O Centro de Criatividade, visando comemorar o aniversário de 26 anos de fundação promoveu no dia 10 próximo passado, um fórum junino com o objetivo de discutir a “Contribuição dos festejos juninos para a formação da Identidade Cultural Sergipana”. Convidado para ser um dos provocadores deste tema, aceitei por acreditar que esta discussão mantém acesa a chama da defesa da cultura popular brasileira da qual o ciclo junino é um segmento. E por entender também que a melhor forma de manter a identidade cultural de um povo é oportunizar-lhe meios para que possa continuar a expressar-se produzindo cultura e (usu)fruindo da produção cultural. A identidade de um povo é uma realidade dinâmica em constante elaboração. Ao longo do processo de sua construção algumas características vão perdendo sua força, outras se acentuam. Ao interagir com outras culturas, os povos e segmentos populares reelaboram sua própria produção simbólica. Entre as instituições que exercem influência cultural, citamos o poder político e econômico representados , entre outros, por agentes públicos e meios de comunicação. Mas é a própria população que deve assumir-se como protagonista de sua vida incluindo sua cultura.
Para nós sergipanos, o ciclo junino é um período denso de significado. Seu traço mais marcante é a celebração da festividade através da dança e da música como momento de participação efetiva do povo. Como afirmei em outra oportunidade, “a festividade se apóia em memória e crenças comuns, alimenta esperanças coletivas, celebra a vida, favorece a gratuidade do criar, o compartilhar desinteressado, o reencontro com a alegria de viver e do conviver que reconcilia o homem consigo, como os outros, com o cosmos, lembrando-o que a felicidade é direito e meta de todos”(CD Vozes e Toques Sergipanos).
Megashows x celebração festiva
Sem querer ser pessimista, nem muito menos saudosista, tenho constatado que o ciclo junino em Sergipe, está perdendo o sentido de celebração, de efetiva participação da população. Basta verificar o que ocorre com a música e a dança, duas expressões mais representativas deste ciclo. Tem sido crescente a sua desvalorização causada pela ganância dos grupos que comandam a indústria cultural dos mega-shows e pela permanente ausência de uma política pública comprometida com os valores da cultura popular. A união destes dois fatores negativos tem causado desgaste, prejuízo e humilhação a artistas deste ciclo e, sobretudo, tem privado o povo do prazer da dança, da alegria do brincar. Os mega-shows musicais que primam pela espetacularização, são vendidos como entretenimentos a uma platéia de consumidores que já não dançam nem cantam, mas são expectadores da exibição do que acontece no palco’.
A transformação de Aracaju num grande pólo dos festejos juninos com dois grandes espaços, um situado no mercado municipal e outro na orla da Atalaia, tem prejudicado sensivelmente os demais bairros e as cidades que integram a grande Aracaju. Em pouco tempo o pólo denominado de Forró Caju do mercado municipal apagou literalmente as fogueiras da tradicional rua São João bem como o brilho dos festejos que se realizavam nas ruas do bairro Santo Antônio.
A programação junina em todo estado tem se tornado repetitiva. Tem acontecido a cada ano, uma homogeneização da programação na qual se priorizam os artistas de fora e as bandas de forró eletrônico, colocando-os nos melhores horários, nos maiores palcos, com maiores cachês, em detrimento dos trios de forró e grupos dos artistas locais.. Como exemplo de desvalorização do artista local, basta olhar a propaganda veiculada nas revistas de circulação nacional e na imprensa local, sobre o Forró Caju: um cartaz com o rosto de vários artistas nordestinos, mas nenhum sergipano! Para enfrentamento desta questão, sem dúvida, desagradável, humilhante, não basta uma legislação que estabeleça critérios justos e transparentes. É necessário vontade política por parte dos gestores públicos e evidentemente, senso ético. Vontade política ligada mais ao fazer do que ao dizer.Vale aqui citar o exemplo que está acontecendo atualmente no Estado da Paraíba. O secretário de Cultura daquele Estado, Chico César decidiu não liberar verbas para as prefeituras contratarem as bandas de “forró de plástico”. A reação a esta sua decisão, diz matéria veiculada na imprensa, foi como “soltar um busca-pé numa sala de reboco lotada.” (Folha de São Paulo. E 4 Ilustrada, Edição de 8 de maio de 2011. RAIZ FORTE). É importante observar que a decisão do secretário Chico César teve total apoio do governador e de outros artistas de renome nacional.
Há quem defenda que esta realidade a que chegou o ciclo junino em Sergipe, seja irreversível, decorrente da dinâmica dos fatos. Afinal a sua espetacularização não tem aumentado o fluxo turístico, inclusive trazendo mais divisas para o comércio local? A concentração dos espetáculos não tem sido uma boa para o marketing das empresas financiadoras e também um excelente palco para maior visibilidade dos políticos, especialmente quando é ano eleitoral? Admitir este raciocínio é concordar que tudo está bom, tudo está bonito. Apatia por parte da sociedade civil, conformismo ou silêncio por parte da maioria dos artistas que se acreditam na condição de nada poder dizer. E é isto o que os grupos que se apropriam dos valores da cultura do povo e os gestores inescrupulosos querem que aconteça.
Será que tudo está perdido?
Acredito que não. Muita coisa pode ser feita. Um ponto de partida é não ficar de braços cruzados, esperando que tudo venha das mãos do poder público, como benesse do líder político. Isto não significa que não se deva exigir do gestor político a responsabilidade de administrar bem as coisas públicas. É importante que a população discuta através de suas associações as possíveis formas para resgatar sua efetiva participação nas manifestações do ciclo junino e estimular o direito à alegria, ao lazer sadio na volta da celebração festiva deste ciclo
Revitalizar o ciclo junino não pode ser entendido como saudosismo ou um simples retorno ao passado. Queremos aqui lembrar que há uma relação dinâmica entre passado, presente e futuro. Entender a relação entre memória e história é uma chave importante para quem quer conhecer a realidade atual e propor ações afirmativas para sua transformação. Lembro um pensamento do filósofo Bergson ”A memória que se atualiza no presente, e que se move do passado em direção ao presente, não se detêm nele; pela própria natureza contínua da duração, ela é portadora do futuro.” A história do ciclo junino, com toda sua plasticidade, toda sua beleza, toda sua riqueza de significados, continua muito viva na memória da população, especialmente dos moradores dos bairros mais populares mais antigos. Como aproveitar este potencial?
Algumas sugestões
O filósofo cubano José Martí dizia que “ O fazer, é a melhor forma do dizer. ” Creio que o objetivo deste Fórum Junino foi indagar a cada um de nós,(população, gestores públicos, artistas, empresários, mídia) do lugar onde estamos, o que podemos fazer ante a questão do ciclo junino e a identidade sergipana . Eis algumas sugestões:
· A criação de Pólos-Arraiais nos bairros, com infra-estrutura necessária para boas apresentações e dança de forró.
· Estimular os moradores dos conjuntos e condomínios a fazerem seu São João.
· Resgatar e devolver aos moradores das comunidades, os espaços denominados de “Barracões Culturais” que foram construídos com dinheiro público e hoje se encontram abandonados ou invadidos. Fazer circular nestes barracões artistas locais com programação semanal.
· Buscar com a população local, iniciativas que possam reativar, brincadeiras como ‘O Arraial do Arranca Unha’ e revitalização de espaços como, a ‘Rua São João,’ ‘Espaço Cultural o Gonzagão’.
· As danças do ciclo junino (forró, quadrilhas, côco de roda) poderiam se constituir em matéria de ensino nas escolas, e de dinamização nos barracões culturais visando a integração da geração jovem com os valores deste ciclo.
· Apoiar as quadrilhas no sentido de que elas encontrem um equilíbrio entre o tradicional e o contemporâneo (estilização) estimulando-as a manter maior envolvimento com a comunidade, através da realização de um trabalho sócio-educativo junto à juventude, pessoas de terceira idade...sem perder a dimensão de ser uma expressão cultural que devolva ao povo o direito à alegria e do divertir-se coletivamente.
· Mantendo a similaridade com o Festival de Verão, promover sempre no mês de maio um Grande Forró da Juventude, com a participação de jovens sanfoneiros de todo o Brasil, interiorizando este festival nos centros maiores dos oito territórios sergipanos.
· Manter acesa a chama do Fórum de Forró de Aracaju, evitando deixar para última hora as providências necessárias para sua realização.
· Criar uma comissão mista (poder público, sociedade civil, representante dos artistas) para definir critérios transparentes para programação de shows pagos com o dinheiro público.
Como disse antes, cada um a seu modo, pode contribuir para a revitalização do ciclo junino. Esta é uma luta de todos na qual a responsabilidade maior deve ser dos gestores públicos. Esses tem o dever de induzir políticas e destinar recursos a eventos que valorizem os artistas, os espaços e equipamentos relativos a este ciclo para que a população possa expressar sua alegria de viver, celebrando esta festividade como participante efetivo e não como simples espectador.
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