segunda-feira, 30 de abril de 2018

FELIZ POR ESTARMOS PENSANDO E AGINDO COM QUEM ESTAR TRANSFORMANDO ESTE MUNDO EM FESTA, TRABALHO E PÃO.

Só gratidão e alegria! Roda de Conversa sobre as Produtoras Culturais Colaborativa, no dia 28 de abril de 2018 com Pedro Jatobá do Iteia, no Centro Cultural de Aracaju e na Secretaria de Educação e Cultura do município de Simão Dias.
Para quem bem viveu e vive o amor na forma da criação e recriação artística, social e politica do mundo.

Para quem busca potencializar os instrumentos e ferramentas necessárias e sustentáveis, os necessários para tornar a produção cultural de base comunitária mais favorável, afim de podermos viver mais as delicias e menos as dores do viver da criação e produção da arte e da cultura.

Para quem sabe que a transformação deste mundo em festa, trabalho e pão, exigirá muito da nossa capacidade de criar e de inovar, assim como da nossa abertura em aceitar e saber dosar as misturas do tribal com o tecnológico, da ciência com os saberes ancestrais, do local com o global e de outras misturas ou hibridismos mais. Seguindo as pegadas da semana de arte moderna e do tropicalismo. 

Para quem pode estar presente e para quem gostaria de estar, mas que não pode se fazer presente na roda de conversa. Agradecemos em especial a consideração de quem avisou antes e durante.

Para quem colaborou com infra-estrutura, recursos financeiros, na arte da comunicação e com o tempo investido na divulgação e na produção.

Sobre a fala do Pedro Jatobá , temos a dizer que foi muito intensa e não coube no pouco tempo destinado para a programação, em torno de 3 horas, incluindo o debate, todavia como previsto, esse momento seria um momento inicial de abertura do processo formativo sobre Produtora Cultural Colaborativa.

Para quem participou e/ou que não pode participar, e que quiser rever ou conhecer com mais detalhes a tecnologia social das produtoras culturais colaborativas, recomendamos a leitura da página abaixo, inclusive o vídeo incluído na página.    https://colaborativas.net/tecnologia/

Outra fonte de informação é o livro Coralizando, cuja edição impressa pode ser adquirida neste site (https://www.clubedeautores.com.br/…/173613--Coralizando_um_…) ou em forma de download gratuito (http://www.corais.org/node/83906)


Sinopse
"Desde que foi lançada em 2011, a Plataforma Corais foi utilizada para organizar vários tipos de projetos: universidade livre, padronização de dados, reforma de prédio, produtoras culturais colaborativas, televisão inteligente e muitos outros! As pessoas entram na plataforma, definem uma série de coisas a fazer e quem pode fazer, faz. Depois outr@s dão feedback e continuam o trabalho. Assim, as pessoas vão colaborando, ou como esta comunidade costuma dizer, coralizando. 


Este livro explica os conceitos que estão por trás da prática de coralizar. A colaboração não é algo que acontece por acaso; existe um pensamento por trás. A Plataforma Corais propicia a realização do pensamentos orientado ao comum, ajudando a fazer acontecer na prática ou, no mínimo, tornar este comum mais palpável. Compartilhar conhecimentos é o primeiro passo. O segundo passo é a gestão de projetos sem depender de um@ chef@ ou de qualquer outra estrutura hierárquica. A Plataforma Corais oferece ferramentas colaborativas baseadas em software livre que ajudam as pessoas a se organizarem com poucos recursos iniciais. 

Nas páginas seguintes apresentamos o resultado do esforço dos membros em relatar suas experiências nos vários projetos, culminando num guia de conceitos essenciais à colaboração: cocriação, ensinagem, gestão, emprendedorismo, economia solidária, e tecnologias livres. Busca-se uma ética de trabalho mais sustentável para o meio ambiente e mais agradável para todos os envolvidos. 

O livro Coralizando é uma realização do Laboratório Virtual de Gestão Colaborativa coLABOR, ligado ao Centro Interdisciplinar de Desenvolvimento e Gestão Social (CIAGS) da Universidade Federal da Bahia abrigou este processo de construção coletiva e é apenas um dos projetos colaborativos existentes na Plataforma Corais. Este livro foi pensado, desenvolvido e escrito pela Plataforma Corais. Para falarmos de colaboração escrevemos de forma colaborativa através de várias mãos de diversos lugares, com experiências diferentes mas com afinidades e sonhos em comum."

Em termos de continuidade precisamos realizar uma reunião presencial com os participantes da primeira roda de conversa e nos organizar para realizar outras virtuais na plataforma corais, inclusive para a produção do projeto necessário para realizar a oficina de produção cultural colaborativa.
 

Também ficamos de marcar visitas in loco a produtoras culturais colaborativa na Bahia e Pernambuco.

Por esta razão, estaremos realizando consultas para marcar a primeira reunião presencial pós roda de conversa o mais rápido possível, assim como estaremos elaborando a minuta de uma carta de apresentação para ser endereçada aos companheiros (as) das produtoras que faremos visita.

Portanto, esta são as tarefas mais urgentes para quem participou, indicar a disponibilidade e participar da primeira reunião presencial pós fórum, convidar outras pessoas dos coletivos/organizações/entidades/instituições participantes da roda de conversa do dia 28 de abril, como daquelas que não participaram, mas que tem interesse, ler as indicações de leituras recomendadas e repassar os links para pessoas próximas.


Da roda de conversa do dia 28 de abril participaram cerca de 12 pessoas em cada município (Aracaju e Simão Dias). No caso de Aracaju, as pessoas representaram oito coletivos/organizações ligados a ação/produção cultural, agroecologia, software livre, gestão cultural pública e igreja católica. Importante ressaltar a presença expressiva de jovens, sendo maior em Simão Dias. 

Lembrando que a roda de conversa em Aracaju reuniu pessoas e organizações de três municípios (Aracaju. Barra dos Coqueiros e São Cristóvão) e em Simão Dias, envolveu pessoas com base de atuação no município vizinho de Poço Verde.

As fotos seguem depois. As canções que inspiraram o titulo desse relato.
gOnZaGuInHa FeLiZ
https://www.youtube.com/watch?v=5Cs11lUIe2I
Julieta Brandão - Viramundo (Gilberto Gil e Capinan)
https://www.youtube.com/watch?v=3FlDrArrwrM

ZdO

Tecnologia TECNOLOGIA SOCIAL: PRODUTORA CULTURAL COLABORATIVA O que é? Tecnologia Social que reúne boas práticas para organização e gestão de um espaço de inclusão social em um empreendimento solidário de produção…

domingo, 22 de abril de 2018

Eleições 2018! Presente e futuro de um Brasil em transe. De tédio não morreremos.

três olhares...

'O capitalismo "humano" de ontem é a fonte do capitalismo 'selvagem' e de hoje'


Valter Pomar reflete sobre as mudanças no campo da esquerda depois da queda da União Soviética e os desdobramentos da esquerda e suas propostas socialistas na América Latina após a década de 1990

por Patricia Fachin, da Revista IHU publicado 22/04/2018 19h43

LATUFF
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Pomar: 'Revolução no sentido amplo da palavra é a destruição do capitalismo e a criação de outro modo de produção'
Revista IHU – Além das incertezas sobre qual será o futuro político após as eleições presidenciaisdeste ano, dentro do Partido dos Trabalhadores “a questão principal é saber com qual linha política o PT vai sobreviver” daqui para frente, diz o historiador e dirigente nacional do Partido dos Trabalhadores, Valter Pomar. Na entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line, ele reflete sobre as estratégias adotadas pelo partido nos últimos anos e rebate as críticas de que o PT não fez um debate interno a partir dos acontecimentos de 2013. Ao contrário, insiste, “foi feito um debate dentro e fora do PT, dentro e fora da esquerda. O problema não está, portanto, em que não tenha havido debate. O problema é que tenha prevalecido uma posição errada”.

Na avaliação dele, a atual situação do PT pode ser resumida em três erros cometidos pelo partido nos últimos anos: “a) o de não ter percebido as mutações que as políticas neoliberais causaram nas classes trabalhadoras; b) o de não ter percebido que uma esquerda essencialmente eleitoral estaria deixando o terreno livre para que a direita, o crime e as igrejas conservadoras ocupassem espaço nos setores populares; c) o de não ter percebido que era preciso atrair os setores médios (que no fundamental são os setores mais bem remunerados das classes trabalhadoras) por meio de políticas públicas de saúde, educação, cultura e transporte, que teriam que ser pagas através de forte tributação sobre os ricos”.

Pomar também reflete sobre as mudanças no campo da esquerda depois da queda da União Soviética e os desdobramentos da esquerda e suas propostas socialistas na América Latina após a década de 1990. Para ele, apesar da crise que enfrenta atualmente, a esquerda não pode se limitar a fazer reformas, e adverte: “Quem coloca como seu horizonte máximo lutar por reformas, precisa saber e dizer que deixou de lado a luta por uma sociedade sem capitalistas e sem capitalismo. (...) O que devemos fazer é lutar por reformas e pela revolução, tanto no sentido estrito quanto no sentido amplo da palavra. A revolução no sentido estrito da palavra é a derrubada da classe dos capitalistas, derrubada promovida pela classe que é, ao mesmo tempo, oprimida e explorada pelos capitalistas: a classe trabalhadora. A revolução no sentido amplo da palavra é a destruição do capitalismo e a criação de outro modo de produção”.

Valter Pomar comenta ainda os possíveis desdobramentos políticos da prisão do ex-presidente Lula e defende a necessidade de “recuperar os espaços perdidos junto à classe trabalhadora, incluindo aí conquistar os setores que nunca chegamos a conquistar”.
Valter Pomar é historiador formado pela Universidade de São Paulo – USP, mestre e doutor em História Econômica pela mesma instituição. Foi secretário de Cultura, Esportes, Lazer e Turismo da prefeitura municipal de Campinas de 2001 a 2004. É professor de Relações Internacionais na Universidade Federal do ABC – UFABC e dirigente nacional do Partido dos Trabalhadores - PT.

O que o fim da União Soviética representou e quais foram suas implicações para as esquerdas latino-americanas? Aquele momento histórico ainda tem um peso significativo para as esquerdas?

O fim da União Soviética teve como contraparte a vitória dos Estados Unidos, o fortalecimento das políticas neoliberais e uma expansão das relações capitalistas para novas regiões. Ou seja, consequências econômicas, sociais, políticas e militares. Além disso, o fim da União Soviética foi visto por amplos setores da população, não apenas por quem se considerava de esquerda, como “prova” de que uma sociedade sem exploração nem opressão era uma utopia, um sonho, uma quimera, algo irrealizável. Isso facilitou a conversão ideológica de amplos setores da esquerda, enfraqueceu a credibilidade das interpretações inspiradas no marxismo e fortaleceu um revisionismo histórico favorável ao capitalismo. Tudo isto, junto e misturado, afetou a esquerda latino-americana.

Afetou, é importante dizer, em menor grau do que afetou a esquerda europeia. Afetou em menor grau “graças” à brutalidade dos Estados Unidos e das oligarquias de cada país de nosso continente, graças à dependência e à desigualdade imposta pelo capitalismo realmente existente na região, assim como graças à resistência de Cuba. Visto de uma perspectiva histórica, o fim da URSS abriu um período de defensiva estratégica para a luta pelo socialismo em todo o mundo. Nesse período ainda estamos, inclusive na região. Entre 1998 e 2008, muita gente de esquerda não podia ou não queria enxergar isso. Hoje, a maioria parece perceber.

O senhor disse, em artigo recente, que quando as esquerdas começaram a chegar a postos de governo a partir de 1998, elas “não conseguiram superar a confusão ideológica e também não conseguiram resolver o déficit teórico que se expressa em três terrenos fundamentais: o da avaliação das tentativas de construção do socialismo do século XX, o da análise do capitalismo do século XXI e o da elaboração de uma estratégia adequada ao novo período histórico”. Que tipo de confusões ideológicas e teóricas havia em relação a esses três pontos fundamentais e qual é a origem dessas confusões?

As tentativas de construir o socialismo no século XX foram todas feitas em países em que as forças produtivas capitalistas haviam se desenvolvido pouco. Isso teve uma série de consequências, entre as quais a principal foi um alto nível de centralização política e estatal, na tentativa de superar o atraso econômico. Frente a este fato, parte da esquerda reagiu negando que aquele socialismo predominantemente estatal fosse socialismo. Outra parte reagiu tratando aquele socialismo estatal como “modelo” a ser seguido. As mesmas atitudes se fizeram presentes quando a URSS acabou, uns superestimando (“o fim de todo o socialismo”), outros subestimando (“o fim de algo que nunca teria sido socialismo”). Ambas as atitudes decorrem da incompreensão de que o socialismo é um período de transição, no qual coexistirão mais ou menos conflituosamente relações capitalistas e relações comunistas. Esta incompreensão segue existindo hoje, como se percebe nas diferentes análises que se fazem acerca da China.

O mais importante, entretanto, é que o foco nos êxitos e fracassos do socialismo do século XX fez com que parte da esquerda fraquejasse na análise crítica daquilo que é o fundamental: o capitalismo, as contradições fundamentais entre capitalistas e trabalhadores, assim como o papel do Estado e do imperialismo. As debilidades na análise do socialismo e do capitalismo tiveram consequências estratégicas. Não é por acaso que tivemos mais êxitos das esquerdas antes do que depois da crise de 2008. O capitalismo do século XXI passou da expansão dos anos 1990 para uma crise brutal, que teve em 2008 seu (até o presente momento) pico mais agudo. E parte da esquerda está mais defensiva hoje do que estava antes...

IHU On-Line - Que tipo de limites o mundo de hoje impõe às esquerdas, mesmo quando elas mantêm seu propósito socialista? Como esse propósito pode ser traduzido para o mundo contemporâneo? O que significa falar em socialismo nos dias de hoje? Esse propósito ainda tem espaço nos nossos dias?

Limites, sempre existiram. Alguns derivados da correlação de forças entre as classes e entre os Estados. Outros derivados do desenvolvimento material e da cultura política existente em cada sociedade. A grande questão não está nos limites impostos pelo mundo de hoje. A grande questão é a ameaça que paira sobre o mundo de hoje, se não pusermos limites ao capitalismo. A vida de bilhões de pessoas está ameaçada cotidianamente, por razões ambientais, militares, econômicas, sociais, políticas e ideológicas vinculadas à hegemonia do capitalismo. Num resumo: o mundo enfrenta problemas criados pelo capitalismo e que só podem ser superados numa ordem social em que a maioria decida o que produzir, como produzir e como distribuir a riqueza.

Neste sentido, o fato de nós vivermos num mundo que é mais capitalista do que nunca foi, torna o socialismo mais atual do que antes. E ser realmente socialista no mundo contemporâneo tem o mesmo sentido fundamental que tinha há 150 anos: acabar com a exploração e com a opressão, colocar os conhecimentos acumulados pela humanidade a serviço de toda a humanidade, fazer com que os produtores controlem a produção e a distribuição, tratar o planeta como casa comum de toda a humanidade. O socialismo é mais necessário do que nunca foi.

Alguns intelectuais de esquerda têm afirmado que hoje não há mais espaço para revoluções, e que a função da esquerda na política precisa estar mais associada à realização de reformas. Concorda com esse tipo de visão?

Isto não é uma visão, é uma ilusão. Sou totalmente a favor de lutar por reformas, mas até para ter êxito pleno na luta por reformas, é preciso compreender que as revoluções seguem sendo indispensáveis e inclusive inevitáveis.

Mas vamos por partes: será mesmo que não há mais espaço para revoluções? A revolução seria um fenômeno raro, um fenômeno do passado, algo impossível de ocorrer nos dias atuais? Olhemos para a história: entre 1642 e 1979, houve vários períodos em que as reformas e contrarreformas predominaram sobre as guerras e as revoluções. Mas estes períodos “reformistas” acumulavam material explosivo para uma próxima rodada de instabilidade que, em alguns casos, resultava em guerras e revoluções.

Este mesmo material explosivo vem sendo acumulado nas últimas décadas. Claro que nem todo capitalismo em crise desemboca numa revolução, assim como nem toda revolução resulta em vitória revolucionária. Mas em tempos turbulentos como os que estamos vivendo, profetizar que não há mais espaço para revoluções é mais ou menos como ouvir Noé dizendo que “antes de mim, o Dilúvio”, para não falar da famosa frase sobre pães e brioches.

Nos últimos quarenta anos o capitalismo — como modo de produção, exploração, circulação — tornou-se mais hegemônico do que nunca. Exatamente porque ele é mais hegemônico do que nunca, suas contradições também são mais potentes do que nunca foram, sua “instabilidade” se tornou mais aguda. Mas como, apesar de profundamente contraditório, o capitalismo segue forte e assim esteve por décadas, os elementos subjetivos (a classe trabalhadora, as organizações populares, a intelectualidade de esquerda) seguem em parte submetidos à hegemonia capitalista. Talvez seja por isso — a debilidade dos elementos subjetivos — que tanta gente na esquerda conclua que hoje a revolução não seria mais possível. Ou ainda: antes havia um sujeito revolucionário, hoje não há mais. Aliás, tem gente que chega a esta conclusão se olhando no espelho.

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Valter Pomar é professor de Relações Internacionais na UFABC e dirigente nacional doi PT
Processos revolucionários

Mas quem se dê ao trabalho de estudar os processos revolucionários realmente existentes, vai perceber que existe uma dinâmica muito mais complexa entre os fatores ditos objetivos e subjetivos. O determinante nesta dinâmica são os fatores objetivos, vinculados à maneira de ser do capitalismo, não os fatores subjetivos, vinculados à maneira como as pessoas enxergam o capitalismo. 

Os fatores objetivos (por exemplo, o desenvolvimento acumulado das forças produtivas, a velocidade e a natureza da acumulação de capital etc.) determinam a capacidade que o capitalismo tem de compensar, neutralizar, reduzir os danos causados pelos fatores destrutivos que ele próprio gera. Dito de outra forma, há momentos em que o capitalismo perde grande parte de sua capacidade de autorreforma. Vivemos num destes momentos.

Nestes momentos, em que o capitalismo se torna mais refratário do que o normal às reformas, nestes momentos a revolução se torna possível e necessária, o que não a converte em provável, nem converte sua vitória em inevitável. Nestes momentos, se muita gente acreditar que uma revolução não é possível, isto não impedirá que uma revolução ocorra, apenas tornará muito mais difícil que ela triunfe.

Função da esquerda

Agora vejamos o assunto de outro ponto de vista: qual a função da esquerda? Lutar por reformas? Em parte sim, com certeza. Mas a luta por reformas enfrenta uma resistência brutal das classes dominantes. Grande parte da repressão cotidiana que a classe dominante exerce, ela o faz contra as reformas, não contra as revoluções. 

Até porque revoluções são fenômenos raros e os revolucionários são minoria, pelo menos na maior parte do tempo. Mas suponhamos que a luta por reformas tenha êxito. Qual o máximo de mudanças que ela é capaz de atingir? Já temos 200 anos ou mais de experiências para saber que este máximo é... o capitalismo. E o capitalismo “humano” de ontem é a fonte do capitalismo “selvagem” de ontem (nas periferias do mundo) e de hoje (no mundo inteiro).

Portanto, falemos claro: quem coloca como seu horizonte máximo lutar por reformas, precisa saber e dizer que deixou de lado a luta por uma sociedade sem capitalistas e sem capitalismo.

Além disso, esta mesma experiência histórica, de dois séculos, comprova fartamente que as maiores “reformas” foram arrancadas quando uma parte importante da classe trabalhadora e da esquerda lutava pela revolução e, graças a isso, alargou o limite do possível.

Reformas e revoluções

Portanto, o que devemos fazer é lutar por reformas e pela revolução, tanto no sentido estrito quanto no sentido amplo da palavra. A revolução no sentido estrito da palavra é a derrubada da classe dos capitalistas, derrubada promovida pela classe que é, ao mesmo tempo, oprimida e explorada pelos capitalistas: a classe trabalhadora. 

A revolução no sentido amplo da palavra é a destruição do capitalismo e a criação de outro modo de produção: uma sociedade que planeja suas necessidades e suas atividades, uma sociedade organizada para produzir valores de uso e não mercadorias, uma sociedade que supere toda forma de exploração e opressão — portanto, que supere não apenas o capitalismo, mas também a divisão da sociedade em classes.

Em vários aspectos, esta sociedade já começa a ser antecipada. A arquitetura do Sistema Único de Saúde é um exemplo disso. Mas nenhuma dessas “antecipações”, tomada isoladamente, será capaz de superar o capitalismo. Pelo contrário: todas as reformas de tipo “socialista” serão inevitavelmente sufocadas pelo capitalismo, se este não for superado de conjunto. Algo parecido ocorreu na longa transição do feudalismo para o capitalismo. E também por isto a revolução burguesa capitalista foi, naquela época, possível e necessária.

No mesmo artigo que citei anteriormente, o senhor menciona o livro de Luiz Dulci, Um salto para o futuro, como um registro das dificuldades de debater os problemas, as dificuldades e as ameaças que rondavam a esquerda em 2013. Ao longo desses anos, inclusive, muitos analistas criticam a esquerda justamente por isso. Hoje, passados cinco anos, quais diria que foram as dificuldades da esquerda naquele momento? Por que não foi possível fazer esse debate interno?

O debate interno foi feito, o externo também. Foi feito um debate dentro e fora do PT, dentro e fora da esquerda. O problema não está, portanto, em que não tenha havido debate. O problema é que tenha prevalecido uma posição errada. Aliás, parte dos que criticam a ausência de debate, participaram deste debate fortalecendo duas posições incorretas.

A primeira, majoritária no meu Partido, acreditava que era possível fazer mudanças sem profundas rupturas com as estruturas econômicas e políticas através das quais os capitalistas exercem seu domínio. Logo, criam possível e necessária uma aliança com setores da classe dominante.

A segunda posição, majoritária naquela esquerda que fazia críticas ao petismo, acreditava que o PT estaria fazendo um governo tão moderado, que beneficiaria tanto os capitalistas e o imperialismo, que estes não teriam motivo para tentar derrubar e destruir o PT.

Ambas as posições estavam profundamente erradas. O erro fundamental residia numa análise incorreta sobre a luta de classes no Brasil, especificamente sobre a atitude real da classe dominante e do imperialismo. No fundo, tanto os moderados quanto certos esquerdistas acreditavam que o lado de lá estaria disposto a fazer alianças estratégicas com alguém ou algum setor do lado de cá.

Diante dos últimos acontecimentos políticos, inclusive com a prisão do ex-presidente Lula, como a ala da esquerda à qual o senhor pertence tem discutido a necessidade de adotar outra linha política? O que tem sido proposto nesse sentido? O que caracterizaria essa nova linha política?

A estratégia adotada pela maior parte da esquerda brasileira sempre foi criticada por um setor até agora minoritário da esquerda. Essa crítica se concentra, desde 1995, em três questões.

Uma é programática: consideramos que não é possível ampliar, de maneira profunda e permanente, o bem-estar do povo, a democracia, a soberania nacional e a integração regional, sem ao mesmo tempo combater o capitalismo e o imperialismo.

Outra é estratégica: para viabilizar um programa democrático, popular, nacional e regional, precisamos reduzir o poder político da classe dos capitalistas e ampliar o poder político das classes trabalhadoras.

Outra crítica é de natureza organizativa: uma estratégia de mudanças radicais pressupõe que as classes trabalhadoras estejam organizadas, mobilizadas e conscientes.

É por isso que nos debates programáticos, assim como nos balanços de governos, sempre questionamos: acabamos com a ditadura do capital especulativo e criamos um setor financeiro 100% público? Reduzimos o peso do setor primário-exportador e ampliamos o peso da indústria? 

Reduzimos o controle do setor oligopolista transnacional e aumentamos o peso dos setores médios nacionais? Ampliamos a oferta de bens e serviços públicos, ou só de bens e serviços de mercado? Quebramos os oligopólios e monopólios privados nos setores de comunicação, cultura e educação? Reestruturamos os aparatos de justiça, segurança e defesa? Acabamos com a influência do dinheiro nos processos eleitorais? Estimulamos que os eleitores da esquerda se organizassem nos sindicatos, movimentos e partidos? Ou convidamos nossas bases eleitorais e sociais a agir como “setores médios”, que buscam sua felicidade individualmente no mercado, comparecendo de dois em dois anos para votar? Difundimos uma cultura popular socialista de massas ou deixamos o terreno livre para a teologia da prosperidade?

Em que consistem, de outro lado, as propostas de mudar os métodos de funcionamento da esquerda e de recuperar os espaços perdidos junto à classe trabalhadora? Por que é importante recuperar esse espaço e que dificuldades vislumbra nesse sentido?

Não se muda o Brasil, nem o mundo, sem o apoio das classes trabalhadoras. Não se trata de maioria numérica, mas de maioria política e cultural organizada. A esquerda brasileira, especialmente o PT, conquistou esta maioria entre 2006 e 2010. Mas perdeu esta maioria, em parte por erros nossos, em parte por “acertos” de nossos inimigos. Entre os nossos erros, destacaria três:

a) o de não ter percebido as mutações que as políticas neoliberais causaram nas classes trabalhadoras;
b) o de não ter percebido que uma esquerda essencialmente eleitoral estaria deixando o terreno livre para que a direita, o crime e as igrejas conservadoras ocupassem espaço nos setores populares;
c) o de não ter percebido que era preciso atrair os setores médios (que no fundamental são os setores mais bem remunerados das classes trabalhadoras) por meio de políticas públicas de saúde, educação, cultura e transporte, que teriam que ser pagas através de forte tributação sobre os ricos.

Recuperar os espaços perdidos junto à classe trabalhadora, incluindo aí conquistar os setores que nunca chegamos a conquistar, exige não apenas um discurso, mas uma prática cotidiana militante. Algo bem diferente das campanhas eleitorais de dois em dois anos. E diferente também da dinâmica de mandatos parlamentares. E mesmo da ação de governos. Os partidos, sindicatos e movimentos populares terão que recuperar qualidades que já tiveram no passado. E terão que estudar e adotar medidas novas, para realidades novas. Mas, acima de tudo, precisarão recolocar a disputa cultural, de visão de mundo, ideológica, em primeiro plano. Uma esquerda pragmática e sem sal não será páreo para a direita profundamente ideológica que estamos enfrentando.

Ainda no mesmo artigo, o senhor afirma que está aparecendo uma nova configuração social de luta de classes. Em que essa nova configuração se diferencia da anterior? Qual é a proposta da esquerda diante dessa nova configuração e da formação de uma nova classe trabalhadora?

A nova configuração consiste em algo bem simples: de um lado, a burguesia de cada país e seus respectivos Estados estão se tornando mais belicosos. Por outro lado, as classes trabalhadoras de cada país estão tendo que reagir a isto. Em alguns casos, se limitando a preservar direitos e ganhos de alguns setores da classe, muitas vezes em detrimento de outros setores (migrantes, mulheres, trabalhadores desqualificados etc.). Noutros casos, defendendo direitos já existentes, mas também lutando por mudanças amplas na ordem política, econômica e social, mudanças que para serem conquistadas e mantidas exigem a formação de blocos nacional-populares, que podem ou não estar hegemonizados pela classe trabalhadora.

Frente a esta situação, as esquerdas não apresentam uma resposta única. Grosso modo, há setores que defendem rebaixar o programa e moderar a política; e há os que defendem a necessidade de aprofundar o programa e radicalizar a política. O bom senso pareceria indicar que é hora de rebaixar e moderar. Mas fazer isto seria errado: quando o lado de lá não tem limite, o único jeito de deter o incêndio reacionário é criando uma barreira de fogo.

O que seria um posicionamento adequado da esquerda em relação às reformas propostas pelo governo Temer, como a reforma trabalhista e a reforma da Previdência?

Adequado? Adequado é revogar tudo aquilo que foi aprovado no período golpista. Precisamos de mais direitos trabalhistas e de mais direitos previdenciários. O país é rico o suficiente para comportar isto. Em resumo: queremos ganhar a presidência da República em 2018, executar um programa de emergência financiado por parte das reservas internacionais, fazer um plebiscito para revogar as medidas golpistas e convocar uma Assembleia Nacional Constituinte.

Quais diria que são as implicações políticas da prisão do ex-presidente para a esquerda em geral e para o PT?


Parte da esquerda brasileira, inclusive do PT, não acreditava que o lado de lá chegasse a este ponto. Da minha parte, sempre tive claro que eles prenderiam Lula. E não vão parar aí: a ofensiva inclui destruir o PT. De maneira mais geral, impedir que exista uma esquerdaque seja alternativa de governo e que possa ser alternativa de poder.

No curto prazo, a prisão pode ter três desdobramentos. Se Lula puder ser candidato a presidente; se Lula não puder ser candidato mas puder fazer campanha; se Lula não puder ser candidato nem fazer campanha. Cada um destes desdobramentos exige uma tática específica. Da minha parte, defendo a posição aprovada no Diretório Nacional do PT: eleição sem Lula é fraude. Não devemos legitimar uma eleição presidencial que será vencida, por antecipação, pela direita. Ou até pela extrema-direita.

Aliás, acho bizarra a postura de alguns setores da esquerda que até ontem faziam críticas ao PT e ao mal denominado lulismo, acusados de excessiva submissão aos processos eleitorais, mas que hoje tem medo de dizer que eleição sem Lula é fraude.

Que leitura foi feita dentro do PT acerca da reação da sociedade brasileira em geral em relação à prisão do ex-presidente Lula?

Não há uma leitura, há várias. E a sociedade “são muitas”, como se diz de Minas Gerais. No que diz respeito à classe trabalhadora e aos setores populares, há quem ache a reação pequena, há quem ache enorme. Eu acho que está sendo uma reação compatível com aquilo que plantamos. Acostumamos parte de nossa base social a se manifestar votando. Pois bem: contra sol e chuva, Lula continua liderando as pesquisas eleitorais. Por outro lado, não acostumamos nem preparamos a nossa base social para fazer mobilizações políticas de massa, muito menos campanhas permanentes. Pois bem: nossas mobilizações de rua são menores do que o necessário, embora sejam expressivas, especialmente se levarmos em conta o boicote dos meios de comunicação.

Agora, quanto aos capitalistas e aos setores médios conservadores, estes estão divididos. Uma minoria de ultradireita está eufórica com a prisão de Lula, quer sangue e manifesta isto publicamente. Outro setor compactua com a extrema-direita, mas mantém um perfil mais baixo. Num certo sentido, são piores do que a extrema-direita, porque são responsáveis pelo seu ascenso. Veja o que ocorreu no STF, na votação do habeas corpus, votado sob ameaça da mídia e de “pronunciamentos” militares.

Diante das eleições presidenciais nos próximos meses, o que se pode esperar da esquerda? A tendência é que haja uma fragmentação ou a esquerda irá se unir em torno de uma candidatura?

O quadro geral das eleições é de fragmentação. Uma fragmentação maior entre os que apoiaram o golpe: a preços de hoje, são 16 em 21 pré-candidatos. Mas também uma fragmentação entre os que se opuseram ao golpe. Neste aspecto, 2018 lembra 1989. Se Lula não puder participar das eleições, esta fragmentação tende a prosseguir, em todo o espectro político. Agora, se a eleição for mesmo uma fraude antecipada, a questão central para a esquerda não é a definição da candidatura, mas sim a definição de uma tática nas eleições 2018 que nos prepare melhor para fazer oposição ao golpismo 2.0 que vai emergir das eleições fraudadas.

Como avalia o possível cenário eleitoral deste ano?

Depende de Lula ser ou não candidato. Se Lula for candidato, ele estará no segundo turno e terá grandes chances de vencer a eleição. Claro que os golpistas farão de tudo para mantê-lo preso, impugnar sua candidatura, impedir sua campanha, vitória, posse e governo.

Agora, se Lula não for candidato, há grandes chances de a extrema-direita estar no segundo turno. E veremos candidatos de direita, centro-direita e trânsfugas apelando para a responsabilidade do eleitorado petista em defender a democracia, o Estado de direito e a república...

Entretanto, o quadro geral é muito confuso, até porque há fatores internacionais que, sem trocadilho, podem colocar o mundo de ponta-cabeça. De tédio não morreremos.

Deseja acrescentar algo?
Sim, quero. Sou petista desde os anos 1980. Vi muita gente entrar e sair do PT. Vi muita gente profetizar o fim do PT. E hoje vejo muita gente trabalhando para conquistar o eleitorado do PT. O que isso demonstra, entre outras coisas, é que estavam errados aqueles que, nos últimos 20 anos, imaginavam que o PT ia ser ultrapassado pela esquerda. Não foi e sigo afirmando que não será. Claro, o PT pode ser atropelado pela direita. E saqueado em seguida.

O importante é ter claro que a classe trabalhadora brasileira precisa de um partido de massas como é o PT. E é a classe trabalhadora que vai decidir como o PT vai sobreviver a esta crise. A questão principal é saber com qual linha política o PT vai sobreviver. Afinal, tem muita gente dentro do PT que não aprendeu nada com o ocorrido e que segue defendendo uma linha moderada e domesticada. Esta gente é o que chamamos de “tendência suicida”. Assim como tem muita gente que contribuiu para esta situação que estamos vivendo e que até hoje não conseguiu entender como “aquilo” deu “nisso”.

Seja como for, da mesma forma como é fundamental lutar pela liberdade de Lula, pelo direito dele de ser candidato e pela eleição de Lula presidente, também é fundamental defender o PT. O golpismo sabe que sem destruir o Partido, sua vitória não será completa. Nosso problema, portanto, é convencer o PT de que se faz necessário sufocar, esmagar e destruir completamente o golpismo, em todas as suas dimensões. Sem ilusões, sem dó nem piedade. Infelizmente, há quem considere que isto são bravatas. Quem dera pudessem ser. Quem dera!





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Marcos Nobre: “Com o campo progressista fragmentado, a centro-direita leva de lavada durante anos”

Filósofo diz que Moro optou por base de apoio anti-petista e acabou com a neutralidade da Lava Jato.

Ele classifica Temer e Cármen Lúcia como pessoas "irrelevantes" que querem ser importantes



















Lula preso
Marcos Nobre, filósofo e professor da Unicamp.

Os recentes acontecimentos no Brasil, como a execução da vereadora Marielle Franco e a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, vem literalmente tirando o sono do cientista político e filósofo Marcos Nobre. Professor da UNICAMP e pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP), ele diz que "o país vive um momento muito triste" por causa de atores "irrelevantes politicamente que vêm buscando relevância política". 

Neste grupo ele coloca o presidente Michel Temer, o comandante do Exército Eduardo Villas Bôas e a ministra do Supremo Cármen Lúcia. Ao colocar o habeas corpus do ex-presidente em pauta e ignorar a questão sobre a possibilidade ou não da prisão em segunda instância, "ela impôs sua posição ao tribunal inteiro e acabou gerando uma fratura", explica em entrevista ao EL PAÍS na última sexta-feira, antes da prisão do ex-presidente. "É uma pena que, num momento tão grave, ela não tenha nenhuma condição de ser presidente do STF", opina ele. Explica também que o mecanismo processual inaugurado pela Operação Lava Jato gerou "um efeito colateral brutal" ao atingir as forças políticas de maneira desigual. E que Sergio Moro, ao liberar as gravações de Lula, em março de 2016, optou por uma base de apoio anti-petista, acabando com a neutralidade política da operação.






Pergunta. Faz sentido o PT falar que existe uma perseguição política contra Lula?
 
Resposta. Perseguição política pode ser muita coisa. O que temos de fato é um assédio judicial, porque você está escolhendo quem vai ser tirado do jogo primeiro. A Lava Jato inaugurou uma espécie de linha de montagem processual penal. O mensalão foi um processo clássico, ao fazer toda uma investigação e, depois, circunscrever em 40 pessoas o universo de envolvidos. Com a Lava Jato, Moro foi puxando o fio, fazendo um por um. É a lógica de que essa pessoa vai me levar a outra. Mas como você garante equidade política em um processo como esse? Acaba com a ideia de que você está punindo de maneira igual. Esse efeito político colateral é brutal, porque atinge as forças políticas de maneira desigual. A isso se somou o fato de que, em março de 2016, Moro liberou as gravações do Lula quando foi nomeado ministro.

PUBLICIDADE  P. O que isso significou naquele momento?   R. Ele disse: “Bom, essa operação só continua funcionando se tiver apoio popular. Para isso, eu preciso ter mais condenação de gente sem foro privilegiado. Então, eu preciso enfraquecer qualquer governo”. No momento em que Moro toma uma decisão diretamente política, que é a de intervir no Governo, com o Gilmar Mendes do outro lado impedindo a posse de Lula, ele está dizendo o seguinte: “Olha, estou tomando partido aqui de quem eu vou excluir primeiro do jogo”. A decisão foi pró-impeachment e a de excluir a candidatura presidencial mais forte e o PT do jogo. Mas o truque político é dizer que “quer é pegar todo mundo, mas no momento só quem está ao nosso alcance, que são esses aqui”. Só que as outras pessoas têm foro privilegiado e não têm garantia nenhuma de que você vai pegá-las depois. E você também não pode ser explícito e dizer que vai parar em algum momento, porque significa dizer que vai tirar do jogo só uma parte dos atores políticos. E aí você tem prêmios de consolação. Por que exatamente hoje [sexta-feira] foi preso o Paulo Vieira, operador do PSDB? O caso Aécio está no STF, mas ele continua sendo senador. Esses movimentos de compensação são simbólicos, para dizer que "nós queremos, mas não podemos". Mas, em nome da pureza de uma nova maneira de perseguir penalmente, você estabelece um critério de seleção de exclusão do jogo político. A história de que ninguém está acima da lei... Abaixo dela é estratificado. Dependendo da posição que você estiver, você escapa ou não dela. Se você tem foro privilegiado, é como se você estivesse acima da lei.  

P. Esse critério que significou a exclusão do Lula do jogo político pode ser ideológico, como diz o PT?





















"Se a Lava Jato optou por certa base social de apoio, então é o conjunto da centro-esquerda que está em perigo. Por isso estão todos lá no sindicato"
 
R. Não podemos levar isso em consideração porque aí estaríamos fazendo teoria da conspiração. O que sim existe, objetivamente, é a exclusão do jogo político de determinadas forças e não de outras. Mas aí eles dizem que existe um processo judicial que está sendo cumprido e que está levando a esse resultado. Sim, mas você adotou uma nova maneira de perseguir judicialmente e processar penalmente que tem uma consequência politica. Então o Moro e TRF-4 vão dizer que eles não têm nada com isso, que isso é Justiça e que não podem se preocupar com as consequências políticas. Bom, isso significa que você não se preocupa com a política do seu país. Mas então por que fizeram uma intervenção no jogo ao divulgar os áudios? Se estão dizendo que não se importam com as consequências políticas, então também não têm direito de intervir na política. Mas intervieram. Quando isso acontece, Moro opta por uma certa base popular da Lava Jato, que é antipetista. A partir daquele momento, não existe mais neutralidade política da Lava Jato. Aquele ato mudou a história do país de uma tal maneira que a Lava Jato vai, progressivamente, se identificando como uma força antiPT. O que não necessariamente era antes. Mas naquele momento a avaliação foi a de que não dava para ter uma base tão ampla de apoio, então optaram por reduzi-la, mas mantendo sólida para continuar a operação. Naquele momento houve uma opção política e a consequência estamos vendo agora, que é a de excluir a força que lidera as eleições do jogo.
P. Como fica o Supremo nisso tudo, principalmente com todo o desgaste envolvendo o Habeas Corpus?
R. As disputas absolutamente infantis e lamentáveis levam à ideia de que aquilo é uma corte política, no pior sentido da expressão. A partir do momento em que a ministra Cármen Lúcia usa da sua posição de presidente para obter um resultado contra o conjunto do colegiado, ela criou uma fratura que não tem volta. Agora, ninguém mais confia em ninguém e, principalmente, ninguém confia na presidente. O caso do Aécio foi ainda pior, porque o voto dela não foi nem a favor nem contra. Ela jogou o voto dela para o ar, se virou para o plenário e falou para que disputassem sua decisão. E quem venceu foi o Alexandre de Moraes, no grito. A votação do Aécio significa uma incapacidade de assumir a responsabilidade, só que agora ela também acabou destruindo a convivência do tribunal. É uma pena que Cármen Lúcia não tenha nenhuma condição de ser presidente do STF.
P. O que, do ponto de vista político, é a melhor linha de ação para Lula?
R. A primeira coisa é levar o prazo das 17h até o limite [ele ultrapassou em 26 horas esse limite]. Em segundo lugar, e mais importante, é que ele não vai abrir mão da candidatura dele. Quanto mais houver perseguição, mais ele tem que manter a candidatura. Até o último momento. E isso tem efeitos para o conjunto das candidaturas de esquerda.
P. Quais efeitos?
R. O campo progressista fica em suspenso. A campanha de todos os outros candidatos fica suspensa. Porque é um ataque de tal ordem e seletivo que as demais forças se unem para dizer que "hoje é o Lula, amanha pode ser eu". Se a Lava Jato optou por certa base social de apoio, então é o conjunto da centro-esquerda que está em perigo. Por isso hoje estão todos lá no sindicato.
P. E isso pode beneficiar as candidaturas de centro-direita?
R. Não necessariamente. Desde sempre eu acho que elas vão acabar se unindo a um único candidato, que é o Geraldo Alckmin, senão não conseguem ganhar a eleição. Agora, o processo de suspensão da campanha da centro-esquerda atrapalha o processo de aglutinação da centro-direita, porque você não sabe quem é o adversário. É muito grave porque, em 2016, com o processo de impeachment e com a primeira campanha eleitoral curta, tivemos resultados inesperados. Estamos perdendo tempo de debate e de esclarecimento político porque um dos campos precisa se defender.
P. Como o PT vai chegar em outubro? Quais as chances do partido ganhar a eleição?
R. Vai depender muito de como vai ser encaminhada a questão Lula. Caso haja uma solução em que ele seja excluído do processo eleitoral, mas não fique preso, uma consequência é a candidatura petista alternativa. Então aí você pode começar a campanha normalmente. Isso permitiria que o Lula passasse o bastão para alguém. Mas se não houver um encaminhamento satisfatório, vamos ter um retardamento do processo até agosto. Aí muda muito o jogo. Mas não dá para saber se pode ganhar porque quem tem os votos é o Lula, não o partido. E ele estando fora, nenhum candidato vai conseguir reunir essa quantidade de votos. Em nenhum cenário possível haverá um desempenho extraordinário da candidatura do PT.




"A Lava Jato tem um efeito político colateral brutal ao atingir as forças políticas de maneira desigual"
P. Qual o nome mais forte para o Lula passar o bastão?
R. Lula tem que decidir entre o médio e longo prazo e a sobrevivência de curto prazo. Não dá para saber quem vai ser, mas as opções vão se estreitando muito. Uma candidatura Haddad significa que você projeta o PT pra além de 2022, por sua idade, disposição e experiência. Ele seria um bom nome para o partido a médio e longo prazo. E tendo uma boa votação, se firmando, ele vai necessariamente ganhar espaço dentro da máquina partidária. Ela vai mudar de cara porque o Haddad representa uma geração de pessoas que se formaram politicamente durante o governo Lula, mas que hoje não tem espaço dentro da atual máquina partidária. Os que estão na máquina pertencem a uma geração anterior, da fundação, e têm como principal objetivo de sobrevivência a renovação do mandato. O futuro do partido parece estar na jovem guarda, mas a velha guarda domina e acha que a sobrevivência do PT depende da sobrevivência dela. E a máquina partidária pode inventar um nome, que seria o Patrus Ananias. Ele é um candidato que até agora escapa ileso de toda e qualquer investigação e que fez um trabalho no governo Lula muito importante.
P. Você já disse em outra ocasião que o ciclo que começou em 1979 acabou em 2013 e que vivemos um momento parecido ao da redemocratização. Isso se soluciona em 2018?
R. Não, a transição vai ser muito mais longa e pode levar uns 10 anos. Principalmente porque nada indica que a centro-esquerda vai se reorganizar de maneira rápida. Já não há um líder natural e ninguém pode se dizer uma força hegemônica. O PT só se tornou líder da esquerda em 1998, quando [Leonel] Brizola vira o vice de Lula, e da centro-esquerda em 2002, quando José de Alencar é o vice. O partido levou 22 anos para conquistar a hegemonia na esquerda e depois na centro-esquerda. Nós vamos repetir isso? Com a centro-esquerda fragmentada, a centro-direita vai levar de lavada durante anos. 2018 vai empurrar para frente a crise de 2013, e vai ser ao longo do próximo mandato que vamos ter uma reorganização. O verdadeiro teste vai ser em 2022.
P. Lula atrasa esta renovação?
R. Vai depender muito da postura que ele for tomar, e de que como vai ser encaminhado seu caso. Enquanto ele for candidato, nada acontece. Agora, todas as forças eleitorais do campo progressista estão pensando na reorganização da centro-esquerda a partir dos destroços do PT. O Guilherme Boulos (e não o PSOL, não vamos confundir as duas coisas) quer atrair a esquerda do PT para um polo. O Ciro Gomes quer trazer a direita do PT para outro polo. Eles querem fazer dois polos e que esses dois polos disputem a hegemonia. Mas isso não implica em uma renovação de fato. Trata-se de reorganização que é uma bricolagem dos destroços. Mas claro, precisa combinar com os russos, com PT. Vai depender do tamanho que o PT vai sair das próximas eleições.
P. Como essa organização deveria ser feita, na sua opinião?
R. Uma das coisas que caracterizou a estratégia do PT para conquistar sua hegemonia foi mirar na eleição presidencial. Mas isso significou que o PT deixou de dar prioridade às eleições nos legislativos, governos estaduais e prefeituras. E isso faz com que você consiga eleger o Lula num sistema político que é peemedebista. E obriga o Lula, em 2005, a ocupar o peemedebismo do sistema pela esquerda. E aí nós temos o resultado que estamos vendo agora. Com todos os avanços que tivemos, eles foram feitos pela ocupação do atraso. Se as forças progressistas repetirem a estratégia do PT, vão se dar muito mal. Uma alternativa é construir da base para cima, e não de cima vir para a base. Por que, por exemplo, a centro-esquerda não decide nas eleições municipais que, quem tiver em melhor posição num determinado município, se torna a candidatura única da centro-esquerda? Por que os partidos não chegam a um acordo sobre quais devem ser as candidaturas, para não haver disputa nesse campo? Por que não realizar prévias abertas e transpartidárias para a escolha de candidatos únicos para prefeito e da chapa de vereadores? Essa seria uma maneira de reorganizar a centro-esquerda ao mesmo tempo em que você permite a mais solta divergência. Você não estaria obrigando ninguém a destruir o seu partido. Cada um entra com o seu programa, com a sua militância, mas faz a unidade lá na frente. E que não seja só uma força que ganhe, mas que entrem todos. Seria extraordinário para o avanço democrático.
P. Por outro lado, temos novos atores falando sobre pautas como racismo, feminismo, entre outras, e querendo ocupar espaços. E também novos movimentos de renovação na política, tanto progressistas como liberais. 
R. Nunca existiu tanta energia na base da sociedade como agora, em termos de organização, coletivos, etc. Energia parecida com essa só encontrei na década de 80. Mas, naquele momento, essa energia de alta organização estava dirigida para a institucionalidade. Agora não está mais. Existe uma desconfiança de base com qualquer estrutura institucional, seja partido, seja governo, seja estado, seja o que for. Tanto na esquerda como na direita. A reforma eleitoral que tivemos serve para excluir esses tipos de força porque, caso queiram apresentar uma candidatura, terão que entrar em um partido, se submeter ao partido e ao fato de que ele não vai dar recurso para você fazer campanha. Além disso, não existe nenhum projeto sério na centro-esquerda para de fato incorporar essas novas forças novas. As estruturas existentes não são porosas para essa novidade organizativa na sociedade.




"As disputas absolutamente infantis e lamentáveis no STF levam a ideia de que aquilo é uma corte política"
P. Como deve ficar o jogo de alianças para as próximas eleições?
R. A reforma política foi feita de uma tal maneira a fortalecer as cúpulas partidárias, por causa do mecanismo de financiamento pelo fundo partidário e eleitoral. Isso foi feito para que se consiga o máximo possível de renovação do mandato. Com essa estrutura, é muito caro bancar um candidato presidencial. Então teremos muito menos candidatos do que está parecendo. Michel Temer, Henrique Meirelles, Rodrigo Maia, Álvaro Dias... Esquece. Todas essas candidaturas servem para acumular força para depois negociar com quem realmente vai ser o candidato, que é o Geraldo Alckmin. E a partir de 2019 teremos uma enorme reorganização do sistema partidário. Fusões, aquisições, mudanças de nome... As mudanças de nome que estamos vendo agora são todas cosméticas, mas elas apontam já para uma coisa que vai ter que acontecer, que é a criação de um partido de centro-direita vertebrado e grande, porque é impossível coordenar um governo com a atual fragmentação. Mas neste momento, todo mundo quer chegar na negociação desse novo grande partido em melhores condições para poder negociar o seu pedaço.
Já a centro-esquerda vai com alguém do PT, Guilherme Boulos e Ciro Gomes. Não acho que a Manuela D’Avila entre. Também acho muito difícil a Marina Silva sustentar sua candidatura, enquanto que o ex-ministro Joaquim Barbosa depende do PSB, que não pode contrariar nenhuma das candidaturas aos governos estaduais. A prioridade é eleger governadores. É bom ter o Joaquim Barbosa porque evita que a legenda perca mais deputados.
P. E o Bolsonaro nesse jogo todo?
R. Nunca conheci um candidato de extrema-direita no mundo que não tivesse fundado o próprio partido. E isso é um enorme problema para Bolsonaro, porque em todo o partido que ele tenta entrar acaba arrumando uma confusão inacreditável. O líder de extrema-direita tem que mandar em seu partido, por isso cria um. E ele não fez isso. Conseguiu metade dos deputados na janela partidária. Numa eleição de máquina, não vai ter recursos e vai ter o tempo de TV apenas para dizer ‘Meu nome é Jair’. As pesquisas não mostram elasticidade em sua votação, ele tem um teto de granito. Olhando para isso tudo, se ele fosse um estrategista político, seria candidato ao Senado pelo Rio e se elegeria facilmente. Teria quatro anos para formar o próprio partido e poderia concorrer em meio de mandato sem o risco de ficar sem nada. Que tantas pessoas se identifiquem com a candidatura dele é algo muito preocupante, mas do ponto de vista eleitoral, não consigo ver as reais chances de sua candidatura avançar.

P. Como fica a credibilidade de uma eleição que visa a renovação de mandatos em um momento de total descrédito do sistema político em que a população exige renovação?




Nada indica que a centro-esquerda vai se reorganizar de maneira rápida. O PT só se tornou líder da esquerda em 1998 e da centro-esquerda em  2002
 
R. Isso significa que o canal institucional para essa renovação está entupido, travado. Isso vai gerar uma abstenção gigante e uma quantidade de votos em branco e nulos assustadora. Isso é um sinal de descrédito gravíssimo. Mas o sistema está dizendo que precisa sobreviver e, para isso, precisa se blindar contra a sociedade. Porque se ela puder se expressar, passa por cima. Isso para a democracia é péssimo. Eles estão falando que dane-se a sociedade e dane-se a economia. Enquanto o sistema estiver conseguindo manter o controle dessa transição, está tudo certo. Mas ele conseguiu bloquear qualquer possibilidade de aparecer qualquer coisa nova.

P. Nesse sentido, o impeachment foi bem sucedido?

R. Como uma operação de salvação do sistema, sim. Mas a ideia sempre foi a de entregar alguns troféus para a sanha do assédio judicial seletivo e dizer que alguns são culpados e o resto vai sobreviver. Os presos do PMDB [Geddel Viera Lima, Eduardo Cunha, Henrique Eduardo Alves...] são prêmios de consolação perto de um candidato presidencial como o Aécio Neves ou do Temer, que é presidente.

P. Você já disse em várias ocasiões que Temer é Sarney e não Itamar. Como enxerga seu Governo nesse final de mandato?

R. O Governo Temer é uma coisa realmente lamentável num ponto em que é difícil encontrar palavras para descrever o desastre que é. É pior que Sarney por uma razão. Como existe um descrédito generalizado do sistema político, existe um movimento também generalizado por parte das forças políticas para tentar se tornar relevantes. Só que em política, relevância não exige prova. Se você está tentando se tornar relevante, é porque você é irrelevante. 

Então o governo Temer fica o tempo inteiro tentando se tornar relevante e isso tem consequências como uma intervenção militar no Rio de Janeiro totalmente despropositada, sem planejamento e que se mostrou, até o momento, um fracasso. Só que isso custa a vida das pessoas. A ministra Cármen Lúcia quer se tornar relevante ao impor sua posição ao tribunal inteiro por uma manobra que lhe é permitida por estar ocupando a presidência... Até agosto! Por que ela tem que fazer pronunciamento à nação? Por que Sergio Moro tem que dar uma entrevista ao Roda Viva neste momento? Você tem personagens do Judiciário que não necessariamente são relevantes e ficam tentando aparecer, o que leva a atos tresloucados. 

E agora o comandante do Exército, o general Villas Bôas, também quer se tornar relevante. Dá vontade de virar para essas pessoas e falar: “Olha, deve ser chato ser irrelevante. Mas, por favor, não faça nada, fique quieto. Porque cada passo que vocês dão, alguma coisa na vida é destruída. Em termos institucionais, de vidas e democracia”.




"A partir de 2019 veremos a criação de um partido de centro-direita vertebrado e grande"
P. Acredita que o MDB chega forte em 2019? Qual vai ser o espaço do partido nesse rearranjo e formação desse grande partido?

R. Ele está numa situação difícil porque teve de tomar o poder para tentar estancar a Lava Jato. Não conseguiu estancar, mas conseguiu o controle da transição para a próxima eleição. Porque quem de fato renovar seu mandato em 2018, escapa da Justiça. Vai bater no STF e no STJ e vai prescrever. E quem está no jogo agora, em quatro anos vai tentar continuar no jogo. Só que isso tem um preço. Se você olhar, a quantidade de deputados que o PMDB perdeu na janela partidária é muito grande. Aliar-se ao PMDB se tornou tóxico. Ao governo nem se diga, é radioatividade num nível insuportável. Então é uma situação bizarra, porque você tem o partido com a maior estrutura capilar do Brasil inteiro, em termos de prefeitura vereador, o governo federal, etc. Mas que é irrelevante como governo e tóxico como aliado. Ele já não vai ser o líder do cartel de venda de apoio parlamentar, ele perdeu essa posição porque tomou o poder. Foi o preço que ele teve que pagar. Vai tentar se manter como um partido médio, mas vai ser um dos que vai negociar.

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Negri: a experiência petista se exauriu

Como é possivel governar pagando uma quadrilha?



publicado 01/10/2017

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Negri: a casa é um direito e não um favor

O Conversa Afiada reproduz do Estadão trechos de importante entrevista de Marcelo Godoy com o pensador italiano Antonio Negri:

Antes de se tornar uma das mais importantes vozes críticas da esquerda mundial, o filósofo italiano Antonio Negri, de 84 anos, passou quatro anos e meio preso sob a acusação de participar da morte do líder democrata-cristã Aldo Moro. Eram o fim dos anos 1970, anos de chumbo na Itália. Saiu da cadeia ao ser eleito deputado. Professor de filosofia do Direito e Teoria do Estado na Universidade de Pádua e depois na Universidade de Paris VIII e no Collège International de Philosophie, Negri conhece a realidade brasileira - esteve nessa semana em São Paulo participando de seminário 1917, o Ano que Abalou o Mundo e do lançamento do livro homônimo, organizados pela editora Boitempo. Aqui, ele fala sobre Lula, de Antonio Palocci, o futuro do PT e da esquerda no ano do centenário da revolução russa.

(...) Já que falamos de Lula, o que as bruxas de Macbeth lhe revelam sobre o futuro de Lula?

Não sei se suicídio ou uma tentativa desesperada de luta. Eu penso que Lula seja o maior homem político da América Latina na segunda metade do século 20. Ninguém é comparável a Lula. Foi alguém que conseguiu construir nesse país continente uma força popular necessária aos governos.

Mas e agora?
Não se governa sem Lula. Não se governa sem o que Lula deixou. Ele conseguiu pôr o Brasil na cena mundial, em ruptura com os americanos. Essas são coisas fundamentais que Lula fez e para as quais eu tiro o chapéu. Não creio que o capitalismo brasileiro tenha uma autonomia e uma capacidade inventiva para conseguir manter a herança de realidade popular que Lula trouxe ao Brasil. Destruir sua figura é um absurdo.

É o que está acontecendo?
Sim, eu sei que está acontecendo. Porque a direita não tem cérebro. Está destruindo a única coisa que ela devia salvar.

Mas o problema não é judiciário? O problema não é que Lula recebeu propinas e deve pagar por isso?
Eu não sou contrário a isso (que a Justiça puna os corruptos), desde que isso valha para todos. Se a Justiça bate em alguém é certíssimo, porém deve atingir a todos da mesma maneira. Eu não sei se a relação entre Justiça, jornais e TVs é igual para Lula e para os outros. Esse é um problema que devemos nos pôr se vivêssemos em uma democracia ideal.

A política feita pelo PT de governar o País se exauriu?
Sim. Eu creio que sim. E creio que no Brasil existe uma situação dramática de todos os pontos de vista.

Por que, professor?
Porque não há uma direita que seja capaz de interiorizar o passado desse país, isto é, essa democracia que se quer e não se quer, e que Lula a interpretou e a fez viver de um ponto de vista popular, com a adesão das grandes massas à democracia.

O ex-capitão do Exército e deputado Jair Bolsonaro, um ex-paraquedista, segundo as últimas pesquisas, deve ser bem votado na próxima eleição presidencial. Quais seriam as causas desse fenômeno, o crescimento da extrema-direita?
Isso acontece porque, à direita, falta uma posição política capaz de se opor, porque para fazer essa operação, com toda probabilidade, seria necessário aceitar que passamos 20 anos de hegemonia lulista. A direita sabe digerir e engordar, e os bons capitalistas sabem que precisam da força de trabalho. O capitalismo precisa de duas coisas: dar o trabalho e receber do trabalho.

Isso seria reflexo da onda na Europa e nos Estados Unidos?
Provavelmente não. Creio que o fenômeno brasileiro seja diferente. Existe uma queda geral de regimes de esquerda na América Latina, com fenômenos bastante contraditórios, como nos países andinos, como essa grande chaga que é a Venezuela. Mas creio que tudo isso tenha uma espécie de autonomia. A América Latina não sofre seguramente influência da situação europeia, muito fechada em si mesma, no problema da construção europeia e de sua colocação global.

O senhor conhece os programa sociais dos governos petistas. O senhor acha que eles não foram suficientes para criar uma nova identidade para a esquerda?
O governo Lula ficou muito limitado por suas contradição, não há dúvida. Ele errou em duas coisas fundamentais. A primeira é a reforma constitucional (ele se refere à reforma política). Como se pode aceitar uma Constituição na qual a corrupção é necessária para fazer qualquer lei? Esse é um erro extraordinário. A justificação de Lula é: "Estávamos há muito pouco tempo em uma situação democrática para nos dar o luxo de reformar a Constituição". A segunda é o fato de não ter organizado os instrumentos midiáticos e de cultura popular que fossem à altura da estrutura esmagadora da grande produção midiática da burguesia. Esses são dois erros que eu aponto às pessoas do PT. Esses são erros que, infelizmente, devem ser pagos. Não é possível ter uma Constituição desse tipo, na qual cada igreja protestante elege o seu deputado, na qual se pode ter um presidente com 70% dos votos nacionais e não ter uma maioria parlamentar. São coisas que são incompreensíveis para qualquer constitucionalista europeu desde o século 19.

É enlouquecedor?
Sim, é uma loucura. Isso precisava mudar.

A experiência do PT deve ser reformada ou arquivada?
Eu não sei. Sei que na Europa, a corrupção se conhece desde sempre. Sou professor de direito constitucional. Estudei a histórica constitucional de todo o mundo. A corrupção existe em todo o mundo. Nos Estados Unidos, o lobby constituiu-se em poder. Quando me encontro diante da miséria, não porque a quantidade é pequena, mas porque os personagens são míseros - e também os juízes -, vejo que se trata de uma comédia. De uma trágica comédia, cujos personagens são figuras da commedia dell'arte (teatro popular surgido na Itália renascentista). Como professor de direito constitucional, eu me pergunto: Como é possível que alguém, para governar um país, precise ter dinheiro para pagar essa quadrilha de deputados.

Parece que há um paralelo entre o que foi descoberto aqui e o que havia na Itália durante a operação Mãos Limpas?
É profundamente diferente, porque os italianos eram ladrões. Aqui existem marionetes. Na Itália havia aqueles que pagavam os partidos. Os italianos eram ladrões. Aqui são marionetes. E, depois, de fato, consegue-se um apartamento... Ora, por favor, me poupe.

O senhor veio a São Paulo para um seminário sobre os 100 anos da Revolução Russa. O senhor diria que Lenin ainda conta em nossos dias, mas qual Lenin, aquele conspirativo de O que Fazer? ou aquele considerado libertário de Estado e Revolução?
Eu creio que ainda aquele de O que fazer? não seja um Lenin de se jogar fora. A concepção de partido que ele exprime em O que fazer? é uma concepção muito diferente daquele que depois foi o partido bolchevique e os partidos da 3.º Internacional. A concepção que Lenin tinha em O que fazer? era a construção de uma organização sob a base do tipo de fábrica que existia. O partido devia reproduzir a fábrica e os operários esperavam isso. Hoje, evidentemente, Lenin de O que fazer?, se o tomamos do ponto de vista da fábrica ele se tornou nada. Mas se o analisamos do ponto de vista que hoje cada organização política deve respeitar a composição do trabalho, desse ponto de vista também O que Fazer? tem o seu valor. E também a ideia que a liberdade pode existir somente quando o Estado não existe mais, bem essa é uma coisa que eu penso que não podemos deixar somente para os anarquistas, em suma, como desejo. Eu digo desejo, não utopia (risos).

O senhor falou muito em seu livro Multidão...
Agora saiu outro, Assembly (sua nova parceria com o cientista político americano Michael Hardy, Oxford University Press), faz um mês. Ali começo um discurso sobre organização sobre os modelos que nasceram a partir de 2011.

Parece que há um paralelo entre o que foi descoberto aqui e o que havia na Itália durante a Operação Mãos Limpas?
É profundamente diferente, porque os italianos eram ladrões. Aqui existem marionetes. E, depois, de fato, consegue-se um apartamento... Ora, por favor, me poupe.

Em seu livro Multidão o senhor usa os Federalist Papers de James Madison. Como aqueles que desejam construir novas estruturas democráticas devem usar a slições de Madison?
Creio que a coisa absolutamente fundamental em O Federalista, que eu estudei em meu livro O Poder Constituinte, é a teoria do equilíbrio (pesos e contrapesos). Essa é a coisa fundamental. Creio que hoje, a estrutura do constitucionalismo, superando a figura dos partidos em parte, poderia reconquistar os novos contrapoderes. O grande problema da democracia é sempre aquele de entender quem são os sujeitos. Esse é o ensinamento de Madison: quais são os check que permitam equilibrar as coisas. O único medo - terrível medo - é o desequilíbrio. E aqui retornamos ao problema da direita brasileira, que quer reduzir a experiência de Lula a um sonho macbetiano.
Lula foi condenado a 9 anos de prisão...
E eu fui condenado a 28 anos.

O que muda para Lula?
Muda que ele não poderá fazer política. E que, provavelmente, também acabará na prisão.

E para a esquerda?
A esquerda ficará sem um líder essencial e fundamental.
Há pouco tempo um instituto ligado ao PT e constatou que boa parte dos trabalhadores em São Paulo queriam apenas se tornar empresários, ter um negócio...

Sei o que você quer dizer. Creio que a pressão hoje desses ideais do empreendedorismo seja absolutamente falsa, ilusório e mistificador. Vivo em uma região, em Veneza, em que na primeira metade dos anos 1970 aconteceu esse primeiro ataque neoliberal que destruiu fábricas grandes, onde a luta operária era muito forte, como no ABC paulista ou mais. As fábricas foram praticamente destruídas. E se deu um grande impulso ao empreendedorismo individual e com base nisso cresceram enormes sistemas industriais, como Benetton. Onde? A partir de casa. Cada um era empresário em casa. Essa ideia empresarial resistiu até o momento que chegou a crise. Chegou ao ponto que a ilusão dessa nova democracia industrial individualista (se mostrou) ilusória.

E como a esquerda pode enfrentar essa ilusão?

Que é isso, a esquerda nem mesmo compreendeu isso. A grande crise da esquerda não está no fato de que União Soviética acabou ou na globalização. A grande crise da esquerda está no fato de que ela não compreende como mobilizar o trabalho. A grande crise da esquerda está no fato de que crê até mesmo que as pessoas devem se tornar empresárias de si mesmo. Não. É a multidão que se torna empreendedora. É a metrópole que produz. São as relações que produzem. É o fato de reunir cultura e capacidade técnica, grandes escolas, capacidades de comunicação entre as pessoas e modificações dos corpos e de cérebros. E esse é o hoje o problema da esquerda. A esquerda, enquanto não conseguir fazer isso, deverá sempre sofrer a ilusão de que existem indivíduos que, com muito esforço, colocam para trabalhar a mulher a mãe e o filho e conseguem se tornar empresários.

Professor, para concluir, nesta semana Antonio Palocci, que foi ministro da Fazenda de Lula, fez acusações graves em uma carta ao PT. Palocci está na cadeia há um ano. A defesa de Lula diz que ele confessa para buscar benefícios legais. Dizem que o colocaram na cadeia para confessam..
Eu creio que isso é verdade. As pessoas são colocadas na cadeia, em particular em prisão preventiva, para que falem e cedam. Isso me parece que seja uma coisa que qualquer procurador ou juiz sabe que se faz assim. Se faz também na China. Somente nós duvidamos que as coisas sejam diferentes. Eu fui colocado na cadeia sem processo por quatro anos e meio. Quatro anos e meio! Obrigaram-me que eu fosse eleito deputado (pelo Partido Radical Italiano). Saí da prisão por causa disso. Se não, teria ficado oito anos, pois a lei permitia 12 anos de prisão preventiva. Tive sorte de sair porque fui eleito deputado. Entende? Palocci é, segundo me contaram, alguém que podia ser como Sansão, que é preciso cortar-lhe os cabelos para que se torne prisioneiro dos filisteus.

Mas não é possível que mesmo alguém na prisão fale a verdade?

É possível tudo. Mas digo que na prisão não estão as condições melhores para se dizer a verdade. Eu lhe asseguro. Dou minha garantia: quatro anos e meio de cárcere preventivo.