sexta-feira, 7 de outubro de 2016

O desafio da construção coletiva de projetos na Escola.

Zezito de Oliveira - educador e produtor cultural de iniciativas de base comunitária.


Ontem 6 de outubro, após uma  reunião  com um certo nível de tensionamento,  causado por uma questão ligada aos trâmites do  rito de encaminhamento para a escolha do novo representante  dos professores no  conselho escolar, participei de uma outra reunião pedagógica, cujo objetivo foi iniciar a discussão do projeto da semana da consciência negra .

Quase ao final  da reunião  disse a colega que organiza ou sistematiza as diretrizes e as  ações do projeto,  que aquela é o tipo de reunião pedagógica que eu gosto de participar. E,  reuniões “felizes” como tal, às vezes é muito raro, parafraseando uma música do Jota Quest.

Esta segunda reunião também foi marcada por alguma tensão, o que às vezes é salutar e necessário desde que vá se dissipando para não obstruir o trabalho  criativo e as relações interpessoais.  A tensão se deu por conta da escolha do método de discussão acerca dos fundamentos do projeto. O que defendo está baseado  nos princípios paulofreiriano e por isso requer a  escolha problematizada  dos marcos fundantes ou dos termos conceituais, os quais  embasarão ou fundamentarão os argumentos lógicos  do projeto. Detalhe: Para facilitar uma participação mais ampla em termos de público e de uma maneira mais objetiva neste momento inicial,  podemos discutir os marcos a partir de problemas , utilizando para isso a técnica conhecida como  árvore de problemas

Como uma das contribuições que trouxemos da prática com educação popular,  e que foi relativamente utilizada na reunião acima citada, podemos citar a técnica da tempestade de idéias.  A qual lança um tema e uma pergunta para que as pessoas falem sem censura. Esta técnica implica no principio de que sendo o projeto coletivo e horizontal, todos tem direito a colocar suas idéias sem  discussão inicial e  depois com argumentos contra e favor, algumas propostas sugeridas ficam e  outras  saem.

Como o tema do projeto é “Consciência Negra” sugeri que os marcos conceituais fossem definidos,  pois é  com base nestes que um projeto coletivo precisa ser pensado. O marco conceitual funciona  como colunas ou alicerces de fundação. Havendo um bom acordo neste momento, toda a construção argumentativa pode ser  realizada contemplando  a média dos desejos , necessidades e vontades de cada individuo. Os marcos conceituais escolhidos inicialmente foram etnocentrismo, racismo, auto estima das pessoas negras e território. No decorrer das discussões,  o primeiro e o último  marco  foram  retirados , embora permaneçam inclusos ou incluídos nos dois marcos restantes, o racismo e auto estima da pessoa negra.

No decorrer da discussão também percebeu-se ser necessário discutir os marcos metodológicos. Como por exemplo: Fazer atividades com competição, ao estilo gincana ou fazer atividades que não tenham a competição  como um dos componentes principais? A questão da  folclorização do tema consciência negra, destacando apenas questões ligadas ao aspecto cultural, estético ou lúdico ou considerar  outros aspectos também relevantes  e importantes, como a questão dos pensadores e cientistas afro-descendentes.  A questão da redução da quantidade de tema e/ou objetos,  para não favorecer a dispersão ou a desconecção, fazendo  recortes temporal e espacial, ou seja,  focar em um determinado  ou poucos períodos de tempo e em um ou poucos territórios.  Outro marco metodológico discutido esta ligado a despersonalização do projeto, o que significa,  projeto não dever ser  nominado, mesmo que culturalmente seja dificil a mudança deste hábito, o que quer dizer, não pode ser o projeto do professor Fulano ou do professor Beltrano, tanto por razões éticas, como por razões  pedagógicas, lamentavelmente isso acontece com frequência. 

Em outro momento podemos abordar com mais detalhes as consequências negativas da folclorização, da fragmentação e da personalização em projetos escolares, bem como acerca das estratégias necessárias para a superação disso.

Por ora, posso dizer que participei de dois projetos este ano na  escola,  os saraus multiculturais, arte contra a ditadura e Gonzaga vida e obra, cujo aprendizagem e grau de qualidade estética dos produtos apresentados alcançaram um nível de qualidade surpreendente,  a despeito das questões de disputa de egos que precisam ser  melhor trabalhada no campo da educação socioemocional e de outros limites e desafios  que podem ser superados. 

Já no caso  do projeto do dia da consciência negra,   penso que o processo começou bem, e poderá ser melhor no próximo ano,  caso insistamos em utilizar os princípios e as técnicas de construção coletiva e colaborativa de projeto, inclusive de forma mais  abrangente,  incluindo alunos  funcionários e até pais, porque não?  

Mas para isso,  algumas questões precisam ser motivos de reflexão, isso considerando as escolas públicas de uma maneira em geral.   Será que temos a coragem e a firmeza necessária para avançar a democracia em ação e em  atitudes, mais do que em palavras? Falo isso no lugar de professor. Será que a crise da educação e do ensino médio em particular não parte de uma tradição pedagógica e de gestão que se preocupa muito mais em convencer e/ou induzir os outros (as),   do que propriamente ouvir primeiro os anseios e as expectativas de todos (as) para depois traçar as diretrizes dos programas e dos  projetos? Como criar uma escola detradição democrática com um grau de solidez/coesão necessária, que possa fazer valer os ideais deautonomia e de criatividade que constam na LDB e em outros  tipos de legislação?

 E pegando emprestado a poesia de Marcos Valle, prossigo perguntando,  será  que poderemos mesmo  fazer com que o futuro comece ?  Que os nossos sonhos se tornem realidade? Que a festa seja de todos (as)? Ou será que estamos contentes  com essa realidade? Mesmo ouvindo as criticas e as resistências dos alunos (as)? Será que iremos continuar acreditando que o professor individualmente é o responsável pelos fracassos ?  Os sucessos que obtemos como os dois projetos citados,  saraus multiculturais, arte contra a ditadura e Gonzaga vida e obra, além de outros, são suficientes, já que estes momentos são realizado de forma pontual e como escape ou fuga  momêntanea do modelo superado da tradicional aula expositiva e/ou fechada em disciplinas?
E como realizar aulas mais dinâmicas, interativas e criativas sem laboratórios, sem auditório e/ou sala multiuso para artes, sem espaços para práticas de esportes, recreação e lazer? 
Com o tanto de questões para responder como essas, será que faz sentido debater o projeto escola sem partido, dentro dos limites rasteiros e equivocados de quem propôs

Como diz a letra da canção:
Um Novo Tempo
Hoje é um novo dia
De um novo tempo que começou
Nesses novos dias, as alegrias
Serão de todos, é só querer
Todos os nossos sonhos serão verdade
O futuro já começou
Hoje a festa é sua
Hoje a festa é nossa
É de quem quiser
Quem vier
A festa é sua
Hoje a festa é nossa
É de quem quiser
Quem vier...

  A experiência da Escola Amorim Lima-SP foi citada "an passant"  durante a reunião. Aqui segue um vídeo para apresentar a Amorim Lima.
 
 
Assim como a experiência do projeto Âncora em Cotia-SP.
 
Outra experiência que merece ser conhecida:
 


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