ARTISTA POPULAR LUPÉRCIO DAMASCENO LANÇOU SEU PRIMEIRO CD EM LAGARTO
O álbum “O concriz” conta com músicas autorais, poemas e tem a participação especial de Chiko Queiroga e Antônio Rogério
Com músicas autorais e interpretando canções de artistas que influenciaram sua formação musical, Lupércio Damasceno lançou seu primeiro trabalho artístico no Sarau do Mafra, realizado no Povoado Quilombo, situado na cidade agrestina de Lagarto, no final do mês de janeiro.
Lupércio é pernambucano mas de coração sergipano. Depois que bebeu das águas do Tanque Novo (Povoado de Simão Dias), em 1983, por aqui ficou. Com uma veia ambientalista forte, logo se envolveu na luta pela preservação das árvores imperiais da Praça Barão de Santa Rosa em Simão Dias, e foi construindo sua história em completa sintonia com movimentos sociais, culturais e de juventudes.
Tendo Luiz Gonzaga como um dos seus pilares na sua influência musical, Lupércio decidiu o homenagear no disco. “Em minha vida tive como grande mestre o Luiz Gonzaga. De modo que no CD tem uma homenagem que faço com a canção de minha autoria com o título: ‘Um canto ao Rei do Baião”, revelou. “Também na minha adolescência fui muito influenciado pelas canções tropicalistas de Caetano e Gil. E continuo apreciando muito o trabalho musical desses dois baianos”, completou Lupércio.
O álbum denominado “O concriz”, em homenagem a um pássaro comum na paisagem árida do sertão e que aprecia a seiva das flores e o fruto do mandacaru, é um trabalho artístico, poético e cultural em que Lupércio recita poemas, como os do saudoso Patativa do Assaré, além de contar com participações dos artistas sergipanos Chiko Queiroga e Antônio Rogério e da portuguesa Ana Chã, valorizando a boa música e a cultura popular nordestina.
“MEU TRABALHO ARTÍSTICO MUSICAL É FRUTO DA MINHA RELAÇÃO E REFLEXÃO COM AS QUESTÕES SOCIOCULTURAIS E ESTÁ PRESENTE TUDO O QUE PENSO E SINTO SOBRE A VIDA” RESSALTA LUPÉRCIO.
Durante o Festival Nacional de Artes e Cultura da Reforma Agrária, que aconteceu em julho de 2016, na cidade de Belo Horizonte-MG, e reuniu a cultura forjada nos acampamentos de lona preta e nos assentamentos da Reforma Agrária, desenvolvida nesses 30 anos de luta do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, Lupércio teve a canção “Quantos Gritos”, presente em seu CD, selecionada para compor o disco final do Festival. O lançamento do CD “Da Luta Brotam Vozes de Liberdade”também aconteceu em Janeiro, na cidade de Fortaleza-CE.
Lupércio Damasceno Barbosa
Graduado em Arte-Educação pela
Universidade Federal do Piaui (UFPI). Especialista em Teorias Sociais e Produção
do Conhecimento (2006). Tem experiência
na área de comunicação com ênfase em cultura popular, teatro
politico, literatura e musica popular brasileira. Estuda as relações mercantilistas entre agronegócio e indústria
cultural e seus impactos sobre o meio socioambiental e a produção artistico-cultural. Busca uma nova forma de
representação da realidade através da
arte na qual politica e estética possam se encontrar no mesmo plano como
elementos fundamentais no processo de transformação social. Atualmente é
coordenador de cultura do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.
Trabalho de Conclusão de Curso (TCC)
Universidade Federal do
Piauí
Título: ESTÉTICA TROPICALISTA SOB O LUAR DO SERTÃO
Orientador: MANOEL DOURADO BASTOS
Título: ESTÉTICA TROPICALISTA SOB O LUAR DO SERTÃO
Orientador: MANOEL DOURADO BASTOS
Agronegócio e indústria cultural: Mercantilização e homogeneização da vida e da arte
São
drásticas as mudanças e trágicas as conseqüências provocadas pelo atual modelo
capitalista de produção no campo da agricultura, com a implantação e a expansão
do monocultivo em grandes extensões de terras, ameaçando de extinção tanto a
biodiversidade quanto a diversidade cultural, tão necessárias a vida.
Assim procurei contribuir com o debate no XXIII Encontro Nacional do MST, em
Sarandi-RS, após João Pedro Stédile, da coordenação nacional do MST, ter-se
referido aos danos causados pelo agronegócio à biodiversidade e acrescentei que
o agronegócio e a indústria cultural, tendo como único objetivo o lucro,
unem-se sob a égide do capital e põem em prática seu projeto de padronização e
mercantilização da vida social em toda sua dimensão.
O sucesso do casamento desses dois setores é celebrado em grandes festas
populares, tradicionais, como é o caso dos festejos juninos, que foram
transformados em mega-eventos para o entretenimento e alienação de um público
que cada vez mais se rende, sem questionamentos, aos encantos apelativos da
sociedade espetacular de consumo. Essa situação exige uma reflexão por parte
daqueles que pensam a realidade social através do campo da cultura.
O pensador francês, Guy Debord, em A Sociedade do Espetáculo (1967, analisa
criticamente o mundo contemporâneo pós-moderno e sua intencionalidade de
fragmentar tudo que tenha autenticidade. “Toda a vida das sociedades nas quais
reinam as condições modernas de produção se anuncia como uma imensa acumulação
de espetáculos. Tudo o que era diretamente vivido se afastou numa
representação”. Ou seja, esta é uma sociedade em que a vida real é pobre e
fragmentária e os indivíduos são obrigados a contemplar e consumir passivamente
as imagens de tudo o que lhes faltam em sua existência real, o espetáculo é uma
abstração do real.
Os produtos da indústria cultural e do agronegócio são apresentados nos grandes
centros de consumo como se fosse a mais moderna tradução da nossa diversidade
cultural, quando na verdade suas imagens apenas fantasiam os seus lugares de
origem. Produtos alimentares, eletrodomésticos, roupas, calçados, livros,
revistas, vídeos, automóveis são postos em promoção num ambiente produzido
intencionalmente para envolver e estimular as pessoas ao consumo.
O agronegócio no Brasil se expande de maneira acelerada e o seu sucesso é
divulgado através de propagandas veiculadas pelos grandes órgãos de imprensa,
onde regiões do Centro-Oeste e do Nordeste brasileiro são mostradas como se
estivessem saindo do mais extremo atraso social e econômico, e entrando na mais
nova era da modernidade camponesa, onde não há lugar para contradições; porém a
realidade é totalmente diferente.
A revista Sem Terra (nº 52, set/out/09) denuncia as contradições do sucesso do
agronegócio numa reportagem intitulada “Município do Tocantins lidera ranking
de soja e de pobreza”. Vejamos o que diz a matéria, “Aditivado por projeto
controverso que enriquece fazendeiros e transnacionais, Campos Lindos (TO) é
líder estadual de produção de soja. Localidade tem a maior proporção de pobres
de todo país, segundo pesquisa do IBGE”. De acordo com esta matéria, em Campos
Lindos 62% dos moradores encontram-se na extrema indigência e 84% na pobreza.
Para se ter uma idéia da ambição de crescimento do agronegócio três estados do
Nordeste (Maranhão, Piauí, Bahia) estão sendo tomados pelo agronegócio e sendo
anexados ao Estado de Tocantins no Centro-Oeste, formando um grande pólo desse
novo modelo de produção capitalista no campo da agricultura. A anexação desses
quatro estados já recebeu o nome de Mapitoba. Na realidade o que está em curso
é um projeto degradante e excludente, para alcançar seus objetivos não leva em
consideração nem o ser humano, nem tampouco a natureza.
Representantes de
grandes empresas chegam a essas regiões com a promessa da mais moderna forma de
vida para o campo e introduzem novos valores na visão de mundo do povo
camponês, induzindo-o a rejeitar os seus valores tradicionais em nome do que
lhe é apresentado como sendo o mais moderno e ideal para uma nova vida no
campo. Com a introdução de novos elementos na maneira da população camponesa ver e se
relacionar com a sua realidade, consequentemente ela vai perdendo suas
referências culturais.
“A
globalização do lucro impõe a uniformidade dos seres humanos: todos devem ser
iguais e consumir igual, vestir igual e comer o mesmo hambúrguer da mesma vaca
louca? A Globalização impõe, consciente, ou subliminalmente, normas de
comportamento, valores morais, ideologia e gosto estético”. (BOAL, 2001, p.42)
Constatamos
que há uma perversa intencionalidade nesse processo, que é destruir as culturas
locais e promover um modo de vida padronizado de acordo com os interesses do
mercado globalizado. A destruição da cultura de um povo é a destruição da sua
identidade e consequentemente de cada indivíduo enquanto ser social. É
importante, para este modelo de produção e consumo, que não nos reconheçamos
através da arte que expressamos – até porque a nossa imagem não está tão boa na
vida real, e poderíamos querer transformá-la através da arte, mas, para este
sistema, a arte deve ter uma função decorativa, deve ser mero instrumento de
diversão e entretenimento, manter o público animado, fascinado e ávido para o
consumo.
Vejamos nos grandes espetáculos de rodeio, como também nas exposições
agropecuárias, ambientes próprios para a realização e comemoração deste negócio
tão lucrativo para o capital. Neste ambiente a arte perde totalmente o seu caráter
transformador e humanizador e é posta a serviço de um projeto menor, nivelador
e degradante tanto dos bens naturais, quanto dos valores culturais. Aqui, a
arte não está para questionar, como cantamos no refrão deste samba: Enquanto a indústria cultural, Se a própria da arte pra gerar mais capital. Arte também para questionar, Arte também para questionar. (Arte também para questionar, Turma do curso de Artes da UFPI-MST) .
Deve ser questionada a construção de barragens sobre o curso do Rio São Francisco, como também a transposição de uma parte de suas águas para outros estados do Nordeste brasileiro, sob a justificativa de se estar levando melhores condições de vida para a população carente desta região, que de fato sofre por falta d’água e tem todo direito de ter suas necessidades atendidas: o que é questionável é por que razão em outras regiões do Nordeste, onde o mesmo rio (São Francisco) passa naturalmente como nos estados da Bahia, Sergipe, Alagoas e Pernambuco, a população não menos carente passa também por sérias dificuldades – principalmente em períodos de grandes estiagens, onde plantações inteiras são perdidas, como também uma parte dos animais.
Nós sabemos muito bem que a falta d’água no Nordeste e o sofrimento com a seca, não é um castigo divino que cai sobre o sertanejo – Deus não seria tão cruel assim com um povo que já é tão explorado O nosso grande poeta camponês, Patativa do Assaré (1909-2002) já nos advertia poeticamente. “Não é Deus que lhe castiga/ E nem a seca que obriga/ Sofrermos dura sentença/ Não somos nordestinados/ Nós somos é injustiçados/ e tratados com indiferença”.
Na verdade, essas dificuldades resultam de uma injusta distribuição dos bens naturais, por parte dos órgãos federais. Coexistem nessa região as mais díspares condições de vida, no mesmo campo onde o agronegócio cresce, florescem e frutifica em abundância, o povo passa graves necessidades, ou vive do assistencialismo político; no mesmo campo onde se transporta água em charretes ou esperam por caminhões-pipas, o rio não está tão distante. Não falta água sobre a plantação dos grandes projetos da nova burguesia agrária, em plena Caatinga suas sedes-manões representam uma verdadeira afronta à realidade do povo injustiçado que vive nesta região.
São promovidas grandes festas no semi-árido dos estados do Piauí, Pernambuco, onde se comemora o bom desenvolvimento da produção de uva na região, como é o caso do Festival da Uva em São João do Piauí no mês de dezembro, e a Festa da Uva em Lagoa Grande no sertão de Pernambuco no mês de outubro, em que grandes bandas musicais da cultura de massa atual dão o tom da festa, tudo dentro de uma combinação perfeita entre a indústria cultural e agronegócio.
Mas a questão não é bem o fato de um produto agrícola externo como, no caso a uva, poder se desenvolver tão bem numa região típica de caatinga, o que deve ser questionado é a expansão do monocultivo, neste caso, um produto de uma cultura externa se promovendo em detrimento de uma cultura originária da região. Para implantação desse sistema de produção varias espécies de planta nativa são eliminadas como a imburana de cheiro que tem um grande valor medicinal para o povo da região, e o umbuzeiro que dá um fruto saboroso e tem um grande valor nutritivo.
São plantas que se desenvolvem naturalmente nesta região e que, no caso do umbuzeiro frutifica em abundância. Então por que não reconhecer esses valores? Por que o governo federal não investe no desenvolvimento endógeno, através de seus órgãos de pesquisa e de assistência técnica para o desenvolvimento de uma produção organizada e qualificada, incentivando a população local a valorizar a sua própria cultura bem como encontrar alternativa de ordem econômica para a região.
Porém, o que deve nos chamar atenção é que em meio a esse processo de homogeneização cultural, ultimamente fala-se muito sobre diversidade cultural e da importância de seu reconhecimento na edificação de um mundo democrático e receptivo ao diálogo entre povos e cultura – como está escrito na Declaração Universal da UNESCO sobre a diversidade cultural (Paris, 02 de novembro de 2001).
Esse tema tem sido historicamente uma preocupação de estudiosos, as diferenças culturais do ser humano, a ponto de quatro séculos antes de Cristo, Confúcio ter anunciado que: “a natureza dos homens é a mesma, são os seus atos que os mantém separados”. Porém, o mais irônico é que ao mesmo tempo em que organizações governamentais e não governamentais promovem todo um debate sobre a importância do reconhecimento da diversidade cultural num processo de conscientização e conciliação do gênero humano, promovem também um modelo de produção totalmente incompatível com os princípios que levariam a uma verdadeira integração entre povos e cultura e a uma harmonização harmoniosa com a natureza. Já que a diversidade cultural é para o gênero humano tão necessária quanto a biodiversidade o é para os organismos vivos.
Estamos aqui tratando de algo fundamental na vida de qualquer sociedade: nenhuma sociedade teria condições de sobrevir sem os valores culturais que são transmitidos de geração para geração, qualquer sociedade, da mais antiga à mais contemporânea, é sustentada por esses valores. A revolucionária Rosa Luxemburgo afirma que “quando uma sociedade tem seus reais valores degenerados só lhe resta á barbárie”.
Essa invasão cultural – ou novo processo de colonização – não se dá diante de uma atitude passiva por parte do povo. Camponeses, índios, negros, historicamente sempre lutaram, sempre resistiram contra as formas de opressão que lhes foram impostas. Canudos, Palmares e mesmo o Cangaço provam que o povo oprimido sempre procurou, a seu modo, e de acordo com suas condições reais, enfrentar a tirania dos regimes opressores - por mais que a história oficial tente ocultar e a mídia procure distorcer os fatos tirando-lhes o caráter de luta e de resistência.
Através destas reflexões, constatamos que estes problemas envolvem profundamente a base da nossa sociedade, a cultura, dimensionada de acordo com o processo de desenvolvimento da nossa vida social. Entendidas dessa maneira, percebemos que ela é campo de disputa de poder e que este campo vem sendo tomado pelos interesses da classe dominante. Pois se através da cultura podemos reconhecer as desigualdades e contradições causadas por esse modelo de desenvolvimento à nossa sociedade, podemos também, a partir dessa compreensão, reconhecer a cultura como campo na práxis social, como espaço ideal de luta por justiça, liberdade e superação de toda forma de opressão e exploração próprias desse sistema. Já adverte Karl Marx : “As idéias da classe dominantes são, em cada época, as idéias dominantes”.
Isso significa que a ideologia burguesa, na sociedade contemporânea, atua hegemonicamente sobre todos os setores da vida social. A classe dominante que tem os meios de produção materiais sob o seu poder e o seu controle, também exerce o seu domínio na esfera espiritual, no campo do conhecimento e da cultura, onde difunde suas idéias como se fossem universais. Ideologicamente esse domínio se faz pelos meios de comunicação de massa, através da manipulação da opinião pública, difundindo novos valores de comportamentos em relação ao consumo.
As grandes corporações tecnocráticas dos meios de comunicação de massa veiculam propagandas comerciais e difundem valores a elas associadas que tornam o consumo a moral do mundo contemporâneo. O consumo surge como modo de resposta global que serve de base a todo o nosso sistema cultural. (CARVALHO, Horácio Martins, apud cf. Baudlaud, p. 03)
Sabemos que a cultura não é estanque, que ela se transforma à medida que a sociedade é transformada e, conseqüentemente, as expressões culturais sofrem alterações em suas formas estéticas. Historicamente, o ser humano se expressa, através da arte, de acordo com sua realidade e condicionado ao meio em que vive e a sua compreensão do mundo, das primitivas pinturas rupestres nas cavernas da Serra da Capivara, em São Raimundo Nonato, no estado do Piauí, aos grafites contemporâneos dos grandes centros urbanos, a arte, enquanto ato cultural, está sempre condicionada ao tempo e ao espaço em que foi produzida.
O agronegócio está para agricultura camponesa, assim como a indústria cultural está para a cultura popular. Tanto agronegócio quanto indústria cultural desenvolvem-se a partir da exploração e empobrecimento dos valores culturais e dos bens naturais e assim vão eliminando todas as formas de sociabilidades possibilitadoras de uma convivência harmoniosa e justa entre seres humanos e natureza.
A crítica feita por Adorno (provavelmente o mais radical da Escola de Frankfurt), à industria cultural, em 1962, valeria perfeitamente também para este novo setor da produção capitalista, o agronegócio, “A indústria cultural padroniza o gosto do consumidor tirando-lhe, inclusive, o senso crítico. Transformando-o em objeto seu, incentivando-o ao consumo e, ao mesmo tempo, trata-o como se fosse o sujeito dessa indústria”. (CALDAS, Wadenyr, apud, cf. Adorno, p.87). Se entendermos cultura enquanto uma construção histórica e como algo que não se resume a uma parte da sociedade, mas que está relacionada a todos os aspectos da vida social, reconhecemos a atualidade dessa crítica e a sua clareza sobre os problemas do mundo contemporâneo.
Aqui não se trata de nos fecharmos em relação a outras culturas, pois nenhuma cultura se desenvolve de forma isolada, nem tampouco de querermos ignorar a importância da ciência e da tecnologia num processo de construção de desenvolvimento social; trata-se na verdade de sabermos como, a partir de um olhar crítico, perceber o que sinceramente pode contribuir com o nosso desenvolvimento, através de trocas de conhecimentos fundamentadas em critérios democráticos e integrativos, onde as relações entre povos e culturas possam se dar baseadas no respeito e reconhecimento das diversas formas de culturas existentes. Portanto, ergamos nossas bandeiras, cantemos nossas canções, dancemos as nossas danças. Só assim poderemos ser verdadeiramente universais.
Lupércio Damasceno Barbosa
Coordenador do setor de cultura do Estado de Sergipe / MST
Membro do Coletivo Nacional de Cultura do MST
Educando Curso Licenciatura Plena Arte e Educação MST – UFPI
Deve ser questionada a construção de barragens sobre o curso do Rio São Francisco, como também a transposição de uma parte de suas águas para outros estados do Nordeste brasileiro, sob a justificativa de se estar levando melhores condições de vida para a população carente desta região, que de fato sofre por falta d’água e tem todo direito de ter suas necessidades atendidas: o que é questionável é por que razão em outras regiões do Nordeste, onde o mesmo rio (São Francisco) passa naturalmente como nos estados da Bahia, Sergipe, Alagoas e Pernambuco, a população não menos carente passa também por sérias dificuldades – principalmente em períodos de grandes estiagens, onde plantações inteiras são perdidas, como também uma parte dos animais.
Nós sabemos muito bem que a falta d’água no Nordeste e o sofrimento com a seca, não é um castigo divino que cai sobre o sertanejo – Deus não seria tão cruel assim com um povo que já é tão explorado O nosso grande poeta camponês, Patativa do Assaré (1909-2002) já nos advertia poeticamente. “Não é Deus que lhe castiga/ E nem a seca que obriga/ Sofrermos dura sentença/ Não somos nordestinados/ Nós somos é injustiçados/ e tratados com indiferença”.
Na verdade, essas dificuldades resultam de uma injusta distribuição dos bens naturais, por parte dos órgãos federais. Coexistem nessa região as mais díspares condições de vida, no mesmo campo onde o agronegócio cresce, florescem e frutifica em abundância, o povo passa graves necessidades, ou vive do assistencialismo político; no mesmo campo onde se transporta água em charretes ou esperam por caminhões-pipas, o rio não está tão distante. Não falta água sobre a plantação dos grandes projetos da nova burguesia agrária, em plena Caatinga suas sedes-manões representam uma verdadeira afronta à realidade do povo injustiçado que vive nesta região.
São promovidas grandes festas no semi-árido dos estados do Piauí, Pernambuco, onde se comemora o bom desenvolvimento da produção de uva na região, como é o caso do Festival da Uva em São João do Piauí no mês de dezembro, e a Festa da Uva em Lagoa Grande no sertão de Pernambuco no mês de outubro, em que grandes bandas musicais da cultura de massa atual dão o tom da festa, tudo dentro de uma combinação perfeita entre a indústria cultural e agronegócio.
Mas a questão não é bem o fato de um produto agrícola externo como, no caso a uva, poder se desenvolver tão bem numa região típica de caatinga, o que deve ser questionado é a expansão do monocultivo, neste caso, um produto de uma cultura externa se promovendo em detrimento de uma cultura originária da região. Para implantação desse sistema de produção varias espécies de planta nativa são eliminadas como a imburana de cheiro que tem um grande valor medicinal para o povo da região, e o umbuzeiro que dá um fruto saboroso e tem um grande valor nutritivo.
São plantas que se desenvolvem naturalmente nesta região e que, no caso do umbuzeiro frutifica em abundância. Então por que não reconhecer esses valores? Por que o governo federal não investe no desenvolvimento endógeno, através de seus órgãos de pesquisa e de assistência técnica para o desenvolvimento de uma produção organizada e qualificada, incentivando a população local a valorizar a sua própria cultura bem como encontrar alternativa de ordem econômica para a região.
Porém, o que deve nos chamar atenção é que em meio a esse processo de homogeneização cultural, ultimamente fala-se muito sobre diversidade cultural e da importância de seu reconhecimento na edificação de um mundo democrático e receptivo ao diálogo entre povos e cultura – como está escrito na Declaração Universal da UNESCO sobre a diversidade cultural (Paris, 02 de novembro de 2001).
Esse tema tem sido historicamente uma preocupação de estudiosos, as diferenças culturais do ser humano, a ponto de quatro séculos antes de Cristo, Confúcio ter anunciado que: “a natureza dos homens é a mesma, são os seus atos que os mantém separados”. Porém, o mais irônico é que ao mesmo tempo em que organizações governamentais e não governamentais promovem todo um debate sobre a importância do reconhecimento da diversidade cultural num processo de conscientização e conciliação do gênero humano, promovem também um modelo de produção totalmente incompatível com os princípios que levariam a uma verdadeira integração entre povos e cultura e a uma harmonização harmoniosa com a natureza. Já que a diversidade cultural é para o gênero humano tão necessária quanto a biodiversidade o é para os organismos vivos.
Estamos aqui tratando de algo fundamental na vida de qualquer sociedade: nenhuma sociedade teria condições de sobrevir sem os valores culturais que são transmitidos de geração para geração, qualquer sociedade, da mais antiga à mais contemporânea, é sustentada por esses valores. A revolucionária Rosa Luxemburgo afirma que “quando uma sociedade tem seus reais valores degenerados só lhe resta á barbárie”.
Essa invasão cultural – ou novo processo de colonização – não se dá diante de uma atitude passiva por parte do povo. Camponeses, índios, negros, historicamente sempre lutaram, sempre resistiram contra as formas de opressão que lhes foram impostas. Canudos, Palmares e mesmo o Cangaço provam que o povo oprimido sempre procurou, a seu modo, e de acordo com suas condições reais, enfrentar a tirania dos regimes opressores - por mais que a história oficial tente ocultar e a mídia procure distorcer os fatos tirando-lhes o caráter de luta e de resistência.
Através destas reflexões, constatamos que estes problemas envolvem profundamente a base da nossa sociedade, a cultura, dimensionada de acordo com o processo de desenvolvimento da nossa vida social. Entendidas dessa maneira, percebemos que ela é campo de disputa de poder e que este campo vem sendo tomado pelos interesses da classe dominante. Pois se através da cultura podemos reconhecer as desigualdades e contradições causadas por esse modelo de desenvolvimento à nossa sociedade, podemos também, a partir dessa compreensão, reconhecer a cultura como campo na práxis social, como espaço ideal de luta por justiça, liberdade e superação de toda forma de opressão e exploração próprias desse sistema. Já adverte Karl Marx : “As idéias da classe dominantes são, em cada época, as idéias dominantes”.
Isso significa que a ideologia burguesa, na sociedade contemporânea, atua hegemonicamente sobre todos os setores da vida social. A classe dominante que tem os meios de produção materiais sob o seu poder e o seu controle, também exerce o seu domínio na esfera espiritual, no campo do conhecimento e da cultura, onde difunde suas idéias como se fossem universais. Ideologicamente esse domínio se faz pelos meios de comunicação de massa, através da manipulação da opinião pública, difundindo novos valores de comportamentos em relação ao consumo.
As grandes corporações tecnocráticas dos meios de comunicação de massa veiculam propagandas comerciais e difundem valores a elas associadas que tornam o consumo a moral do mundo contemporâneo. O consumo surge como modo de resposta global que serve de base a todo o nosso sistema cultural. (CARVALHO, Horácio Martins, apud cf. Baudlaud, p. 03)
Sabemos que a cultura não é estanque, que ela se transforma à medida que a sociedade é transformada e, conseqüentemente, as expressões culturais sofrem alterações em suas formas estéticas. Historicamente, o ser humano se expressa, através da arte, de acordo com sua realidade e condicionado ao meio em que vive e a sua compreensão do mundo, das primitivas pinturas rupestres nas cavernas da Serra da Capivara, em São Raimundo Nonato, no estado do Piauí, aos grafites contemporâneos dos grandes centros urbanos, a arte, enquanto ato cultural, está sempre condicionada ao tempo e ao espaço em que foi produzida.
O agronegócio está para agricultura camponesa, assim como a indústria cultural está para a cultura popular. Tanto agronegócio quanto indústria cultural desenvolvem-se a partir da exploração e empobrecimento dos valores culturais e dos bens naturais e assim vão eliminando todas as formas de sociabilidades possibilitadoras de uma convivência harmoniosa e justa entre seres humanos e natureza.
A crítica feita por Adorno (provavelmente o mais radical da Escola de Frankfurt), à industria cultural, em 1962, valeria perfeitamente também para este novo setor da produção capitalista, o agronegócio, “A indústria cultural padroniza o gosto do consumidor tirando-lhe, inclusive, o senso crítico. Transformando-o em objeto seu, incentivando-o ao consumo e, ao mesmo tempo, trata-o como se fosse o sujeito dessa indústria”. (CALDAS, Wadenyr, apud, cf. Adorno, p.87). Se entendermos cultura enquanto uma construção histórica e como algo que não se resume a uma parte da sociedade, mas que está relacionada a todos os aspectos da vida social, reconhecemos a atualidade dessa crítica e a sua clareza sobre os problemas do mundo contemporâneo.
Aqui não se trata de nos fecharmos em relação a outras culturas, pois nenhuma cultura se desenvolve de forma isolada, nem tampouco de querermos ignorar a importância da ciência e da tecnologia num processo de construção de desenvolvimento social; trata-se na verdade de sabermos como, a partir de um olhar crítico, perceber o que sinceramente pode contribuir com o nosso desenvolvimento, através de trocas de conhecimentos fundamentadas em critérios democráticos e integrativos, onde as relações entre povos e culturas possam se dar baseadas no respeito e reconhecimento das diversas formas de culturas existentes. Portanto, ergamos nossas bandeiras, cantemos nossas canções, dancemos as nossas danças. Só assim poderemos ser verdadeiramente universais.
Lupércio Damasceno Barbosa
Coordenador do setor de cultura do Estado de Sergipe / MST
Membro do Coletivo Nacional de Cultura do MST
Educando Curso Licenciatura Plena Arte e Educação MST – UFPI
REFERÊNCIAS
BOAL,
Augusto. Revista caros amigos (fala-se em cultura: o que é?) Janeiro, 2001.
CALDAS,
Waldenyr, 1943 – Cultura / Valdeniyr Caldas. São Paulo: Global, 1986.
CARVALHO,
Horácio Martins, O oligopoliio a produção de sementes e a tendência á
padronização da dieta alimentar mundial. Curitiba, maio de 2001. apud cf.
Baudlaud p. 03)
DEBORD,
Guy. A sociedade do espetáculo, Paris, 1967.
DECLARAÇAO
UNIVERSAL DA UNESCO Sobre a Diversidade Cultural. Adotada pela 31ª Sessão da
Conferencia Geral da UNESCO. Paris, 2 de novembro de 2001
NAVES,
Marcio Bilharinho, 1952. Marx: ciência e revolução - São Paulo: Moderna;
Campinas, SP: Editora da Universidade de Campinas, 2000.
REVISTA SEM TERRA (Mobilizações o MST nas ruas),
ano XII nº 52. Set-out/09.
Haha
2 comentários:
Saudade do meu amigo Lupércio. Poeta, filósofo, artista. Lupércio compreendia a realidade do mundo, entendia as angústias dos oprimidos e lutava por justiça, igualdade, pelos direitos daqueles que até hoje continuam sendo explorados.
Ele era a voz da resistência. Sua arma era a arte. Teatro, música e poesia.
Quantos gritos serão necessários para acordar esse gigante chamado Brasil?
Salve Lupércio Damasceno!
Lucineide, Salve Lupércio! Sempre presente! Caso queira escrever um texto em forma de crônica sobre a sua convivência com ele. Fique a vontade!!
Zezito de Oliveira
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