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terça-feira, 16 de setembro de 2025

VIVI PARA VER. Frei Betto

 Dia histórico

Trecho da canção O Bêbado e a Equilibrista, eternizada na voz de Elis Regina.

Compositores: Aldir Blanc Mendes / João Bosco de Freitas Mucci


         Eu tinha 19 anos em junho de 1964. Morava no Rio, em uma “república” de estudantes dirigentes da Ação Católica. Na madrugada de 5 para 6 daquele mês, agentes do serviço secreto da Marinha, o Cenimar, invadiram nosso apartamento armados de metralhadoras. Fomos todos levados para o Arsenal da Marinha. Aos socos e pontapés me torturaram, convencidos de que eu era Betinho, líder da Ação Popular, uma organização de esquerda,  e anos depois da Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida

        Entre o cárcere militar e a prisão domiciliar, fiquei retido um mês. Não houve processo ou reparação. Nem sequer o direito a um advogado. Dei-me conta do que é uma ditadura.

        Cinco anos depois fui novamente preso em Porto Alegre por favorecer a fuga do Brasil de perseguidos pelo regime militar. Trazido para São Paulo, presenciei torturas, perdi companheiros e companheiras assassinados por militares e policiais civis. Ao longo de quatro anos, transitei entre oito cárceres diferentes. Fiquei dois anos entre presos políticos e mais dois na condição de preso comum com narcotraficantes, assaltantes de bancos, assassinos contumazes, estelionatários e estupradores. 

        Ao completar quatro anos de cárcere, o STF reduziu minha pena para dois anos... Manteve, porém, a cassação de meus direitos políticos por 10 anos. Nenhum de meus torturadores, juízes ou carcereiros jamais respondeu à Justiça pelos crimes e abusos praticados. Foram todos beneficiados pela aberração da “anistia recíproca” decretada pelo general Figueiredo.

        Tudo que vivi e sofri sob a ditadura está contido em meus livros “Cartas da Prisão” (Companhia das Letras); “Batismo de Sangue” e “Diário de Fernando” (ambos da Rocco). 

        Agora, sinto certo alívio ao ver Bolsonaro e seus cúmplices de organização criminosa condenados pelo STF por atentarem contra o Estado Democrático de Direito. Alívio, não por vingança, e sim por reparação simbólica que restitui à vida um sentido. Ver o direito prevalecer sobre a barbárie pode ser, para quem já peregrinou longos anos, a confirmação de que o mundo não é inteiramente injusto.


        Esperar é um exercício de resistência. Carreguei a dor em silêncio e envelheci sem jamais perder a esperança de, um dia, ver militares golpistas punidos pela Justiça. Suporto a cada dia o vazio deixado pela perda de tantos companheiros e companheiras, como frei Tito, meu confrade na Ordem Dominicana; Heleny Guariba, colega de teatro e cárcere; Jeová de Assis Gomes, Carlos Eduardo Pires Fleury, Aderbal Coqueiro e tantos outros(as) a mim irmanados na prisão e na resistência à ditadura. 

        O escritor grego Ésquilo afirma, em “Agamêmnon”, que “A dor é a mestra mais verdadeira” . A mim, a dor não apenas ensinou; moldou décadas de sobrevivência, sustentadas pela esperança de que um dia arautos da ditadura responderiam por seus atos.

        O tempo muitas vezes é cruel. Paradoxalmente, amadurece os frutos da Justiça. Miguel de Cervantes escreveu em “Dom Quixote”: “A verdade pode andar sufocada, mas jamais morre”. Assim, mesmo encoberta por manobras jurídicas, recursos e adiamentos, permanece viva e aguarda a hora de se impor.

        Disse Sêneca, filósofo romano: “A justiça não consiste em ser neutra entre o certo e o errado, mas em encontrar o certo e sustentá-lo contra o errado”. Para mim, o tribunal que agora condena os cabeças da intentona golpista de 2023 representa exatamente isto - a recusa em ser neutro diante da barbárie.

        Não há sentença capaz de devolver vidas perdidas em 21 anos de democracia sonegada, mas há decisões que devolvem dignidade a quem ficou. Hannah Arendt, ao refletir sobre o mal e a responsabilidade, lembrava que “a justiça deve estar sempre presente, ainda que o mundo acabe”. Sinto-me, agora, amparado pelo peso ético de uma instituição democrática, o STF, que cumpriu seu dever.

        Meu estado de tranquilidade não nasce da alegria, mas da paz. Viktor Frankl, sobrevivente dos campos de concentração, escreveu em seu “Em busca de sentido”: “A felicidade deve brotar como efeito colateral da dedicação pessoal a uma causa maior”.

        Punir Bolsonaro e sua organização criminosa significa preservar a memória de tantos que fomos e somos vítimas de 21 anos de ditadura. Ao ver a Justiça reconhecer oficialmente os culpados de agressão à democracia, percebo que o exemplo de resistência de Marighella, Lamarca e tantos que lutaram contra o arbítrio, não foi apagado pelo esquecimento. A sentença eterniza suas ausências como presenças.

        Um idoso como eu, ao ver golpistas punidos, resgato a confiança - ainda que tardia - no poder humano de distinguir o justo do injusto, o bem do mal. O que sinto não é euforia, mas reconciliação com a vida e a democracia.

 Frei Betto é escritor, autor do romance sobre massacre de indígenas na Amazônia, “Tom vermelho do verde” (Rocco), entre outros livros. Livraria virtual: freibetto.org

 Assine e receba todos os artigos do autor: mhgpal@gmail.com

sexta-feira, 12 de setembro de 2025

Sobre o julgamento e condenação de Bolsonaro e alguns militares golpistas. Depoimento de quem poderia ter morrido no atentado do Riocentro em 1981.

 Por Zezito de Oliveira

Já imaginaram quantos mortos teriam o país , caso as coisas tivessem dado certo para Bolsonaro e sua entourage ou entorno mais próximo ? Além da morte anunciada de LulaAlckmin e Alexandre de MoraesQual seria o número de pessoas desaparecidas, exiladas e presas, sem direito ao processo legal que Bolsonaro e seu séquito mais próximo estão tendo? Sem contar a quantidade de desconfiança e delações que criaria um clima extremamente tóxico no campo das relações entre familiares, vizinhos, colegas de trabalho ou de escolas e universidades, irmãos nas igrejas e etc? 

Outras canções temáticas sobre a ditadura militar

Existem muitas canções temáticas sobre a ditadura militar no Brasil, como "Pra não dizer que não falei das flores" de Geraldo Vandré, que se tornou um hino de resistência, ou "O Bêbado e a Equilibrista" de João Bosco e Aldir Blanc, que homenageia os perseguidos pelo regime. Outras músicas importantes são "Cálice" de Chico Buarque e Gilberto Gil, com seu duplo sentido entre o cálice de sofrimento e a ordem de "cale-se", e "Apesar de você" de Chico Buarque, que critica a repressão com sarcasmo. Canções como "Mosca na Sopa" de Raul Seixas, e músicas de festivais como "É Proibido Proibir" de Caetano Veloso, também são exemplos de críticas ao regime militar. 
Canções icônicas de protesto e resistência:
"Pra não dizer que não falei das flores" (Geraldo Vandré): Uma das mais famosas, foi proibida pelos militares e se tornou um símbolo da resistência popular contra a opressão. 
"Cálice" (Chico Buarque e Gilberto Gil): Aborda o sofrimento do povo brasileiro durante a ditadura, usando a metáfora bíblica do cálice de Jesus e a palavra "cale-se" para criticar a censura e a repressão. 
"O Bêbado e a Equilibrista" (João Bosco e Aldir Blanc): Uma canção sobre a perda da liberdade e a morte de um jornalista (Vladimir Herzog), tornando-se um hino da Lei da Anistia
"Apesar de você" (Chico Buarque): Uma sátira sobre a vida sob a ditadura, criticando a falta de liberdade e a submissão da população. 
"É Proibido Proibir" (Caetano Veloso): Um marco dos festivais de música, representando a rebeldia e a crítica a um regime que impunha limites e proibições. 
"Mosca na Sopa" (Raul Seixas): Usando a metáfora da mosca que incomoda e não pode ser exterminada, a música representa a resistência dos que não se calavam, mesmo diante da repressão. 
"Comportamento Geral" (Gonzaguinha): Uma crítica à conformidade e à repressão impostas pelo regime militar. 
"Roda Viva" (Chico Buarque): Uma canção que se tornou um símbolo da luta pela liberdade, sendo apresentada em um musical com forte mensagem contra a ditadura. 
Essas músicas, e muitas outras, utilizaram a arte como forma de expressão para denunciar a repressão, criticar o regime militar e lutar pela liberdade e pela democracia no Brasil. 

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