sexta-feira, 26 de abril de 2024

#abril1974+50 - Por que revolução dos cravos?

 Celio Turino no facebook

 A mulher que fez do cravo o símbolo do  25 de Abril de 1974

Em 1974 Celeste Caeiro tinha 40 anos e vivia num quarto que alugara no Chiado, com a mãe e com a filha. Trabalhava na rua Braancamp, na limpeza do restaurante Franjinhas, que abrira um ano antes. 

O dia de inauguração fora precisamente o 25 de Abril de 1973. O gerente queria comemorar o primeiro aniversário do restaurante oferecendo cravos à clientela. 

Tinha comprado cravos vermelhos e tinha-os no restaurante, quando soube pela rádio que estava na rua uma revolução. 

Mandou embora toda a gente e acrescentou: "Levem as flores para casa, é escusado ficarem aqui a murchar".

Celeste foi então de Metro até ao Rossio e aí recorda ter visto os "chaimites" e ter perguntado a um soldado o que era aquilo. 

O soldado, que já lá estava desde muito cedo, pediu-lhe um cigarro e Celeste, que não fumava, só pôde oferecer-lhe um cravo. O soldado logo colocou o cravo no cano da espingarda. O gesto foi visto e imitado. 

No caminho, a pé, para o Largo do Carmo, Celeste foi oferecendo cravos e os soldados foram colocando esses cravos em mais canos de mais espingardas.

Fonte: RTP


E os cravos se somaram às canções, incluindo às do nosso Chico que também é patrimônio dos portugueses, ora pois! Depois vieram os filmes. E assim a memória da luta e da libertação do fascismo português se fortalece, em especial nesses tempos com a tentativa de regresso a outros tempos tristes por parte de muitos hoje em dia.
Zezito de Oliveira


Celeste dos Cravos
Os tempos eram de mudanças, o Sirine, introduzia um conceito inovador na restauração em Portugal, o self-service.
Para comemorar o primeiro ano de existência, a gerência do restaurante decidiu que nesse dia, iria amimar os clientes.
Aos cavalheiros, servir um porto!
Às senhoras, o qual são o primor, oferecer-lhes uma flor.
A manhã desse dia, que da madrugada rompia, à luz do dia trazia uma revolução.
O restaurante, já não abriu! Por ordem do patrão.
Com tamanha desilusão, ao patrão perguntaram os empregados.
E os Cravos?
Levai-os para casa, para não perderem o encanto.
Eram Cravos vermelhos e brancos!
A Celeste Caeiro, funcionária do bengaleiro no restaurante, a casa não quis regressar sem entender o que se estava a passar.
Ainda o dia mal bulia, quando a Celeste se dirigia lá para a rua do Carmo e ao ver tal aparato, perguntou a um soldado.
O que é isto, o que fazem aqui?
É uma revolução, disse-lhe o soldado.
E vamos para o quartel do Carmo deter o Marcelo Caetano.
A Celeste ficou atarantada; e enquanto pensava se ali ficava ou ia para casa onde morava, lá para os lados do Chiado, o soldado pediu-lhe um cigarro.
Após olhar para o lado, a Celeste disse ao soldado.
Eu não fumo e está tudo fechado, aceita um Cravo?
E do cimo da Chaimite o soldado esticou o braço.
Foi aquele gesto que à revolução deu fama, quando o soldado de braço esticado recebeu da Celeste o Cravo e meteu-o no cano da arma. E num abrir e fechar d’olhos, a Celeste já tinha dado todos os Cravos que tinha no molho.
O povo, emocionado com o grito de liberdade que na rua entoa, aos soldados deu todos os cravos que havia em Lisboa.
A Celeste, mulher de baixa estatura, dona duma grande ternura, filha duma estrangeira e que por abandono mal conheceu o pai, na vida teve outro desgosto, o marido partiu e não voltou mais, fazendo à sua filha o mesmo que lhe fez o pai.
Foi esta mulher, que sem premeditação, de orgulho encheu a Nação com a designação da “Revolução dos Cravos”.
E foi com esses mesmos alinhavos, que lhe teceram e eternizaram o nome.
“Celeste dos Cravos”.
Carlos Silva

CELESTE CAEIRO
"O soldado pediu-me um cigarro. Eu não fumava, nunca fumei. Por segundos, fiquei a pensar como poderia compensar aquele rapaz, ali, em cima daquele carro, a lutar por nós. Estava ali a dar-me uma coisa boa e eu sem nada para lhe dar. Sem pensar, tirei um cravo do ramo que levava e ofereci-lho.

Nunca me passou pela cabeça que por causa disso o 25 de Abril viesse a ser conhecido mundialmente como a Revolução dos Cravos.

Nunca se conseguiu encontrar aquele rapaz. Sempre que penso naquele dia choro. Tinha 40 anos, cuidava da minha mãe e da minha filha. Morava no Chiado e adorava a cidade onde nasci. E ainda adoro.

Tenho 90 anos, ouço e vejo muito mal. Comovo-me muito a falar deste dia. Os médicos dizem que me faz mal.Vou pedir à minha neta que lhe conte o resto da história. Viva o 25 de Abril! Se o deixarmos morrer teremos de fazer outro."

CAROLINA
Carolina 23 anos. É mestre em Direito. Quer ser magistrada. Vive em Alcobaça.

"Havia sempre nos livros da escola a referência à Revolução dos Cravos. A cada ano, mal recebia os manuais, ia de imediato à procura dessas páginas. Sabia que as professoras, nem que fosse uma vez por ano, haveriam de falar no assunto e que eu, mais uma vez, ficaria em silêncio. Nunca disse na escola que foi a minha avó que deu o nome à revolução. Apesar de todo o orgulho que tenho. Acredito mesmo que aquele gesto foi obra do destino.

A minha avó Celeste é filha de uma espanhola de Badajoz e de pai desconhecido. Com dois irmãos, mais velhos, cresceu na Casa Pia. À minha bisavó custou-lhe até muito deixar ali os filhos, que visitava regularmente. Nunca os abandonou.

A minha avó era a menina favorita da diretora do colégio. Fez o Curso de Enfermagem, mas como tinha problemas pulmonares não pôde exercer. Porém, a menina Celeste foi sempre independente. Nunca se casou com o meu avô. Quando o meu avô se portou mal, tinha a minha mãe 3 anos, separaram-se. Para consolar a minha avó, quis oferecer-lhe um fio de ouro e mais coisas. Mas a minha avó não quis saber dos presentes, nem dele. Sozinha, continuou a cuidar da filha e da mãe.

Em abril de 1974, trabalhava num restaurante. O restaurante fazia um ano no dia 25 de abril. Os cravos eram para dar aos clientes. Com o restaurante fechado, as empregadas ficaram com as flores.

Dá-se então o feliz episódio, no início da Rua do Carmo. Um fotógrafo (Carlos Gil) assistiu à cena. Publicou a fotografia. No dia seguinte a minha avó foi trabalhar. Já os colegas tinham ligado para a Crónica Feminina, que logo a foi entrevistar.

Este ano, esse episódio será reconstituído. A minha avó gostava muito que uma placa assinalasse o local. Algo a dizer que foi ali que nasceu o nome Revolução dos Cravos. Ou até ter ali uma pequena estátua.

Falar do 25 de Abril emociona-a muito. Nestes períodos, fica melancólica. Acreditamos que o AVC que sofreu pouco depois das comemorações dos 25 anos de Abril terá tido a ver com as emoções que sentiu. No entanto, tem sido muito ignorada por todos.

Não há fotografias da minha avó com 40 anos. No incêndio do Chiado, perdeu a casa e todos os pertences. As fotografias arderam. Foram-se todas as recordações.Vive há anos num prédio a cair aos bocados, perto da Avenida da Liberdade. Podia viver com a filha e a neta em Alcobaça. Mas à minha avó, alfacinha de gema, ninguém a consegue tirar de Lisboa.

A minha avó, que continua a prestar muita atenção às notícias, está muito preocupada com o país. Na noite das últimas eleições, ao contrário do que é hábito, foi deitar-se cedo. “Não estou para ver esta miséria.” A mim ensinou-me desde miúda que o valor mais importante é o da liberdade."

Depoimento recolhido por Alexandra Tavares-Teles, Diário de Notícias, 23/04/2024 

TÃO FELIZES QUE NÓS ÉRAMOS
"Anda por aí gente com saudades da velha portugalidade. Saudades do nacionalismo, da fronteira, da ditadura, da guerra, da PIDE, de Caxias e do Tarrafal, das cheias do Tejo e do Douro, da tuberculose infantil, das mulheres mortas no parto, dos soldados com madrinhas de guerra, da guerra com padrinhos políticos, dos caramelos espanhóis, do telefone e da televisão como privilégio, do serviço militar obrigatório, do queres fiado toma, dos denunciantes e informadores e, claro, dessa relíquia estimada que é um aparelho de segurança.

Eu não ponho flores neste cemitério.

Nesse Portugal toda a gente era pobre com exceção de uma ínfima parte da população, os ricos. No meio havia meia dúzia de burgueses esclarecidos, exilados ou educados no estrangeiro, alguns com apelidos que os protegiam, e havia uma classe indistinta constituída por remediados. Uma pequena burguesia sem poder aquisitivo nem filiação ideológica a rasar o que hoje chamamos linha de pobreza. Neste filme a preto e branco, pintado de cinzento para dar cor, podia observar-se o mundo português continental a partir de uma rua. O resto do mundo não existia, estávamos orgulhosamente sós. Numa rua de cidade havia uma mercearia e uma taberna. Às vezes, uma carvoaria ou uma capelista. A mercearia vendia açúcar e farinha fiados. E o bacalhau. Os clientes pagavam os géneros a prestações e quando recebiam o ordenado. Bifes, peixe fino e fruta eram um luxo.

A fruta vinha da província, onde camponeses de pouca terra praticavam uma agricultura de subsistência e matavam um porco uma vez por ano. Batatas, peras, maçãs, figos na estação, uvas na vindima, ameixas e de vez em quando uns preciosos pêssegos.

As frutas tropicais só existiam nas mercearias de luxo da Baixa. O ananás vinha dos Açores no Natal e era partido em fatias fininhas, para render e encharcado em açúcar e vinho do Porto para render mais. Como não havia educação alimentar e a maioria do povo era analfabeta ou semianalfabeta, comia-se açúcar por tudo e por nada e, nas aldeias, para sossegar as crianças que choravam, dava-se uma chucha embebida em açúcar e vinho. A criança crescia com uma bola de trapos por brinquedo, e com dentes cariados e meia anã por falta de proteínas e de vitaminas. Tinha grande probabilidade de morrer na infância, de uma doença sem vacina ou de um acidente por ignorância e falta de vigilância, como beber lixívia. As mães contavam os filhos vivos e os mortos era normal. Tive dez e morreram-me cinco. A altura média do homem lusitano andava pelo metro e sessenta nos dias bons. Havia raquitismo e poliomielite e o povo morria cedo e sem assistência médica. Na aldeia, um João Semana fazia o favor de ver os doentes pobres sem cobrar, por bom coração.

Amortalhado a negro, o povo era bruto e brutal.

Os homens embebedavam-se com facilidade e batiam nas mulheres, as mulheres não tinham direitos e vingavam-se com crimes que apareciam nos jornais com o título ‘Mulher Mata Marido com Veneno de Ratos’. A violação era comum, dentro e fora do casamento, o patrão tinha direito de pernada, e no campo, tão idealizado, pais e tios ou irmãos mais velhos violavam as filhas, sobrinhas e irmãs. Era assim como um direito constitucional. Havia filhos bastardos com pais anónimos e mães abandonadas que se convertiam em putas. As filhas excedentárias eram mandadas servir nas cidades. Os filhos estudiosos eram mandados para o seminário. Este sistema de escravatura implicava o apartheid. Os criados nunca dirigiam a palavra aos senhores e viviam pelas traseiras.

O trabalho infantil era quase obrigatório porque não havia escolaridade obrigatória. As mulheres não frequentavam a universidade e eram entregues pelos pais aos novos proprietários, os maridos. Não podiam ter passaporte nem sair do país sem autorização do homem. A grande viagem do mancebo era para África, nos paquetes da guerra colonial. Aí combatiam por um império desconhecido. A grande viagem da família remediada ao estrangeiro era a Badajoz, a comprar caramelos e castanholas.

A fronteira demorava horas a ser cruzada, era preciso desdobrar um milhão de autorizações, era-se maltratado pelos guardas e o suborno era prática comum.

De vez em quando, um grande carro passava, de um potentado veloz que não parecia sujeitar se à burocracia do regime que instituíra uma teoria da exceção para os seus acólitos. O suborno e a cunha dominavam o mercado laborai, onde não vigorava a concorrência e onde o corporativismo e o capitalismo rentista imperavam. Salazar dispensava favores a quem o servia. Não havia liberdade de expressão e o lápis da censura aplicava-se a riscar escritores, jornalistas, artistas e afins. Os devaneios políticos eram punidos com perseguição e prisão. Havia presos políticos, exilados e clandestinos. O serviço militar era obrigatório para todos os rapazes e se saíssem de Portugal depois dos quinze anos aqui teriam de voltar para apanhar o barco da soldadesca. A fé era a única coisa que o povo tinha e se lhe tirassem a religião tinha nada. Deus era a esperança numa vida melhor. Depois da morte, evidentemente. "

Clara Ferreira Alves. 

Fonte: Paulo Marques no facebook


quinta-feira, 25 de abril de 2024

#abril1974+50 - 25 de abril

 

O que escrevi e publiquei aqui no blog da Ação Cultural em 26 de abril de 2019, agora blog da cultura, no primeiro ano em que um capitão do exército brasileiro, eleito pela maioria do povo brasileiro, ameaçava atrasar o relógio da história do Brasil a abril de 1964  

“Os cravos no Portugal da revolução de abril de 1974, floresceram na primavera, depois de tantos anos de noites escuras e manhãs frias e com céu nublado, em meio também a noites salientes, regadas a bom vinho do Alentejo, alimentando e aquecendo a luta de sempre, por justiça e liberdade, com canções de amor, rebeldia e de esperança.

Também houve dias de sol e praia, para aquecer os corpos e alegrar corações, sempre lembrando que os dias e as noites, vem e vão, assim como as estações. Até que chega o 25 de abril, na primavera de 1974.

Lembrar essa primavera especial será sempre necessário, para que mesmo no inverno possamos nos aquecer com a memória das flores que brotam nos campos, e do sol tranquilo que chega nestes dias. Lembrar que a primavera, no sentido político, como empregado aqui, é uma construção.

Que mesmo demorando, nunca deixa de chegar. Como diz a canção de Nelson Cavaquinho, “O sol há de brilhar mais uma vez….”

Uma terra de duas fraternidades

O impacto do 25 de Abril de 1974 em Portugal foi bastante grande no Brasil, quer junto dos oposicionistas à ditadura que governava a antiga colónia portuguesa, quer junto dos seus dirigentes e apoiantes dos militares que controlavam o poder desde 1964.

Não foi por acaso que antigos membros da elite do fascismo português, como o Presidente da República, Américo Tomaz e Presidente do Conselho deposto, Marcelo Caetano, se refugiaram no Brasil. E também não foi por acaso que a celebração da Revolução dos Cravos criou no cancioneiro dos democratas brasileiros o célebre tema “Tanto Mar” no qual se pede que aquilo que aconteceu em Portugal possa acontecer rapidamente no Brasil – o que só se verificaria em 1985, mais de 10 anos depois.

Mas ainda antes de “Tanto Mar” de Chico Buarque (que estas emissões de Panfelros analisaram na emissão de 24 de Abril de 2023, que pode ser ouvida no site/app RTPplay: https://www.rtp.pt/play/p8339/e687066/panfletos), outra grande vedeta brasileira homenageou o 25 de Abril com a gravação, em 1974, de um single com versões de duas canções de José Afonso: “Maio, Maduro Maio” e “Grândola, Vila Morena”, a senha usada pelos militares do Movimento das Forças Armadas para, através da rádio, darem sinal há 50 anos para o avanço das tropas que realizaram o golpe de Estado.

Nara Leão, a cantora desta “Grândola”, estava sem gravar desde 1972 e tinha a sua vida artística mais ou menos parada, limitada a alguns espetáculos e atuações ocasionais na TV, por ter resolvido focar-se em tirar em apenas num ano, graças às equivalências académicas que já possuía, um curso superior de psicologia, o que veio a conseguir. Ao conhecer, porém, a canção-senha do 25 de Abril, a raiz popular da conceção da composição de José Afonso e a letra sobre a “Terra da Fraternidade”, ela fez questão em gravá-la num disco a que chamou “A senha do novo Portugal” e que a censura brasileira deixou avançar.

Nara não era apenas um símbolo da renovação da música brasileira da segunda metade dos anos 60 que sucedeu à bossa nova dos anos 50, a chamada MPB, a Música Popular Brasileira; ela era também um símbolo político da esquerda brasileira e da luta pela liberdade de expressão – faz parte da história dessa luta o espetáculo de Augusto Boal (que viria a refugiar-se em Portugal depois do 25 de Abril) que em 11 de dezembro de 1964, logo no início da ditadura brasileira, protestava contra o regime e que depois originou um disco com as canções do espetáculo onde Nara Leão se destacava precisamente com a interpretação da canção “Opinião”, sobre a qual também falei numa emissão de Panfletos de 27 de setembro de 2021 (https://www.rtp.pt/play/p8339/e569491/panfletos).

Reprimida e perseguida pelo regime (o poeta Carlos Drummond de Andrade chegou a compor em 1966 um poema intitulado “Não prendam Nara Leão” depois de ela dar uma entrevista a criticar os militares que lhe trouxe mais problemas), Nara, com a sua voz macia, o seu violão e as suas posições políticas e culturais, firmes mas sensatas como quase toda a gente lhe reconheceu quando morreu, aos 47 anos, em 1989, tornar-se-ia um ícone da sua geração.

Nara atuou em Portugal antes do 25 de Abril, quando veio em 1969 ter com Vinicius de Moraes e Chico Buarque (que já estava refugiado em Itália) para dar uma série de seis espetáculos que acabaram por ser nove, dada a procura de bilhetes para o Teatro Villaret em Lisboa ter sido muito superior ao esperado pelo promotor, o ator Raul Solnado.

No final dessa série, Nara Leão, Vinicius e Chico Buarque foram homenageados com um jantar em Alfama onde estiveram Amália Rodrigues, Raul Solnado, o espanhol Joan Manuel Serrat e o compositor italiano, parceiro de Chico, Sergio Bardotti.

Nara adorou a estada em Portugal (voltaria cá em 1985 para uma digressão verdadeiramente gloriosa em várias cidades do nosso país) e essa foi com certeza mais uma razão para, há 50 anos, ao saber da conquista da liberdade, ela ter rapidamente gravado esta versão de “Grândola”.

GRÂNDOLA, VILA MORENA

Grândola, vila morena

Terra da fraternidade

O povo é quem mais ordena

Dentro de ti, ó cidade

Dentro de ti, ó cidade

O povo é quem mais ordena

Terra da fraternidade

Grândola, vila morena

Em cada esquina um amigo

Em cada rosto igualdade

Grândola, vila morena

Terra da fraternidade

Terra da fraternidade

Grândola, vila morena

Em cada rosto igualdade

O povo é quem mais ordena

À sombra duma azinheira

Que já não sabia a idade

Jurei ter por companheira

Grândola a tua vontade

Grândola a tua vontade

Jurei ter por companheira,

À sombra duma azinheira

Que já não sabia a idade

Para ouvir esta emissão de Panfletos, clicar aqui:

https://www.rtp.pt/play/p8339/e764068/panfletos








sexta-feira, 22 de setembro de 2023

O BRASIL PODE APRENDER COM PORTUGAL SOBRE DEMOCRACIA E MEMÓRIA e + canções que acompanha o artigo.




Acesse a matéria do HP e o link para o documento histórico coletivo do qual Glauber Rocha participou de suas filmagens, já que estava em Portugal no histórico 25 de Abril de 1974.

"Em 25 de abril de 1974, Glauber estava em Portugal. Nesta data, o sindicato de trabalhadores do cinema foi às ruas empunhando câmeras para documentar a agitação do povo na rua. Glauber juntou-se aos colegas profissionais de ofício e tomou parte no que viria a ser o filme – o registro mais fidedigno dos desdobramentos da revolução, além de documento histórico e manifesto sobre as relações do cinema como representação histórica." - Leia mais na matéria do Hora do Povo de 2021, republicada hoje, sobre o documento histórico "As Armas e o Povo", restaurado pela Cinemateca Portuguesa - https://horadopovo.com.br/as-armas-e-o-povo-o-encontro-de-glauber-rocha-com-a-revolucao-de-25-de-abril  / O link para o documentário que consta da matéria, do canal da Cinemateca Portuguesa, está indisponível. Segue outro link válido - https://youtu.be/h2vDdG9szrs

FICHA TÉCNICA DE "AS ARMAS E O POVO":

Realização: Colectivo dos Trabalhadores da Actividade Cinematográfica

Colaboração: Acácio de Almeida, José de Sá Caetano, José Fonseca e Costa, Eduardo Geada, António Escudeiro, Mário Cabrita Gil, Fernando Lopes, António de Macedo, João Moedas Miguel, Glauber Rocha, Elso Roque, Henrique Espírito Santo, Artur Semedo, Fernando Matos Silva, João Matos Silva, Manuel Costa e Silva, Luís Galvão Teles, António da Cunha Telles

Montagem: Monique Rutler

Produção: Sindicato dos Trabalhadores da Produção de Cinema e Televisão/Instituto Português de Cinema

Laboratório: Tóbis Portuguesa

Estúdio de Som: Valentim de Carvalho

quarta-feira, 24 de abril de 2024

Pois é, Frei Betto. Artigo de Ruan de Oliveira Gomes


 "Li o artigo de Frei Betto e motivado por muitas das suas reflexões queria continuar o debate. Certo da discussão democrática e sadia proporcionada pelo IHU, agradeço o espaço e a publicação do texto que segue em anexo", escreve o jovem Ruan de Oliveira Gomes, ao enviar o artigo que publicamos a seguir.

Eis o artigo.

Meus cabelos são pretos. Acho que isso já seja suficiente para uma apresentação e início de conversa.

Eu também estava no Fé e Política, ou ao menos em quase todo ele, e também me entristeci ao olhar para o lado e não me sentir representado em nenhuma mesa. Mas, não ser representado é o menor dos problemas e talvez seja somente o sintoma de um problema muito maior.

Eu sou apenas um jovem e ainda me atrevo a te responder do lado de cá das lutas populares em prol da libertação. Eu estou do mesmo lado da trincheira, mas sinto que estou mais sozinho que a sua geração.

Talvez o senhor saiba que quase não há nas nossas muitas juventudes projetos a serem abraçados, talvez alguém nos lembre o que Lyotard chamou de fim das metanarrativas e talvez alguém apressado venha dizer que esse é o motivo pelo qual você viu poucos jovens e muito cabelo branco naquele encontro e pode ser que alguém nos recorde que nossos jovens estão enveredados até o pescoço em um tradicionalismo ou reacionarismo ora comendo e bebendo a cotidianidade da vida comum, sem fazer história como nos recorda Samir Amin.

Isso tudo é verdade, mas queria alargar nossas reflexões e sim, acredito que sim, muitos das ideias da sua geração, ideias que construímos para fazer pastoral e movimentos com propostas políticas já não tocam mais nossos corações e não dizem mais nada a nossos jovens. Se não breguice e cacofonia.

Encontros dessa natureza são feitos com quem e para quem? Vejo o 12º Encontro nacional de Fé e Política como um encontro para demarcar um território, construir um caminho de organização e trazer a tona uma memória construída. Porque se ele quisesse fazer uma imersão na vida das juventudes não seria feito nesses moldes.

Se a esquerda está acuada, isto deve-se porque ela se acuou e achou suficiente estar em clubinhos dos iluminados tecnocratas que não conseguem sair de suas discussões entre pares. O movimento Fé e Política sediar seu 12º encontro num dos shoppings de Belo Horizonte é extremamente imagético e pouco acidental.

Do alto da Torre de Marfim, no símbolo do neoliberalismo, estávamos criticando o mesmo sistema enquanto muitos daqueles do encontro estavam indo embora em seus confortáveis assentos de uber e os outros que conseguiram estacionar seus automóveis pagaram em um dia o que muitos dos nossos jovens ganham em um mês.

Sim, Frei Betto, eu concordo.

Se a esquerda acuou isso deve-se a ausência da coerência entre práxis e teoria.

Sim, Frei Betto. Eu também senti falta dos jovens e também me senti sozinho naquele e em muitos outros encontros (nada) populares que eu tenho participado. O fato de a esquerda “ainda ser a mesma” não me parece acidental, quando eu não vejo nenhum jovem dividindo a mesa e com a palavra falando das nossas lutas, esperanças e sonhos.

Não estamos porque não nos sentimos parte-com e esse sentimentos se dá pela falta de protagonismo dado a jovens e a seus coletivos. Embora houvesse jovens em grupos temáticos, isso é marginal. Queremos mais que estar, queremos ser respeitados e ser aquilo que somos.

Parece-me que, muitos dos cabelos brancos até que querem falar com a gente, mas falar enquanto dinâmica própria dos cabelos brancos. Quer que os jovens entrem na dança e não querem entrar na dança deles.

Tratar sobre juventudes não é um adereço e o senhor sabe. Seria como chamar mulher pra falar sobre ser mulher e jovem para falar como é ser jovem. Não é isso, e isso é muito pouco; é ver a partir destes corpos como correr a utopia e o entusiasmo de construção de alternativas globais.

Embora tenha tido uma fala circunstancial para demarcar a presença rarefeita de jovens eu vejo poucos deles sentados ao lado dos gigantes que nos precederam na luta. Naquele e em outros momentos, enquanto a extrema direita não somente dá esse espaço, como também o usa para chamar mais jovens para suas fileiras.

Sim, Frei Betto, respeitar a memória de vocês cabelos brancos é importante e esse respeito deveria comportar que fizéssemos e estivéssemos em muitos dos lugares que embora cerceados, são nossos. Não pedimos apenas falas circunstanciais, porque vocês também não estavam satisfeitos somente com falas circunstanciais quando os cabelos ainda não eram brancos.

Queremos falar das nossas utopias, que ainda trazem muitas das suas e dos outros cabelos brancos, mas que são as nossas e não uma extensão das gerações anteriores.

“Ainda há teólogos da libertação?” foi uma das perguntas que me fiz naquele e em muitos outros encontros que tenho participado.

Sim, Frei Betto. Nós somos poucos, mas ainda estamos aqui: as juventude libertadoras que ousa sonhar apesar e contrária a muitos, inclusive gente do nosso lado e se estamos aqui, isso se dá porque vocês nos inspiram.

Fiquei feliz de naquele encontro do Fé e Política encontrar muitos daqueles que são referências pastorais e de militância popular e queria mesmo ter contado para os meus amigos como foi interessante tudo aquilo, mas eles também não os conhecem. Já não há mais heróis a serem propagados e aqueles que se colocam para nós são tão estranhos que não os reconhecemos como referências, há um problema geracional, mas há também um problema de linguagem.

Sim, Frei Betto, ainda estamos aqui, naqueles lugares populares que muitos das gerações passadas abandonaram. Não vejo as mãos de muitos cabelos brancos sujas, embora vejo e acompanho todas as críticas de como a sujeira é de rapina. Os cabelos brancos tiveram medo de sujar e calejar suas mãos de intelectuais, mas ainda estamos aqui. Seja em cursinhos populares, em assentamentos de terra, em pastorais sociais, em movimentos e coletivos.

Queremos aprender, não de forma financeira se é que ainda nos lembramos de Paulo Freire. Mas também, ainda que jovens podemos ensinar, ocupar e ser.

Precisamos construir juntos, rever nossas práticas, ter a coragem de abrir espaços às novas lutas e participarmos da construção do futuro. Nossos cabelos, brancos ou não, denunciam o inverno que nos acomete. Ainda estamos no inverno, mas pode ser primavera se construirmos juntos e eu com meus cabelos pretos ainda acredito nisso.

Se a juventude não sonha, a culpa [se há culpa] não é da juventude.

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SP: A investida de Tarcísio contra a TV Cultura


Governador corta verbas da fundação que sustenta emissora. Desmontando-a, visa maior controle sobre a emissora, reduzir os conteúdos culturais e educativos e difundir “feitos do governador”. Até uma privatização está sendo avaliada…

 Por Luis Nassif, no GGN. Republicado no portal Outras Palavras. Enviada por um colaborador do blog.. 

Já escrevi que o governo Tarcísio de Freitas é a maior ameaça política do país. Está miliciando a Polícia Militar, primeiro incentivando os genocídios e, agora, conferindo poder de fiscalização. Depois, investindo contra todas as instituições independentes.

Sua última investida é sobre a Fundação Padre Anchieta, que administra a TV Cultura, e um dos símbolos da sociedade civil paulistana. Ao longo do tenebroso período bolsonarista, a Cultura conseguiu se safar relativamente inteira, com exceção de alguns âncoras das rádios.

A verduga da Fundação Padre Anchieta é a Secretária da Cultura, Economia e Indústria Criativa do Estado de São Paulo Marilia Marton. Apenas reeditou a perseguição que o governo Bolsonaro empreendeu contra a Fundação.

Sua primeira atitude foi cortar totalmente as verbas de manutenção da Fundação – aquelas destinadas a pagamento de salários, reformas, manutenção e lançamento de programas. Em março houve o bloqueio de R$ 35 milhões para a fundação, que teve que se virar com projetos para terceiros.

Financiamento: A Secretaria da Cultura questiona o alto custo de produção da TV Cultura, defendendo uma redução de despesas. A FPA argumenta que a verba recebida é insuficiente para manter a qualidade da programação e que cortes afetariam negativamente os serviços prestados.

Gestão: A Secretaria da Cultura deseja ter maior controle sobre a gestão da FPA, incluindo a nomeação de diretores. A FPA defende sua autonomia como entidade de direito privado, reivindicando liberdade para tomar decisões estratégicas.

Conteúdo: A Secretaria da Cultura busca direcionar a programação da TV Cultura para um público mais amplo, com foco em entretenimento e divulgação dos feitos do governo. A FPA defende a manutenção de uma programação educativa e cultural de qualidade, mesmo que direcionada a um público de nicho.

Futuro da FPA: A Secretaria da Cultura avalia diferentes modelos para o futuro da FPA, incluindo a privatização ou a fusão com outras entidades. A FPA defende sua permanência como instituição autônoma, com foco na produção de conteúdo educativo e cultural.

https://outraspalavras.net/wp-content/uploads/2024/04/WhatsApp-Video-2024-04-22-at-13.36.33.mp4

Antes disso, não passou incólume pelo governo José Serra, mas por puro oportunismo de Paulo Markun, que assumiu a presidência. Serra estava em fim de governo estadual e Markun ambicionava ser reconduzido ao cargo. Para mostrar serviço, rompeu o contrato com Heródoto Barbero, por críticas ao preço do pedágio, e a mim próprio, por críticas que fiz à iniciativa de Serra de gastar publicidade da Sabesp no Nordeste.

Mas, em ambos os casos, foi decisão individual de Markun. Quem me contou, na época, foi o Secretário de Cultura João Sayad. O arroubo de Markun acabou irritando o próprio Serra, que foi responsabilizado pelas demissões.

Depois de ter sido desligado da Fundação, por manter postura independente, recebi convite da TV Brasil. E fui alvo de reportagem sensacionalista da jornalista Vera Magalhães, na Folha, me “acusando” de ter sido contratado sem licitação. A repórter ouviu a próprio FPA, que falou o óbvio: não podia haver licitação para a contratação de comentaristas. Vera cortou esse trecho da reportagem. E o factóide quase gerou uma CPI proposta pelo deputado Roberto Freire.

Curiosamente, a única irregularidade da FPA ocorreu com a própria Vera, âncora do Roda Viva: a prorrogação do contrato de Vera com a FPA, assinada quatro meses antes do término do anterior, violou a lei proibitiva de assunção de despesas em final de gestão.

Nenhum dos episódios teve responsabilidade da FPA. Foram atitudes individuais de jornalistas ambiciosos. O modelo institucional da FPA, até agora, tem permitido a manutenção de uma programação de qualidade.

GGN

GGN é um jornal que incorpora as principais características da Internet:

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terça-feira, 23 de abril de 2024

Salve Jorge! Em 2024 no blog da Cultura

 Salve, Jorge

Salve, Ogum

Obra: 1945, V. Menshikov

Chico Alencar 
  · 
SÃO JORGE, OGUM, OXÓSSI CONTRA TODOS OS DRAGÕES!
O Dragão da Maldade tem muitas cabeças e garras. Ele cospe fogo sobre nós, diariamente, com seus golpes de doenças, mentiras, falsidade e opressão. O Dragão simboliza todas as coisas de NÃO.
Viver é benção cheia de perigos. Jorge da Capadócia (atual Turquia) foi martirizado em 303 d.C., por resistir ao imperador romano Diocleciano, perseguidor dos cristãos. Jorge cavaleiro andante, mito generoso do humano sonho de vencer o mal. Venerado em muitos cantos do mundo, como Rússia, Inglaterra, Itália e Portugal.
Jorge universal e brasileiro, assimilado pela nossa linda africanidade: Ogum, Oxóssi, senhor das demandas, protetor contra todas as devastações. Escudo luminoso contra a destruição genocida e ecocida.
SãoJorgeOgumOxóssi, protegei-nos de todo o mal, de tudo que demora em ser tão ruim mas não é sem fim!
Para que nossos inimigos tenham pés e não nos alcancem, tenham olhos e não nos vejam, e suas correntes nunca nos prendam.
Que possamos ver, São Jorge, a sua lua cheia e, nela - nossa "branca bandeira solta na amplidão" - sua e nossa vitoriosa luta contra o medo, a morte e toda discriminação! 
Salve, Jorge! Salvai-nos, salvemo-nos!
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No túmulo de São Jorge, em Lod, as peregrinações são frequentes, mas uma tradição em particular se destaca. Ao observar a foto, nota-se a presença de azeite sobre o túmulo. O nome "Jorge" deriva da palavra grega para "agricultor". O santo guerreiro é reverenciado pelos agricultores palestinos, tanto cristãos quanto muçulmanos, que visitam o túmulo ao final da colheita da azeitona para oferecer uma porção do azeite da temporada em agradecimento. George e Jeries, outras formas de seu nome, são comuns entre os cristãos palestinos, e santuários e festividades adicionais em honra ao santo podem ser encontrados por toda a Terra Santa, especialmente em al-Khader, próximo a Belém, que leva seu nome. 
É interessante notar que o sincretismo em torno da figura de São Jorge não é exclusivo do Brasil. Al-Khidr, conhecido como "o verde", é um personagem mencionado na Surata al-Kahf do Corão, famoso por instruir o profeta Moisés nos mistérios de Deus. A tradição entre alguns muçulmanos afirma que al-Khidr apareceu ao longo da história para devotos, ocasionalmente salvando suas vidas em tempos de perigo e outras vezes iniciando-os num conhecimento mais profundo de Deus. No Oriente, os santuários de São Jorge e São Elias são frequentemente associados a al-Khidr pelos muçulmanos locais, e muitas vezes os cristãos se referem a São Jorge como "al-Khidr". O santuário de Lod compartilha uma parede com a mesquita adjacente, solidificando-o como um local compartilhado entre cristãos e muçulmanos. Durante a festa, os muçulmanos referem-se à igreja como o acesso ao túmulo de al-Khidr, enquanto acendem velas ao lado dos peregrinos cristãos, e alguns até oferecem azeite, embora realizem suas orações na mesquita próxima. 
Vocês sabem que eu gosto de explorar as relações entre as religiões abraâmicas. Do ponto de vista antropólogo, é fascinante compreender como isso se desenvolveu ao longo dos séculos, através dessa simbiose de tradições. São "coisas do povo" que nasceram de forma espontânea. Isso é contra a ortodoxia de ambas as religiões? Sim! Mas fico intrigado como a figura de São Jorge ultrapassa culturas. A história do santo guerreiro que vive nas lendas e nos sonhos do povo.
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domingo, 23 de abril de 2023

São Jorge, o Santo que venceu a demanda do preconceito católico: não tem hóstia, mas tem feijoada!




São Jorge e Ogum: o catolicismo carioca na encruzilhada entre o diálogo e o oportunismo 
(Salve Jorge - Ogunhê!)
O intelectual das ruas e da cultura popular, Luis Antônio Simas, é personalidade indispensável para se pensar sincretismos/cruzos/encruzilhadas na cidade encantada e macumbizada do Rio de janeiro. Pensar e viver São Jorge nesta cidade implica  destronar quaisquer pretensões ou ilusões de um cristianismo (católico e evangélico) virgem, casto, puritano e  isento das desconcertantes africanizações e empretecimentos. 
Já bem escreveu o intelectual Alberto da Costa Silva ser o Brasil um país "extraordinariamente africanizado". E essa situação irremediável de encontro entre fés constituiu, em particular para o catolicismo (ou catolicismos), um inalienável desafio para o diálogo sério e sincero no horizonte de uma "igreja em saída", nos termos do Papa Francisco, e da sinodalidade (=caminhar juntos). Parto da afirmação de que toda fé é sincrética, como o é todo fenômeno cultural. E isso fala sobre riquezas e potencialidades humanas.
Dessa feita, pensar e celebrar São Jorge, o mais macumbeiro dos santos do catolicismo, dispensa olhares ingênuos e/ou indesculpavelmente puritanos e mentirosos. Podemos sim dizer, do ponto de vista radical, que São Jorge não é Ogum e que Ogum não é São Jorge; e tudo bem!M as essa afirmação que alegra os que obstinadamente defendem, com unhas, dentes e catecismos, uma fé "pura", despreza, por vezes com cinismo, o nó de relações construídas no profundo do imaginário-Brasil entre o Santo e o Orixá, entre Jorge e Ogum.
Uma coisa é a fé pensada nos manuais e gabinetes, uma outra coisa é a fé vivida e sentida  na pele de um povo perito em cruz e encruzilhada. E encruzilhada não é apenas lugar geográfico, mas perspectiva de mundo, forma de ser e estar no tempo. Ser de encruzilhada é uma das mais potentes contribuições cognitivas da população preta na diáspora. 
É nesse sentido que é possível falar em "pedagogia da encruzilhada", como na obra de Luis Rufino. Escreve sugestivamente Leda Maria Martins: "A cultura negra é uma cultura das encruzilhadas". 
O mundo católico oficial é o mundo da estrada reta. O pensar reto ocidental (que forma/deforma clérigos e laicato) é pobre demais para captar dribles, sutilezas, encontros, trocas e encantamentos próprios do pensar/ser em cruzo. É preciso levar a sério quando, em cruzo,  Zeca Pagodinho confessa como voz coletiva: "Eu, sincretizado na fé, sou carregado de axé... Sim, vou na igreja festejar meu protetor... Sim, vou no terreiro pra bater o meu tambor. Bato cabeça, firmo ponto, sim senhor. Eu canto pra Ogum ".
Faz lembrar "Grande sertão:veredas" de Guimarães Rosa: "Não perco ocasião de religião. Aproveito de todas. Bebo água de todo Rio...Uma só pra mim é pouca, talvez não me chegue". 
Está o catolicismo oficial disposto a dialogar de forma positiva e sincera com esse forma encantada de afirmar a vida?
Como pode um catolicismo oficial com mentalidade colonizadora se abrir a outras possibilidades de ser e está no mundo?
Em "A ciência encantada das macumbas", escrevem Luis Simas e Rufino: "Os santos que por aqui baixam praticam o cruzo, são macumbeiros, arrastam multidões em suas companhias, vadeiam nos sambas de roda, nas capoeiras, riem nos versos improvisados, bebem cerveja...". Como retirar ou desconsiderar dos festejos de São Jorge a cerveja e a feijoada, bebida e comida votivas do Orixá Ogum?
Uma paróquia que afirma São Jorge e rechaça Ogum mas, no dia do santo, faz feijoada, com ou sem consciência, afirma o santo e orixá. Afirma ou não afirma? Se não afirma na homilia, afirma no prato!
Dizem ainda os autores Simas e Rufino: "Nos cruzos transatlânticos, porém, a morte foi dobrada por perspectivas de mundo desconhecidas das limitadas pretensões do colonialismo europeu-ocidental".
É fato que historicamente, no Brasil, São Jorge, por conta do sincretismo com Ogum, era visto, no mínimo, com suspeita pelo catolicismo oficial. Se aproximar do Santo significava abrir as portas aos macumbeiros. Ainda hoje verificamos em muitos espaços católicos o olhar de desconfiança e até de ojeriza a tudo que lembre a presença das religiões de matriz africana. 
Mas , fato é que por conta da persistência dos macumbeiros, populares, e hoje, de artistas e celebridades o Santo está na crista da onda. E seus festejos estão cada vez mais lucrativos, sobretudo a feijoada. 
E é também fato que, com ou sem bispos, com ou sem padres, com ou sem missa, com ou sem hóstia, o santo guerreiro é festivamente celebrado. Salve, Jorge! Ogunhê!
Quem sempre foi privado da hóstia aprendeu a combater com a feijoada!
Na feijoada, todos e todas comem; na missa não!
E vale dizer que o lugar de destaque que São Jorge ocupa hoje no Rio de janeiro é fruto, sobretudo, da sapiência e persistência do povo do terreiro. E no cruzo,   o cristianismo, quase  sempre metido a puro e a besta, foi ogunizado, aceitemos ou não. O povo do terreiro se alterou com o cristianismo, mas também macumbizou a fé cristã. São Jorge macumbiza a cidade; e a igreja também! Quem se mistura com o santo, feijoada come!
Quem pode dizer que a oração de São Jorge feita nas paróquias e pelos devotos onde quer que estejam não reedita saberes e práticas pretas para fechar o corpo?
O vermelho que toma conta da cidade e dos corpos no dia de Jorge se dá por conta da cor litúrgico-católica referida aos  mártires da fé cristã ou por razões outras que ultrapassam os limites dos cânones e pensares  eclesiásticos eurocentrados?
Papa Bento XVI escreve as mais belas palavras que li sobre o Diálogo. Ele diz que no diálogo verdadeiro nenhuma parte fica da mesma forma. 
Nessa perspectiva, no diálogo Jorge-Ogum, Ogum sai jorjizado e Jorge ogunizado!
E isso é magnífico!
Escreve, de forma desconcertante, Luis Antônio Simas: "O Rio de janeiro começa a comemorar São Jorge e Ogum! E para dar um Garrinchamento nos puristas que encaram o sincretismo mecanicamente, aqui o buraco é mais embaixo: na nossa cidade, não foi Jorge que cristianizou Ogum. Segura, malandro. Foi Ogum que empreteceu Jorge"
O cavalo corre mais que a Igreja. Desse modo, a "Igreja em saída" não tem saída: ou rompe o olhar puritano, preconceituoso e racista e anda mais depressa para o diálogo sincero e engajado com o mundo de Jorge ou vai perder o santo de vista.
O risco está na Igreja ceder a tentação oportunista de só falar em Jorge única e exclusivamente como chamaris para tentar ganhar o povo, multiplicar curtidas e encher os cofres. São Jorge, outrora persona non grata para muitos católicos puritanos, sobretudo clérigos, se tornou muitíssimo lucrativo!
Salve, Jorge! Ogunhê! Patacori, Ogum!
*Padre Gegê é Doutor em Ciência da Religião pela Pontifícia Universidade de São Paulo

Gegê Natalino no facebook

#1964+60 - Uma Tarde em 1964 - Arte, cinema e educação contra a barbárie 🎥✊🏿✊🏼

  

A Associação Cultural CineFanon e Circuito 1964, em parceria com a Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), Rede Kino - Rede Latino-Americana de Educação, Cinema e Audiovisual, Grupo de Pesquisa Ecos e Festival Internacional de Cinema e Cultura da Diversidade – Festicidi, têm o prazer de convidar todas e todos para uma atividade mais que especial.

Uma Tarde em 64 é uma atividade artística lúdico-pedagógica realizada para homenagear a arte da resistência manifestada durante os anos de chumbo impostos pelo regime autoritário.

Se por um lado a ditadura recrudesceu em violência e opressão contra estudantes, trabalhadores, indígenas e todos aqueles que se opuseram ao golpe, no universo artístico não foi diferente. A contraofensiva realizada pelo teatro, literatura, artes plástica, dança, música e o cinema se fizeram bandeiras de combate contra o regime militar, abalando as estruturas da ditadura, culminando no período de maior efervescência cultural do país.

Atrelado a isso o fatídico período nos revelou a extrema urgência de um projeto educacional inclusivo e libertário, que transformasse os indivíduos em cidadãs e cidadãos conscientes do seu poder de ação. Pedagogia tão sonhada (e aplicada) por Paulo Freire e outros.

É para manter vivo e celebrar a luta, e conquistas, deste movimento que realizaremos uma tarde permeada de atividades artísticas e educativas junto a comunidade estudantil do CEM. 🎦✊🏼✊🏽