segunda-feira, 8 de setembro de 2025

Mino Carta, Veríssimo e Jaguar: a resistência ao banal. Com Luiz Eduardo Oliva & Romero Venâncio

 06/09/2025 05:51

Por Luiz Eduardo Oliva - Advogado, professor, poeta, e membro das Academias Sergipana de Letras Jurídicas e Riachãoense de Letras, Artes e Cultura.

Não há lugar comum mais óbvio que aquele que diz “uma perda irreparável” quando morre uma pessoa – principalmente as famosas. Óbvio porque todas as mortes são perdas irreparáveis. Mas o sentido por trás da máxima é alertar para as credenciais do morto que, pela contribuição ao seu tempo, deixa imensa lacuna. 

Nessa última quinzena, o país viu perder três grandes nomes ligados à cultura jornalística: o cartunista Jaguar, o refinado cronista Luís Fernando Veríssimo e o jornalista Mino Carta. Contemporâneos de época (nonagenários, por assim dizer - Veríssimo aos 88 anos) tinham em comum a luta permanente pela democracia, a coragem de enfrentar establishment, e o talento de nos fazer advertir e deleitarmos com as suas criações.

Veríssimo foi considerado talvez a melhor do seu tempo no gênero crônica. Unia o estilo elegante da escrita com a inventividade de personagens ricos, o humor ácido sem ser agressivo. Jaguar foi senão o maior cartunista brasileiro, certamente o mais longevo. Seu traço rápido, diálogos curtos e mordaz e o estilo incomparável. Criou o “Pasquim” que fazendo escola, foi o pai dos jornais alternativos e pautou com humor e a boa crítica, a cultura brasileira do final dos anos 60 até os anos 80. 

Mino Carta foi o mais profícuo editor brasileiro (embora nascido em Gênova, na Itália), responsável pela criação de três dentre as principais revistas no período já citado: Veja, IstoÉ e CartaCapital. Os textos de Mino eram permanente advertência, seja no combate ao arbítrio, seja no alertar sobre os perigos que rodeiam a democracia, como esses que vivemos atualmente.

Embora tempos conturbados, a geração dos três legou ao Brasil um punhado rico de homens e mulheres que através do talento e da divina vigilância contra a estupidez, nos faz lembrar Belchior quando disse: “nossos ídolos ainda são os mesmos...”. Mas, porque é cíclico, estão partindo, embora deixando-nos a herança de um legado que diz o quanto lutar – com o traço, a música e as palavras - é necessário.

A mediocridade teima em triunfar. Junto com ela o dissimular criminoso de quem quer viver compactuando com o arbítrio. O teatrólogo e poeta alemão Bertold Brecht cunhou uma frase lapidar: “Aquele que não conhece a verdade é estúpido e só. Mas aquele que a conhece e a renega é criminoso”.  Vive-se tempos em que em nome da verdade se propaga as maiores dissimulações.

Nomes como os de Jaguar, Luiz Fernando Veríssimo e Mino Carta já estão a fazer imensa falta e seriam, no simbolismo da frase que inicia esse artigo, “perdas irreparáveis” não fosse o imenso legado que nos deixam. Jaguar, Veríssimo e Mino, três guardiões da resistência ao banal, três luminares que lançaram luzes em tempos tão sombrios.

Luiz Eduardo Oliva 

https://www.radarse.com.br/Cultura/2025/09/16513/Artigo-Mino-Carta-Verssimo-e-Jaguar-a-resistncia-ao-banal.html

“Entre o fígado e a alma”. A enorme falta que Mino Carta fará


ROMERO VENÂNCIO, especial para a Mangue Jornalismo
(@romerojunior4503)
Romero Venâncio é graduado em Teologia pelo Instituto de Teologia do Recife (ITER), em Filosofia pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), mestre em Sociologia pela mesma universidade e doutorado Interinstitucional em Filosofia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). É professor de Filosofia na Universidade Federal de Sergipe (UFS) e presidente da Adufs (Sindicato das(os) Docentes da Universidade Federal de Sergipe)

A seção PONTO DE VISTA é um espaço que a Mangue Jornalismo abre para que pessoas possam expressar perspectivas que estimulem o interesse e o debate público. O artigo deve dialogar com os princípios da Mangue, entretanto ele não precisa representar necessariamente o ponto de vista da organização.

Um raro jornalista que viveu no Brasil. Mas foi além: pintor, romancista, polemista dos bons.

No jornalismo, marcou gerações e influenciou na forma e no conteúdo do exercício de trabalhar com comunicação. Não se trata de elogio vazio. Mino Carta pagou caro por esta maneira de praticar jornalismo. Foi perseguido, odiado, processado e caluniado.

Tinha uma histórica posição antifascista e tomou esta condição como princípio em seu jornalismo, mesmo quando trabalhou em jornais e revistas dos “barões das comunicações”.

Atravessou toda uma ditadura e viveu/sobreviveu de um ofício complicado que é o jornalismo e como bem disse numa entrevista: “militou desde sempre na imprensa”.

Era um homem afinado com as esquerdas, mas nunca escondeu seus elogios a figuras da direita que eram inteligentes. Poucos, mas existem e desempenharam papel importante no jogo da direita.

Mino Carta envelheceu como todo mundo. Na sua profissão, tinha dificuldades até com a televisão. Sua revista entrou na era digital, ele muito pouco. Honestamente dizia que não tinha “competência” para acompanhar. Defendia que jornalista tinha posição, nunca era neutro e quando afirmava que era neutro, era porque já tinha posição (geralmente em favor da “casa grande”).

Duas coisas que aprendi com Mino Carta: escrita não é só conteúdo, mas “forma”, estilo. E o papel da escravidão na formação presente deste Brasil.

Sobre a primeira, digo que Mino Carta foi uma espécie de professor: não dizia apenas que a escrita é conteúdo e forma, praticava. Seus textos chegavam a chatear muita gente pela maneira como citava para tornar mais elegante e para persuadir com suas ideias. Às vezes buscava na língua portuguesa termos inusuais para afirmar coisas graves. Era para ironia, pois sabia que não precisava desse recurso num tipo tão prosaico de jornalismo. Mas o fazia pela elegância e pela ironia.

No seu texto, a beleza da escrita se alinhava dialeticamente com a ironia da velhacaria dos “grandes” deste país. Como trabalhou tanto com os patrões do jornalismo brasileiro, percebeu o comportamento deles. Mapeou os trejeitos deles. Percebeu o ódio aos mais pobres que as classes dominantes sempre alimentaram e espelham como um fungo no tecido social. Abrigou grandes contradições pessoais com este estilo e seu conteúdo. Ninguém lida impunemente com as classes dominantes sem ser marcado por elas. Recomendo uma rara entrevista no programa Roda Viva da TV Cultura em 2000.

A segunda coisa que Mino Carta foi imenso aprendizado foi a sua leitura da escravidão na formação social do Brasil. Não trazia nenhuma novidade. Podemos ler tudo que ele dizia em Clóvis Moura ou Florestan Fernandes. Mas dentro do jornalismo (às vezes tão apequenado e pobre em historiografia), isto era digno de nota.

Para Mino Carta, as classes dominantes brasileiras são racista por herança escravista e por ódio a toda sorte de pobres. No Brasil não basta dominar, tem que humilhar. O curioso é que o que ele aprendeu sobre a escravidão no Brasil não foi com Florestan Fernandes (acredito que tenha lido, por certo!). Aprendeu muito com Machado de Assis. Foi leitor/seguidor do nosso Machado maior. Nos seus escritos e leituras sobre e com Machado de Assis, deixou uma série de pistas que poderia ser estudado pelas gerações futuras.

Uma coisa é certa: Mino Carta fará uma enorme falta.

Mino nasceu em Gênova, na Itália, em 1933, e morreu hoje (02/09) em São Paulo.


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