terça-feira, 8 de julho de 2025

Derrite, seu chefe Tarcísio e o homem preto a correr

 Em São Paulo, PM matou atirou pelas costas em homem preto que correu para pegar um ônibus. Guilherme Ferreira morreu com uma “lesão perfurocontusa na cabeça” e com marmita e talheres na mochila.

Hugo Souza

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O secretário de Segurança Pública de São Paulo/Guilherme Derrite (Fernando Frazão/Agência Brasil).

Sexta-feira, 4 de julho. Precisamente às 22h28, Guilherme Dias Santos Ferreira bate o ponto de saída na fábrica de camas box onde trabalha, no Recanto Campo Belo, Zona Sul de São Paulo. Quase ao mesmo tempo, às 22h35, o policial militar de folga Fábio Anderson Pereira de Almeida sofre perto da fábrica uma tentativa de assalto, de roubo da sua moto Triumph Scrambler 400x.

Fábio reage ao assalto, a tiros. Os assaltantes fogem. Pouco depois, Guilherme começa a correr para não perder o ônibus de volta do trabalho para casa. “Acreditando se tratar de um dos envolvidos na tentativa de assalto que estaria voltando à cena do crime”, o PM atira pelas costas na cabeça do homem preto que se pôs a correr. Guilherme morre a 50 metros do ponto de ônibus, aos 26 anos de idade, com uma “lesão perfurocontusa na região da cabeça, atrás da orelha direita”, e com marmita e talheres na mochila.

A perícia da Polícia Civil de São Paulo só chega ao local da execução seis horas depois. O executor é autuado em flagrante não por homicídio doloso, mas culposo, paga fiança de R$ 6.500 e é liberado. Uma Triumph Scrambler 400x custa, nova, R$36.190,00, “com sua manobrabilidade ágil, melhor desempenho da categoria e acabamento premium”.

Preto correndo, preto debruçado sobre um carro: no último 15 de março, Lucas Almeida de Lima também foi executado por um PM em Barueri, na Grande São Paulo. Lucas consertava o carro de um amigo na beira de uma avenida movimentada e pimba: “atitude suspeita”. Correria, perseguição, socos e joelhada no abdômen de Lucas. Depois, bang, bang: preto caído morto no chão. Lucas tinha, como Guilherme, 26 anos de idade.

Na última sexta, horas antes de Guilherme Dias Santos Ferreira ser morto por um PM de São Paulo com um tiro pelas costas, um xará de Guilherme brilhou no outro lado do Atlântico. Na última sexta, o secretário de Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite, discorreu sobre “Estado inteligente e segurança” no XIII Fórum Jurídico de Lisboa, em mesa dividida com o governador petista do Piauí e com o diretor Executivo Jurídico da JBS.

O painel com Derrite e companhia no XIII Fórum Jurídico de Lisboa aconteceu no anfiteatro 8 da Universidade de Lisboa precisamente às 10:30h. No mesmo horário, no anfiteatro 1, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, papeou sobre “segurança pública e federalismo cooperativo” com o procurador-geral da República, o diretor da Polícia Federal e dois ministros do STJ. Lá, no outro lado do oceano, no “Gilmarpalooza”.

Na véspera da abertura do “Gilmarpalooza”, véspera do assassinato do xará preto de Guilherme Derrite, o Ministério Público do Estado de São Paulo arquivou as investigações sobre as operações Escudo e Verão da PM paulista, aquelas que deixaram 84 mortos na Baixada Santista entre julho de 2023 e janeiro de 2024.

Neste ano, o “Gilmarpalooza” teve como tema “o mundo em transformação - Direito, Democracia e sustentabilidade na era inteligente”. Isso na Península Ibérica.

Na Grande São Paulo e na Baixada Santista, o mundo é o mesmo, um tanto pior sob a batuta da hidra bolsonarista. Ali, entre São Bernardo e Cajamar, entre Peruíbe Bertioga, Direito é o nome de um preto correndo para pegar o buzão e Democracia é o nome de um preto ajudando um amigo com o carro enguiçado. Os dois estão mortos, caídos no chão.

“Construção”, uma das mais contundentes músicas de Chico Buarque, foi atualizada, na última sexta (4). Não era um operário que caiu de um andaime e morreu na contramão atrapalhando o sábado após sua última marmita, mas um marceneiro negro morto com um tiro na cabeça, quando estava saindo do trabalho por um policial militar que o confundiu com um ladrão, ficando estirado no chão ao lado de sua marmita até o sábado de manhã.

Guilherme Ferreira bateu o ponto às 22h28 na fabrica de camas onde trabalhava, em Parelheiros, bairro pobre da capital paulista, e foi morto às 22h35, quando corria para pegar o ônibus e voltar para casa. Sete minutos que valeram uma vida. Junto a seu corpo, que ficou cercado de transeuntes que diziam se tratar de um bandido, foram encontrados, além da marmita, uma carteira, o celular, remédios, chaves e uma bíblia. 

O policial Fábio de Almeida, autuado em flagrante por homicídio sem a intenção de matar, pagou R$ 6,5 mil e foi liberado. Em casos assim, a chance é grande de, no fim das contas, o autor do disparo não ser devidamente responsabilizado.

Mas não é um erro. É o sistema funcionando como foi desenhado. A polícia brasileira, especialmente a militarizada, é treinada para ver o negro pobre como inimigo. O resultado é uma carnificina diária, onde pobres e periféricos viram estatística de “autos de resistência” ou “mortes em confronto”.

Enquanto isso, a sociedade segue dividida entre quem enxerga nessas mortes uma tragédia evitável e quem acredita que “bandido bom é bandido morto” — mesmo quando o bandido, no caso, é só um trabalhador com sua marmita. Quem morre torna-se culpado, pois as balas do policial fazem o papel de investigador, promotor, juiz e carrasco.

E, assim como na canção de Chico, sobram proparoxítonas, como cúmplice (o Estado que mantém o sistema que produz esses mortos), trágico (o massacre contínuo de pobres nas periferias) e patética (a indiferença da sociedade diante de tudo isso). Guilherme não caiu de um andaime, mas tombou sob o peso de um país que insiste em não reconhecer o valor da vida negra. Deus lhe pague (leia a íntegra do texto no UOL)


Um episódio bem recente que recorda o filme "Sem Asas".  Importante que este seja incorporado ao streaming do MINC com filmes brasileiros cuja  estréia tem previsão para acontecer  até o final desse ano, conforme informações do Ministério da Cultura. Quem exibiu o filme pode compartilhar essa ´postagem com o comentário acima ou outro de próprio punho, especialmente com quem teve a oportunidade de assistir 

 domingo, 1 de junho de 2025

Cineclube Realidade realiza exibição dos curtas "Sem Asas" e "Marina não vai a praia" para jovens do ensino médio do Rogaciano em Santo Amaro.


 


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