ENTREVISTA SOBRE PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO EM ARACAJU
Obra da 13 de julho é um aterro sobre o Rio Sergipe |
Há
1 mês um certo jornal diário de Sergipe insistiu para que respondesse a
uma entrevista sobre preservação do patrimônio cultural de Aracaju, daí
enviou questões e dediquei madrugada e... não publicaram. Penso ter
desagradado o editor, tudo bem não guardarei ressentimentos, também não
guardarei a entrevista censurada. Disponho na integra para que saibam o
que pensa este escriba sobre os crimes que acontecem na capital de
Sergipe, cidade que engavetou seu Plano Diretor, é o paraíso das
construtoras (da especulação imobilária), da "força da grana que ergue e
destrói coisas belas" como diria o artista iconocrasta da sua própria
obra Caetano Veloso.
ENTREVISTA
1) Qual a avaliação geral que o Senhor faz a respeito da manutenção de monumentos em Aracaju? São eles
preservados? Como analisa sua manutenção, seja pelo poder público ou mesmo pela
população?
–
Não há como responder a questão sem fazer um preâmbulo, dada a sua complexidade
e se tratar de uma cidade nova (158 anos), se comparada com a experiência
histórica de outras cidades brasileiras, algumas coloniais. Preservar implica
antes de tudo reconhecer sua importância histórica, ser patrimonializado
através de tombamento ou registro
(medidas de proteção legal mais comuns) e criar atividades sistemáticas de
manutenção (medidas preventivas) e/ou restaurações. Creio que atividades
educativas, denominada por alguns “Educação Patrimonial”, encerra as ações que
mediam, sustentam a afirmativa “patrimônio preservado”. Apontar um monumento em
Aracaju é dizer “este é preservado” é possível, porém nem todos se acham
cercado por tudo isso. Se a gente falar da esfera pública municipal aracajuana
não se tem órgão que desempenhe tal função (preservar monumentos), existem
apenas alguns monumentos tombados (reconhecidos como de valor histórico pelo
Estado) estes são avaliados e passam por restaurações, dentro de condições e
recursos disponíveis. Lembro que recentemente uma comissão da Sub-Secretaria de
Patrimônio Cultural (SUBPAC) realizou uma destas avaliações, inclusive, noutros
municípios. A Catedral Metropolitana que é tombada por decreto estadual recebeu
recursos do Governo do Estado para sua restauração, por exemplo. O Conselho
Estadual de Cultura, a Secretaria de Cultura do Estado são outros entes
vinculados ao Estado com essa preocupação de zelo com o patrimônio. Evidente
que é impossível angariar, alocar recursos para todos os monumentos que carecem
de tombamento e urgente intervenção em Aracaju. Mas a pergunta é onde está o
poder público de Aracaju nisso? E a população aracajuana? Estive semana passada
no I Seminário Aracaju: Patrimônio Cultural e Proteção, promovido pelo
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional em Sergipe (IPHAN-SE),
que assim como o Ministério Público Federal (MPF) vem intervindo com ações de
preservação há alguns anos mesmo na ausência de monumento aracajuano tombado
pelo Governo Federal. Infelizmente, não havia nenhum representante do poder
público municipal em nenhum dos 3 grupos de trabalho que discutiram medidas de
proteção federal a praças e bairros centrais da cidade. Esta ausência, creio,
responde a pergunta. Quanto a população aracajuana, ela possui traços
identitários que devem ser destacados, antes mesmo de ações educativas visando
zelar, favorecer a apropriação dos bens culturais. Por exemplo, boa parte é
procedente do interior e tem sua relação afetiva com o seu lugar de origem,
visitado a cada fim de semana e feriadão. Aracaju é o lugar do trabalho, de
passar a semana. Ações educativas é o que falta para despertar no aracajuano de
uma forma mais efetiva o sentido da preservação do seu lindo patrimônio
cultural. Patrimônio é algo que vai além do sentido usual “é tudo que é meu”,
pois patrimônio no sentido a que estou me reportando e que aracajuanos e governo
precisam sentir “é tudo que é nosso!”, isso deve ser mais que um slogan.
2 - Quais as principais causas da
deterioração? O que contribui mais para o desgaste das peças: a falta de
manutenção ou o próprio descaso da população para com esses monumentos,
inclusive os danificando?
- a) A salinidade em Aracaju me parece alta,
tenho pouco estudo na área mas o fato da cidade, mesmo planejada, surgir à
beira-mar, aterrando mangues e charcos, extinguindo riachos e desmontando
morros e areais não contribui para preservação de seus monumentos. Mas a cidade
venceu a natureza ou pensa que venceu... b) Decorrente disto temos a
necessidade de intervenções regulares e permanentes em alguns monumentos que
chegam à ruína completa antes disso. De qualquer forma, a natureza, o homem e o
patrimônio edificado são elementos indissociáveis na paisagem aracajuana. c)
Com ou sem álibi, a especulação imobiliária deve ocupar o primeiro lugar no
quesito: desaparecimento do patrimônio de valor histórico. Aqui ela desrespeita Plano Diretor e qualquer outra norma
considerada. O que se vê e acontece em Aracaju nesse campo é absurdo, surreal.
d) A ação criminosa de depredar é também um ato lastimável e presente em
Aracaju. Portanto, um conjunto de fatores encerra a questão.
3 - Quais as consequências material e
imaterial para a sociedade quando da degradação de monumentos que marcam a
passagem histórica da cidade?
-
A perda completa de referências da memória do lugar cria um sujeito que não
consegue despertar o senso de preservação nem mesmo se reconhecer. Porque o
sentimento de pertença ainda que por adoção do lugar escolhido para viver é
importante ao bem-estar do ser humano. Sem isso como falar em capital de
qualidade de vida ou qualquer outro termo que nos remeta a falsa promessa da
modernidade. Digo modernidade porque Aracaju nasceu numa propaganda de cidade
moderna que se renova num esforço de se atualizar regularmente. Daí uma certa
neurose de seus gestores por renovar o discurso da modernidade a cada novidade,
cada obra. O que há de nefasto nisso é que infelizmente não se admite acolher
elementos do passado nos projetos, parece que o novo para ser novo precisa
destruir o existente, e não lembrar através de adaptações, referências, o
monumento ou lugar original.
4 - O que pode e deve ser feito para
que essa memória se mantenha conservada?
- Planejamento
e efetivação de práticas educativas nas escolas que não se esgotem nas visitas
a lugares e palestras acadêmicas mas envolvam atores da sociedade, praças,
mercado, comunidades de pescadores, terreiros, etc. Sei que o desafio maior é
sempre trabalhar com os adultos, os que não estão nos bancos escolares mas
influenciam a forma de estar e apreender o mundo, a cidade. Sou entusiasta das
intervenções artísticas nos bairros, praças, comercio, instituições públicas,
etc. A arte pode muito contribuir. Em Aracaju o desafio está dentro e fora da
escola.
5 - De que modo pode cada cidadão contribuir para a sua preservação?
- O
mundo que percebemos nasce dos sentidos, a vontade de intervir e
gerenciar esse mundo é uma opção voluntária, consciente ou do
instinto de humanidade. Não consigo dividir homem e natureza porque
vivemos numa grande dependência desta, então preservar o patrimônio
edificado e natural é uma tarefa que cabe a nós, seres humanos,
cidadãos. Se cada um reproduzir em suas ações e discursos, valores
como respeito, cidadania, preservação e sustentabilidade; estiver
disposto a marcar sua reprovação perante atos de ameaça e/ou
destruição do patrimônio cultural aracajuano, ainda que este seja
perpetrado até mesmo pelas instâncias de poder, será um agente de
preservação.
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