Belo Monte. ''O capital fala alto, é o maior Deus do mundo''. Entrevista especial com Ignez Wenzel
Todas as informações estão sendo dominadas por essa democracia ditatorial, que nunca pensei que pudesse existir. Ela é ainda pior que a militar, porque é enganosa, porque diz ser uma coisa e é outra”, afirma a religiosa.
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Confira a entrevista.
Há 35 anos, Irmã Ignez Wenzel deixou as atividades que desenvolvia no Colégio São João, em Porto Alegre, onde trabalhava junto aos lassalistas, para abraçar a causa dos colonos que migraram para o Pará em função da construção da Rodovia Transamazônica (BR-230). Em Medicilândia (PA) e Altamira (PA), iniciou os trabalhos pastorais, visitando mais de 80 comunidades, onde pôde observar de perto o abandono do Estado e os problemas sociais que se arrastam há anos na região.
Atualmente, ela vive em Altamira (PA), e está engajada com o Movimento Xingu Vivo para Sempre na luta contra a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte. Em visita ao Rio Grande do Sul, Irmã Ignez recebeu a IHU On-Line no Convento Monte Alverne, onde concedeu a entrevista a seguir. Por trás da voz tranquila, encontramos uma mulher incansável, que conhece as mazelas do interior paraense e está disposta a continuar lutando em defesa da vida, a exemplo de São Francisco de Assis.
Depois de conviver mais de três décadas do outro lado do país, ela é enfática: “O que mais me indigna é a incompetência, a incapacidade do povo do Sul e do Centro querer julgar a situação do povo do Norte”, referindo-se à intolerância e ao descaso do governo federal com as populações que dependem do Rio Xingu para sobreviver.
Na entrevista a seguir, ela explica quais são as contradições da usina hidrelétrica de Belo Monte e critica o posicionamento de alguns cristãos, que não se manifestam em relação aos problemas sociais e ambientais da região. “A voz maior é a do bispo, Dom Erwin Kräutler, e muitos já se sentem contemplados com a fala dele. É uma lastima. Nem todas as religiosas estão engajadas com estas questões”, lamenta.
Confira a entrevista.
Há 35 anos, Irmã Ignez Wenzel deixou as atividades que desenvolvia no Colégio São João, em Porto Alegre, onde trabalhava junto aos lassalistas, para abraçar a causa dos colonos que migraram para o Pará em função da construção da Rodovia Transamazônica (BR-230). Em Medicilândia (PA) e Altamira (PA), iniciou os trabalhos pastorais, visitando mais de 80 comunidades, onde pôde observar de perto o abandono do Estado e os problemas sociais que se arrastam há anos na região.
Atualmente, ela vive em Altamira (PA), e está engajada com o Movimento Xingu Vivo para Sempre na luta contra a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte. Em visita ao Rio Grande do Sul, Irmã Ignez recebeu a IHU On-Line no Convento Monte Alverne, onde concedeu a entrevista a seguir. Por trás da voz tranquila, encontramos uma mulher incansável, que conhece as mazelas do interior paraense e está disposta a continuar lutando em defesa da vida, a exemplo de São Francisco de Assis.
Depois de conviver mais de três décadas do outro lado do país, ela é enfática: “O que mais me indigna é a incompetência, a incapacidade do povo do Sul e do Centro querer julgar a situação do povo do Norte”, referindo-se à intolerância e ao descaso do governo federal com as populações que dependem do Rio Xingu para sobreviver.
Na entrevista a seguir, ela explica quais são as contradições da usina hidrelétrica de Belo Monte e critica o posicionamento de alguns cristãos, que não se manifestam em relação aos problemas sociais e ambientais da região. “A voz maior é a do bispo, Dom Erwin Kräutler, e muitos já se sentem contemplados com a fala dele. É uma lastima. Nem todas as religiosas estão engajadas com estas questões”, lamenta.
Irmã Ignez também denuncia as artimanhas do governo e da Norte Energia, empresa responsável pela construção, operação e manutenção da hidrelétrica de Belo Monte, para cooptar indígenas e ribeirinhos que estavam engajados com as manifestações contra a hidrelétrica, e a postura da Advocacia Geral da União - AGU, que solicitou o afastamento do procurador da República Felício Pontes Jr. nos processos que envolvem a construção de usinas hidrelétricas. “Ele era nosso grande líder, estava ao nosso lado, era coerente, de pé no chão. O governo está nos tirando o último fio que nos esquentava na solidão, a nossa força legal, Felício Pontes”, afirma.
Ignez Wenzel é graduada em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS e em Teologia pela Pontíficia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS. É religiosa da Congregação das Irmãs Franciscanas da Penitência e Caridade Cristã.
Ignez Wenzel é graduada em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS e em Teologia pela Pontíficia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS. É religiosa da Congregação das Irmãs Franciscanas da Penitência e Caridade Cristã.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Desde quando a senhora vive em Altamira, no Pará? Pode nos contar um pouco da sua trajetória?
Ignez Wenzel – Estou em Altamira há 35 anos. Fui morar no Pará porque Dom Eurico Kräutler, tio de Dom Erwin, veio a Porto Alegre pedir socorro para a Igreja da cidade. Ele queria que enviassem irmãs, irmãos e padres para Altamira porque, em função da construção da Rodovia Transamazônica, milhares de famílias de colonos migraram para a região e não havia padres que pudessem assistir essas pessoas e tampouco escolas para as crianças. Três congregações foram enviadas para lá: os Lassalistas, as Irmãs Escolares de Nossa Senhora, nós, Irmãs Franciscanas da Penitência e Caridade Cristã, e três padres diocesanos.
As Irmãs Escolares de Nossa Senhora abriram escolas em Brasil Novo (PA), nós nos instalamos em Medicilândia (PA), os Lassalistas, em Uruará (PA), e os padres diocesanos atuaram nas três regiões, atendendo o povo e organizando as comunidades. O projeto de colonização visava dividir os imigrantes de acordo com a sua origem, para que o povo brigasse entre si e não com o governo. A ideia era dividir para dominar. Então, a Igreja católica foi o centro das atenções no sentido de dar apoio a esse povo inseguro e abandonado, através das Comunidades Eclesiais de Base. Em 1987, surgiram os primeiros municípios na região e as comunidades passaram a ter autonomia e a se organizar como estrutura política e social de defesa da própria comunidade.
Eu morei durante treze anos em Medicilândia, onde trabalhava diretamente com o povo e visitava cerca de 80 comunidades, onde formávamos lideranças. Quando mudei para Altamira, ajudei a articular os movimentos sociais com as pastorais.
Luta
Hoje moro em Altamira, e participo da luta contra a construção de Belo Monte, um projeto que se estende desde a década de 1980. Em 1989, nós participamos de uma grande mobilização contra a construção da hidrelétrica: mais de 800 indígenas do Brasil e de outros países participaram.
Na ocasião, o governo federal pleiteou um empréstimo com Banco Mundial para construir a hidrelétrica, mas os organismos sociais conseguiram barrar esse empréstimo e a discussão acerca da construção da hidrelétrica ficou adormecida. Depois dos anos 2000, o debate reascendeu e começamos a discutir a questão novamente. Em 2007, realizamos um encontro com todos os caciques indígenas e foi nesta ocasião que adotamos o nome Xingu Vivo para Sempre, após um dos caciques gritar: “Nós queremos o Xingu vivo para sempre”. Percebemos aí uma filosofia de vida e desde então nos tornamos o Movimento Xingu Vivo para Sempre.
Nesta ocasião, os indígenas pediram para organizarmos uma grande mobilização envolvendo a sociedade civil a fim de discutir as implicações da construção de Belo Monte. Reunimos cerca de cinco mil pessoas. Os indígenas coordenaram parte do evento onde todo mundo teve direito de fala, inclusive o governo e os representantes da Eletrobrás. Durante a explanação do representante da Eletrobrás os indígenas começaram a dançar, demonstrando que não estavam satisfeitos com os argumentos dele. Ao manifestar que também não concordava com os indígenas, o representante da Eletrobrás caiu no meio deles e sofreu um pequeno corte no braço. Algumas pessoas ainda respondem processo com a alegação de terem armado os indígenas. Mas não foi isso que aconteceu. Essas pessoas apenas possibilitaram os ornamentos necessários para uma manifestação digna da cultura deles. Em função desse incidente, nós entramos em crise e acabamos cancelando uma passeata que iria ocorrer na cidade. Porém, não cancelamos o evento.
IHU On-Line - Como a população que reside em Altamira reage diante da construção de Belo Monte? Os moradores participam das manifestações e demonstram um posicionamento em relação ao projeto da hidrelétrica?
Ignez Wenzel – O governo sempre consegue intimidar a população com ameaças. Muitas pessoas são contra a construção da hidrelétrica, mas dizem que não podem fazer nada em relação à decisão de construí-la. A maioria do povo é contra a barragem, mas não tem condições psicológicas de reagir. A Norte Energia e o governo têm estratégias: eles estudam as lideranças para depois cooptá-las. Agiram assim com os ribeirinhos e fizeram o mesmo com os indígenas. Recentemente, nós (civis, movimentos do Brasil inteiro e indígenas) estávamos acampados em cima de um canteiro de obras de Belo Monte, quando, de repente, as lideranças indígenas desapareceram e, ao voltarem, o cacique ordenou que recolhessem suas coisas e fossem embora. Ninguém entendeu esta atitude. Quando eles chegaram no município de Conceição do Araguaia (PA), o cacique fez várias compras. O que aconteceu? A Norte Energia os chamou, deu dinheiro e nos deixou com as “calças na mão”.
Na semana passada, fizemos um protesto por causa do início das obras da hidrelétrica, barrando uma região do Xingu. Levamos duas faixas: uma de quarenta e outra de 15 metros de comprimento, onde dizíamos que não queremos Belo Monte. Barramos por uma hora e não deixamos os caminhões passar porque Belo Monte é contra a lei, contra a Constituição.
IHU On-Line – Como a senhora se sente quando vê os casos de cooptação dos indígenas e ribeirinhos que estavam engajados nesta luta?
Ignez Wenzel – Eles serão prejudicados, ficarão sem as terras, sem a sua cultura, e serão os futuros “beirantes de estradas”. Sentimos uma indignação que quase não conseguimos expressar. Os ribeirinhos são ainda mais frágeis do que os indígenas, porque eles moram sozinhos e não têm um clã. Um ribeirinho ganhou 900 mil reais pelo seu lote e arrastou mais 12 pessoas com ele. Eles vão viver em uma terra seca. O rio vai secar mais ou menos 140 quilômetros.
Apesar de tudo isso, continuamos a nossa luta e temos vários centros de Xingu Vivo espalhados pelo Brasil, nas cidades de Belém, São Paulo, Santa Catarina, São Leopoldo. A índia Sheila Juruna e Antônia Melo já foram para os EUA e para a Europa, conseguimos entrar com uma ação na Corte Interamericana, mas o governo brasileiro disse que isso era uma banalidade e que nada do que estamos falando era verdade. Notamos que os governos Lula e Dilma têm a seguinte filosofia: “Acolham todo mundo, mas toquem para frente, não parem”. Pessoalmente, estou muito aflita porque o Xingu fica no meio da Amazônia, onde está prevista a construção de mais de 300 barragens até 2050. O que vai sobrar do ecossistema? Os colonos não podem derrubar uma árvore, e os envolvidos com Belo Monte desmataram uma área enorme. Essa madeira está parada e será utilizada para outros fins.
Dilemas sociais
O sistema econômico nos explora. Desde a construção da Rodovia Transamazônica, milhares de pessoas migraram para Altamira e a cidade continua com os mesmos hospitais, a mesma infraestrutura. As pessoas que trabalham em torno de Belo Monte sempre têm prioridade nos atendimentos hospitalares. A população já fez manifestos contra isto, mas nada acontece porque a prefeitura é dirigida pela "Norte Energia".
As escolas, as estradas e os postos de saúde prometidos ainda não foram construídos. O fedor das ruas continua o mesmo de vinte anos atrás. Em um determinado momento da construção de Belo Monte, Altamira irá receber 18 mil trabalhadores e em torno de cem mil habitantes. Hoje os universitários que chegam do interior dormem em cima de colchonetes, têm de procurar comida e geralmente não encontram nada para comprar. O preço dos aluguéis aumentou mais de 300%, enquanto que os chefes de Belo Monte moram em apartamentos que têm custo alto e são pagos pela Norte Energia.
IHU On-Line – A Igreja continua engajada na busca de solução para esses problemas, como estava há 35 anos? Como os membros da Igreja se posicionam diante de Belo Monte e desses dilemas sociais?
Ignez Wenzel – Alguns estão atuando junto com o movimento Xingu Vivo para Sempre, mas dentro da Igreja também tem pessoas que sentem medo. A voz maior é a do bispo e muitos já se sentem contemplados com a fala dele. É uma lastima. Nem todos estão engajados com estas questões.
IHU On-Line – Desde quando a senhora vive em Altamira, no Pará? Pode nos contar um pouco da sua trajetória?
Ignez Wenzel – Estou em Altamira há 35 anos. Fui morar no Pará porque Dom Eurico Kräutler, tio de Dom Erwin, veio a Porto Alegre pedir socorro para a Igreja da cidade. Ele queria que enviassem irmãs, irmãos e padres para Altamira porque, em função da construção da Rodovia Transamazônica, milhares de famílias de colonos migraram para a região e não havia padres que pudessem assistir essas pessoas e tampouco escolas para as crianças. Três congregações foram enviadas para lá: os Lassalistas, as Irmãs Escolares de Nossa Senhora, nós, Irmãs Franciscanas da Penitência e Caridade Cristã, e três padres diocesanos.
As Irmãs Escolares de Nossa Senhora abriram escolas em Brasil Novo (PA), nós nos instalamos em Medicilândia (PA), os Lassalistas, em Uruará (PA), e os padres diocesanos atuaram nas três regiões, atendendo o povo e organizando as comunidades. O projeto de colonização visava dividir os imigrantes de acordo com a sua origem, para que o povo brigasse entre si e não com o governo. A ideia era dividir para dominar. Então, a Igreja católica foi o centro das atenções no sentido de dar apoio a esse povo inseguro e abandonado, através das Comunidades Eclesiais de Base. Em 1987, surgiram os primeiros municípios na região e as comunidades passaram a ter autonomia e a se organizar como estrutura política e social de defesa da própria comunidade.
Eu morei durante treze anos em Medicilândia, onde trabalhava diretamente com o povo e visitava cerca de 80 comunidades, onde formávamos lideranças. Quando mudei para Altamira, ajudei a articular os movimentos sociais com as pastorais.
Luta
Hoje moro em Altamira, e participo da luta contra a construção de Belo Monte, um projeto que se estende desde a década de 1980. Em 1989, nós participamos de uma grande mobilização contra a construção da hidrelétrica: mais de 800 indígenas do Brasil e de outros países participaram.
Na ocasião, o governo federal pleiteou um empréstimo com Banco Mundial para construir a hidrelétrica, mas os organismos sociais conseguiram barrar esse empréstimo e a discussão acerca da construção da hidrelétrica ficou adormecida. Depois dos anos 2000, o debate reascendeu e começamos a discutir a questão novamente. Em 2007, realizamos um encontro com todos os caciques indígenas e foi nesta ocasião que adotamos o nome Xingu Vivo para Sempre, após um dos caciques gritar: “Nós queremos o Xingu vivo para sempre”. Percebemos aí uma filosofia de vida e desde então nos tornamos o Movimento Xingu Vivo para Sempre.
Nesta ocasião, os indígenas pediram para organizarmos uma grande mobilização envolvendo a sociedade civil a fim de discutir as implicações da construção de Belo Monte. Reunimos cerca de cinco mil pessoas. Os indígenas coordenaram parte do evento onde todo mundo teve direito de fala, inclusive o governo e os representantes da Eletrobrás. Durante a explanação do representante da Eletrobrás os indígenas começaram a dançar, demonstrando que não estavam satisfeitos com os argumentos dele. Ao manifestar que também não concordava com os indígenas, o representante da Eletrobrás caiu no meio deles e sofreu um pequeno corte no braço. Algumas pessoas ainda respondem processo com a alegação de terem armado os indígenas. Mas não foi isso que aconteceu. Essas pessoas apenas possibilitaram os ornamentos necessários para uma manifestação digna da cultura deles. Em função desse incidente, nós entramos em crise e acabamos cancelando uma passeata que iria ocorrer na cidade. Porém, não cancelamos o evento.
IHU On-Line - Como a população que reside em Altamira reage diante da construção de Belo Monte? Os moradores participam das manifestações e demonstram um posicionamento em relação ao projeto da hidrelétrica?
Ignez Wenzel – O governo sempre consegue intimidar a população com ameaças. Muitas pessoas são contra a construção da hidrelétrica, mas dizem que não podem fazer nada em relação à decisão de construí-la. A maioria do povo é contra a barragem, mas não tem condições psicológicas de reagir. A Norte Energia e o governo têm estratégias: eles estudam as lideranças para depois cooptá-las. Agiram assim com os ribeirinhos e fizeram o mesmo com os indígenas. Recentemente, nós (civis, movimentos do Brasil inteiro e indígenas) estávamos acampados em cima de um canteiro de obras de Belo Monte, quando, de repente, as lideranças indígenas desapareceram e, ao voltarem, o cacique ordenou que recolhessem suas coisas e fossem embora. Ninguém entendeu esta atitude. Quando eles chegaram no município de Conceição do Araguaia (PA), o cacique fez várias compras. O que aconteceu? A Norte Energia os chamou, deu dinheiro e nos deixou com as “calças na mão”.
Na semana passada, fizemos um protesto por causa do início das obras da hidrelétrica, barrando uma região do Xingu. Levamos duas faixas: uma de quarenta e outra de 15 metros de comprimento, onde dizíamos que não queremos Belo Monte. Barramos por uma hora e não deixamos os caminhões passar porque Belo Monte é contra a lei, contra a Constituição.
IHU On-Line – Como a senhora se sente quando vê os casos de cooptação dos indígenas e ribeirinhos que estavam engajados nesta luta?
Ignez Wenzel – Eles serão prejudicados, ficarão sem as terras, sem a sua cultura, e serão os futuros “beirantes de estradas”. Sentimos uma indignação que quase não conseguimos expressar. Os ribeirinhos são ainda mais frágeis do que os indígenas, porque eles moram sozinhos e não têm um clã. Um ribeirinho ganhou 900 mil reais pelo seu lote e arrastou mais 12 pessoas com ele. Eles vão viver em uma terra seca. O rio vai secar mais ou menos 140 quilômetros.
Apesar de tudo isso, continuamos a nossa luta e temos vários centros de Xingu Vivo espalhados pelo Brasil, nas cidades de Belém, São Paulo, Santa Catarina, São Leopoldo. A índia Sheila Juruna e Antônia Melo já foram para os EUA e para a Europa, conseguimos entrar com uma ação na Corte Interamericana, mas o governo brasileiro disse que isso era uma banalidade e que nada do que estamos falando era verdade. Notamos que os governos Lula e Dilma têm a seguinte filosofia: “Acolham todo mundo, mas toquem para frente, não parem”. Pessoalmente, estou muito aflita porque o Xingu fica no meio da Amazônia, onde está prevista a construção de mais de 300 barragens até 2050. O que vai sobrar do ecossistema? Os colonos não podem derrubar uma árvore, e os envolvidos com Belo Monte desmataram uma área enorme. Essa madeira está parada e será utilizada para outros fins.
Dilemas sociais
O sistema econômico nos explora. Desde a construção da Rodovia Transamazônica, milhares de pessoas migraram para Altamira e a cidade continua com os mesmos hospitais, a mesma infraestrutura. As pessoas que trabalham em torno de Belo Monte sempre têm prioridade nos atendimentos hospitalares. A população já fez manifestos contra isto, mas nada acontece porque a prefeitura é dirigida pela "Norte Energia".
As escolas, as estradas e os postos de saúde prometidos ainda não foram construídos. O fedor das ruas continua o mesmo de vinte anos atrás. Em um determinado momento da construção de Belo Monte, Altamira irá receber 18 mil trabalhadores e em torno de cem mil habitantes. Hoje os universitários que chegam do interior dormem em cima de colchonetes, têm de procurar comida e geralmente não encontram nada para comprar. O preço dos aluguéis aumentou mais de 300%, enquanto que os chefes de Belo Monte moram em apartamentos que têm custo alto e são pagos pela Norte Energia.
IHU On-Line – A Igreja continua engajada na busca de solução para esses problemas, como estava há 35 anos? Como os membros da Igreja se posicionam diante de Belo Monte e desses dilemas sociais?
Ignez Wenzel – Alguns estão atuando junto com o movimento Xingu Vivo para Sempre, mas dentro da Igreja também tem pessoas que sentem medo. A voz maior é a do bispo e muitos já se sentem contemplados com a fala dele. É uma lastima. Nem todos estão engajados com estas questões.
IHU On-Line - Dom Erwin está à frente como bispo, mas terá de deixar o cargo ao completar 75 anos. Quem poderá assumir o cargo dele? Como ficará a luta contra a construção da usina, considerando que ele é visto como referência hoje?
Ignez Wenzel – Ainda não tivemos tempo de pensar na saída de Dom Erwin, mas talvez ele seja substituido por um bispo de fora. Devido as circunstâncias, certametamente haverá mudanças. A nossa prelazia começa no Mato Grosso e termina em Macapá, no estado do Amapá, no outro lado do rio Amazonas. É uma extensão muito grande e não há como atender a todos.
Este ano, Dom Erwin completará 73 anos, e aos 75 tem de avisar ao Papa que está na hora de deixar o cargo, mas nem sempre o Papa atente logo. Portanto, poderá ficar mais alguns anos ou poderá sair em seguida. Mesmo deixando o cargo, não deixará de lutar; talvez disponha de mais tempo. De toda maneira, não deixará de ser uma liderança nossa; liderança não se prende.
IHU On-Line – Ele continuará sendo influente nesta luta?
Ignez Wenzel – Sim, porque será sempre o bispo do Xingu. Quando se aposentar, ele será “emérito”, e aí vão dizer que ele tem muito mérito. (Risos)
IHU On-Line – A senhora percebeu alguma mudança no debate sobre Belo Monte após a saída de Ana Júlia Carepa (PT) e a entrada de Simão Jatene (PSDB) no governo estadual?
Ignez Wenzel – Não gosto do partido atual porque ele não tem uma postura solidária, mas, por outro lado, foi ele quem deu o grito de que o governo federal do PT desrespeita a lei do Estado.
Em função do PT, o movimento Xingu Vivo para Sempre ficou dividido. Nós trabalhávamos dentro da Fundação Viver, Produzir, Preservar e fomos expulsos. Pedimos ajuda ao bispo, para termos um espaço para reunir as pessoas e não sermos manipulados. Dói muito ver que os mesmos companheiros e colegas que lutaram para conseguir melhorias sociais não estão mais do nosso lado. Em relação à Ana Júlia, posso dizer que não fez quase nada.
IHU On-Line – Como a mídia paraense atua em relação a Belo Monte?
Ignez Wenzel – A mídia paraense aparece quando os veículos de outros estados pedem informação. A TV Cidade Livre, da Prelazia, tem um jornal diário de 30 minutos e é favorável à luta contra Belo Monte. Somente as rádios comunitárias divulgam informações, as demais estão fechadas para esta questão. Todas as informações estão sendo dominadas por essa democracia ditatorial, que nunca pensei que pudesse existir. Ela é ainda pior que a militar, porque é enganosa, porque diz ser uma coisa e é outra.
IHU On-Line - O que mais lhe causa indignação?
Ignez Wenzel – O que mais me indigna é a incompetência, a incapacidade do povo do Sul e do Centro querer julgar a situação do povo do Norte. A presidente Dilma declarou o seguinte, recentemente: “Nós vamos tirar esse povo que vive em palafita da miséria”. Há dois erros nessa afirmação: o povo não vive na miséria; vive na pobreza, pois eles estão cuidando da alimentação; e palafita é um tipo de construção necessária na Amazônia, onde, em determinados meses, as casas próximas ao rio ficam debaixo d’água caso não sejam construídas no alto. A fala dela demonstra a falta de compreensão do que é a Amazônia. O governo também não entende o que é a floresta e a biodiversidade.
Há comentários de que o interesse do governo não é a construção da hidrelétrica e, sim, o minério que tem na região. No período de estiagem, provavelmente, a hidrelétrica não irá gerar energia. Para que gastar 31 bilhões com uma coisa que não funciona? Quando a Irmã Dorothy esteve no Canadá, disse que em uma reunião foi dito que Belo Monte é necessário para viabilizar os trabalhos na mineração, ou seja, ao secar o rio, a água deixará de ser um incômodo.
Ignez Wenzel – Ainda não tivemos tempo de pensar na saída de Dom Erwin, mas talvez ele seja substituido por um bispo de fora. Devido as circunstâncias, certametamente haverá mudanças. A nossa prelazia começa no Mato Grosso e termina em Macapá, no estado do Amapá, no outro lado do rio Amazonas. É uma extensão muito grande e não há como atender a todos.
Este ano, Dom Erwin completará 73 anos, e aos 75 tem de avisar ao Papa que está na hora de deixar o cargo, mas nem sempre o Papa atente logo. Portanto, poderá ficar mais alguns anos ou poderá sair em seguida. Mesmo deixando o cargo, não deixará de lutar; talvez disponha de mais tempo. De toda maneira, não deixará de ser uma liderança nossa; liderança não se prende.
IHU On-Line – Ele continuará sendo influente nesta luta?
Ignez Wenzel – Sim, porque será sempre o bispo do Xingu. Quando se aposentar, ele será “emérito”, e aí vão dizer que ele tem muito mérito. (Risos)
IHU On-Line – A senhora percebeu alguma mudança no debate sobre Belo Monte após a saída de Ana Júlia Carepa (PT) e a entrada de Simão Jatene (PSDB) no governo estadual?
Ignez Wenzel – Não gosto do partido atual porque ele não tem uma postura solidária, mas, por outro lado, foi ele quem deu o grito de que o governo federal do PT desrespeita a lei do Estado.
Em função do PT, o movimento Xingu Vivo para Sempre ficou dividido. Nós trabalhávamos dentro da Fundação Viver, Produzir, Preservar e fomos expulsos. Pedimos ajuda ao bispo, para termos um espaço para reunir as pessoas e não sermos manipulados. Dói muito ver que os mesmos companheiros e colegas que lutaram para conseguir melhorias sociais não estão mais do nosso lado. Em relação à Ana Júlia, posso dizer que não fez quase nada.
IHU On-Line – Como a mídia paraense atua em relação a Belo Monte?
Ignez Wenzel – A mídia paraense aparece quando os veículos de outros estados pedem informação. A TV Cidade Livre, da Prelazia, tem um jornal diário de 30 minutos e é favorável à luta contra Belo Monte. Somente as rádios comunitárias divulgam informações, as demais estão fechadas para esta questão. Todas as informações estão sendo dominadas por essa democracia ditatorial, que nunca pensei que pudesse existir. Ela é ainda pior que a militar, porque é enganosa, porque diz ser uma coisa e é outra.
IHU On-Line - O que mais lhe causa indignação?
Ignez Wenzel – O que mais me indigna é a incompetência, a incapacidade do povo do Sul e do Centro querer julgar a situação do povo do Norte. A presidente Dilma declarou o seguinte, recentemente: “Nós vamos tirar esse povo que vive em palafita da miséria”. Há dois erros nessa afirmação: o povo não vive na miséria; vive na pobreza, pois eles estão cuidando da alimentação; e palafita é um tipo de construção necessária na Amazônia, onde, em determinados meses, as casas próximas ao rio ficam debaixo d’água caso não sejam construídas no alto. A fala dela demonstra a falta de compreensão do que é a Amazônia. O governo também não entende o que é a floresta e a biodiversidade.
Há comentários de que o interesse do governo não é a construção da hidrelétrica e, sim, o minério que tem na região. No período de estiagem, provavelmente, a hidrelétrica não irá gerar energia. Para que gastar 31 bilhões com uma coisa que não funciona? Quando a Irmã Dorothy esteve no Canadá, disse que em uma reunião foi dito que Belo Monte é necessário para viabilizar os trabalhos na mineração, ou seja, ao secar o rio, a água deixará de ser um incômodo.
IHU On-Line - Qual a situação das comunidades que vivem em Tucuruí? A vida delas mudou após a construção da hidrelétrica?
Ignez Wenzel – A hidrelétrica de Tucuruí foi construída há 25 anos e os pobres vivem debaixo da linha de alta tensão, sem acesso à energia. Tucuruí é pobre, miserável. Muitos moradores foram expulsos de lá e mudaram para Altamira, de onde serão expulsos novamente.
Em função de Belo Monte, Altamira irá enfrentar um problema gravíssimo de consumo de drogas e exploração sexual de meninas e adolescentes.
Altamira não foi preparada para as transformações geradas pela Rodovia Transamazônica. Vi colonos passarem fome colhendo quinhentos sacos de arroz, porque não tinham como trazer o alimento para a cidade. O jeito de eles sobreviverem é encostar-se na cidade para, pelo menos, deixar os meninos estudarem e dar um jeito vendendo picolé, engraxando sapatos. A cidade inchou, já têm mais de cem mil pessoas, e apenas 6% das casas têm água encanada.
IHU On-Line – Além do medo de as pessoas manifestarem opinião, a que atribui o aumento desses problemas sociais e a falta de mobilização?
Ignez Wenzel – Na época da ditadura, todo mundo calava com medo de ser preso. Os poucos que falaram foram mortos. De modo geral, a população não tem estudo. As nossas escolas são tão fracas, que passam todos os alunos para frente. Parece que o governo não quer povo culto; quer gente de cabresto. Por isso nós fomos contra a divisão do Pará, pois caso o estado fosse dividido, teríamos mais ladrões. Com essa discussão, poderíamos ter feito uma boa reflexão, mas nenhum partido político fez isso.
IHU On-Line – A Igreja estava dividida em relação à divisão do Pará?
Ignez Wenzel – Nós não falamos muito sobre isso porque estamos mais preocupados com a situação do Xingu. De todo modo, éramos contra a divisão. Organizamos um debate e um seminário na universidade, mas poucas pessoas participaram. O povo não estava muito interessado.
IHU On-Line – Qual é o desafio dos movimentos sociais? Como interpreta o Fórum Social Mundial e o engajamento de alguns partidos nesse projeto?
Ignez Wenzel – Os movimentos e os partidos fizeram uma associação, “com tanto que a fatia maior seja para mim”, conforme dizem. Nós participamos do Fórum Social Mundial, realizado em Belém, levamos sete ônibus lotados, e na ocasião disseram que nunca um Fórum Social teve tantos pobres como aquele. Naquele tempo nós tínhamos esperança, mas depois foram cortando todos os naipes.
IHU On-Line - Vocês estão preparando alguma atividade para lembrar a memória da Irmã Dorothy, sete anos depois do seu assassinato ? Como está a questão dos conflitos na região?
Ignez Wenzel – A região continua pior do que antes, porque os fazendeiros voltaram e como o prefeito de lá é do PT, ele é safado como os outros. Então, não se pode esperar nada. Dia 12 de fevereiro será realizado um grande encontro e uma celebração. À tarde irão até a sepultura dela, que fica no meio da mata, onde ela pediu para ser enterrada. Hoje, muitos militantes que participavam do movimento da Irmã Dorothy estão do outro lado. O capital fala alto, é o maior Deus do mundo.
IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?
Ignez Wenzel – Eu quero dizer que ainda tem treze ações no Supremo Tribunal Superior Federal, as quais devem ser julgadas, mas eles não têm coragem de julgá-las.
Ignez Wenzel – A hidrelétrica de Tucuruí foi construída há 25 anos e os pobres vivem debaixo da linha de alta tensão, sem acesso à energia. Tucuruí é pobre, miserável. Muitos moradores foram expulsos de lá e mudaram para Altamira, de onde serão expulsos novamente.
Em função de Belo Monte, Altamira irá enfrentar um problema gravíssimo de consumo de drogas e exploração sexual de meninas e adolescentes.
Altamira não foi preparada para as transformações geradas pela Rodovia Transamazônica. Vi colonos passarem fome colhendo quinhentos sacos de arroz, porque não tinham como trazer o alimento para a cidade. O jeito de eles sobreviverem é encostar-se na cidade para, pelo menos, deixar os meninos estudarem e dar um jeito vendendo picolé, engraxando sapatos. A cidade inchou, já têm mais de cem mil pessoas, e apenas 6% das casas têm água encanada.
IHU On-Line – Além do medo de as pessoas manifestarem opinião, a que atribui o aumento desses problemas sociais e a falta de mobilização?
Ignez Wenzel – Na época da ditadura, todo mundo calava com medo de ser preso. Os poucos que falaram foram mortos. De modo geral, a população não tem estudo. As nossas escolas são tão fracas, que passam todos os alunos para frente. Parece que o governo não quer povo culto; quer gente de cabresto. Por isso nós fomos contra a divisão do Pará, pois caso o estado fosse dividido, teríamos mais ladrões. Com essa discussão, poderíamos ter feito uma boa reflexão, mas nenhum partido político fez isso.
IHU On-Line – A Igreja estava dividida em relação à divisão do Pará?
Ignez Wenzel – Nós não falamos muito sobre isso porque estamos mais preocupados com a situação do Xingu. De todo modo, éramos contra a divisão. Organizamos um debate e um seminário na universidade, mas poucas pessoas participaram. O povo não estava muito interessado.
IHU On-Line – Qual é o desafio dos movimentos sociais? Como interpreta o Fórum Social Mundial e o engajamento de alguns partidos nesse projeto?
Ignez Wenzel – Os movimentos e os partidos fizeram uma associação, “com tanto que a fatia maior seja para mim”, conforme dizem. Nós participamos do Fórum Social Mundial, realizado em Belém, levamos sete ônibus lotados, e na ocasião disseram que nunca um Fórum Social teve tantos pobres como aquele. Naquele tempo nós tínhamos esperança, mas depois foram cortando todos os naipes.
IHU On-Line - Vocês estão preparando alguma atividade para lembrar a memória da Irmã Dorothy, sete anos depois do seu assassinato ? Como está a questão dos conflitos na região?
Ignez Wenzel – A região continua pior do que antes, porque os fazendeiros voltaram e como o prefeito de lá é do PT, ele é safado como os outros. Então, não se pode esperar nada. Dia 12 de fevereiro será realizado um grande encontro e uma celebração. À tarde irão até a sepultura dela, que fica no meio da mata, onde ela pediu para ser enterrada. Hoje, muitos militantes que participavam do movimento da Irmã Dorothy estão do outro lado. O capital fala alto, é o maior Deus do mundo.
IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?
Ignez Wenzel – Eu quero dizer que ainda tem treze ações no Supremo Tribunal Superior Federal, as quais devem ser julgadas, mas eles não têm coragem de julgá-las.
Não sei como está a situação do procurador Felício Pontes, que foi impedido de desempenhar suas funções em defesa de populações atingidas por projetos hidrelétricos no Pará. Ele era nosso grande líder, estava ao nosso lado, era coerente, de pé no chão. O governo está nos tirando o último fio que nos esquentava na solidão, a nossa força legal, Felício Pontes. Mas nossa esperança de vida do Xingu vivo continua.
(Por Patricia Fachin, Thamiris Magalhães e Luana Nyland)
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