Lula
Neste ano estamos exportando para a França o que considero uma das maiores riquezas da nação brasileira: a nossa cultura. Após um acordo firmado por mim e pelo presidente @EmmanuelMacron em 2023, ficou determinado que 2025 seria o Ano Cultural Brasil-França, em celebração aos 200 anos de relações diplomáticas de nossos países.
Hoje visitamos a exposição “Nosso Barco Tambor Terra”, do artista brasileiro Ernesto Neto, que faz parte da programação cultural brasileira na França. Esta obra reúne instrumentos e elementos sensoriais que criam uma linguagem universal, capaz de ir além das palavras e aproximar culturas e sentimentos.
A cultura brasileira cruzou os oceanos e está construindo pontes e tocando corações ao redor do mundo.
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Discurso do presidente Lula ao receber o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade Paris 8, na França
Discurso lido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao receber o título de Doutor Honoris Causa, concedido pela Universidade Paris 8, na França, em 6 de junho de 2025
Publicado em 06/06/2025 06h21 Atualizado em 06/06/2025 06h22
Recebo, com imensa alegria, o título de Doutor Honoris Causa concedido pela Universidade Paris 8.
É uma honra ser o segundo brasileiro laureado, colocando-me ao lado de uma grande pensadora e filósofa, amiga, petista, Marilena Chauí.
A homenagem de hoje não é apenas um reconhecimento pessoal.
É um reencontro com valores que moldaram minha vida: a justiça social, a educação como ferramenta de emancipação e o compromisso com os que sempre tiveram de lutar por voz e por espaço.
Forjei minha trajetória na defesa dos direitos dos mais vulneráveis.
Esta universidade nasceu da esperança e da coragem do povo francês, no calor das ruas de 1968.
Construiu-se como resposta às exigências de uma juventude que sonhava com um mundo mais igualitário e um ensino mais acessível, crítico e conectado às realidades sociais.
Acolheu estudantes de todas as origens como parte central de seu projeto.
Paris 8 foi pioneira ao abrir as portas para os filhos da classe trabalhadora, os imigrantes, os que não tinham sobrenome famoso.
Mostrou que o saber não é privilégio — é direito.
Aqui grandes pensadores como Foucault, Deleuze, o cientista social brasileiro Josué de Castro e meu querido amigo Marco Aurélio Garcia ajudaram formar um pensamento crítico, que não aceita injustiça como destino e que está comprometido com a transformação social.
Carrego comigo a convicção de que o papel da política não é administrar a desigualdade, mas enfrentá-la.
No Brasil, que fundou suas primeiras universidades somente no início do século 20, o ensino superior sempre foi pensado e reservado para a elite.
Foi preciso que um metalúrgico sem diploma universitário chegasse ao poder pelo voto popular para mudar essa realidade.
Tenho a honra de ser o presidente que mais criou instituições de ensino técnico e superior.
Nos governos do Partido dos Trabalhadores consolidamos um modelo de ensino mais aberto e inclusivo.
Com a presidenta Dilma Rousseff, aprovamos a lei de ação afirmativa que mudou a cara dos egressos das universidades brasileiras.
Em consulta com nossos povos originários, criaremos a primeira Universidade Indígena até 2026.
Essa revolução na educação é uma das ferramentas mais poderosas para romper o ciclo da fome e da pobreza que voltou a assolar o Brasil no governo de meu antecessor.
A fome, como dizia Josué de Castro “é a expressão biológica dos males sociais”.
Quem sente fome tem sua existência aprisionada na dor do presente. Torna-se incapaz de pensar no amanhã.
Tirar o Brasil do mapa da fome, como fizemos em 2014, é o compromisso mais urgente do meu governo.
A essência da democracia é governar para todos.
É assegurar participação popular real, com trabalhadores organizados, com juventude crítica e movimentos sociais respeitados.
Em várias partes do mundo, a extrema direita voltou a atacar as universidades.
Seu método é o mesmo do adotado pelas ditaduras que assolaram a América Latina no século passado:
- afrontar professores e estudantes e coibir o pensamento crítico e a diversidade;
- calar a ciência, censurar a arte e transformar as salas de aula em instrumento de dominação.
A extrema direita tem medo da educação porque sabe que é onde nasce a consciência.
A França, que acolheu tantos intelectuais brasileiros exilados, sabe que defender as universidades é resguardar a ciência.
Em tempos de desinformação e negacionismo, o saber deve ser protegido como instrumento de bem comum.
A Inteligência Artificial está revolucionando modos de aprendizado, de vida e de produção.
As oportunidades que se abrem são ilimitadas. Mas os riscos não são menores.
A ausência de regulação das redes digitais só interessa às grandes corporações.
A Cúpula do BRICS, que sediaremos no Brasil em um mês, vai adotar uma Declaração sobre Governança da Inteligência Artificial.
A defesa do regime multilateral de clima é outro exemplo de como as soluções para os dilemas da humanidade passam de forma inequívoca pelo Sul Global.
As universidades também têm papel decisivo no enfrentamento da crise climática.
De suas cátedras emanam os múltiplos alertas sobre os riscos ambientais que ameaçam o planeta.
De suas salas, sairão as jovens lideranças que unirão ciência, inovação e conhecimento tradicional para delinear os caminhos de uma transição ecológica justa.
O pensamento crítico também caminha lado-a-lado com a luta anticolonial e o combate ao racismo, à misoginia, à xenofobia e todas as formas de discriminação.
As universidades e o movimento estudantil seguirão como vozes da resistência intelectual aos horrores cometidos em todas as guerras.
Não é possível permanecer indiferente ao absurdo da guerra na Ucrânia e do genocídio do povo palestino em Gaza.
A intolerância e o extremismo comprometem os esforços coletivos de diálogo e corroem a confiança nas instituições.
A gravidade do momento exige a defesa firme dos valores que unem a humanidade: a defesa da paz, do multilateralismo e do desenvolvimento sustentável.
Fortalecer a educação emancipadora por meio da cooperação acadêmica é fundamental.
Todos os anos, milhares de estudantes, pesquisadores, artistas e empreendedores circulam entre nossos países.
Trocam ideias, constroem pontes e semeiam inovação.
Agradeço os esforços empreendidos pela gestão da reitora Annick Allaigre e de seu sucessor Arnaud Laimé para estreitar os laços entre esta universidade e o Brasil.
Iniciativas como o programa de dupla diplomação em História, com a Universidade do Estado do Rio de Janeiro, e o acolhimento generoso aos nossos doutorandos indígenas são ações concretas que reforçam o espírito de inclusão e colaboração conjunta.
O engajamento da Universidade Paris 8 com o Ano Brasil-França 2025 também é exemplo de como esta parceria pode se desdobrar em projetos acadêmicos, científicos e culturais.
Queridas amigas e queridos amigos,
Agradeço à Universidade Paris 8 mais uma vez pela homenagem e pela acolhida.
Que o dia de hoje seja mais uma semente lançada para fortalecer os laços humanos entre a França e o Brasil e para inspirar as novas gerações a sonhar, a questionar e a agir.
Que sigamos honrando o legado do mestre brasileiro Paulo Freire e colocando a educação como prática da liberdade, o diálogo como método e a crítica como ferramenta de emancipação.
Só o conhecimento pode romper as correntes da desigualdade e construir sociedades mais justas. Viva a Universidade Paris 8!
Viva a educação como instrumento de transformação!
Muito obrigado.
Lula foi condecorado doutor pela Universidade de Paris, sem nunca ter obtido um diploma de terceiro grau.
Foi condecorado "não porque decorou Foucault, mas porque entendeu na prática que saber é direito".
Viva Lula, essa lenda viva!
E deixemos que Leal Kostav nos informe das minúcias da cerimônia.
O OPERÁRIO QUE SE TORNOU DOUTOR EM PARIS
Soube que Lula se tornou doutor na França. Não um doutor desses que mandam a gente tirar a roupa e tossir, nem um doutor de cartório que carimba papel e pede mais três vias assinadas, mas um Doutor Honoris Causa, que é o tipo de doutor que a gente vira sem precisar fazer prova nem tese, bastando fazer história. Pois Lula fez. E agora está lá, falando em francês com tradutor, num palco com estandartes, enquanto a elite engole seco e sorri amarelo.
A cerimônia foi na Universidade Paris 8, que tem um nome tão genérico quanto um remédio genérico, mas que é, veja , um bastião da rebeldia, nascida da fervura de 1968, quando os franceses descobriram que podiam protestar com estilo, jogando paralelepípedos e citando Foucault na mesma frase. Pois foi nesse templo da ousadia acadêmica que Lula, o ex-metalúrgico que já foi preso e se tornou presidente três vezes, fez-se doutor — com direito a palmas, cachecol e citação de Paulo Freire. Lula fez um discurso que teria deixado muita gente no Brasil com urticária ideológica. Falou de educação, de inclusão, de fome, de universidade indígena e até do genocídio em Gaza. Disse que só a educação liberta, que o saber não é privilégio, é direito — coisa que, aliás, parece óbvia, mas no Brasil dá briga. Citou Marilena Chauí, o que já é uma provocação por si só. E ainda chamou a extrema direita de inimiga da educação, o que, sejamos justos, não é exatamente uma mentira, considerando o histórico recente de livros arrancados, ciências humanas ridicularizadas e terraplanismo institucionalizado. Imagino o pessoal do contra roendo os dentes. O homem que não tem diploma universitário está sendo homenageado por uma universidade francesa! É quase como ver um vira-lata ganhar concurso em Westminster. Mas Lula, como todo bom nordestino acostumado a ouvir “não” com naturalidade, sorriu, agradeceu e voltou a falar de universidade como instrumento de transformação. Não pediu desculpas por ter chegado lá. Nem devia.
O curioso é que Lula, com todos os seus defeitos, tem o talento de virar símbolo. Ele não discursou por si — discursou por milhões. Os que não chegaram lá, os que ainda estudam em salas quentes com ventilador quebrado, os que fazem Enem com fome, os que só entram na faculdade quando tem cota. É esse o tipo de discurso que não se aprende em curso de oratória nem em pós-graduação: o da vida vivida, da derrota mastigada, da esperança insistente. Dizem que ele vai criar a primeira universidade indígena do Brasil. Eu acredito. Se vai funcionar ou não, é outra conversa, mas só a ideia já vale. E quando ele diz que o Brasil vai tirar de novo o nome do mapa da fome, fico pensando que um país que precisa tirar e recolocar o nome nesse mapa várias vezes é um país com problema de memória — ou de vergonha.
No fim, foi bonito. Lula, o sem diploma, foi doutorado pelos doutores, não porque decorou Foucault, mas porque entendeu na prática que “o saber é direito”. E agora tem um cachecol francês no armário. O Brasil, claro, continuará dividido: metade aplaude, metade chia. E Lula, como sempre, seguirá andando, como quem já viu coisa demais para se espantar com elite ressentida.
Balanço da viagem
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