terça-feira, 3 de junho de 2025

São João, tradição e inovação. Como enfrentar o capital predatório também na cultura?

 José teles no facebook 


Na publicidade produzida para o período junino tratam o Sâo João como se a festa não tivesse passado por tantas mudanças. Obviamente,  cultura não é estática. Está em constante evolução. Porém, no São João, as mudanças não foram orgânicas, mas bruscas e impostas.

Curiosamente, não se fala da quadrilha junina,  citada na publicidade como se continuasse feito antigamente, lúdica romântica ( muitos casamentos começaram no balancê das quadrilhas).

Não acompanhei o processo, portanto não sei como a quadrilha se tornou o que é atualmente. Nada de cândidos casais no alavantú, anarriê. São agora simulacros de escolas de samba cariocas. Com pompa e luxo, grande número de integrantes, com uma espécie de carnavalesco que cria cenário, fantasia, tema da apresentação. 

Assim como as escolas de samba, cada quadrilha tem sua torcida. Acho que ainda não conta com ala de compositores  Tampouco dever haver um quadrilhódomo para seus desfiles. Tal qual as escolas, as quadrilhas já figuram na programação junina da Globo.

Desfilam há tanto tempo nesse formato que as pessoas nem se lembram, ou não sabem, das quadrilhas que aconteciam espontaneamente, em diversas ruas de um bairro, na cidade inteira, animado por clássicos como Festa na Roça, de Mario Zan. Estas só continuam existindo nas peças publicitárias juninas.

segunda-feira, 2 de junho de 2025

Cultura Digital: O que foi, o que será. Por Célio Turino.

 

Num poema político, a história interrompida de um Brasil-vanguarda. Software livre, jovens hackers, pontos de cultura. Um dos semeadores desta época reconstitui a efervescência das redes – hoje “fio partido” que precisa ser reconstruído.


Convidaram-me para encontro promovido pelo Pontão de Cultura Sacix com o pedido uma análise sobre a experiência brasileira com a Cultura Digital, particularmente sob o programa Cultura Viva e os Pontos de Cultura, no período entre 2004 e 2010, momento em que o Brasil foi referência e vanguarda mundial no tema.

Nesse meu tempo da vida, de volta às minhas raízes caipiras, olhando para um bosque a partir de meu quintal, no lugar de uma palestra, prefiro oferecer a análise em forma de poema.

Cultura Digital: O que foi, o que será
Foi real.
Foi vanguarda.
O Brasil ensinou ao mundo
que cultura não se enquadra,
não se engarrafa,
não se vende na prateleira dos monopólios.

Cultura Digital
autonomia tecnológica
trabalho colaborativo
generosidade intelectual.


Software Livre,
código aberto
como um rio sem dique
que arrebenta as margens
com conhecimentos que se completam,
afluentes do rio maior;
cada qual com seu saber e modo de ser,
gente que nunca se viu pessoalmente,
mas que sabiam estarem na afluência
para um rio grande como o Amazonas,
digital, imenso, real.

Inteligência vital
o fluxo do saber
que não é artificial,
é pulsante, coletivo.

Ação Cultura Digital da Cultura Viva e os Pontos de Cultura,
cada comunidade, cada Ponto,
com seu estúdio multimídia
em tecnologias livres.

Autonomia para se ver e ser visto
do jeito que se quer,
do jeito que se é.
Autonomia para gravar músicas,
fazer filmes, compor sinfonias,
contar e recontar histórias,
não mais pelos outros,
mas por si,
na voz de cada Ponto de Cultura,
cada comunidade, cada povo.

Povo livre,
dono do seu destino,
processando dados
controlando programas
interpretando processos lógicos
navegando em barco digital.

Sim, aconteceu!
Feito pelas mãos do povo.
Eu vi!
Muitos de vocês viram;
ou melhor, fizeram.
Sim, aconteceu!

O barco Xemelê
em referência ao código XML,
abrasileiramento em ritmo e nome lúdico.


Conversê,
rede social para os Pontos de Cultura,
essa rede foi feita,
juntava as funcionalidades do youtube e facebook
quando esses engatinhavam.

Foi em 2006,
o futuro era nosso.
Não foi,
mas poderia ter sido nosso.

Tantos jovens hackers,
engenheiros da computação
desenvolvedores
ativistas da cultura digital
trabalhando em união.

Pode haver maior poema que esse?!?!

Tantos navegando rios
cruzando estradas
espalhando sementes digitais.
Tantos conhecimentos ofertados
entre igarapés,
nas rotas dos Mocambos,
junto aos Ikepeng, Ashaninka,
o Vídeo nas Aldeias,
nas favelas, periferias,
nos becos e praças,
nas cidades pequenas e grandes…

Gilberto Gil ministro da Cultura
e um bando de tropicalistas e comunistas,
hackers, artistas, ambientalistas…
À frente da Cultura Digital,
um velho hippie, Cláudio Prado.

Sucata tecnológica transformada
em computadores potentes,
o futuro começava
nas mãos da gente,
do povo, dos de abaixo.

Circuitos reciclados,
antenas de Wi-Fi feitas
com lata de leite em pó,
conexão por internet via satélite
(programa G-sac, do Ministério das Comunicações),
chegando nos quilombos,
no Xingu e assentamentos rurais.

Tempo de metarreciclagem digital,
colaboração, partilha
e generosidade intelectual
Sim, aconteceu!

Oitenta e duas
Oficinas de Conhecimentos Livres
realizadas em 6 anos, de 2004 a 2010,
por todo canto, com milhares de ativistas,
mestras e mestres da cultura popular,
jovens dos Pontos de Cultura do Brasil profundo.

Onde?
Nas favelas, aldeias, vilas rurais, metrópoles…
Para quem, com quem?
Jovens das periferias, indígenas, quilombolas, camponeses…
Milhares de sonhares em criação comum,
Creative Commons e suas licenças livres.

Sim, aconteceu!

Cada Ponto de Cultura com suas
tecnologias, memórias e miragens;
conhecimento compartilhado
transformado em arte e potência.
Haverá sonho maior que esse?!?!

Aconteceu.
Foi real,
poesia máxima da Cultura Viva,
o mundo olhou para o Brasil com admiração;
não o mundo das ganâncias,
dos egoísmos e individualismo,
o mundo da cultura livre
pelo bem comum.

O mundo admirou,
estudou, colaborou,
aprendeu e perguntou:
Como foi possível?

Como poderiam os mestiços, os cafuzos,
os periféricos, os invisíveis, a gente dos rincões do Brasil,
de Pontos de Cultura que nunca antes haviam sido percebidos,
criarem o futuro antes do tempo?

Nos antecipamos até ao “deserto de notícias”,
compreendemos a comunicação
como direito humano básico,
não como mercadoria;
surgiram os Pontos de Mídia Livre.

Poesia em papel de embrulhar pão,
carbono zero nas notícias,
financiamento público para revistas,
sites, rádios, TV, podcasts (e nem havia podcast).

Se deu vez e voz ao midialivrismo
e à comunicação comunitária
como nunca antes e nunca mais se viu,
nem no Brasil, nem em lugar algum,
mas aqui aconteceu, mesmo que em tempo curto.

Sim, aconteceu!

Imaginem se tudo isso tivesse tido continuidade?
Ano a ano, melhorando cada vez mais,
com mais apoio.
Imaginem…

Mas o tempo virou poeira,
veio 2011 e, no silêncio traiçoeiro dos gabinetes,
retração, retrocesso (que começou no primeiro dia).
desmonte, assédio e perseguição.

O que era rede virou fio partido,
o que era livre foi trancado
em códigos proprietários
sob o mando das Big Techs.

Como foi possível desmontar invenção tão bonita?
Desprezo àquilo que o povo inventa.

Os que cortavam os cabos do futuro
não percebiam que,
ao sufocar a Cultura Viva e a ação da Cultura Digital,
estariam estrangulando a própria garganta.

Calaram a voz do povo,
a única voz que poderia ter defendido
o governo que cairia poucos anos depois.

Golpe seco, sobrou o grito
– ah, o grito -,
esse ecoou do outro lado
onde o medo plantou ódio
a ignorância virou intolerância,
e a treva alargou os dentes.

Sem cultura digital autônoma,
sem alegria e invenção,
sem ousadia, sem encontro,
cresceu o monstro.

Monstros erguem medos,
agora com nome de Fake News,
eufemismo para mentiras, ódios e cizânias,
censura e manipulações algorítmicas.

Atropelados em turbilhão,
talvez sequer tenham entendido
que ao perseguir a Cultura Digital
estavam a colocar o Golpe adentro.

De certa forma o Golpe sempre esteve dentro,
disfarçado de burocracia sem alma,
rendida, hedonista (como Max Weber descreveu).
Retrocesso travestido de técnica que é atraso
parado no tempo que corre ao contrário.

É assim na cabeça de todo vassalo,
colonizado, voluntariamente servil,
sempre enredado em seus grilhões;
o Golpe sempre está dentro.

Tesoura fria a cortar cabos e sonhos
sempre há em governos,
do lado que for,
impedir avanços é da lógica do Estado,
se moldar e dizer que não pode mudar.

O Estado tem lado,
não aceita emancipar,
porque, se emancipa,
perde o poder de controlar.

Avanços, só por frestas e arestas
que logo são fechadas
quando os que mandam
percebem que avançando assim
perderão o poder de mandar.

Enfim…
Não vale a pena gastar verso
com quem prefere se amoldar
a lutar pela emancipação.

Enfim…
O que um dia se sonhou Cultura Livre
foi sendo substituído pela trama dos algoritmos.
O que poderia ter sido nosso
foi dominado pelos impérios invisíveis.

Enfim…
Hoje, até a comunicação das Forças Armadas
passa por satélites de multibilionário
com saudações nazistas.
Isso sim é perder soberania, se render.
Enfim…

Quanto retrocesso!
Poderia ter sido diferente,
mas a hora correu ao contrário
e as Big Techs tomaram o domínio do tempo.

O Brasil esqueceu que foi vanguarda
e, na amnésia do tempo,
abriu caminho para a treva,
retrocedeu.

Pode haver maior tragédia que essa?!?!

Mas nada está morto
enquanto houver quem lembre,
nada se perde
quando o povo decide recomeçar.

A Cultura Digital
segue na rota dos Baobás,
a Cultura Viva
segue pulsando nos Pontos de Cultura que resistem.

O Brasil ensinou o mundo uma vez,
ensinará de novo,
o que foi, será,
o que cortaram, renascerá.

Onde há raiz
há retorno da vida
que pode surgir
do redemoinho do Saci;
ou melhor, Sacix.

Que redemoinho será esse?
Um furacão de graça,
que rola, roda, sem parar, sem fim,
com um pé só,
riso e vento unidos,
turbilhão de vida e arte,
tecnologia em cultura livre,
dança com alegria e sabedoria,
passado, presente e futuro,
tradição e inovação;
Revolução.

Agora é fazer de novo,
Sacix é um belo nome para uma Rede a desafiar o X.
Novos estúdios,
datacenters distribuídos,
com tecnologia nossa,
colaborativa, generosa.
Metarreciclagem outra vez!

Inteligência em Teia,
vital ao invés de artificial,
inventando aquilo que nem se sabe…

Enfim, libertação!


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O poema-memorial acima foi um dos pontos altos do encontro da Rede Sacix, realizado em São Paulo nos dias 21, 22 e 23 de maio no Centro Maria Antônia (USP),   permeado por diversos tipos de conhecimentos e interação, um encontro com ciência, beleza, ética, pensamento critico   e afeto. 
Uma combinação difícil de fazer em tempos de avanço do tecnofeudalismo, mas que precisamos buscar com insistência. 
A lembrar  "na mídia da novidade média" e, "na moda da nova idade média"  conforme antecipou Cazuza em Medieval, canção lançada em 1986.
E para concluir animando, vamos de Paulo Freire e de Chico César, aqui na interpretação da Sandy "E ensinar e aprender não podem dar-se fora da procura, fora da boniteza e da alegria".



[Relatório do 1º Encontro Nacional da Rede SACIX – São Paulo]  Por Iasmin Feitosa - Agente Jovem Cultura Viva - Ação Cultural/ Pontão de Cultura Digital e Mídia Livre. 
Período: 21 a 23 de maio de 2025 
 Dia 21/05 – Abertura e Reflexões Iniciais 
O evento teve início com a Mesa de Abertura, composta por:
• João Pontes 
• Mestre Wetenberg 
• Jader Gama 
• Eleilson Leite 
• Beá Tibiriçá 
• Bel Galvão 
O debate girou em torno do tema Soberania Digital, partindo da provocação:
> “A quem pertence a Soberania Digital?”
Também foram discutidos temas como Comunicação Comunitária e Mídias Periféricas, trazendo relatos de vida e experiências pessoais de dois convidados, que enriqueceram a reflexão. O encerramento do dia foi marcado pela apresentação de poesias potentes e inspiradoras, conectando cultura e tecnologia.
 Dia 22/05 – Mídias Livres e Tecnologias para Autonomia 
O segundo dia iniciou com a Mesa 2 – Mídias Livres e o Resgate da Internet como Espaço Livre e Democrático, com participação de:
• Leandro Saraiva 
• Laurindo Leal 
• Samira de Castro 
• Antônio Martins 
• Mediação: Wilken Sanches 
 Oficinas Participadas: 
1. O Uso do Software Livre na Vida Cotidiana
Conceitos básicos:
 Software: Programa ou aplicação que roda em computadores ou dispositivos.
 Hardware: Componentes físicos dos dispositivos (máquinas, computadores, celulares, etc.).
 GT de Comunicação – Ações e iniciativas: 
• Comunicação articuladora 
• Semana de Software Livre (evento) 
• Eventos diversos sobre Software Livre 
• Site do Movimento Software Livre 
• Plataforma soberania.digital e a campanha Internet Legal 
2. Software Livre e o Fediverso 
O que é Software Livre?
São programas que garantem as seguintes 4 liberdades:
1. Usar o programa como quiser
2. Estudar e adaptar o programa
3. Compartilhar cópias
4. Modificar e distribuir suas versões adaptadas
 Impacto social: 
• Garante inclusão, colaboração e desenvolvimento sustentável. 
• É uma ferramenta de transformação social, técnica e política. 
 Iniciativas destacadas: 
 Sertão Digital: Movimento que promove transformação tecnológica e social no interior do Nordeste, buscando tornar o Sertão um polo de inovação e tecnologia
 Sobre a Internet: 
Uma rede de computadores interconectados, que trocam informações através de cabos e servidores
 Plataformas e Programas: 
• Brasil Participativo 
• Movimento Software Livre 
 Fediverso – O que é? 
Um ecossistema de plataformas descentralizadas de redes sociais e serviços na web, construído com Software Livre. 
Permite criação de perfis em servidores diferentes (instâncias) que se comunicam entre si. 
Garante interação, privacidade e autonomia dos usuários. 
Tecnologias e Protocolos:
Baseado no protocolo ActivityPub , adotado por várias plataformas desde 2018
• Webfinger: protocolo de identificação usado no Fediverso 
 Principais plataformas: 
• Mastodon (microblog) 
• Friendica (rede social) 
• Pixelfed (compartilhamento de imagens, alternativa ao Instagram) 
• PeerTube (hospedagem de vídeos, alternativa ao YouTube) 
 Fediverso como Política Pública: 
 Exemplo: FediGov – (fedigov.org.br) 
 Por que migrar? 
• Soberania Digital 
 Proteção de dados 
• Responsabilidade sobre o uso de dinheiro público 
• Segurança e certeza legal 
 Referências: 
• Join in Fediverse (portal explicativo) 
 Encerramento do dia: 
Encontro descontraído no Coletivo Digital, próximo ao Beco do Batman, com música ao vivo e trocas riquíssimas entre os participantes.
Dia 23/05 – Encerramento e Propostas
O último dia contou com a Mesa 3, abordando os temas:
• Soberania Digital 
• Regulamentação de Plataformas 
• Cultura Viva 
O debate reforçou a importância da adoção de Software Livre, estimulando a descontinuidade no uso de ferramentas proprietárias.
Na Plenária de Encerramento, foram apresentadas e discutidas diversas propostas para fortalecimento da rede e dos territórios, encerrando o evento com um almoço coletivo no Armazém do Campo.

Assista nesta segunda-feira no link abaixo:




sábado, 31 de maio de 2025

LIve: Ação Cultural de Sergipe em SP