terça-feira, 31 de dezembro de 2019

O ANO ÀS VEZES NÃO ACABA, ELE SE SUICIDA, ASSIM COMO TORQUATO NETO

Abílio Neto

Ontem, 29/12/2019, como se não me bastante este governo farsante e esquizofrênico de Bolsonaro, tive uma péssima notícia: o falecimento do músico, compositor, agente cultural e educador CARLOS PINTO em setembro deste ano. Mas quem o conheceu? Poucas pessoas. Foi um artista que não teve o sucesso que merecia. Carlos me ligou direto a Torquato e, triste, voltei no tempo para me lembrar um pouco de 1972, a época do ‘Brasil, ame-o ou deixe-o'! 

Torquato Neto foi jornalista diplomado, poeta, cronista, letrista de música, agente cultural e polemista. Um ser humano muito inteligente. Também foi defensor das vanguardas brasileiras, ativo na cena cultural, tropicalista e parceiro de Gil, Caetano, Edu Lobo e Glauber Rocha. Matou-se com 28 anos e 1 dia (em 10/11/1972), trancando-se no banheiro e abrindo o gás. Deixou mulher e 1 filho. Seus amigos não perceberam sua reclusão, mas suas poesias recolhidas após sua morte demonstravam que o suicídio para ele seria algo mais do que inevitável. Curto e objetivo no bilhete de despedida: ‘pra mim chega’. 

Um desses poemas encontrados em seus pertences é GO BACK, brilhantemente musicado por Sérgio Brito, de OS TITÃS, em 1984. Interessante que todo suicida, ansioso por natureza, tem pressa que tudo dê certo logo. Se um jovem de 28 anos dizia que não tinha tempo a perder, imagine um velho na casa dos 70 ou mais insistindo no incerto, duvidoso e problemático? Pois é, a lentidão dos normais ao decidir sobre coisas simples, mas potencialmente prazerosas, os faz perder, quem sabe, momentos de grande felicidade na vida. Então, os loucos são os suicidas ou somos nós? Há muito tempo que insisto na tese de que a normalidade das pessoas, no mais das vezes, é o que o faz a loucura delas. É o caso daquela senhora normalíssima, minha conhecida, que largou o marido após quase 30 anos de casamento dizendo que ele era sujo e ela limpíssima. Puxa, levou todo esse tempo para descobrir isso? 

Foi para o pai de Torquato, Hely, que Caetano Veloso, colega do filho num colégio de Salvador, compôs CAJUÍNA, ao visitá-lo em Teresina. Chorando muito ao ver fotografias dele penduradas na parede da casa, aquele incrível senhor o confortava, deu-lhe cajuína para beber e ainda foi ao jardim e colheu um botão de rosa que ofereceu ao cantor e compositor baiano. 

Torquato era filho único e saiu de casa aos 17 anos para estudar em Salvador. Depois foi morar no Rio de Janeiro onde viveu intensamente seus 28 anos e foi um dos nomes mais importantes da Tropicália. O promotor aposentado Hely disse que só veio a conhecer melhor o filho depois que ele se foi deste mundo quando pôde ler seus poemas. Como espírita que era, declarou antes de falecer que se sentia confortado ao saber que Torquato reencarnou como filho de uma prostituta em Picos. Não me perguntem como ele teve essa certeza. 

Para mim Torquato Neto era um poeta único: simples e direto. Alguns dos seus poemas nos atingem como se fossem lâminas de barbear, mas ser poeta é mais do que colocar açúcar na água ou fazer versos vazios. Fechado em si mesmo, ele decidiu morrer quando se sentiu abandonado pelos amigos e percebeu que Médici mandava torturar e matar aqueles que considerava inimigos da ‘Revolução’. Pois é, a amizade que lhe faltou quando estava em crise existencial foi a chave de toda a tragédia. Ah se déssemos o devido valor às verdadeiras amizades como tudo seria tão diferente na vida.  

Mas houve outro fato que ele, como compositor inteligente, absorveu: em 1972, os Novos Baianos lançaram o disco ACABOU CHORARE, um divisor de águas na música brasileira, trazendo melodias alegres e letras vadias ou descompromissadas que contrastavam com a poesia belíssima, porém, às vezes muito triste, de Torquato. Talvez tenha sentido aí que seu momento passou e decidiu partir 

TRÊS DA MADRUGADA, poema de Torquato, foi musicado de forma lindíssima por Carlos Pinto (e lançado em compacto em 1973), um violonista, compositor e cantor de raro talento, natural de Belém do São Francisco/PE, falecido em 04/09/2019, às vésperas de completar 71 anos. A música, no entanto, é mais conhecida na voz de Gal Costa que fez uma de suas interpretações mais belas e sensíveis da sua carreira, acompanhada somente do sentimental violão de Gilberto Gil, em gravação também de 1973, que é um dos grandes destaques da música brasileira em qualquer época que uma pessoa se sinta sozinha e abandonada. 

Comparar a letra de TRÊS DA MADRUGADA, que veio de um poeta que deu um mergulho profundo na solidão humana, com qualquer letra porra-louca de OS NOVOS BAIANOS, não dá, e besta és tu se insistires nisso. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. O som dos baianos era excepcional, mas suas letras eram alucinógenas e típicas de quem ‘viajava’ muito pelo sítio de Jacarepaguá, onde eles moravam em grupo no início da década de 70. 

Descanse em paz, Carlos Pinto. Sua melodia mais famosa nos versos de Torquato ainda embalará a arte de muito artista suicida, como o poeta, cantor e violonista Zeto, que se deixou abater pela bebida, ele que cantava muito sua música. Como 2019 é um ano que se suicidou sem esperar pela morte em 31 de dezembro, é até normal sentir um pouco de tristeza. 

Então, caros amigos, feliz 2020 com todas as surpresas que ele nos reserva e, sobretudo, com mais amor, essa coisa que mexe, remexe, vai, volta, sobe, desce e às vezes acaba matando a gente (não estou falando de sexo!). Mas saibam que um cantor de louvor chamado Tony Allyson gravou uma canção que contém, ao meu ver, esse disparate: ‘É o amor de Deus que mexe e remexe/ E faz meu coração bater.’ Como é que a gente pode levar esse tipo de evangélico a sério com esse suposto remexido divino? Caymmi, sim, dizia com acerto: ‘procure uma nega baiana que saiba mexer’ (o vatapá!). 

Abaixo, duas letras de Torquato e um pitaco meu. A letra de TRÊS DA MADRUGADA, de tão triste, me recuso a transcrevê-la, porém vocês a captarão de forma cristalina da belíssima voz de Gal. Pra mim chega de 2019. Dane-se! 

COISA MAIS LINDA QUE EXISTE 

Coisa linda nesse mundo
É sair por um segundo
E te encontrar por aí
E ficar sem compromisso
Pra fazer festa ou comício
Com você perto de mim
Coisa linda nesse mundo
É sair por um segundo
E te encontrar por aí
E ficar sem compromisso
Pra fazer festa ou comício
Com você perto de mim
Na cidade em que me perco
Na praça em que me resolvo
Na noite da noite escura
É lindo ter junto ao corpo
Ternura de um corpo manso
Na noite da noite escura
A coisa mais linda que existe
É ter você perto de mim
A coisa mais linda que existe
É ter você perto de mim
A coisa mais linda que existe
É ter você perto de mim
O apartamento, o jornal
O pensamento, a navalha
A sorte que o vento espalha
Essa alegria, o perigo
Eu quero tudo contigo
Com você perto de mim
A coisa mais linda que existe
É ter você perto de mim
A coisa mais linda que existe
É ter você perto de mim de mim
A coisa mais linda que existe
É ter você perto de mim
A coisa mais linda que existe
É ter você perto de mim de mim

GO BACK 
Você me chama
Eu quero ir pro cinema
Você reclama
Meu coração não contenta
Você me ama
Mas de repente
A madrugada mudou
E certamente
Aquele trem já passou
Se passou, passou
Daqui pra melhor
Foi!

Só quero saber
Do que pode dar certo
Não tenho tempo a perder
Só quero saber
Do que pode dar certo
Não tenho tempo a perder...(2x)

Você me chama
Eu quero ir pro cinema
Você reclama
Meu coração não contenta
Você me ama
Mas de repente
A madrugada mudou
E certamente
Aquele trem já passou
Se passou, passou
Daqui pra melhor
Foi!

Só quero saber
Do que pode dar certo
Não tenho tempo a perder
Só quero saber
Do que pode dar certo
Não tenho tempo a perder...(2x)

-"Não é o meu país
É uma sombra que pende
Concreta
Do meu nariz em linha reta
Não é minha cidade
É um sistema que invento
Me transforma
E que acrescento
À minha idade
Nem é o nosso amor
É a memória que suja
A história que enferruja
O que passou
Não é você
Nem sou mais eu
Adeus meu bem
Adeus! Adeus!
Você mudou, mudei também
Adeus amor! Adeus!
E vem!"

Só quero saber
Do que pode dar certo
Não tenho tempo a perder
Só quero saber
Do que pode dar certo
Não tenho tempo a perder...(2x)






Abílio Neto, pernambucano, 70 anos, é memorialista e pesquisador musical, além de  pequeno colecionador de discos. Seu arquivo contém algumas obras que se tornaram preciosas na música brasileira diante do mau gosto popular nessas duas primeiras décadas do século XXI. São frevos, sambas, maracatus, forrós, xotes, polcas, toadas, marchinhas, merengues e choros. Tem mais de 400 artigos escritos sobre música que foram publicados em sites da internet, ‘terreno’ que se notabiliza pela impermanência. Seus artigos provam que a História também se conta através da música.

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Música e sociedade, música e política, música e afeto, amizade, alegria e prazer. Uma delícia quando lemos o texto de uma pessoa que sabe fazer essa combinação. É o que faz Abilio Neto, o qual conhecemos nos anos do Overmundo, entre 2006 e 2011, primeiro portal nacional de internet dedicado a difusão  da  cultura independente, das periferias, dos sertões,   dos que mesmo produzindo com qualidade e compromisso, não conseguiam espaços para fazer divulgação nos cadernos culturais dos grandes jornais.
Ler o texto do Abilio Neto é como conversar ao cair da tarde em um alpendre de varanda das casas coloniais, cercados pela brisa suave que sopra das árvores, grandes e pequenas que cercam o redor da casa. Ou então,  é como conversar em uma barraca de praia, sentindo o vento que vem do mar soprando em nossas caras, bebendo uma boa caipirinha, intercalando com água de coco.

Abilio Neto passa a ser colaborador eventual do blog da Ação Cultural a partir desse mês de dezembro de 2019. Vida longa parceiro! 

Zezito de Oliveira



quarta-feira, 25 de dezembro de 2019

O natal cultural da AMABA - Associação dos Moradores e Amigos do Bairro América.



Apresentação da Band’Auê


As semanas de cultura  de 1987 e 1988, foram dois momentos únicos e  fortes  do natal na Associação de Moradores e Amigos do Bairro América (AMABA). 


Criada em 1983 na cidade de Aracaju, a Associação de Moradores e Amigos do Bairro América (Amaba)  é uma organização da sociedade civil inativa desde o ano de 2012. 

A  existência da Amaba pode ser dividida em  três fases. A primeira  que durou de 1983 até 1989, foi marcada  principalmente pela  luta vitoriosa da  transferência da fábrica de cimento (1985),  inauguração da sede permanente (1987), e  campanha por drenagem e pavimentação das ruas do bairro. 

O encerramento dessa fase acontece após uma disputadíssima eleição no ano de 1989, cuja vitória coube a uma chapa formada por uma maioria de jovens. A principal marca dessa fase  foi a  conquista em 1991 de financiamento internacional para o Projeto Reculturarte (reeducação, cultura e arte),  reforçando o papel da Amaba  como um autêntico “circulo de cultura”, embora essa expressão não fosse utilizada na época.


Essa fase é encerrada no ano de 1996, após algumas saídas e rachas, iniciado em 1993, e que culmina em 1996,  no afastamento dos últimos diretores eleitos  na chapa de 1989  e alguns sócios.    A partir daí tem inicio a terceira e última fase que durou até 2012,  marcada pela criação da rádio comunitária  Carcará, do  pré vestibular comunitário e das tentativas para a criação de alguns empreendimentos no campo da inclusão produtiva. 

primeira fase foi marcada pela fundação e mobilização da comunidade para participar da AMABA, e pela  localização da sede provisória na  rua Nova Paraíba, próximo a um ponto extremo do bairro, quase fronteira com o bairro Siqueira Campos e conjunto Costa e Silva,  bem próximo a área de localização da fábrica de cimento. Sendo esta a principal luta de caráter mais geral, visto que envolveu vários sujeitos e agentes sociais do bairro, sob a liderança dos frades capuchinhos, assim como pessoas e organizações de outras localidades.

As Semanas de Cultura  foi uma proposta inspirada no Encontro Cultural de Laranjeiras e no Festival de Arte de São Cristóvão e marcam o encerramento da primeira fase. 

Os argumentos apresentados  no ano de 1987 ao recém nomeado presidente da Fundação Estadual de Cultura (Fundesc), jornalista Amaral Cavalcante,  baseou-se  principalmente no fato do bairro américa ter uma tradição rica e singular  em matéria de iniciativas culturais, em comparação com outros bairros de Aracaju,  e esse trabalho naquele momento contava com uma grande incentivo da AMABA, o qual por sua vez também passou a contar a partir de 1986, com o apoio da prefeitura de Aracaju no incentivo às iniciativas culturais de base comunitária,  isso na primeira gestão de   Jackson Barreto como prefeito de Aracaju. 

Além disso foi citado os espaços adequados para atividades culturais que o bairro dispunha, embora  pouco utilizados, fazendo-se necessário a promoção de ações ou de politicas de ocupação
.
Dentre estes espaços, o mais destacado foi a  concha acústica da Praça Tancredo Neves, popularmente conhecida como  Praça dos Capuchinos,  inaugurada em 1986 pelo prefeito José Carlos Teixeira, além da área interna do mercado municipal, o salão paroquial da Igreja São Judas Tadeu, a  nova sede da AMABA (isso a partir de 1988), além  do Abassá São Jorge.  




Aracaju Como Eu Via   (página do facebook) - Fonte secundária.

Praça Tancredo Neves - Bairro América

Fonte: Revista de Aracaju - Ano 43, num. 8, Dezembro de 1985.
  - Fonte primária


Vale a pena também curtir e compartilhar a página LIvro Amaba/Projeto Reculturarte no facebook


Igreja São Judas Tadeu ou Igreja dos Capuchinhos - Bairro América - Aracaju.
Fonte https://www.solutudo.com.br/se/aracaju/locais/igreja-dos-capuchinhos/205

E por causa disso, foi solicitado a  presença do governo estadual   como parceiro, somando ao apoio da Prefeitura de Aracaju  às iniciativas culturais comunitárias. O que foi  prontamente aceito, e assim realizamos as duas edições da Semana Cultural do bairro America.





Apresentação do esquete teatral "Nega barbada de um peito só."

Algumas lembranças  das Semanas de Cultura do Bairro América .

A - O Abassá São Jorge foi cedido inicialmente, mas depois  foi negado pela  Yalorixá responsável pelo terreiro.

No barracão, espaço de culto,  seria apresentada  montagem coreográfica com base na dança moderna com recorte afro, tratava-se do  espetáculo “Senzala” produção do grupo Força Jovem, depois grupo Fama,   utilizando como base as canções do LP Missa dos Quilombos, criação de Dom Pedro Casaldáliga, Milton Nascimento e Pedro Tierra.

O motivo para a não cessão do local, de acordo com a Yalorixá, foi pela  apresentação do espetáculo “Senzala” no barracão ter sido considerado uma espécie de falta de consideração para com os Orixás e  pelo seu local de culto.

B – Ao término da apresentação da Band’Auê, na noite de natal, encerrando a programação da semana cultural de 1988, retornei para casa completamente exausto, todavia senti uma alegria muito grande, porque a associação do natal com a cultura popular sempre fez muito mais sentido para mim, bem mais do que a forma “burguesa” como era e é realizado.  Mesmo no campo da religião, com sua pompa e circunstância, cheio de devoção e beleza. Aqui  me recordo especialmente das missas do galo na Igreja São Judas, sempre  com a participação solene  do Coral São Judas Tadeu.

E, para não chocar com a tradição cultural da celebração da missa do galo, a qual na década de 1980 ainda poderia ser celebrada no horário da meia noite, a apresentação da Band’Auê foi encerrada por volta das 23 horas.

Dois artistas importantes no cenário da música sergipana e nacional e que fizeram parte da Band'Auê.

Sergival e Sena



C – Uma das apresentações previstas para a semana cultural de 1988 foi a apresentação pública como cantor da parte  do autor desse texto, acompanhado pelo amigo e sócio colaborador da AMABA Ronaldo Lima, na época estudante do conservatório de  música e integrante dos quadros da fanfarra municipal. Um detalhe, na programação só saiu o nome de Ronaldo, para não parecer promoção pessoal indevida, considerando sermos o coordenador geral da semana cultural. 

Como era a primeira  apresentação para um grupo maior de pessoas,  foi realizada no inicio da programação, quando havia um número menor, como uma espécie de teste ou laboratório. Três canções foram ensaiadas , mas somente duas foram apresentadas : “ Faltando um pedaço” de Djavan e “Um dia , um adeus” de Guilherme Arantes, esta última a melhor interpretação,  motivo de silêncio e surpresa para quem esteve assistindo aquele momento.  

Uma proposta a se pensar para o lançamento  impresso do livro sobre a AMABA/Projeto Reculturarte, o qual não poderá prescindir da presença de uma boa música


D – As fotos da  apresentação do esquete teatral “Nega barbada de um peito só”, nos recorda  a presença naquele momento de dois jovens ligados ao trabalho cultural da AMABA, hoje adultos, referências artísticas  em Sergipe e além fronteiras. O artista plástico Edidelson Silva  e Gigi Poetiza. 

Bom lembrar “nossa linda juventude, páginas de um livro bom”. Apesar das dificuldades e dissabores de viver em tempos classificados anos depois pelos pesquisadores  como décadas perdidas, do ponto de vista do desenvolvimento econômico e da  redistribuição de riquezas com justiça, mas bastante rica em matéria de iniciativas politicas democráticas e democratizantes. E a AMABA fez parte dessa construção.

E - O período de realização da Semana Cultural do Bairro América foi escolhido levando em conta o Natal, considerando o aumento da frequência à igreja dos capuchinhos neste dias, o que já era grande no decorrer do ano, ampliado pelas visitas a um presépio animado movido a eletricidade e instalado sempre  no inicio do mês de novembro pelo pároco Frei Florêncio Pecorari. Tradição iniciada no inicio dos anos de 1980, quando este assumiu o comando da Paróquia São Judas Tadeu, da qual a igreja dos capuchinhos no Bairro América é sede. 

Já a Catedral de Aracaju, foi palco durante muitos anos de uma programação cultural de natal bastante  lembrada por pessoas de mais idade.   

F – Uma das imagens mais bonitas da  semana cultural do bairro América é a lembrança noturna da roda gigante, um dos equipamentos do parque de diversões instalado para somar a programação artística, além de somar com a  iluminação da igreja dos capuchinhos que conta com um desenho arquitetônico  muito bonito e  de traços modernistas, junto com a iluminação colorida dos equipamentos do parque de diversão, incluindo a roda gigante, além da iluminação colocada sobre a concha acústica. Imagine como ficou bonito!

E por fim, nestes dois momentos conseguimos reviver cenário e situações do natal  no parque em frente a catedral de Aracaju, o que é considerado como uma das melhores lembranças para quem viveu a Aracaju dos anos de 1900 à 1980. 

Essas memórias estão registradas nessa bela canção...O clipe foi gravado no mesmo local onde acontecia  o Natal no parque.



Aqui e Aqui mais informações sobre o natal no parque e o carrossel do Tobias.

Para concluir, o desejo que em algum momento, em algum lugar, ações como essa possam acontecer mais. Mas  que aconteçam mais, sempre mais. Para que natal seja momento e lugar de encontro, alegria, cultivo de  vínculos e relações  de pertencimento e de fortalecimento do espirito comunitário. O necessário para enfrentarmos os dragões da maldade que querem nos afogar. Os dragões do individualismo, do consumismo, da alienação, os quais no limite são fonte de doenças psíquicas e orgânicas, responsáveis por muita dor  e sofrimento, também contributo de  base ideológica para o fascismo renascido. 

Zezito de Oliveira


Leia/assista/ouça

domingo, 23 de dezembro de 2018

Abaixo, cópia de um documento pesquisado onde consta um levantamento de artistas e grupos que residiam e/ou atuavam  no Bairro América, possivelmente do ano de 1988. 

GRUPO TEATRAL. SÃO FRANCISCO DE ASSIS (GRUTESFA) - O GRUTESFA tem como objetivo principal evangelizar através do teatro. Foi fundado em meados dos anos de 1970, sendo vigário na época frei Eugenio Alves Barreto. Conta atualmente com aproximadamente  30 componentes. É presidido por José Gama.

GRUPO TEATRAL ARUANNA - O grupo teatral Aruanna foi criado em 1985 por alguns jovens que faziam parte do grupo de jovens D. Távora e novos convidados. Foi a primeira tentativa em criar um grupo de jovens ligados a AMABA, iniciativa que contou com a colaboração das atividades de extensão na comunidade,  desenvolvidas pela assistente social Luisa Souza, na época professora do departamento de Serviço Social da UFS e também pesquisadora e escritora. A partir de 1985 os integrantes do D. Távora  decidiram se dedicar ao teatro como atividade principal. 

O grupo optou por um trabalho de critica social e sátira que pudesse contribuir no trabalho de conscientização desenvolvido pela associação de moradores. O grupo esteve paralisado durante o período de abril de 1987 a julho de 1988, quando retornou as atividades,  ensaiando e apresentando dois esquetes teatrais que fizeram bastante sucesso:  “Promessas de Políticos” e “A nega barbada que tinha um peito só”.
GRUPO TEATRAL PIPIRI - O grupo teatral Pipiri foi criado como resultado  de uma oficina de teatro de rua desenvolvida no bairro América a partir de 1986. Iniciativa da Secretaria de Cultura do Município com a cooperação da AMABA. 

É um grupo formado por meninas/adolescentes que encontram no teatro uma força de expressão social/cultural e canalização da criatividade. 

O grupo já montou uma peça “A Fabricola de cimento do Fabricador Maluco”, inspirada na problemática gerada pela poluição da  Fábrica de Cimento do Bairro América. 

Atualmente o grupo apresenta “O Macaquinho D`Angola”, com a direção de Eduardo Freitas, inspirada no conto popular do mesmo nome e resultado de uma oficina de aperfeiçoamento, solicitação da coordenação de cultura da Amaba à secretaria de cultura do municipio.
CORAL SÃO JUDAS TADEU - O  grupo foi fundado em 1970, sendo o vigário na época  Frei Eugenio Alves Barreto. O regente atual  é o Senhor Arisvaldo Josè Reimão, o qual  residia em Salvador, tendo sido  convidado por Frei Eugênio para reger o coral. Este  atualmente conta com 35 componentes. 

As musicas que o coral apresenta, são em três estilos: popular, clássica e sacra.  Destacando-se esta última, que se constitui no estilo principal. O coral se apresenta em missas, solenidades de formaturas, inaugurações e casamentos.

O8/09/1973 - Apresentação do Coral S. Judas Tadeu ao Festival de Artes de  São Cristóvão, o qual foi bem sucedido e bem elogiado. Livro de tombo da Paróquia São Judas Tadeu.  Escrito pro Frei Eugênio. Acréscimo dessa informação em 26 de dezembro de 2019.
ISMAEL SANTOS NEVES (SANFONEIRO) - Toca há 15 anos, tem um grupo chamado “Trio do Nordeste” mora há muitos anos no bairro América. Aprendeu a tocar com o pai. Atualmente toca no Xeiro Nordestino, e as sextas-feiras no forró Sto. António no bairro América. No bairro e proximidades existe ainda o forró de Nina, “Das veias” como é mais conhecido e o forró de Josa, que é instalado durante o período junino. O Senhor Ismael é pedreiro e torneiro mecânico,a musica é apenas um quebra galho.
CICERO BARBOSA DOS SANTOS (ARTESÃO) - Confecciona reproduções de brinquedos de miniatura em madeira e pequenos objetos de decoração domestica. Tem 11 meses de atividade. Além de Cicero,  existem dois artesãos em atividade que mora na mesmo rua em que ele mora, e indiretamente Cicero foi estimulado por estas pessoas. A sua produção é vendida nas feiras de artesanato da Praça Tobias Barreto, Siqueira Campos  e exportada para Salvador. Vive da arte.
JOÃO FIRMINO CABRAL (POETA POPULAR) - Poeta e vendedor de livros de cordel, começou vendendo nas feiras aos 16 anos em várias cidades do nordeste, estando há 18 anos em Aracaju, tendo nascido em Itabaiana (Interior de Sergipe).

Já escreveu 35 livros, sendo “A coragem de um vaqueiro em defesa do amor” o mais preferido junto aos leitores. Já teve um dos seus livros adaptados para o teatro, “Amor e Martírio de uma Escrava” estória inspirada em leituras sobre escravidão .  Aprendeu a escrever cordel lendo livros de cordel. Segundo nos informou,  ultimamente, cresceram as vendas e tem aumentado a procura por parte de pesquisadores, estudantes e etc..                    
EMANOEL SOUZA ROCHA (GRUPO DE CAPOEIRA FILHOS DA GAIVOTA

Tem 7 anos de atuação no mundo da capoeira. Iniciou na Escola Santa Rita de Cássia, através de uma professora de educação artística que incentivou um grupo de alunos para treinar capoeira, visando participação em uma gincana.

O grupo inicial foi extinto e algum tempo depois foi criado outro grupo, por professores da mesma escola, neste caso com objetivos mais permanentes. Este grupo teve como principal instrutor um mestre conhecido como Wilson que trouxe experiência de Salvador. 

Por falta de apoio da direção da Escola Santa Rita o grupo desloca-se para outra escola do bairro, Escola Estadual Souza Porto, onde encontra total apoio por parte do diretor Carlos. 

O grupo Filhos da Gaivota foi oficialmente registrado no dia  16/04/1982 e existiu até meados de 1987, quando foi desativado em função de alguns rapazes moradores das redondezas da Escola Souza Porto agirem com violência contras os membros do grupo. O grupo chegou a contar com 82 componentes, com idades variando entre 07 e 32 anos.

As principais apresentações foram realizadas nas cidades de Laranjeiras. S. Cristóvão, Bairro Industrial (Parque da Cidade). Apresentou-se em 1987, no centro de Aracaju, em frente ao palácio do governo, em solidariedade a campanha contra a reativação da fábrica de cimento. A comunidade ainda hoje insiste para o retorno do grupo.



banda fanfarra municipal



Infelizmente, não conseguimos localizar nem a fonte e nem a data do recorte acima.


domingo, 22 de dezembro de 2019

E por vias tortas Paulo Freire volta a ser discutido em nosso país como pensador relevante.


É natal, meio borrado, eu sei. Mas é natal. "Quem não puder comer carne, coma outra coisa."

"Feliz Natal todo dia. Para além da polêmica entre os descolados do  Porta dos Fundos e os conservas que usam o nome de Deus para ganhar dinheiro e que se calam diante de tanta  injustiças e miséria e que colaboram para criar e mantê-la." 
O titulo dessa postagem faz alusão a fala do presidente Bolsonaro como desejo de um feliz natal para os brasileiros.  "Bolsonaro deseja Feliz Natal, "mesmo sem carne para algumas pessoas""

ZdO

O Paz e Bem deste sábado (21) foi uma delicada escolha de Sumaya Fuad. Ela selecionou um texto de Jota Marques, de 2017, que está na fronteira entre a poesia e a prosa. Ele apresenta-se como resultado do êxodo rural e da migração urbana; jovem morador da Cidade de Deus, educador popular e recém-eleito Conselheiro Tutelar de Jacarepaguá (@jotamarquesrj).

E ainda como educador popular, escritor periférico e coordenador da Marginal, escola de educação popular, comunicação comunitária e política.. Numa entrevista ao RioOnWatch, em 2018, falou sobre sua inserção e a de sua cidade: “Ser incerto em um mundo de certezas talvez seja a minha grande contribuição como educador. E o Rio, sendo esta grande favela com uma cidade dentro, não é território que pede por certezas, mas muitas perguntas”.

O que apresentamos hoje é sua prosa-poesia MANO JESUS DA GALILEIA, saudades eternas:

"JC era considerado e requisitado em todas as quebradas e tabernas; de Beirute à Jerusalém. E sempre munido de uma fita maneira para mandar, dava o papo!, divertia e ainda ouvia quem quisesse desabafar.

Todos sentem saudades, afinal, foi o melhor ombro amigo que conhecemos. E com ele, também, não tinha essa de pão-durice, manja? Chegava junto na "intéra" e não deixava faltar o-vinho-o-peixe no rolé. E ainda, garantia o pão quentinho pela manhã para matar a larica da galera.

Era humildão demais! Em seus pertences todos apenas: duas sandalinhas para o forró, que sempre doava no caminho. E chegava com a mesma picadilha em todo rastapé; black power mandado, às vezes trançado, descalço e com a mesma túnica encardida de sempre, costurada pela Tia Maria, a mãe dele, e um manto todo bordado em vermelho — coisa fina.

O Mano tinha presença, velho. Chegava e rapidinho uma galera se formava em volta dele, o puxando para dançar e coisa e tal, coisa de louco. Isso despertou a revolta nos recalcados: preto, boa pinta-bonitão, inteligente, sensível, gente boa, engraçado e considerado no rolé? Não ia dar outra.

Mas essa parte eu conto outra hora, ainda não superei.
Bate tristeza.

O lance é que JC foi importante para nóis tudo, ensinou que não há diferenças entre ninguém e mostrava o lance na prática: abraçava os pobres, as putas, as pessoas com deficiências, as pessoas em situação de rua, as crianças, os idosos, os doentes, homens e mulheres, todo mundo.

Por onde ele passava era carinho distribuído, dizia: “Considere os parceiros como considera a si mesmo, tio”. João corria e anotava, não deixava passar uma pala maneira que Jesus mandava.

Com JC não tinha erro, essa de preconceito era coisa de gente brega, falava que a parada era abraçar, beijar e amar todo mundo. O bagulho era louco!

É triste pensar que foi logo um beijo que deixou JC pregadão depois. Também não quero falar dessa parada agora. Ainda dói.

Dizia que todo mundo tinha que ter uma vida digna, poder ir ao rolé em paz, ser respeitado, amado, poder comer e beber na tranquilidade. E se tremia todo diante das injustiças e dos "Zé Porva" que vivia atrapalhando a vida da galera humilde, quebrava tudo na revolta, porque queria que todo mundo entendesse:

– Todo mundo é igual, porr!
...
Cês falam muito de Jesus,
mas seguem muito pouco o que ele deixou."

Mauro Lopes





Poema do Menino Jesus

Num meio-dia de fim de Primavera
Tive um sonho como uma fotografia.
Vi Jesus Cristo descer à terra.
Veio pela encosta de um monte
Tornado outra vez menino,
A correr e a rolar-se pela erva
E a arrancar flores para as deitar fora
E a rir de modo a ouvir-se de longe.

Tinha fugido do céu.
Era nosso demais para fingir
De segunda pessoa da Trindade.
(...)

Um dia que Deus estava a dormir
E o Espírito Santo andava a voar,
Ele foi à caixa dos milagres e roubou três.
Com o primeiro fez que ninguém soubesse que ele tinha fugido.
Com o segundo criou-se eternamente humano e menino.
Com o terceiro criou um Cristo eternamente na cruz
E deixou-o pregado na cruz que há no céu
E serve de modelo às outras.
Depois fugiu para o Sol
E desceu no primeiro raio que apanhou.
Hoje vive na minha aldeia comigo.
É uma criança bonita de riso e natural.
Limpa o nariz ao braço direito,
Chapinha nas poças de água,
Colhe as flores e gosta delas e esquece-as.
Atira pedras aos burros,
Rouba a fruta dos pomares
E foge a chorar e a gritar dos cães.
E, porque sabe que elas não gostam
E que toda a gente acha graça,
Corre atrás das raparigas
Que vão em ranchos pelas estradas
Com as bilhas às cabeças
E levanta-lhes as saias.

A mim ensinou-me tudo.
Ensinou-me a olhar para as coisas.
Aponta-me todas as coisas que há nas flores.
Mostra-me como as pedras são engraçadas
Quando a gente as tem na mão
E olha devagar para elas.

(...)

Ele mora comigo na minha casa a meio do outeiro.
Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava.
Ele é o humano que é natural.
Ele é o divino que sorri e que brinca.
E por isso é que eu sei com toda a certeza
Que ele é o Menino Jesus verdadeiro.

(...)

A Criança Nova que habita onde vivo
Dá-me uma mão a mim
E outra a tudo que existe
E assim vamos os três pelo caminho que houver,
Saltando e cantando e rindo
E gozando o nosso segredo comum
Que é saber por toda a parte
Que não há mistério no mundo
E que tudo vale a pena.

A Criança Eterna acompanha-me sempre.
A direcção do meu olhar é o seu dedo apontado.
O meu ouvido atento alegremente a todos os sons
São as cócegas que ele me faz, brincando, nas orelhas.

Damo-nos tão bem um com o outro
Na companhia de tudo
Que nunca pensamos um no outro,
Mas vivemos juntos e dois
Com um acordo íntimo
Como a mão direita e a esquerda.

Ao anoitecer brincamos as cinco pedrinhas
No degrau da porta de casa,
Graves como convém a um deus e a um poeta,
E como se cada pedra
Fosse todo o universo
E fosse por isso um grande perigo para ela
Deixá-la cair no chão.

Depois eu conto-lhe histórias das coisas só dos homens
E ele sorri porque tudo é incrível.
Ri dos reis e dos que não são reis,
E tem pena de ouvir falar das guerras,
E dos comércios, e dos navios
Que ficam fumo no ar dos altos mares.
Porque ele sabe que tudo isso falta àquela verdade
Que uma flor tem ao florescer
E que anda com a luz do Sol
A variar os montes e os vales
E a fazer doer aos olhos dos muros caiados.

Depois ele adormece e eu deito-o.
Levo-o ao colo para dentro de casa
E deito-o, despindo-o lentamente
E como seguindo um ritual muito limpo
E todo materno até ele estar nu.

Ele dorme dentro da minha alma
E às vezes acorda de noite
E brinca com os meus sonhos.
Vira uns de pernas para o ar,
Põe uns em cima dos outros
E bate palmas sozinho
Sorrindo para o meu sono.

Quando eu morrer, filhinho,
Seja eu a criança, o mais pequeno.
Pega-me tu ao colo
E leva-me para dentro da tua casa.
Despe o meu ser cansado e humano
E deita-me na tua cama.
E conta-me histórias, caso eu acorde,
Para eu tornar a adormecer.
E dá-me sonhos teus para eu brincar
Até que nasça qualquer dia
Que tu sabes qual é.

Esta é a história do meu Menino Jesus.
Por que razão que se perceba
Não há-de ser ela mais verdadeira
Que tudo quanto os filósofos pensam
E tudo quanto as religiões ensinam ?
Fernando Pessoa (Alberto Caeiro)




Os dois textos abaixo foram escritos em um momento de um Brasil com seus problemas, mas sem comparação com o que estamos passando nesse momento. Era tempo do governo Lula, com a maioria quase absoluta da população comendo três refeições por dia, e quem não podia, logo conseguia obter condições para tal. Porque era tempo de extensa oferta de empregos e mesmo para quem vivia de biscates, trabalho informal, dava para conseguir o necessário para se alimentar. Os escritos abaixo estão permeados por esse clima tranquilo e favorável. 

Feliz Natal com arte, afeto, justiça e paz!  

Zezito de Oliveira · Aracaju, SE
24/12/2008 - Publicado no site Overmundo

Uma das melhores lembranças que tenho do antropólogo Darcy Ribeiro é quando ele falou a respeito do natal: “Como é fantástico uma religião que tem um Deus que todos os anos renasce como um menino” .

E da minha parte complemento: “E também como é incrível as condições em que o menino Deus nasceu”.

E a partir daí podemos tirar algumas conclusões: Uma delas é que é necessário de vez em quando deixar emergir o menino e a menina que guardamos em nós. Outra é que precisamos insistir, com gestos e palavras, que este modelo de sociedade não está de acordo com o sonho de Jesus de Nazaré.

E foi por isso que ele nasceu pobre e nos propõe colocar em primeiro plano o projeto do reino de Deus, que é um reino de justiça e de paz, o qual não é condizente com a sede da maioria em acumular riquezas materiais, poder e prestigio — fonte de todos os males da nossa civilização (angustias, solidão, violência urbana etc.) “É mais fácil um camelo entrar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no reino dos céus”.

E nem é preciso acreditar que tudo aconteceu como está escrito nos evangelhos, com data, hora e locais exatos, o mais importante é descobrir o que está escondido por detrás dos símbolos e acontecimentos narrados no livro sagrado.

Neste sentido, vale a pena trazer um momento muito significativo e que representa a possibilidade de celebrar o Natal em sintonia com as outras culturas. Lembram-se que em torno do Menino Deus, conforme a tradição, todas as matrizes culturais, com tudo que isso pode significar em termos de riqueza simbólica, afetiva e estética que a humanidade produziu, estão representadas na figura dos três reis magos?

E isso é muito significativo. Lembro que uma das poucas imagens que guardo dos meus primeiros sete anos de vida é a beleza das cores, dos movimentos e da música do reisado e outros folguedos na festa de reis, em janeiro, na cidade de São Cristóvão, cidade onde nasci (infelizmente essa tradição sucumbiu ao canto da sereia do progresso).

Será que não é hora de trazermos de volta este modo de comemorar o natal, com folias de reis, reisado, pastoril, guerreiro, ciranda e podendo ser também com passos de jongo, da dança dos orixás, da capoeira e de danças tradicionais européias, como fizemos na celebração multicultural no natal de 2007 através da aliança do Consórcio Cultural com a Caravana Internacional Arcoiris?

Não será uma maneira mais adequada para que o menino-Deus possa continuar bem pertinho da gente, bem dentro do nosso coração-manjedoura, alegre e saltitante como todas as crianças?

É este o Feliz Natal que desejo para vocês todos(as).

Com muita arte e cultura, carinho sincero, santa indignação com todas as formas de injustiça e de opressão e atitudes cotidianas de solidariedade.

SEMPRE NATAL!


P.S.: No natal de 2007, primeiro ano como diretor do Complexo Cultural "O Gonzagão",  enviei a mensagem abaixo para um grupo de amigos de perto e de longe e a repercussão foi muito boa. Em 2008, decidi fazer o mesmo e, sem olhar para o que escrevi, pude constatar, após reler o que escrevi no ano anterior, que o tema e as imagens são recorrentes, o que mudaram foram apenas as palavras. Então resolvi compartilhar essa mensagem com muito mais gente. Este ano publico no overblog o texto de 2007 e 2008. Importante registrar que o texto do teólogo Faustino Teixeira foi o “disparador” da reflexão que elaborei. Já Faustino Teixeira, por sua vez, foi ter na poesia de Fernando Pessoa a fonte para inspirar o seu belo texto, e o poeta Fernando Pessoa, provavelmente, foi buscar inspiração em narrativas sobre a infância de Jesus, as quais podem ser encontradas com mais detalhes em alguns dos evangelhos apócrifos, e assim como no poema de João Cabral de Melo Neto vamos tecendo outras manhãs.


O Presépio Comunitário e Ecológico do Gonzagão

de 10/12 a 06/1 · AracajuSE


Tecendo a manhã

Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito que um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.
2.
E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.


FELIZ NATAL COM FIDELIDADE ÀQUILO QUE É ESSENCIAL (Mensagem de 2007)

Para o antropólogo Darcy Ribeiro,(in memorian), uma das coisas mais interessantes do catolicismo é que Deus todo ano renasce como um menino.

Acredito que seja para nos lembrar que a criança que mora dentro de todos nós deve ser sempre acordada.

É verdade que o modo como a maioria das pessoas celebra o Natal está bem distante do seu verdadeiro sentido, o que não nos impede de buscá-lo e de torná-lo visível, através das diversas formas de expressões artísticas. No texto abaixo, a poesia das palavras procura nos trazer de volta a criança que temos dentro de nós, a qual, às vezes, deixamos bem escondida.

Que essa criança que dorme dentro de nós seja acordada e renasça alegre e contagiante, neste Natal e sempre, e que a dança, o teatro, a pintura, as histórias, a poesia, a música e o cinema ajudem-nos a tornar isso possível.

Por isso, dançar, cantar, pintar, fazer poesia, escrever histórias e o que mais nossa imaginação deixar é preciso.

Viver é isso! Lembram de quando éramos crianças?

Como todos os meninos e meninas são parecidos com o menino Jesus, Ele busca estar sempre perto de nós enquanto criança, enquanto seres que ainda trazem, lá no fundo do coração, a sinceridade espontânea, a beleza cândida, o amor inocente, e a alegria serena e sonhadora dos tempos de infância.

Portanto, o coração é o primeiro lugar onde devemos procurar o verdadeiro Deus-Amor!

Zezito de Oliveira com a colaboração de Maxivel Ferreira


Tempo de Delicadeza
Por: Faustino Teixeira

“Sejamos simples e calmos,
como os regatos e as árvores,
E Deus amar-nos-á fazendo de nós
Belos como as árvores e os regatos,
E dar-nos-á verdor de sua primavera,
E um rio aonde ir ter quando acabemos!...”(Fernando Pessoa)

O advento é para nós cristãos um tempo litúrgico cativante. Um tempo de atenção e expectativa, mas também de escuta e acolhida. Não é um tempo de medo e angústia, mas de paz e delicadeza. É assim que o Anjo do Senhor anuncia o nascimento de Jesus no evangelho de Lucas: “Não tenhais medo! Eis que vos anuncio uma grande alegria, que será para todo o povo” (Lc 2,10).

É essa alegria que cativa os pastores para irem ao encontro do menino Jesus: atraídos pela maravilha e pelo amor. Precisamos, sim, recuperar o Jesus menino de que fala tão lindamente Fernando Pessoa em seu poema “guardador de rebanhos”. O menino que escapa de um sonho no fim da primavera e desce à terra para nos oferecer tudo aquilo que os olhos podem dar: a capacidade de ver o mundo de uma forma delicada e diferente. O menino Jesus que desperta no sonho de Alberto Caeiro é a criança que nos falta: “uma criança bonita de riso e natural”, que corre pelas ervas e se encanta com as flores e seu sorriso é sempre aberto. É esse menino que deve habitar a nossa aldeia:

“Ele é a Eterna criança, o deus que faltava.
Ele é o humano que é natural,
Ele é o divino que sorri e que brinca.
E por isso é que sei com toda certeza
Que ele é o Menino Jesus verdadeiro.
E a criança tão humana que é divina”.

É essa criança que nos motiva a olhar o mundo, as criaturas, as religiões de uma forma diferente: mais terna, mais simples, mais aberta e mais delicada. É a “Criança Nova” que nos oferece sua mão, mas que abraça também tudo o que existe. É a “Criança Eterna” que motiva a direção do nosso olhar, capaz de ver a presença do mistério em toda parte; que aguça os nossos ouvidos a captar alegremente o fluxo dinâmico de todos os sons. É a Linda Criança que acende em nossos corações o alento vital e a vontade de derramar vida por todo canto e levantar o que está para morrer.

O advento é tempo desse “acordo íntimo” com o Jesus menino que está sempre nascendo de novo na manjedoura do coração. Ele deve ser para nós o Deus que sempre vem, e nunca uma coisa já acabada. Como apontou Teilhard de Chardin de forma tão rica, “Deus é, antes, para nós o eterno Descobrimento e o eterno Crescimento”.

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domingo, 23 de dezembro de 2018