sábado, 30 de novembro de 2013

A entrevista censurada do historiador Thiago Fragata sobre a preservação do patrimônio em Aracaju.

ENTREVISTA SOBRE PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO EM ARACAJU

Obra da 13 de julho é um aterro sobre o Rio Sergipe


Há 1 mês um certo jornal diário de Sergipe insistiu para que respondesse a uma entrevista sobre preservação do patrimônio cultural de Aracaju, daí enviou questões e dediquei madrugada e... não publicaram. Penso ter desagradado o editor, tudo bem não guardarei ressentimentos, também não guardarei a entrevista censurada. Disponho na integra para que saibam o que pensa este escriba sobre os crimes que acontecem na capital de Sergipe, cidade que engavetou seu Plano Diretor, é o paraíso das construtoras (da especulação imobilária), da "força da grana que ergue e destrói coisas belas" como diria o artista iconocrasta da sua própria obra Caetano Veloso.


ENTREVISTA

1) Qual a avaliação geral que o Senhor faz a respeito da manutenção de monumentos em Aracaju? São eles preservados? Como analisa sua manutenção, seja pelo poder público ou mesmo pela população?
– Não há como responder a questão sem fazer um preâmbulo, dada a sua complexidade e se tratar de uma cidade nova (158 anos), se comparada com a experiência histórica de outras cidades brasileiras, algumas coloniais. Preservar implica antes de tudo reconhecer sua importância histórica, ser patrimonializado através de  tombamento ou registro (medidas de proteção legal mais comuns) e criar atividades sistemáticas de manutenção (medidas preventivas) e/ou restaurações. Creio que atividades educativas, denominada por alguns “Educação Patrimonial”, encerra as ações que mediam, sustentam a afirmativa “patrimônio preservado”. Apontar um monumento em Aracaju é dizer “este é preservado” é possível, porém nem todos se acham cercado por tudo isso. Se a gente falar da esfera pública municipal aracajuana não se tem órgão que desempenhe tal função (preservar monumentos), existem apenas alguns monumentos tombados (reconhecidos como de valor histórico pelo Estado) estes são avaliados e passam por restaurações, dentro de condições e recursos disponíveis. Lembro que recentemente uma comissão da Sub-Secretaria de Patrimônio Cultural (SUBPAC) realizou uma destas avaliações, inclusive, noutros municípios. A Catedral Metropolitana que é tombada por decreto estadual recebeu recursos do Governo do Estado para sua restauração, por exemplo. O Conselho Estadual de Cultura, a Secretaria de Cultura do Estado são outros entes vinculados ao Estado com essa preocupação de zelo com o patrimônio. Evidente que é impossível angariar, alocar recursos para todos os monumentos que carecem de tombamento e urgente intervenção em Aracaju. Mas a pergunta é onde está o poder público de Aracaju nisso? E a população aracajuana? Estive semana passada no I Seminário Aracaju: Patrimônio Cultural e Proteção, promovido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional em Sergipe (IPHAN-SE), que assim como o Ministério Público Federal (MPF) vem intervindo com ações de preservação há alguns anos mesmo na ausência de monumento aracajuano tombado pelo Governo Federal. Infelizmente, não havia nenhum representante do poder público municipal em nenhum dos 3 grupos de trabalho que discutiram medidas de proteção federal a praças e bairros centrais da cidade. Esta ausência, creio, responde a pergunta. Quanto a população aracajuana, ela possui traços identitários que devem ser destacados, antes mesmo de ações educativas visando zelar, favorecer a apropriação dos bens culturais. Por exemplo, boa parte é procedente do interior e tem sua relação afetiva com o seu lugar de origem, visitado a cada fim de semana e feriadão. Aracaju é o lugar do trabalho, de passar a semana. Ações educativas é o que falta para despertar no aracajuano de uma forma mais efetiva o sentido da preservação do seu lindo patrimônio cultural. Patrimônio é algo que vai além do sentido usual “é tudo que é meu”, pois patrimônio no sentido a que estou me reportando e que aracajuanos e governo precisam sentir “é tudo que é nosso!”, isso deve ser mais que um slogan.


2 - Quais as principais causas da deterioração? O que contribui mais para o desgaste das peças: a falta de manutenção ou o próprio descaso da população para com esses monumentos, inclusive os danificando?

 - a) A salinidade em Aracaju me parece alta, tenho pouco estudo na área mas o fato da cidade, mesmo planejada, surgir à beira-mar, aterrando mangues e charcos, extinguindo riachos e desmontando morros e areais não contribui para preservação de seus monumentos. Mas a cidade venceu a natureza ou pensa que venceu... b) Decorrente disto temos a necessidade de intervenções regulares e permanentes em alguns monumentos que chegam à ruína completa antes disso. De qualquer forma, a natureza, o homem e o patrimônio edificado são elementos indissociáveis na paisagem aracajuana. c) Com ou sem álibi, a especulação imobiliária deve ocupar o primeiro lugar no quesito: desaparecimento do patrimônio de valor histórico. Aqui ela desrespeita  Plano Diretor e qualquer outra norma considerada. O que se vê e acontece em Aracaju nesse campo é absurdo, surreal. d) A ação criminosa de depredar é também um ato lastimável e presente em Aracaju. Portanto, um conjunto de fatores encerra a questão.


3 - Quais as consequências material e imaterial para a sociedade quando da degradação de monumentos que marcam a passagem histórica da cidade?

- A perda completa de referências da memória do lugar cria um sujeito que não consegue despertar o senso de preservação nem mesmo se reconhecer. Porque o sentimento de pertença ainda que por adoção do lugar escolhido para viver é importante ao bem-estar do ser humano. Sem isso como falar em capital de qualidade de vida ou qualquer outro termo que nos remeta a falsa promessa da modernidade. Digo modernidade porque Aracaju nasceu numa propaganda de cidade moderna que se renova num esforço de se atualizar regularmente. Daí uma certa neurose de seus gestores por renovar o discurso da modernidade a cada novidade, cada obra. O que há de nefasto nisso é que infelizmente não se admite acolher elementos do passado nos projetos, parece que o novo para ser novo precisa destruir o existente, e não lembrar através de adaptações, referências, o monumento ou lugar original. 


4 - O que pode e deve ser feito para que essa memória se mantenha conservada?

- Planejamento e efetivação de práticas educativas nas escolas que não se esgotem nas visitas a lugares e palestras acadêmicas mas envolvam atores da sociedade, praças, mercado, comunidades de pescadores, terreiros, etc. Sei que o desafio maior é sempre trabalhar com os adultos, os que não estão nos bancos escolares mas influenciam a forma de estar e apreender o mundo, a cidade. Sou entusiasta das intervenções artísticas nos bairros, praças, comercio, instituições públicas, etc. A arte pode muito contribuir. Em Aracaju o desafio está dentro e fora da escola.

5 - De que modo pode cada cidadão contribuir para a sua preservação?
- O mundo que percebemos nasce dos sentidos, a vontade de intervir e gerenciar esse mundo é uma opção voluntária, consciente ou do instinto de humanidade. Não consigo dividir homem e natureza porque vivemos numa grande dependência desta, então preservar o patrimônio edificado e natural é uma tarefa que cabe a nós, seres humanos, cidadãos. Se cada um reproduzir em suas ações e discursos, valores como respeito, cidadania, preservação e sustentabilidade; estiver disposto a marcar sua reprovação perante atos de ameaça e/ou destruição do patrimônio cultural aracajuano, ainda que este seja perpetrado até mesmo pelas instâncias de poder, será um agente de preservação.

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