segunda-feira, 22 de dezembro de 2025

TCU, MInistério da Cultura e Estadão. Como avançar o fomento a cultura garantindo a modernização da prestação de contas pela via da qualidade de entrega do produto cultural proposto?

 NOTA OFICIAL DO MINISTÉRIO DA CULTURA

O Ministério da Cultura esclarece que a reportagem do Estado de S. Paulo se baseia em um relatório preliminar e sigiloso do TCU, que não incorpora informações relevantes e atualizadas já prestadas pelo Ministério no âmbito do contraditório. A publicação, ao se basear em dados incompletos, pode induzir o leitor a interpretações equivocadas.

É imperativo esclarecer que o passivo de R$ 22 bilhões mencionado refere-se a projetos de gestões passadas, com responsabilidade direta do governo anterior, que negligenciou a fiscalização e mascarou o real volume de processos pendentes. A tentativa de associar este passivo histórico à gestão atual é uma distorção enganosa da realidade.

A atual gestão, ao contrário, assumiu o passivo como prioridade absoluta e implementou medidas estruturantes que resultaram na análise do maior número de processos de prestação de contas da história do órgão, estabelecendo recordes históricos a partir de 2024.

Nosso compromisso é com a transparência e a correta aplicação dos recursos, modernizando a política cultural e superando o caos administrativo herdado. O novo modelo de fomento está plenamente alinhado à aplicação da Lei do Marco Regulatório do Fomento à Cultura, reforçando a segurança jurídica e o controle de resultados, sem flexibilizar a fiscalização.

O Ministério da Cultura reafirma sua atuação responsável para sanar o passivo e garantir que os recursos públicos sejam aplicados com a máxima legalidade e transparência.

https://www.gov.br/cultura/pt-br/centrais-de-conteudo/sala-de-imprensa/notas-do-ministerio-da-cultura/nota-oficial-do-ministerio-da-cultura-1

TCU: Cultura afrouxou fiscalização e zerou reprovação de contas via leis de incentivo

19 de dezembro de 2025

Por Vinícius Valfré, do Estadão

Brasília, 19/12/2025 – O Ministério da Cultura afrouxou a fiscalização sobre gastos com projetos culturais e, na prática, extinguiu a reprovação de contas irregulares. Segundo relatório técnico do Tribunal de Contas da União (TCU) obtido pelo Estadão, novas regras criadas pela pasta dispensaram a análise financeira detalhada da maioria dos projetos, fazendo o índice de reprovação por irregularidades despencar para 0% em 2024.

As mudanças incidem sobre projetos viabilizados por leis como Rouanet, Paulo Gustavo e Aldir Blanc. Em nota, o ministério afirmou que as medidas buscam “desburocratização, agilidade e valorização do resultado cultural” e estão alinhadas ao novo Marco Regulatório do Fomento à Cultura.

Como mostrou o Estadão/Broadcast, o passivo de contas não analisadas é considerado um problema crônico, acumulando 29,7 mil projetos e R$ 22 bilhões em verbas. Diante da incapacidade de processar esse volume, a gestão atual optou por flexibilizar as normas para “desburocratizar processos”. São repasses para shows, festivais, peças de teatro, edição de livros e outras atividades culturais.

O afrouxamento via Diário Oficial

Duas instruções normativas assinadas pela ministra Margareth Menezes (em setembro de 2024 e fevereiro de 2025) alteraram consideravelmente o controle sobre projetos de pequeno e médio porte.

Para as ações financiadas com até R$ 750 mil, a avaliação passou a ser feita exclusivamente em relação à execução física do projeto. Ou seja, se o show ou o festival aconteceram, sem necessidade de análise financeira ou mesmo exigência de apresentação de documentos fiscais.

Já para os projetos de até R$ 5 milhões, a avaliação financeira se dá apenas pela análise do relatório de relatórios financeiros, sem verificação minuciosa dos documentos fiscais das despesas.

“Torna-se evidente que as regras atualmente vigentes foram ajustadas ao longo dos últimos anos com o propósito de afastar ao máximo o controle financeiro dos projetos culturais, reservando tal análise apenas a casos muito específicos e, ainda assim, limitando-a à mera avaliação de relatórios de execução financeira, sem a necessária verificação dos documentos fiscais das despesas realizadas”, diz o TCU.

95% sem fiscalização detalhada

O impacto da medida é elevado. O tribunal analisou 26.250 projetos aprovados e constatou que 24.994 deles (95,2%) se enquadram nas faixas de valor beneficiadas pelo afrouxamento.

“O que se verifica é uma potencial fragilização nas exigências de avaliação financeira de 24.994 prestações de contas, que correspondem a 95,21% do total dos processos aprovados. Tais processos representam um montante aprovado de R$ 21,26 bilhões, cujas prestações de contas que ainda estiverem no passivo das quase 30.000 prestações de contas, prescindirão de qualquer análise mais aprofundada em suas execuções financeiras”, alerta o relatório.

A ‘prova impossível’ e a queda a zero

Outra mudança crítica foi a exigência de comprovação de dolo ou má-fé para reprovar contas, contrariando a jurisprudência do TCU. Até então, bastava comprovar a “culpa” (negligência ou erro grave) para punir o gestor. Ao exigir prova de intenção deliberada de fraudar, o ministério tornou a punição quase impossível.

O reflexo nos números foi imediato. A análise de amostras da Secretaria de Gestão de Prestação e Tomada de Contas (SGPTC) mostra o sumiço das reprovações:

2019: 14,4% reprovados

2020: 7,2%

2021: 13,1%

2022: 11,7%

2023: 1,2% (início da gestão)

2024: 0,0%

2025: 3,0% (dado parcial)

Para os auditores, os dados indicam um “claro enfraquecimento” do controle, seja pela eliminação de exigências documentais ou pela redução do rigor dos exames.

A reprovação das contas ativa mecanismos para ressarcimento dos recursos e evita que o Estado continue liberando recursos públicos para quem não deveria recebê-los.

Apesar de as instruções normativas terem “simplificado” os controles, esse afrouxamento não tem sido suficiente para redução do passivo histórico. O motivo apontado pelo órgão de controle são problemas de gestão e ineficiência operacional ao longo dos últimos anos.

O que diz o ministério

Em nota, o Ministério da Cultura disse que as duas instruções normativas criticadas pela área técnica do TCU “estão alinhadas com o novo Marco Regulatório do Fomento à Cultura”. Para a pasta, as medidas trazem para a sociedade ganhos com “desburocratização”, “agilidade” e “valorização do resultado cultural”.

A nota destacou também que a simplificação das prestações de contas permite que os produtores culturais “dediquem mais tempo à criação e execução dos projetos, e que a administração pública analise as prestações de contas de forma mais célere e eficiente”.

“Isso não significa ausência de controle, mas sim um controle de resultados, mais alinhado às melhores práticas de gestão pública”, alegou.

https://www.broadcast.com.br/ultimas-noticias/tcu-cultura-afrouxou-fiscalizacao-e-zerou-reprovacao-de-contas-via-leis-de-incentivo/

Como avançar o fomento a cultura garantindo a modernização da prestação de contas pela via da qualidade de entrega do produto cultural proposto?

Para avançar no fomento à cultura modernizando a prestação de contas através da qualidade da entrega, proponho um modelo baseado em gestão por resultados e avaliação de impacto cultural, aliado a simplificação burocrática:

1. Substituir a prestação contábil tradicional por relatórios de impacto cultural

Criar um Quadro de Indicadores Culturais mensuráveis (ex: alcance qualificado, diversidade de público, inovação estética, sustentabilidade)

Aceitar formatos multimídia e narrativos como evidência (vídeos, portfólios, depoimentos, análises críticas)

Adotar o Sistema de Pontuação por Qualidade onde 70% da avaliação considera resultados artísticos e 30% a parte financeira

2. Implementar acompanhamento técnico contínuo

Designar tutores especializados por área artística para orientação prévia

Oferecer ferramentas digitais para monitoramento em tempo real (apps com geolocalização, registros audiovisuais automatizados)

Estabelecer checkpoints intermediários para ajustes, não apenas avaliação final

3. Criar mecanismos de validação por pares e sociedade

Comissões mistas com especialistas, produtores e representantes comunitários

Público como avaliador através de sistemas de feedback qualificado

Mostras públicas obrigatórias como prestação de contas viva

4. Modernizar a infraestrutura de prestação

Plataforma única digital integrada aos sistemas estaduais e municipais

Blockchain para registro imutável de produções e distribuição de recursos

Automação com IA para análise de relatórios e detecção de inconsistências

5. Reformular os editais por tipologia de projeto

Modalidades diferenciadas:

Editais de experimentação: prestação simplificada, focada em processo

Editais de consolidação: exigência de impacto e sustentabilidade

Editais de impacto social: avaliação comunitária como principal métrica

6. Sistema de consequências diferenciadas

Bonificação por excelência: recursos adicionais para projetos bem avaliados

Banco de boas práticas com reconhecimento público

Sistema educativo para irregularidades menores, em vez de punição imediata

7. Capacitação contínua

Cursos obrigatórios em gestão cultural digital para proponentes

Certificação de produtores com histórico positivo

Guias interativos e assistentes virtuais para orientação

8. Transparência radical

Painéis públicos online com todos os projetos financiados e seus resultados

Dados abertos para pesquisa acadêmica sobre impacto cultural

Relatórios anuais em linguagem acessível à população

Modelo piloto sugerido:

Fase experimental (12-18 meses) com 20% dos editais

Avaliação comparativa com grupos de controle

Ajuste contínuo baseado em feedback dos agentes culturais

Expansão gradual com formação de multiplicadores

Este modelo transforma a prestação de contas de controle burocrático para avaliação de valor cultural, incentivando qualidade através de simplificação, apoio técnico e reconhecimento do impacto real das produções culturais na sociedade.

Como isso já está contemplado na legislação atual?

Vamos analisar como essas propostas dialogam com o marco legal cultural brasileiro atual:

LEGISLAÇÃO VIGENTE RELEVANTE

1. Lei Rouanet (Lei 8.313/1991)

Atual: Foco em comprovação financeira detalhada, com análise prévia de orçamento e comprovação posterior de execução

Limitação: Não estabelece métricas de qualidade artística como critério obrigatório de prestação

Abertura possível: Art. 1° fala em "contribuir para facilitar o acesso às fontes de cultura" - poderia ser interpretado para incluir avaliação de acesso efetivo

2. Lei do Audiovisual (Lei 8.685/1993)

Já possui comissões técnicas especializadas para análise de projetos

Prática de acompanhamento durante produção

Avanço: Modelo mais próximo da avaliação por qualidade

3. Lei de Incentivo ao Esporte (Lei 11.438/2006)

Exige contrapartidas sociais mensuráveis

Referência: Pode inspirar similar para cultura

4. Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (Lei 13.019/2014)

Importante: Permite Termos de Colaboração e Termos de Fomento

Possibilita: Incluir indicadores de resultados nos convênios

Limitação: Ainda pouco utilizado na cultura

5. Lei Geral de Proteção de Dados (Lei 13.709/2018)

Desafio: Limita coleta de dados de público sem consentimento

Solução necessária: Modelos éticos de avaliação de impacto

6. Constituição Federal (Art. 215 e 216)

Base conceitual: "Estado garantidor", "valorização da diversidade"

Potencial: Poderia fundamentar políticas focadas em resultados culturais

GAPS LEGISLATIVOS IDENTIFICADOS

1. Ausência de marco legal para avaliação de qualidade

Nenhuma lei exige sistematicamente indicadores qualitativos na prestação

Avaliação artística fica à discrição de cada edital/portaria

2. Conflito com legislação de responsabilidade fiscal

Lei de Responsabilidade Fiscal e Lei 8.666/1993 focam em controle financeiro rigoroso

Tensão: Cultura como "investimento" vs. "gasto" a ser controlado

3. Falta de padronização nacional

Cada estado/município tem regras próprias

Problema: Inviabiliza sistemas integrados

4. Sobreposição de controles

TCU, CGU, Controladorias locais aplicam lógica contábil

Resultado: "Prestação de contas por quantidade de notas fiscais"

EXPERIÊNCIAS EM ANDAMENTO

1. Ministério da Cultura (MinC) - Editais Recentes

Alguns editais já incluem relatórios qualitativos

Exemplo: Edital de Culturas Populares 2023 pede "registros da ação cultural"

2. Secretarias Estaduais (casos pioneiros)

Bahia: Avaliação por comissões especializadas

Minas Gerais: Sistema de monitoramento online

São Paulo: Certificação de agentes culturais

3. Lei de Fomento à Cultura do Município de São Paulo

Modelo referência: Comissões de especialistas, acompanhamento técnico

Inspiração: Poderia ser nacionalizada

PROPOSTAS DE ADAPTAÇÃO NO MARCO ATUAL

1. Regulamentação via Decreto/Portaria

Poder Executivo pode criar normas complementares

Exemplo: Decreto definindo "indicadores de impacto cultural"

2. Utilizar instrumentos existentes

Termos de Fomento (Lei 13.019/2014) já permitem indicadores

Convênios simplificados para projetos de menor valor

3. Projeto de Lei Complementar

Criar Sistema Nacional de Avaliação Cultural

Vantagem: Daria segurança jurídica aos gestores

4. Interpretação administrativa inovadora

Órgãos de controle (TCU, CGU) emitirem resoluções específicas para cultura

Fundamento: Especificidade do setor cultural

MODELO DE TRANSIÇÃO SUGERIDO

Fase 1: Aproveitar brechas legais existentes (12 meses)

Editar Portaria MinC criando categoria "Prestação de Contas por Resultados"

Projetos optarem por novo modelo experimentalmente

Fase 2: Pilotar em Fundos Culturais (18 meses)

Fundos setoriais (audiovisual, livro, etc.) têm mais flexibilidade

Testar indicadores específicos por linguagem

Fase 3: Proposta legislativa setorial (24 meses)

Projeto de Lei focado em fomento (não alterar Rouanet)

Criar Marco Legal do Fomento Cultural

CONCLUSÃO

A legislação atual NÃO contempla sistematicamente a modernização proposta, mas oferece aberturas pontuais que permitem experimentação. O caminho mais viável é:

Começar pela via administrativa (portarias, editais-piloto)

Construir jurisprudência administrativa de sucesso

Buscar alterações legislativas setoriais

Engajar Tribunal de Contas no diálogo sobre especificidades culturais

O maior obstáculo não é a falta de base legal, mas a cultura administrativa de controle que privilegia comprovação financeira sobre avaliação de impacto. Mudar isso requer demonstração prática de que novos métodos reduzem riscos e aumentam eficácia.

Recomendação imediata: Criar Grupo de Trabalho Interinstitucional (MinC, CGU, TCU, sociedade civil) para elaborar norma conjunta sobre avaliação de projetos culturais, usando as aberturas já existentes na Lei 13.019/2014 (MROSC).

Resposta acima com apoio da IA deepseek

Como o Marco Legal do Fomento Cultural  Lei nº 14.903/2024 colabora na modernização da prestação de contas pela via da qualidade de entrega do produto cultural proposto?

A Lei nº 14.903/2024 (Marco Legal do Fomento Cultural) representa um avanço significativo para modernizar a prestação de contas no setor cultural, especialmente ao priorizar a qualidade e os resultados dos projetos em vez do mero controle burocrático-financeiro. Eis como ela colabora com a modernização pela via da qualidade da entrega:

PRINCIPAIS CONTRIBUIÇÕES DA LEI 14.903/2024

1. Mudança de paradigma: de custos para resultados

Artigo 4º, inciso IV – prevê “avaliação de resultados e impactos” como diretriz.

Artigo 7º – estabelece que os instrumentos de fomento (como editais) devem conter métodos de avaliação e monitoramento.

Resultado: Prestação de contas deixa de ser apenas comprovação de despesas e passa a exigir comprovação de execução qualitativa do objeto cultural.

2. Pluralidade de instrumentos de prestação de contas

Artigo 8º, §2º – permite que a prestação de contas seja feita por meio de relatórios técnicos, demonstração pública, portfólios, registros audiovisuais, entre outros.

Inovação: Reconhece formas não contábeis de comprovar a execução, valorizando a natureza simbólica do produto cultural.

3. Simplificação para pequenos projetos

Artigo 13, §4º – autoriza a simplificação dos procedimentos para projetos de baixo valor.

Impacto: Reduz burocracia para produtores independentes e de pequeno porte, permitindo que concentrem esforços na qualidade artística.

4. Comissões de avaliação por especialistas

Artigo 10 – prevê a participação de representantes da sociedade civil e especialistas nas comissões de seleção e acompanhamento.

Efeito: Avaliação por pares, com critérios técnicos e artísticos, não apenas administrativos.

5. Transparência e publicidade

Artigo 15 – determina a divulgação ampla dos resultados e impactos dos projetos financiados.

Artigo 16 – prevê sistemas de informação integrados e abertos.

Ganho: Prestação de contas também se dá perante a sociedade, não apenas perante o Estado.

6. Possibilidade de ajustes durante a execução

Artigo 12 – admite a reatribuição, remanejamento ou translação de recursos mediante justificativa técnica.

Flexibilidade: Reconhece que projetos culturais são dinâmicos e que a qualidade pode demandar ajustes no percurso.

LIMITES E DESAFIOS NA IMPLEMENTAÇÃO

1. Regulamentação pendente

A lei depende de decretos e portarias para detalhar modelos de relatórios, indicadores de qualidade e sistemas de monitoramento.

Risco: Se a regulamentação for muito prescritiva, pode engessar a inovação.

2. Convivência com outras leis

A lei não revoga a Lei Rouanet nem a Lei de Licitações (8.666/1993) para contratos diretos.

Desafio: Harmonizar a nova lógica com os sistemas de controle já existentes (TCU, CGU).

3. Capacitação dos gestores públicos

Órgãos culturais precisarão formar equipes para avaliar qualidade artística, não apenas conformidade documental.

4. Indicadores de qualidade cultural

A lei não define o que é "qualidade" – isso será construído em cada edital, com risco de subjetividade.

OPORTUNIDADES CONCRETAS PARA MODERNIZAÇÃO

1. Criação do Sistema Nacional de Fomento à Cultura

Artigo 5º – prevê articulação entre União, estados e municípios.

Potencial: Padronizar indicadores de resultado e compartilhar boas práticas.

2. Editais com metas qualitativas

Agora é possível exigir:

Audiências atingidas (com diversidade)

Registros críticos ou de repercussão

Material artístico entregue (filme, espetáculo, exposição, livro)

Pesquisas de satisfação

Contrapartidas sociais realizadas

3. Prestação de contas por amostragem e monitoramento contínuo

A lei abre espaço para avaliação durante o processo, não só no final.

4. Reconhecimento de novas formas de produção

Coletivos, redes, projetos colaborativos e digitais ganham instrumentos adequados à sua natureza.

RECOMENDAÇÕES PARA IMPLEMENTAÇÃO EFETIVA

Regulamentar com a sociedade

Realizar consultas públicas para definir indicadores de qualidade por linguagem artística.

Criar um banco de avaliadores especializados

Cadastro nacional de especialistas para compor comissões.

Desenvolver plataforma digital integrada

Sistema online para inscrição, execução, prestação de contas e divulgação de resultados.

Capacitar agentes públicos e privados

Cursos sobre como elaborar e avaliar relatórios de impacto cultural.

Experimentar modelos flexíveis

Projetos-piloto em editais de baixo valor para testar novos formatos de prestação.

CONCLUSÃO

A Lei 14.903/2024 é um divisor de águas porque:

Muda a lógica da prestação de contas – de comprovação financeira para comprovação de resultados culturais.

Oferece instrumentos para que a qualidade artística seja o centro da avaliação.

Dá segurança jurídica a gestores para inovar em editais e convênios.

A efetividade, porém, dependerá de:

Regulamentação inteligente (não burocrática)

Investimento em capacitação

Vontade política para priorizar qualidade sobre controle formal

A lei cria o ambiente legal necessário para a modernização, mas a mudança cultural na gestão pública ainda será um processo a ser construído.


A guerra cultural contra a Lei Rouanet e contra a cultura não para. De novo a Veja, de novo afirmações infundadas sobre patrocinio a show de Chico Buarque

 Embora não seria ilegitimo

Chico Buarque detona a Veja em reportagem sobre a Lei Rouanet

O cantor afirma em nota que a revista “recorre, mais uma vez, ao seu velho expediente de demonizar a lei e construir uma narrativa enganosa”

O cantor, compositor e escritor Chico Buarque de Holanda teve que, mais uma vez, responder à reportagem da revista Veja, assinada por Robson Bonin. No texto, a publicação sugere que o artista teria relação direta com a captação de recursos públicos através da Lei Rouanet.

O cantor reiterou em sua conta oficial do Instagram, nesta segunda-feira (22), “não é proponente, produtor, gestor, contratante nem beneficiário do projeto citado acima”. Segundo o comunicado, “sua única relação com o espetáculo foi autorizar o uso de suas canções, procedimento básico e padrão em qualquer montagem que utilize a obra de um autor. Tal autorização não estabelece qualquer relação com captação, administração ou prestação de contas de recursos. Chico não participa da execução do projeto e não recebe qualquer valor via Lei Rouanet”.

O comunicado de Chico diz ainda que “na nota ‘Lei Rouanet vai bancar espetáculo sobre Chico Buarque em Portugal’, assinada por Robson Bonin, a revista Veja recorre, mais uma vez, ao seu velho expediente de demonizar a lei e construir uma narrativa enganosa, omitindo deliberadamente informações básicas que o leitor deveria receber com honestidade e clareza. Mais grave ainda, a matéria sugere uma relação direta entre o artista e a captação de recursos públicos”.

A Lei Rouanet

A nota ainda explica, mais uma vez, o funcionamento da lei:

“Vale esclarecer que a Lei Rouanet não repassa dinheiro a artistas. Trata-se de um mecanismo legal de incentivo fiscal que autoriza projetos culturais a buscarem patrocínio privado por meio de renúncia fiscal, dentro de regras públicas, transparentes, auditáveis e submetidas a fiscalização rigorosa. Ao omitir esse dado central e insinuar o contrário, a nota induz o público a uma conclusão falsa, a de que o artista estaria sendo diretamente beneficiado. Convém lembrar, ainda, que a lei foi criada em 1991 por um governo de direita, sendo um instrumento legítimo que não tem a ver com favorecimento ideológico.”

“Por fim, registre-se: Chico Buarque jamais utilizou a Lei Rouanet em sua carreira.

Informar exige precisão. Sugerir sem esclarecer é desinformar e manipular o leitor”, encerra a nota.

Leia a noticia AQUI

Lei Rouanet vai bancar espetáculo sobre Chico Buarque em Portugal

O Ministério da Cultura autorizou recentemente uma produtora a captar cerca de 2,5 milhões de reais para o projeto

Por Robson Bonin 

Leia mais em: https://veja.abril.com.br/brasil/lei-rouanet-vai-bancar-espetaculo-sobre-chico-buarque-em-portugal/

“Para cada R$ 1 que nós investimos em Lei Rouanet, voltam R$ 7”, diz Margareth Menezes

Titular da pasta da Cultura foi entrevistada nesta sexta-feira (19) no programa Bom Dia, Ministra, quando apresentou um balanço da Lei Rouanet e ressaltou o papel e a força da economia criativa para o país.
Margareth Menezes destacou nesta sexta-feira, 19 de dezembro, a importância e a força da Lei Rouanet não apenas para o setor cultural, mas para a economia do país como um todo. A titular da Cultura foi a entrevistada do Bom Dia, Ministra e falou sobre esse e outros temas durante o programa.
“Os dados gerais da Lei Rouanet, agora em 2025, foram 4.626 projetos. A captação do triênio 2023 e 2025 foi de R$ 3 bilhões. Foram 22 mil propostas apresentadas só em 2025, para você ter ideia de como existe gente trabalhando com cultura e arte neste país”
Margareth Menezes, ministra da Cultura
Em 2025, até o meio do ano, a Rouanet registrou a captação de mais de R$ 765,9 milhões, o maior montante desde a criação da lei, em 1991. A ministra da Cultura apresentou um balanço relativo aos números. “Os dados gerais da Lei Rouanet, agora em 2025, foram 4.626 projetos. A captação do triênio 2023 e 2025 foi de R$ 3 bilhões. Foram 22 mil propostas apresentadas só em 2025, para você ter ideia de como existe gente trabalhando com cultura e arte neste país”.
Margareth Menezes revelou que um estudo encomendado pela pasta junto à Fundação Getulio Vargas (FGV) trará, no início de 2026, mais dados que ressaltarão a força da Lei Rouanet. “A importância da Lei Rouanet é tão grande para o setor cultural que nós encomendamos uma pesquisa na Fundação Getúlio Vargas. Essa pesquisa, que nós vamos lançar no começo de janeiro, traz dados importantíssimos. A régua pela qual a Fundação Getúlio Vargas mediu essa pesquisa é a mesma de países que têm economia criativa como uma política já efetivada, é régua internacional. Para cada um real que nós investimos em Lei Rouanet, voltam sete (para a economia). Eles fizeram uma pesquisa com o ano de 2024. Fez gerar R$ 25 bilhões na economia nacional, no PIB nacional”, revelou.
ECONOMIA CRIATIVA – Outro ponto ressaltado no programa foi o potencial da economia criativa como uma das molas propulsoras da sociedade. O setor da cultura vive um momento de fortalecimento e reposicionamento estratégico, impulsionado pela força dos territórios, pela diversidade cultural e pelo crescimento de cadeias produtivas que movimentam conhecimento, tecnologia, arte e inovação. “Uma das dimensões da cultura é essa geração de emprego e renda. O Brasil é um país onde, nessa dimensão territorial imensa, com mais de 210 milhões de habitantes, temos em todos os lugares pessoas que trabalham genuinamente ganhando a vida com cultura, com arte”, afirmou a ministra.
PLANO NACIONAL DE CULTURA – A expectativa é de que a partir de 2026 a economia criativa ganhe ainda mais amplitude com a aprovação do novo Plano Nacional de Cultura (PNC 2025–2035), enviado para análise do Congresso Nacional em novembro. O PNC é uma peça determinante e vai orientar as políticas culturais do Brasil pelos próximos dez anos, materializando os direitos culturais previstos na Constituição Federal, garantindo acesso, produção, liberdade de expressão e remuneração justa aos trabalhadores do setor.
“Temos essa visão de que a cultura interfere positivamente no PIB nacional. Nós estamos falando disso, de como arrumar esse ambiente para que cheguem também as políticas que vão tratar dos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras da cultura”, destacou Margareth Menezes.
FORMAÇÃO DE GESTORES – A ministra explicou que, dentro do Ministério da Cultura, existe uma diretoria que trata das questões ligadas à economia criativa e que trabalha para fortalecer o setor. “Temos que implementar escolas para formação de gestores na área cultural, que é outra coisa que faz muita falta. Nós estamos fazendo um investimento de dinheiro, mas estamos também criando condições para que os gestores e as gestoras se qualifiquem. Nós temos hoje uma geração inteira buscando oportunidade de trabalho nas áreas de cultura e arte. Sempre é uma área que adere muito à nova geração”.
AMBIENTE DIGITAL – Margareth Menezes também se pronunciou sobre o papel da cultura no meio digital. “Temos os desafios da geração no ambiente digital. Temos que fazer essas regulações, porque tudo isso nós estamos tratando de uma indústria. Para além de todas as dimensões que a cultura representa, da soberania, da nossa representatividade, dessa diversidade fantástica e de emprego de milhões e milhões de pessoas, que é o que, na verdade, acontece, tem também a dimensão de você estruturar o setor como uma indústria e é isso que nós estamos apostando”.

Mas por outro lado, os ataques à Lei  Rouanet não deixam de continuar, logo em seguida à publicação da matéria acima recebo a outra publicação do site Poder360 que publica matéria cuja manchete é a autorização para a Acadêmicos de Niterói, escola de samba  que irá homenagear dona Lindu, a mãe do presidente Lula, no desfile deste ano. No corpo da matéria tomamos conhecimento de que não haverá tempo hábil para captação, dois meses, por conta de ter sido autorizado por estes dias e que as escolas de samba costumam recorrer ao patrocinio da Lei Rouanet, o que não seria problema nesse caso, se não fosse a ideia de reforçar as fakenews que associam o patrocinio da Lei Rouanet a artistas engajados com pautas de esquerda.

Por outro lado, sabemos dos problemas do acesso à Lei Rouanet, situação que estar tentando ser corrigida ou atenuada com os últimos editais com recursos previamente destinados, como o Rouanet favelas, juventude, nordeste, amazônia, Reconstrução RS, territórios criativos.

O que compete ao ministério da cultura para enfrentar a campanha permanente de desgaste da Lei Rouanet por parte de setores políticos ideológicos ligados à extrema direita, cujo  ataque à  cultura é como profissão de fé?  Incentivar a produção e divulgação de estudos sobre os impactos econômicos e sociais dos investimentos em cultura, o que significa dizer, a destinação de recursos para universidades e  organizações da sociedade civil produzirem  estudos e criarem formatos de divulgação que possam ampliar o alcance dos primeiros. Isso também vale para estados e municípios através dos recursos da Lei Aldir Blanc. Isso se faz necessário porque a guerra cultural é longa, árdua  e renhida. Atentemos!!!

 Zezito de Oliveira 

O filme "Evangelho da Revolução" está disponível para os membros do Instituto Conhecimento Liberta (ICL).

 O documentário “O Evangelho da Revolução”, disponível em icl.com.br, retrata cristãos da América Latina que, inspirados pela Teologia da Libertação, transformaram a fé em luta política contra ditaduras e a desigualdade.

Na sexta (19), o filme foi exibido no  programa Cine ICL, no YouTube. Após a exibição, o apresentador Duda Leite (@milkduds67) recebeu  o diretor François-Xavier Drouet para uma entrevista exclusiva.

CINE ICL - DOC ''O EVANGELHO DA REVOLUÇÃO'' - TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO NA AMÉRICA LATINA - 19/DEZ.


No caso de exibição não comercial para grupos organizados, incluindo cineclubes, entrar em contato através do email 
oevangelhodarevolucao@posteo.com.br



segunda-feira, 24 de novembro de 2025


Natal: a humanização de Deus

 


Por Leonardo Boff em 21/12/2025

A tradição teológica acentuou sobremaneira o significado na encarnação do Filho de Deus, celebrada no Natal, como a divinização do ser humano. Na verdade, teologicamente quer-se enfatizar um fato ainda maior: a encarnação é a humanização de Deus. Todas as Escrituras afirmam como São João: “A Deus ninguém jamais viu. Foi o Filho unigênito do Pai quem no-lo deu a conhecer”(1,18). Deus, por Jesus de Nazaré, fez sua a nossa humanidade, coisa realmente inaudita. Então há algo de Divino dentro de nosso ser humano, homem e mulher, que jamais pode ser destruído.É a nossa suprema dignidade: portadores e portadoras de Deus. Por isso,não pode haver tristeza quando nasce a vida divina em nós.

O Natal é a celebração desse evento bem-aventurado. Os evangelhos chamam Jesus de Sol da Justiça. O nascimento de Jesus coincidia exatamente com a festa romana do Dia do Sol Invencível. Este dia, para o hemisfério norte, é o mais curto do ano e com a noite mais longa. O medo dos povos antigos era de que o sol não voltasse a nascer. Quando nascia novamente celebrava-se sua vitória sobre a escuridão. Jesus é apresentado como o Sol invencível que vencerá todas as escuridões da vida.      

Se Jesus é o Deus que se fez homem, poderíamos pensar que tivesse nascido num lugar bem preparado, como num palácio, numa mansão com muito conforto ou numa maternidade famosa. Finalmente seria  prestar homenagem a alguém que é Deus, como fazemos com pessoas importantes que nos visitam como os presidentes, famosas celebridades e o próprio Papa.

Deus não quis nada disso. Devemos respeitar e amar o modo como Deus quis entrar neste mundo: escondido, participando do destino daqueles que batem à porta, de noite, no frio, com uma mulher grávida, segurando na barriga o filho que está para nascer e que tem que ouvir estas duras palavras: “não tem lugar para vocês”.

Então José e Maria vão embora e ocupam, na urgência, uma estrebaria vizinha. Lá havia palha, uma manjedoura, um boi e um burrinho que com seu bafo esquentaram o corpinho frágil e tiritante do recém nascido.

Deus, portanto, entrou silenciosamente, nesse mundo, pelas portas do fundo. Os que habitavam na capital, em Roma ou em Jerusalém e outras pessoas importantes nem ficaram sabendo.

Nisso há uma lição a tirar: Deus quando quer se manifestar não usa o espetáculo grandioso, mas o silêncio singelo das pequenas coisas. Assim devemos compreender que ele veio para  todos, mas  de maneira especial a começar pelos pobres e simples porque ele foi pobre e pobre ficou por toda a sua vida na simplicidade e no despojamento.. Se tivesse nascido entre os ricos, deixaria os pobres de fora. Nascendo entre os pobres, está sempre perto deles e a partir deles pode alcançar também os melhor situados na sociedade. Desta forma ninguém fica excluído de ser tocado pela presença de Deus.

 Por ocasião do nascimento do menino Jesus não havia somente gente do povo como os pastores, considerados desprezíveis por terem contacto contínuo com animais. Os evangelhos falam que vieram do Oriente  os reis magos.Os cristãos antigos concluíram que os magos eram sábios, cujos nomes foram conservados: Baltazar, Belquior e Gaspar. Belquior era da raça branca,  Gaspar, da raça amarela e Baltazar, da raça negra. Assim eles representavam toda a humanidade.

         Os presentes oferecidos por eles são simbólicos. O ouro significa que reconheciam  Jesus como rei. O incenso significa que  Jesus é divino.  A mirra  expressa a dor e o sofrimento. O sentido é o seguinte: Jesus é rei de verdade, mas não como os reis deste mundo que dominam as pessoas. Jesus, ao contrário cuida delas. Jesus é uma pessoa divina não para ser exaltada e proclamada a ponto de ser afastada do nosso meio. Ao contrário, é um Deus conosco -Emanuel - que quer conviver e caminhar junto a cada ser humano.

A mirra amarga expressa a forma como Jesus foi rei, dando sua vida pelo povo e como viveu sua divindade assumindo morrer na cruz por amor a todos os seres humanos.

O grande poeta Manuel Bandeira expressou bem esta lógica do Natal em sua poesia

Conto de Natal:

O nosso Menino

Nasceu em Belém

Nasceu tão-somente

Para querer o bem.

Nasceu sobre os palhas

O nosso Menino

Mas a Mãe sabia

Que Ele era divino

Vem para sofrer

A morte da Cruz.

O nosso Menino

Seu nome é Jesus.

Por nós Ele aceita

O humano destino:

Louvemos a glória

De Jesus-Menino.

No Natal temos o direito de nos encher de alegria, pois não estamos mais sós. Deus anda conosco, sofre conosco e se alegra conosco. Ele é o maior presente que Deus Pai nos poderia ter dado. Por isso trocamos presentes entre nós para sempre lembrar este presente que o Pai celestial nos deu, dando-nos Jesus, seu filho querido.

Leonardo Boff é teólogo e escreveu:O Sol da Esperança:Natal, Histórias, Poesias e Símbolos, Rio 2007; Natal:a humanidade e a jovialidade de nosso Deus, Petrópolis 1976.

Jesus e a humanidade: uma mensagem que atravessa as religiões — Leonardo Boff




A newsletter de fim de ano de Outras Cidades. Outras Palavras...

 

Olá para você que já está entrando no clima das festas!

2026 está batendo à porta — e promete ser um ano intenso. Vamos eleger presidente, governadores e deputados, em um cenário no qual a extrema direita já se organiza para o jogo sujo de sempre. Queremos ampliar nossa cobertura, estar mais próximos de vocês e contribuir com reflexões instigantes sobre o futuro das cidades. Indique esta newsletter para amigos, colegas e familiares. Este é um período em que muita gente — talvez você — está reunida, conversando, trocando ideias. E o Outras Cidades só cresce assim, no boca a boca, não pelos algoritmos. E, para encerrar o ano, escolhemos um gesto: um abraço. Da política com a poesia.

Boas festas e até breve!

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MAURÍCIO PEREIRA: POESIA NOS VÃOS DA METRÓPOLE

Ódio ao sabiá! Pois é. Muita gente comunga de tal desatino. Não por malvadeza, coração peludo, sangue de angu. É pelo maldito tuí-tuí do pobre bichinho com CEP paulistano! Sua melodia suave e ribombante, diferente do trinado de alvorada de seus compadres do interior. Um passarinho urbanizado que solta o gogó lá pelas cinco da madrugada pra anunciar que logo, loguinho, tocará o despertador. O dia raiará sob uma sinfonia automotiva, e aí é hora de pegar no batente, e pobre de você, amigo, que mal pregou os olhos de preocupação com os boletos, não pegou o trem do sono por enes razões. Ódio ao sabiá. Mas ódio desamargurado, ódio do bem, porque aqui a gente se ama com todo ódio e se odeia com todo amor, não é mesmo, Tom Zé?

“Quando se está sozinho em insônia, pensando merda, o sabiá dá um desespero”, diz o poeta e músico Maurício Pereira, 66 anos, numa manhã paulistana estranhamente amena. Uma média e a broa de milho quentinha estão sobre a mesa. E os olhos, pregados na janela de uma padoca na Vila Madalena, que emoldura a eterna correria da maior metrópole da América Latina, tão presente em suas canções. 

“Sim, São Paulo é um assunto. Normal, eu vivo por aqui, já andei muito pela cidade. Olhando. Aqui a gente tem que achar a beleza onde não tem beleza (mas tem…). Achar o lírico no meio da pressa, das tarefas, do corre-corre, da violência. O tempo todo tem enredos rolando, né? Conflito, atrito. Isso vai pro texto, pro espírito, pra observação".

***

Poesia numa hora destas? A vida urbana pode ser muitas vezes áspera. Mas como encontrar suas belezas, encantos e respiros? Convidamos Maurício Pereira para nos ajudar. Um flâneur peculiar que abraça a Paulicéia e a Paulistânia, encanta-se com sabiás e aviões, e analisa com argúcia as tensões cotidianas das cidades: do concreto triste ao verde das praças, da velocidade inescapável aos silêncios necessários, do miúdo ao grandioso… Neste final de ano, com conquistas e apesar de derrotas, podemos nos inspirar a relembrar que as cidades vão além das trocas de mercadorias e serviços. São espaços de efervescência cultural, resistências populares e, por que não, de lirismos… 

Leia o artigo completo

SALVADOR, CAPITAL AFRO PARA QUEM? ✊🏿

A capital baiana é uma metrópole cindida. Por um lado, é uma vitrine reluzente de uma negritude que foi reduzida a ativo turístico e slogan eleitoral. De outro, há a negritude real — a que sofre despejo, violência religiosa, precarização e racismo institucional. Duas realidades recentes escancaram essa divisão: leis municipais que impõe símbolos cristãos — como o sudário em todos os enterros e a Bíblia como material paradidático nas escolas — e a descoberta do Cemitério da Pupileira sob um estacionamento, onde jazem mais de 100 mil negros, indígenas, ex-escravizados e pobres. Leia o artigo que inaugura a parceria entre Outras Cidades e BrCidades.

XÔ ENEL

O recente vendaval em São Paulo deixou 2,3 milhões de pessoas no escuro. Muitos ficaram mais de 70 horas sem luz. Não é a primeira vez. Em 2023 e 2024, São Paulo já havia tido problemas com o fornecimento de energia elétrica, e o prefeito Ricardo Nunes solicitou na ocasião o rompimento de contrato. Agora, um acordo entre governo federal, estadual e a Prefeitura da capital deve dar início ao processo que encerra o acordo com a Enel por ineficiência dos serviços prestados. Também foi apontado que a multinacional italiana, maior operadora de energia do Brasil e que atua no estado desde 2018, quando comprou o controle da Eletropaulo, havia se comprometido a realizar cerca de 282 mil podas de árvores, mas apenas 11% desse plano foi executado. Segundo o engenheiro Íkaro Chaves, ex-conselheiro da Eletronorte, em entrevista ao Brasil de Fato, a privatização do setor elétrico nos últimos 30 anos gerou dois fenômenos no Brasil: mesmo com uma das matrizes mais limpas e renováveis do mundo, a tarifa residencial subiu 401,4% entre 2000 e 2024; e, para garantir o lucro dos investidores, além do aumento das tarifas, os trabalhadores enfrentaram demissões, alta rotatividade e baixos salários. Dados de 2023 mostram que, desde 2019, primeiro ano completo de operações, a Enel dobrou o lucro e reduziu em 35% o número de funcionários. “A crise que acontece em São Paulo […] é o modelo de negócios que trabalha com a precarização da mão de obra […] O resultado é o impacto direto no dia a dia. A gente sente todo mês quando paga a conta de luz e também toda vez que chove que a gente fica sem energia e não tem a quem recorrer.” A urbanista Raquel Rolnik, em artigo no LabCidades, aponta: “Se o modelo adotado no Brasil nos anos 1990 de privatização do serviço já demonstrava limites e contradições, agora o que necessitamos é uma revisão radical do modelo. E não se trata apenas de definir a natureza do gestor do serviço — público ou privado — mas muito mais, é de relações federativas e competências e responsabilidades na gestão e de formas de relação entre estas, os cidadãos e o espaço público na cidade”.

A CONTA QUE NÃO FECHA

Pesquisa do Instituto Pólis mostrou que 36% das famílias dedicam maior parte do orçamento para as contas de luz. E a solução para os  apagões durante fortes chuvas e vendavais, como o enterramento de fios, caminha devagar ou então é sabotada pelas companhias, pois impactarão nos lucros dos acionistas. Em 2025, o governo federal optou pela renovação das licitações. A queda da qualidade e o descumprimento de regras, que incluem a modicidade tarifária, não bastaram para caracterizar quebra de contrato. 

CIDADES E DATA CENTERS

O futuro surge primeiro no campo — sugeriu, em 2020, o arquiteto holandês Rem Koolhaas, autor do clássico Nova York delirante. Com esta inspiração, um ensaio provocador de Guilherme Harris no Sidecar analisa como os silos de grãos rurais foram inspiração para arquitetos modernistas, que viram neles uma arquitetura cheia de força formal, sem ornamentos e muito funcional. Mas se os silos são o exemplo histórico, os data centers seriam o exemplo contemporâneo? Harris aponta que as gigantescas estruturas, tão essenciais para o desenvolvimento das inteligências artificiais, estiveram, por muito tempo, distantes de centros urbanos — afinal, implantá-las requer amplo acesso à terra barata. Porém, isto está mudando. Data centers estão “invadindo” as cidades, especialmente o modelo edge — mais versátil para uma expansão territorial e muito utilizado por grandes provedores de streaming, como Netflix e Youtube. Isso tem levado à reutilização de prédios industriais e escritórios obsoletos, bem como à implantação de data centers integrados a bairros densamente povoados, como em Londres, Frankfurt, Nova York e Xangai. O objetivo é estar mais próximo das corporações de tecnologia e outras fontes de energia. “O Data center é a tipologia arquitetônica de nossa época” — não exatamente no quesito construtivo, mas  política, energética e territorial: uma infraestrutura pura, “caixa-preta” sem linguagem, uma arquitetura sem intenção humana direta… 

COMBATE À “AIRBNBIZAÇÃO”

A União Europeia anunciou que irá regular os aluguéis de curto prazo para mitigar a pressão sobre o acesso à moradia digna e acessível. O fato é inédito, afinal, políticas habitacionais são, geralmente, uma competência de governos locais e nacionais, mas o debate sobre a disparada do preço dos aluguéis cresceu muito no Velho Continente. Plano enfrenta críticas por ser mais um “um arcabouço de intenções e cronogramas futuros” do que ações concretas e firmes. Entre 2010 e 2024, os preços dos imóveis aumentaram 53% em toda a UE, e os aluguéis, 25%, enquanto os preços em geral subiram 39%, segundo dados da Eurostat citados pelo The Guardian

ANIVERSÁRIO 🎉

David Harvey completa 90 anos! Para homenageá-lo, a editora londrina Verso Books convidou um grande time de especialistas para analisar em profundidade as principais obras do geógrafo marxistaOutras Palavras traduziu um dos artigos sobre o Cidades Rebeldes, livro publicado no Brasil em 2014, que mostra como a cidade tornou-se — mais que a fábrica — o centro das disputas com o capitalismo e o grande palco das rebeldias de nossos tempos.

“O PREFEITO ESTÁ OUVINDO”

A ideia é simples: entre na fila para falar com Zohran Mamdani, o socialista que tomará posse como prefeito de Nova York em 1º de janeiro. Ouviu 142 pessoas numa maratona de 15 horas. Cada cidadão tinha cerca de três minutos para o papo. Apesar dos esforços para diversificar o público, a plateia demonstrava uma auto-seleção evidente: predominavam pessoas entre trinta e quarenta anos, muitas delas declaradamente admiradoras de Mamdani. Inspiração, claro, é da famosa performance de Marina Abramović, “A Artista Está Presente”, que convidava visitantes do MoMA a se sentarem à sua frente, mantendo contato visual sem nada falar, por horas a fio. Quando um repórter da revista New Yorker perguntou a Dean Fuleihan, seu assessor, se ações como esta — que incluem a vez em que o candidato atravessou Manhattan a pé, de ponta a ponta — não resvalavam somente em performances, ele respondeu: “Uma agenda abrangente de redução do custo de vida exige comunicação constante.”

ENVELHECER NAS CIDADES

Daqui a 45 anos, os brasileiros com mais de 60 anos deverão corresponder a cerca de 37,8% da população do país. Hoje, eles são cerca de 16%. As cidades estão preparadas para este cenário demográfico? Esta é a provocação de um artigo publicado pelo Caos Planejado, que sugere que o desenho urbano pode aprofundar a exclusão — especialmente nas periferias. O desafio vai além do acesso à saúde e comércio a poucas quadras, centros de convivência ou acessibilidade no espaço público. “O curto prazo exige pragmatismo: bancos em praças, sombra nas ruas, corredores de ônibus que funcionem de fato etc. O médio prazo precisa contemplar ousadia: redesenhar a cidade para que envelhecer não seja sinônimo de confinamento ou guetificação. No longo prazo, deve-se reconhecer que o idoso não é só consumidor de um ‘mercado prateado’, e sim parte da inteligência urbana”, aponta a urbanista Gabriela Vasconcelos, autora do texto.

MOBILIDADE NAS QUEBRADAS

Os dados do Censo 2022 revelam, em números concretos, a profunda desigualdade em relação à mobilidade urbana que caracteriza as favelas brasileiras. Analisando essas comunidades, que somam 16 milhões de pessoas distribuídas em 656 municípios, a Agência Brasil compilou dados recentemente divulgados sobre como a precariedade da infraestrutura molda — e limita — a vida cotidiana de seus moradores. Um dos retratos mais cruéis dessa realidade é o acesso viário. Quase 20% dos residentes vivem em vias intransitáveis para carros ou caminhões. O cenário é de ruas estreitas, becos, vielas, escadarias e palafitas. Essa configuração não só impede a passagem de ambulâncias, transporte escolar, ônibus e caminhões de coleta de lixo, como também dificulta a locomoção a pé para mais da metade da população. A ausência de arborização, calçadas ou a presença de obstáculos são comuns, o que limita até a locomoção a pé. A iluminação pública, presente em 91% dos trechos, esconde disparidades gritantes. Em Paraisópolis e na Rocinha, as duas maiores favelas do país, os índices despencam para 66% e 54%, respectivamente. A sinalização cicloviária é quase inexistente e apenas 78% dos moradores têm vias pavimentadas no entorno de casa — um índice que, fora das comunidades, salta para 91,8%. Esse ambiente gera deslocamentos lentos e inseguros, agravados em horários de pico ou durante fortes chuvas. A drenagem urbana é outra fragilidade crítica: menos da metade das pessoas vivem em vias com sistema de escoamento, enquanto metade das comunidades enfrenta enchentes anuais. Em muitos casos, a manutenção e a provisão de serviços básicos recaem sobre os próprios moradores.

MORTE E VIDA DO COMÉRCIO LOCAL

Empreender no próprio bairro é tarefa árdua com o avanço da especulação imobiliária, das plataformas de aluguéis temporários e do “mercado gourmet”. Em quatro anos, por exemplo, 14% das lojas locais de Madri fecharam as portas. Uma jovem espanhola que sonha em abrir um pequeno negócio na comunidade onde vive, conta em artigo publicado pelo El Salto: “Empreender de forma independente, com preços justos e enraizamento local, é quase uma proeza diante de aluguéis exorbitantes e cadeias multinacionais. E aqueles que resistiram por décadas, famílias que herdaram pequenos negócios, muitas vezes acabam vendendo, exaustas após anos de incerteza.” O desafio de revitalizar e preservar a essência dos bairros, quando as políticas públicas não acompanham, é gigantesco. Entretanto, surgem iniciativas comunitárias que renovam a esperança, embora a duras penas…

QUANDO A CIDADE NÃO CIRCULA

Estudo demonstra como a operação policial nos complexos de favelas do Alemão e da Penha, que resultou na morte de mais de 120 pessoas, impactou a mobilidade urbana de todo o Rio de Janeiro — e afetou, sobretudo, os mais pobres. Ônibus pararam de circular. A redução nas viagens foi de 25%. À tarde, o colapso foi mais severo e trabalhadores ficaram “ilhados”, sem poder voltar para casa…Outras Cidades publica estudo inédito.

CICATRIZES DA VIOLÊNCIA URBANA

Publicado na revista BMC Public Health, um artigo investigou o impacto de episódios de violência na utilização dos serviços de saúde pela população de baixa renda do Rio de Janeiro, a partir de registros clínicos de mais de 529 mil usuários da Atenção Primária à Saúde (APS) entre 2010 e 2016, como mostra o Nexo. O estudo conclui que a violência funciona como um gatilho para a demanda imediata no SUS, particularmente para condições de saúde mental e problemas relacionados à gravidez, seguido de uma queda acentuada na utilização dos serviços nos meses subsequentes — um padrão que indica falhas críticas na continuidade do cuidado pós-violência.

DICA DE LIVRO

Um jovem negro e periférico. Um sonho em marcha: jogará na base de um grande time de futebol. A comemoração: noite de baile funk com amigos. E o terror: uma batida policial. Segue o Baile (Veneta, 2025), de Magô Pool, é um soco no estômago num país onde a bala nunca erra a juventude negra. 

POÉTICAS

 Errando em São Paulo: Apocalipse. O super-rico em seu castelo, chamado condomínio. Mas vem o ar irrespirável e a guerra de todos contra todos na cidade. Estará protegido? E quem servirá o jantar? ➡️ Mergulhe nesta “distopia”.

BÔNUS Um passeio por uma ex-SP de ribeirões, ainda viva na memória.