quinta-feira, 7 de abril de 2011

Praças de Aracaju: o que os seus nomes revelam?

Francisco José Alves

Nas cidades, as praças são órgãos de importância vital. Exercem funções materiais e simbólicas. No plano simbólico, remetem a aspectos da vida coletiva, às vivências cívicas. As praças também são espaços do poder, pois nelas, geralmente, estão os edifícios da administração pública e os monumentos. O imaginário político sempre concebe a praça como local de manifestação das massas. Assim tem sido ao longo das épocas. De fato, do povo ou do poder, a praça é um espaço privilegiado. É lugar de memória. Os nomes a elas atribuídos, pelo povo ou pelas autoridades, são muito expressivos, prenhes de significados. Evidenciam, quase sempre, a luta pela memória, pelo controle do imaginário coletivo. Assim, examinemos, com cuidado, a onomástica das praças da nossa capital. Consideremos o que ela nos revela ou esconde. 
Aracaju possui, conforme cadastro oficial da prefeitura, cento e setenta e três (173) praças. Um primeiro aspecto que chama atenção, no exame das praças de Aracaju, é o caráter personalista das denominações. Delas somente oito são nomes comuns ou remetem a datas históricas. O predomínio maciço é de nomes de pessoas, mortos ilustres. Passear por nossas praças é recordar “figurões”, reais ou supostos, do passado. Além do personalismo, um outro traço flagrante na nomenclatura das praças aracajuanas é o sexismo. Isto é, a pouca presença de mulheres como patronas. 
Conforme o catálogo, Aracaju possui doze (12) praças que homenageiam mulheres. Algumas delas, pelo menos para a maioria, ilustres desconhecidas. Pode-se afirmar que, ao menos no tocante às praças, representantes do sexo feminino são pouco frequentes. Há poucas exceções, todavia. Assim, a capital possui uma praça sob o patrocínio da heroína baiana Maria Quitéria (1792-1853) e uma outra que homenageia a Princesa Isabel (1846-1921). Há ainda uma outra praça em homenagem a jornalista Cristina Souza, profissional do jornalismo, atuante na TV Sergipe nos anos de 1990. Temos ainda uma praça em homenagem as mães, assim batizada em 1987. Como se vê, é ainda muito pouco. É preciso lembrar que as mulheres representam mais da metade da população sergipana. 
A julgar pelas denominações de nossas praças, é muito pouco o papel das mulheres na história da capital e de Sergipe. Como se sabe as duas personagens históricas acima evocadas, em princípio, nada tem haver com a história local. São heroínas de fora. Sobre as outras nove (9) não disponho de informações. É de se perguntar: cadê as enfermeiras, parteiras, médicas, que dedicaram suas vidas em prol da coletividade e cuja memória deve ser cultuada? Onde estão as professoras que, durante décadas, formaram gerações, dando o melhor de si? Até onde sei, nenhuma praça lembra elas. É como se o olimpo das nossas praças fosse morada, quase, exclusiva do chamado sexo forte. Cadê as nossas “mães-de-santo”, sacerdotisas dos cultos afro-brasileiros, que, anos a fio, em décadas passadas, assistiram, com apoio espiritual e material, a gente do povo? Os seus nomes não devem ser lembrados como beneméritas da cidade? 
Os nomes das praças aracajuanas também revelam a hegemonia do catolicismo. Significativamente, Aracaju possui duas praças que homenageiam santos católicos. Uma delas, no bairro Santo Antônio, rememora Santo Antônio de Pádua, santo muito cultuado no Brasil. Uma outra, no bairro José Conrado de Araujo, alude ao Sagrado Coração de Jesus, devoção muito difundida pelo catolicismo romanizado, na primeira metade do século XX. Como se não bastasse, temos ainda, em Aracaju, onze (11) praças que homenageiam eclesiásticos: monsenhores, bispos, papas, etc. É o apanágio do clero católico. Por outro lado, nenhuma praça de Aracaju tem como nome uma divindade do panteão afro-brasileiro. Nenhuma delas, por exemplo, homenageia Iansã, Iemanjá, Oxossi, etc. Nenhuma rende homenagem a algum pai de santo de Aracaju de outrora. Por que, quase somente membros do clero católico merecem a honraria? É preciso que nossos espaços públicos espelhem o pluralismo religioso que existe na cidade. O catolicismo não é a religião única por aqui. O espaço religioso sergipano não é assim tão monocromático. 
Uma outra faceta, patente na onomástica das praças de Aracaju, é a predileção por políticos. Dezessete (17) delas cultua a memória de figuras que atuaram no legislativo e no executivo. Ao que parece, os nossos edis adoram prestar homenagem a sua própria classe. Nunca esquecem os nomes de membros de sua própria categoria para figurar como denominadores de espaços importantes da nossa capital. Presidentes, governadores, deputados, senadores e vereadores, emprestam seus nomes a espaços vitais. 
Nossas praças são verdadeiros “palanques”, cheias de evocações a políticos. Nossas praças também evocam alguns fatos históricos da vida nacional ou estadual. Desta forma, Aracaju possui uma praça que rememora data magna da história sergipana: o dezessete de março de 1855, mudança da capital de São Cristóvão para Aracaju, pelas mãos do governador Inácio Barbosa. A praça 17 de março, foi assim batizada por lei de 05 de abril de 1949. Um outro evento da história evocado nas praças de Aracaju é a FEB (Força Expedicionária Brasileira). A Praça dos expedicionários, no bairro Getúlio Vargas, relembra a participação de “pracinhas” sergipanos na Segunda Guerra Mundial (1939-1945), atuando, junto aos aliados, na Itália. A existência de uma praça ou rua com tal nomeação não é exclusividade sergipana. Muitas cidades brasileiras possuem vias que aludem a este fato histórico. 
O golpe militar de 1964 também tem sua memória cravada num espaço público da nossa capital. Fica no bairro Atalaia, a Praça 31 de março. No quinto aniversário da “revolução” (1969), a câmara municipal de Aracaju achou por bem dedicar um espaço público a evocação do famigerado evento. Era então, prefeito de Aracaju, o economista José Aloísio de Campos. 
O breve exame aqui efetuado parece tornar pertinentes algumas conclusões: A) A toponímia das praças de Aracaju é marcada por alguns quase exclusivismos. Segmentos inteiros da história e da população são, simplesmente, esquecidos. B) Numa época em que tanto se fala em inclusão social é preciso lembrar aos nossos vereadores e ao prefeito que as nomeações dos espaços públicos devem espelhar a nossa pluralidade social. A onomástica dos nossos logradouros há de ser, também ela, inclusiva.

Publicado no Jornal da Cidade, Aracaju, 5 de março de 2011. Caderno B, p. 6. Currículo Professor do Departamento de História da Universidade Federal de Sergipe. Contato: fjalves@infonet.com.br.

Fonte: Portal UFS

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