) Em média 20 músicas por Revista.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Especial ECA 21 Anos






As contribuições do ECA à noção de direito à educação

Salomão Barros Ximenes

Salomão Barros Ximenes é advogado e coordenador de programa da ONG Ação Educativa

Antes mesmo que a própria legislação do ensino – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996) e Plano Nacional de Educação (2001) -, o ECA veio reafirmar o direito à educação de crianças e adolescentes na forma estabelecida na Constituição Federal de 1988. No entanto, a partir do olhar retrospectivo, há três aspectos sobre os quais o ECA depositou mudanças profundas no campo educacional.

A primeira mudança decorre da própria revolução da noção jurídica de infância e adolescência, amplamente relatada na literatura, que deixaria de ser considerada sob o signo da inferioridade e da tutela e passaria ao estágio de sujeito de direito. Evidente que as implicações sociais, políticas e jurídicas daí advindas ainda estão muito longe de serem compreendidas e vivenciadas na prática. Na educação escolar há uma melhor delimitação de tais implicações: o estudante (sujeito de direito) ganha o direito ao respeito por parte do educadores. Na verdade, mais que meros destinatários, as crianças e adolescentes passam a ser sujeitos da comunidade escolar, com direito a contestar critérios avaliativos e a recorrer a instância avaliativas superiores e a participar e atuar politicamente em entidades estudantis livres e autônomas (ECA, art.53). Tais direitos, é preciso que se diga, são amplamente violados uma vez que se contrapõem à cultura escolar hegemônica.

Relacionado à assunção de um novo sujeito na escola – o estudante – há a própria mudança do lugar dessa instituição (se não a mudança completa, ao menos a incorporação de uma nova identidade). A escola, além de agência (re)produtora de padrões e conhecimentos, passa ser encarada como espaço de realização de direitos, sendo por isso chamada a compor o denominado Sistema de Garantias de Direitos. Isso exige das instituições de ensino a abertura de canais de comunicação com órgãos de promoção, defesa e controle social dos direitos infanto-juvenis e dos direitos humanos em geral. A escolas perdem a “autonomia” para escolher os bons estudantes e passam, do contrário, a ser cada vez mais demandadas a colaborar com as políticas de prevenção e reparação a direitos violados.

Também a implantação desta nova identidade sofre enormes resistências nos sistemas de ensino, o que pode ser expresso na desconfiança generalizada em relação aos Conselhos Tutelares, entidades de atendimento e Justiça especializada.

Na verdade, o desafio apontado pelo ECA diz respeito à própria ampliação da noção de educação escolar hoje em voga, o que pode ser expresso no debate sobre indicadores de qualidade do ensino. A educação é parte dos direitos humanos, o que implica tanto o reconhecimento da exigibilidade e justiciabilidade da educação nas instâncias nacionais e internacionais de tutela a tais direitos como que a educação deve promover a realização dos demais direitos humanos e respeitar, em seu processo, os direitos dos sujeitos implicados.

Daí a necessidade de dar voz aos mais diferentes atores do processo educacional – inclusive e sobretudo as criança e os adolescentes -, fortalecendo na sociedade uma concepções democratizadora de qualidade e de avaliação da educação, capazes de dar conta de todas as dimensões de realização desse direito: insumos assegurados com igualdade, processos educacionais que respeitem os direitos humanos e assegurem autonomia dos sujeitos e das escolas e, por fim, resultados que expressem uma concepção ampla de educação, capaz de formar para o desenvolvimento humano, a inserção no mundo do trabalho e o exercício da cidadania. Como resultado geral de uma educação conforme os direitos humanos espera-se, sobretudo, uma sociedade igualitária, no sentido de que as oportunidades educacionais, econômicas e sociais não sejam pré-determinadas, quase que como direitos reais repassados por herança.

Tais reformas requerem uma combinação de autonomia efetiva e condições de gestão democrática nos sistemas de ensino. Autonomia que não seja confundida com abandono ou com impermeabilidade aos demais órgãos, mas que tem como pressuposto a ampliação significativa do investimento na escola pública, a valorização dos trabalhadores da educação, capaz de tornar o magistério uma profissão desejada pela maioria dos jovens, e a formação permanente desses profissionais.

Assim, é inegável que a noção jurídica de infância e adolescência e a ampliação da função social da escola ocorreu, até os dias de hoje, muito mais na esfera normativa que na realidade. Por falar em realidade, o enfoque no debate sobre qualidade social do ensino não nos pode fazer esquecer que há enormes desafios ainda no aspecto da inserção escolar de amplos contingentes de crianças e adolescentes, sobretudo das camadas populares. Só 19% das crianças de zero a três anos tem oportunidade de freqüentar uma creche; 24% daquelas com idade entre quatro e cinco anos não encontra vagas em pré-escolas, mesmo sendo sua matrícula obrigatória por força da Emenda Constitucional n° 59/2009; mais de 1 milhão de crianças e adolescentes com idade entre 6 e 14 anos, adequada para o ensino fundamental, ainda se encontra fora das escolas, apesar do senso comum quanto à “universalização” do acesso a esta etapa; e, no ensino médio, além da exclusão escolar, temos enormes problemas quanto ao fluxo e permanência dos estudantes nas escolas, sem falar na pouca perspectiva de continuidade dos estudos em instituições de qualidade.

Mas há um ponto em que o ECA trouxe resultados efetivos: o reconhecimento da exigibilidade do direito à educação de crianças e adolescentes. Quando de sua promulgação, em 1990, os direitos sociais em geral eram entendidos como inexigíveis, uma vez que se tratavam de objetivos constitucionais e legais a serem implementados progressivamente através de políticas públicas.

O ECA, no entanto, como o Código de Defesa do Consumidor, trouxe uma nova perspectiva para o ativismo jurídico em defesa dos direitos coletivos e difusos, provocando, por conseguinte, a resposta de instituições estatais de defesa como o Ministério Público, a Defensoria Pública e o próprio Judiciário. Este passa a crescentemente reconhecer a possibilidade de se exigir judicialmente o controle de políticas públicas, sobretudo quando o Poder Público se omite na garantia de vagas em escolas para todas as crianças de uma determinada circunscrição. Mesmo limitadas do ponto de vista temático, essas novas demandas abrem um conjunto de possibilidades para a luta social por direitos educacionais, incorporando definitivamente o princípio da justiciabilidade que estrutura o chamado “eixo de defesa” do Sistema de Garantias inaugurado pelo ECA.

* Advogado, graduado em direito, mestre em Educação Brasileira pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e doutorando em Direito do Estado (USP). É assessor e coordenador de programa da ONG Ação Educativa Assessoria, Pesquisa e Informação e membro da Comitê Diretivo da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.



terça-feira, 12 de julho de 2011

Que saudades do FASC!


Zezito de Oliveira
Lar Imaculada Conceição (frente) e Museu de Sergipe (lado)

Zezito de Oliveira · Aracaju, SE
12/7/2011

Na última sexta-feira, 08 de julho de 2011, a querida cidade de São Cristóvão se preparou com pompa e circunstância para acolher a ministra Ana de Hollanda, e outras autoridades ligadas ao campo da cultura, para receber a certidão da UNESCO que confere o título de Patrimônio Cultural da Humanidade à Praça São Francisco.

Pouco antes do ato solene, dois representantes da comissão do Movimento PRÓ-FASC, Zezito de Oliveira e Glauber de Souza, entregaram à ministra da Cultura, Ana de Hollanda, um dossiê pró retomada do
Festival de Arte de São Cristóvão (FASC), uma cópia do manifesto e uma camisa alusiva à campanha.

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