terça-feira, 15 de agosto de 2017

Mais textos "fresquinhos" para entender a esfinge Brasil. Ou fazemos isso, ou seremos devorados ainda mais.(2)


Quatro textos e um vídeo bônus

1) Marina poderia ser favorita para 2018, mas 'queimou caravelas com esquerda' ao apoiar impeachment, diz fundador da Rede


Júlia Dias Carneiro Da BBC Brasil no Rio de Janeiro

 foto Agência Brasil


Fundador e ex-membro da Rede Sustentabilidade, o antropólogo e cientista político Luiz Eduardo Soares afirma que a líder política do partido, Marina Silva, pode ter perdido a chance de chegar às próximas eleições presidenciais como favorita após ter declarado apoio ao impeachment de Dilma Rousseff no ano passado.



"Quando ela assumiu essa posição, extremamente irresponsável do ponto de vista da democracia, acho que ela queimou as caravelas relativamente ao campo das esquerdas. Não só do PT, das esquerdas", considera ele. "Isso circunscreve o seu potencial eleitoral e político."



Soares elaborou as propostas das candidaturas de Marina na área de segurança pública em 2010 e 2014 e deixou a legenda em outubro do ano passado - um dos signatários de uma carta aberta em que sete intelectuais anunciaram sua desfiliação, com críticas ao partido e a sua líder.



Para Soares, Marina deixou de ser "espontânea e genuína", o que era a sua marca, e passou adotar posições "ambíguas", e jogar o jogo "mais tradicional" da política.



Em entrevista à BBC Brasil, o cientista político considera que o cenário para 2018 está em aberto e depende da possibilidade de Lula se candidatar ou não. O caminho até lá também é imprevisível. "Hoje o Temer já é dispensável para as elites", diz Soares. "Eu diria que sua permanência é realmente incerta."



Especialista em segurança pública, critica a presença do Exército no Rio e diz que o efeito é meramente simbólico, para transmitir uma imagem de segurança à classe média.



Leia abaixo os principais trechos da entrevista.


BBC Brasil - O senhor ajudou a fundar a Rede Sustentabilidade e saiu fazendo críticas ao partido. Como vê hoje as perspectivas para a Marina Silva?


Soares - Fui o primeiro presidente da Rede no Rio. Mas a frustração foi muito grande, porque os vícios de todos os partidos foram simplesmente reproduzidos.


A minha divergência com a Marina teve a ver com seu apoio ao impeachment (da presidente Dilma Rousseff). Ela tinha sempre se manifestado contrária. O (deputado Alessandro) Molon entrou para o partido depois que ela se comprometeu a ser contrária.


E uma semana antes da votação, ela se pronunciou a favor do impeachment, sem nos consultar. E pior ainda, a direção do partido, que era contrária ao impeachment, mudou de posição menos de 24 horas depois, para não deixá-la só. Isso é o retrato de que o partido não dispõe de instâncias autônomas.


BBC Brasil - Qual foi o impacto dessa mudança para a trajetória política dela? O senhor acredita que Marina tenha chances em 2018?


Soares - Ser a favor do impeachment significava entregar o país ao núcleo mais perigoso da política nacional, o PMDB. Quando ela assumiu essa posição, extremamente irresponsável do ponto de vista da democracia, acho que queimou as caravelas relativamente ao campo das esquerdas. Não só do PT, das esquerdas.


    Marina deixou de ser espontânea e genuína... Passou a estar sempre numa posição ambígua, com poucas definições claras, e a jogar o jogo mais tradicional.


Ela hoje teria todas as condições de ser favorita nas eleições de 2018 se tivesse se mantido contra o impeachment. Poderia unificar o campo das esquerdas com um discurso palatável, capaz de suscitar respeito entre eleitores do centro, e a população evangélica também se reconheceria nela. Ela viria com um potencial eleitoral muito grande.


Com sua ruptura com o campo da esquerda, resta a ela buscar unir o centro com fatias mais conservadoras e de centro-esquerda. Mas isso já circunscreve o seu potencial eleitoral e político.


Ela deixou de ser espontânea e genuína. Essa era a sua marca. Passou a estar sempre numa posição ambígua, com poucas definições claras, e a jogar o jogo mais tradicional. Mas sem dúvida é uma candidatura forte potencialmente.


BBC Brasil - O cenário ainda está muito em aberto para 2018 - o que o senhor acha que está se desenhando para a disputa?


Soares - O Lula é um forte candidato, porque para a maioria da população fez o melhor governo que experimentaram. E de fato os resultados foram notáveis, superiores aos governos anteriores em termos de crescimento e de redução de desigualdades. Ele saiu com 85% de aprovação popular. Isso é um patrimônio extraordinário, que está sendo erodido pelas denúncias constantes da mídia.


    João Doria não merece confiança cívica. De maneira cínica, ele se apresenta como não-político, mas faz política o tempo todo, e da pior qualidade. É um demagogo que se apresenta como anti-Lula, anti-PT, já que não tem substância.


Você tem um aventureiro, o prefeito de São Paulo, João Doria. Ele não merece confiança cívica. De maneira cínica, ele se apresenta como não-político, mas faz política o tempo todo, e da pior qualidade. É um demagogo que se apresenta como anti-Lula, anti-PT, já que não tem substância. O Alckmin, a alternativa do PSDB tradicional, tem mais substância, mas é muito difícil que o PSDB eleja um presidente diante de tantas denúncias.


E hoje temos a extrema-direita de fato fascista, que propõe golpe militar, o Jair Bolsonaro. Ele nunca foi exposto, cobrado, nunca lhe perguntaram nada sobre o Brasil. Ele é apenas o que denuncia, que fala em nome da ordem, e reuniu uma multidão de admiradores com a corrosão da credibilidade das instituições.


Já Ciro Gomes, acho que tem muita dificuldade de se consolidar porque se comportou de maneira errática em relação a compromissos e vinculações partidárias no passado, gerando incerteza em torno de seu comportamento, ainda que tenha talento e um projeto com alguma substância.


BBC Brasil - O senhor considera o ex-presidente Lula um candidato forte, mas ele é réu cinco vezes e já foi condenado em primeira instância em um sexto caso, o do tríplex do Guarujá.


Soares - Essas denúncias são muito complicadas. As do sítio de Atibaia e do tríplex são ridículas e não sensibilizarão a população. As pessoas sabem como funcionam os poderes no Brasil, e dirão, mesmo que (a série de acusações contra Lula) seja verdade, que outras pessoas estão aí roubando bilhões.


Na época do Adhemar de Barros, um governador de São Paulo que foi muito popular, a população dizia, "ele rouba, mas faz". Já que a categoria dos políticos é basicamente corrupta, com raras exceções, vamos escolher entre os que produzem benefícios. Esse tipo de espírito vai acabar prevalecendo quando as questões estiverem ainda num nível de sítio, pedalinho e apartamento.


BBC Brasil - A percepção sobre corrupção mudou com a Lava Jato ou o senhor acha que mesmo hoje as pessoas ainda comprariam essa ideia do "rouba, mas faz"?


Soares - Se você tiver um segundo turno entre Bolsonaro e Lula, não tenho dúvida que todos que criticam o Lula hoje vão votar nele. Todos que têm alguma ambição democrática. Mesmo que acreditem que ele tem algum envolvimento com corrupção. Talvez tenhamos que votar contra, e não a favor.


Os juristas mais importantes que conheço consideram pífias as acusações contra o Lula. Estou convencido de que a fundamentação é insuficiente para uma condenação.


Não estou dizendo que a Lava Jato não mereça respeito. Mas que houve uma inclinação política na focalização do PT, houve. O PSDB começou a aparecer muito mais recentemente, e de forma muito mais leve que o PT, e os problemas são equivalentes. E são superados pelo PMDB, onde reside o núcleo central e mais tarimbado da corrupção na política brasileira.


    Retirar a Dilma para levar o representante do PMDB para o poder em nome da ética é despudoradamente hipócrita


Retirar a Dilma para levar o representante do PMDB para o poder em nome da ética é despudoradamente hipócrita. Pois as massas foram às ruas, a classe média, instigada pela Globo, para apoiar essa troca. E diante do quadro atual, não há o mesmo tipo de investimento na mobilização política. As ruas estão vazias, por assim dizer.

 Foto: Agência Brasil



BBC Brasil - Depois de ser quase derrubado pelo escândalo da JBS, o presidente Michel Temer conseguiu sobreviver ao julgamento do TSE e ao voto na Câmara que barrou a denúncia de corrupção contra ele. O senhor acha que agora ele consegue se manter até o fim do mandato?


Soares - Ninguém sério pode responder a essa pergunta com convicção. É impossível saber. As variáveis são incontroláveis, como as que advenham das investigações da Lava Jato. Se algumas delações forem aceitas e negociadas, é possível que Temer não consiga se sustentar.


Até porque já há um substituto comprometido a seguir a agenda regressiva para cujo cumprimento Temer foi elevado a presidente. O afastamento da Dilma foi uma manobra para que essa agenda neoliberal extrema fosse implementada, que nunca obteria apoio em uma eleição.


Estamos diante de uma verdadeira intervenção neoliberal, com uma agenda obscurantista e regressiva. Enquanto as atenções públicas se voltam para a permanência ou não do presidente, ele e o seu governo se apressam, na calada da noite, a promover mudanças trágicas para as sociedades indígenas, para a sustentabilidade, o meio ambiente.


Eu acredito que haja condições para que o Temer caia. Quais são as condições imprescindíveis? Uma alternativa comprometida com a implementação das mesmas reformas neoliberais, que é o Rodrigo Maia.


Hoje o Temer já é dispensável para as elites. Se ele cair, o presidente da Câmara pode dar sequência à agenda das reformas. E se as elites já têm um estepe, talvez ele seja mais conveniente. Mesmo que venha a ser denunciado, este será um processo demorado, e ele implementaria de forma talvez mais fluente a agenda neoliberal.


Se isso é possível, o Temer corre risco. Diria que hoje sua permanência é realmente incerta.


BBC Brasil - O Congresso está se movimentando para aprovar uma reforma política que implantaria o chamado distritão, que vem sendo criticado como um sistema que favoreceria a eleição de velhos conhecidos da política. O senhor acha que isso vai adiante?


Soares - Isso é assustador. O distritão elimina as minorias, torna as eleições muito mais caras e com resultados previsíveis, porque os que já estão no poder vão viabilizar sua reeleição, e as celebridades terão privilégios. Não haverá possibilidade de que os partidos ideológicos se destaquem. As propostas vão ficar em segundo plano. Não à toa, esta é uma ideia do Temer, e do Cunha, que está sendo apresentada pelo PMDB e pelas forças conservadoras do Congresso.


BBC Brasil - O ministro do STF Luís Roberto Barroso disse há alguns dias que a crise política está levando a um "cenário de devastação no Brasil", e que é impossível não sentir vergonha. O momento lhe causa vergonha?


Soares - Claro. Quer dizer, eu não sei se vergonha é o termo, porque vergonha significa que você se sente representado pelos que elegeu e culpado pelo que está acontecendo. Eu não sinto assim, porque quando a gente é derrotado, não é necessariamente responsável pelo que sucede após a derrota.

Direito de imagem Valter Campanato/Agência Brasil

Image caption Para Luiz Eduardo Cardoso, há condições para que Temer caia do cargo se deleções forem aceitas e negociadas


BBC Brasil - Então é vergonha alheia?


Soares - Ah, isso sim. Sem dúvida (risos).


BBC Brasil - Há algo que lhe dê esperança no momento?


Soares - O longo prazo. Se você estuda história, você tem a perspectiva de que as coisas foram muito piores. Já vivemos momentos mais difíceis durante a ditadura. E o que ocorreu no Brasil no século 20 pode nos dar esperança de mudanças profundas.


No curto prazo, não dá para ser otimista. Mas os processos são dinâmicos. E há uma potência que vibra no subsolo do Brasil desde 2013 cujas energias podem se converter em transformações importantes.


BBC Brasil - O senhor costuma falar no deslocamento de placas tectônicas quando busca explicar os efeitos dos protestos de 2013. Esses efeitos ainda estão sendo sentidos?


Soares - A metáfora me ocorreu quando senti nas ruas essa palpitação, essa energia pulsando, inclusive a alegria da participação. Aqueles foram momentos de festa, e eu dizia, o Brasil se revolta, se rebela, vai às ruas porque melhorou bastante. Em geral é assim. Você potencializa os agentes sociais, que elevam suas expectativas e assumem protagonismo.


Foi um momento muito bonito, contraditório. As mensagens eram, basicamente, que há um colapso da representação política. Ninguém acredita mais nas instituições políticas tal como funcionam. Isso é perigoso, mas é também condição positiva de mudança.


O fato de não ter havido nenhuma modificação diretamente derivada de 2013 não significa que aquilo não tenha sido muito importante.


A partir dali, a gente passou a viver intensamente o que vivera anteriormente, mas requalificando as relações. Se já havia adversários, eles se transformaram em inimigos. Se já havia oposições, elas se converteram em confrontos. Se havia uma linguagem da disputa, ela se converteu em código do ódio. As polarizações se enrijeceram e se firmaram.


O que marca tudo isso é a intensificação. E essa intensidade tem um sentido e ainda não se manifestou plenamente. Isso pode ser uma fonte de temor ou esperança. Nós estamos em um momento como esse diante da história, do seu abismo e de suas promessas.



BBC Brasil - Por que as ruas estão vazias? Por que não vemos nada parecido com as mobilizações de 2013 ou de antes do impeachment?


Soares - O cenário está totalmente aberto, e as pessoas estão pensando nas consequências (dessa mobilização). Elas vão para a rua clamar pela queda do Temer para então receber Rodrigo Maia? E para continuar com a agenda das reformas?


    Há uma potência que vibra no subsolo do Brasil desde 2013 cujas energias podem se converter em transformações importantes


A classe média pode desejar isso, mas a maioria da população positivamente não, conforme demonstram pesquisas de opinião. Além disso, há uma suspeição enorme de que as movimentações vão acabar beneficiando o Lula, então os contrários ao Lula não vão se envolver.


BBC Brasil - Como o senhor vê a situação atual de segurança no Rio? Temos visto uma escalada de violência e o governo respondeu com o envio do Exército. O senhor acha que isso ajuda a resolver o problema de alguma maneira?


Soares - Não, claro que não, e a cúpula do Exército sabe disso. Sabe que os soldados não estão preparados para fazer vigilância nas ruas, para abordagens, eventuais enfrentamentos e para respeitar limites indispensáveis às ações internas ao país. Eles têm muito medo de um eventual deslize, de uma ação precipitada ou mesmo de uma autodefesa legítima, porque isso impacta a imagem do Exército.


Mas o fato é que presença do Exército tem efeito meramente simbólico. Transmite uma imagem de segurança para a classe média, que acha que agora está protegida. Não há dados sobre ações anteriores que demonstrem que esse é o caso. Os números não mostram queda de criminalidade. Ao contrário, às vezes até aumentam, sobretudo de homicídios dolosos.


BBC Brasil - É um gesto de desespero convocar o Exército?


Soares - Mas é claro, e isso o governo já disse explicitamente. Deixou claro que não tem recursos, está perdido, não sabe mais o que fazer. Qualquer iniciativa para qualificar o trabalho das polícias envolveria mais recursos, e o Estado está quebrado, não paga os funcionários, mal paga as polícias.


Eles estão inteiramente perdidos e reproduzem o velho padrão da guerra às drogas e intervenção bélica nas favelas, que produzem desastres. São mortes de inocentes por balas perdidas, mortes de suspeitos e mortes de policiais.

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2)  Ivone Gebara: “O povo não está apático. Está na luta contínua pela sua sobrevivência"



Teóloga feminista rejeita ideia de que o povo está insensível diante dos retrocessos recentes

Brasil de Fato | São Paulo (SP)
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Ivone Gebara comemora a diversidade dentro dos movimentos de mulheres / Paulo Maia
Freira, filósofa e feminista, Ivone Gebara rejeita a tese de que o povo brasileiro está apático e insensível diante dos retrocessos dos direitos sociais que estão ocorrendo no Brasil.

Em entrevista ao Brasil de Fato, ela afirma que vê o período como um “respiro” para se repensar a democracia no país:

“O povo está em uma luta contínua pela sua sobrevivência. E os momentos de manifestação de rua são especiais, mas quando eles não acontecem, isso não significa que o povo não está consciente do que ele precisa.”

Ela refuta também a ideia de que não existe formação política de base no país. Para ela, a formação popular ganhou novos contornos, e a esquerda necessita captar esta diversidade. Ela cita, por exemplo, grupos de teatro populares e o rap. “Os meios de consciência política não são só os partidos.”

Importante nome do feminismo e defensora de uma teologia libertária, Gebara comemora a diversidade dentro dos movimentos de mulheres.

Doutora em Filosofia pela PUC-SP e em Ciências Religiosas pela Universidade Católica de Lovaine, na Bélgica, ela já escreveu mais de 30 livros, entre eles o “Teologia ecofeminista: ensaio para repensar o conhecimento e a religião”, publicado em 1997.

Confira na íntegra a entrevista:

Brasil de Fato: Durante a votação da denúncia contra o presidente Michel Temer no Congresso Nacional, não vimos manifestações massivas. Ainda assim, você disse que não acredita na apatia do povo. Por que?

Ivone Gebara: Eu acho que apatia é talvez uma palavra que as pessoas do governo e da situação adoram usar pelo sentido que um povo apático é um povo que está aprovando a ação deles ou que não vai se manifestar de outra forma. Mas eu acho que não. Não estamos apáticos, mas no momento de buscar uma nova saída.

Nós estamos em uma luta contínua. O povo está em uma luta contínua pela sua sobrevivência. E os momentos de manifestação de rua são especiais, mas quando eles não acontecem, isso não significa que o povo não está consciente do que ele precisa. São momentos de respiro.

A gente tem que respirar para ver qual é o caminho. Qual é a democracia que defendemos? A democracia participava, a democracia branca ou uma democracia política sem a democracia econômica? Quais são as cores e os valores desta democracia?

Eu levanto a questão até mesmo se a palavra democracia é a que vamos usar daqui para frente. Talvez tenhamos que encontrar uma outra palavra que expresse aquilo que nós estamos querendo neste momento. Não saber não é defeito nem doença: é uma condição para que a gente possa saber coisas novas e diferentes.

Você teve ligação com a Teologia da Libertação, movimento marcado pelo trabalho de formação políticas por meio das comunidades eclesiais de base. Como você avalia o trabalho de base hoje?

O trabalho de base não é uma coisa separada do estado geral da política, da economia, da cultura. Eu acho que nos anos 1970 e 1980, com a ditadura militar, a gente sabia o que era o trabalho de base porque a gente tinha alguns objetivos a atingir. E agora a gente sente o mal-estar, mas a gente ainda não conseguiu detectar por onde vamos caminhar para superar esse mal-estar, a fome, a falta de moradia… Não sabemos mais.

O que sabemos é que só os meios legais não são suficientes. Há leis, por exemplo, que dizem que não pode ter preconceito racial, lei para dizer que todo mundo tem que ter moradia, para que todo mundo tenho direito à saúde, mas elas não funcionam. A questão não é reivindicar essas leis, mas repensar concretamente os meios para obter aquilo que é fundamental para a vida das pessoas. E, talvez, tenhamos que formar “a Igreja Tal”, “o Partido tal”, mas grupos pequenos.

Eu tenho ficado encantada com os grupos de teatro popular. Eu já colaborei com dois grupos na zona leste [de São Paulo] e estes grupos estão levando uma consciência política para estes participantes porque eles estudam — eu tenho ajudado, inclusive, no nível da reflexão — teatro, música…

Eu acho que tem uma mensagem que vem do rap que é interessantíssima. Ou seja, os meios de consciência política não são mais só os partidos. Tem os grupos de mulheres… Vi um grupo de jovens que dizia: “Somos feministas mas não como as velhas feministas”. E eu digo: “Maravilha! É assim que tem que ser”. Temos que tentar captar a diversidade da formação popular hoje.

Essa diversidade a gente deveria se articular. A gente deveria ter uma articulação maior com grupos de teatro, de intelectuais, de professores que pensam a história, a filosofia, política, grupo de médicos… A nova forma não tem que se estanque. A ideia de classe social tem que ser revista, temos que falar não apenas de classe, mas de grupos que são solidários a uma causa comum.

Tem muita coisa em ebulição e em transformação.

Você tem uma trajetória como teóloga e feminista. Como enxerga esse movimento atual das jovens, que até foi cunhado de “primavera feminista”?

Eu não gosto muito do termo “primavera feminista”. Por que a gente tem que se apropriar de coisas que são de outras pessoas? Eu acho que o movimento feminista está marcado pela diversidade, e isso é uma coisa maravilhosa.

É uma ilusão a gente imaginar que o feminismo começa com as mulheres brancas. O nome feminismo, talvez; mas as atitudes feministas não começaram com as mulheres brancas. Eu acho que começaram com as mulheres negras. Lembro das negras dos EUA, especialmente, mas as negras aqui no Brasil, e a literatura de tantas mulheres negras que agora estão de manifestando. Isso é feminismo. Só que não há mais, digamos, uma ordem estabelecida feminista, uma regra. Há muitas bandeiras e eu não sou obrigada a abraçar todas, mas a respeitar as bandeiras e o diálogo entre elas. E acho que é essa a situação que estamos vivendo hoje.

Os movimentos populares defendem as eleições diretas como um pontapé para um resgate do processo democrático. Qual sua avaliação do cenário para 2018?

Claro que eu sou pelas eleições diretas. Não tenho a menor dúvida. Mas agora eu vivo um problema: com todo o carinho que tenho pelo [ex-presidente] Lula, eu tenho algumas perguntas. Será que não estamos conseguindo abrir para outras lideranças, e da mesma linha política e ética? Me parece, na realidade, que não. Isso me preocupa e é uma questão que a gente vai ter resolver e discutir. Mas, sem a menor dúvida, “Diretas, já!”.

Edição: Camila Rodrigues da Silva

3) Esfera de influência: como os libertários americanos estão reinventando a política latino-americana

clique em cima do titulo para ler a matéria do site Intercept Brasil

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4) Considerar 2018, mas ir além

FREI BETTO; VOTE BRASIL 2018
14/08/2017

Reflexões sobre a importância das eleições de 2018 e sugestões de como fazer a escolha mais correta do projeto, do candidato e do partido. Esse o sentido deste apelo à cidadania responsável de Frei Betto: Lboff
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Já que tudo indica que Temer permanece à frente do governo até dezembro de 2018, dado que a sua base aliada no Congresso decidiu obstruir a Justiça, fica a pergunta: a quem eleger para sucedê-lo?

Pesquisas eleitorais que já tiveram início destacam uma dúzia de prováveis candidatos. E os eleitores reagem de diferentes formas. 

Há os que já decidiram não votar. É a turma do Partido Ninguém Presta. Atitude meramente emocional. Quem tem nojo de política é governado por quem não tem. E tudo que os maus políticos querem é que viremos as costas à política para dar a eles carta branca.

Há os que votarão no próprio umbigo em defesa de seus interesses corporativos, como os eleitores da bancada do B: boi, bala, bola, bancos e Bíblia. Esses escolherão candidatos afinados com o latifúndio, o desmatamento da Amazônia, o extermínio dos indígenas, o mercado financeiro, a homofobia, a privatização do patrimônio público e o Estado mínimo.

Um contingente de eleitores votará em quem seu mestre mandar. É o rebanho eleitoral, versão pós-moderna do coronelismo, agora substituído por padres e pastores, figuras midiáticas e chefes de organizações criminosas.

Há ainda o eleitor que se deixará levar pela propaganda eleitoral. Votará em quem lhe parecer mais simpático, sem sequer conhecer os projetos políticos do candidato. É aquela empatia olho no olho que não vê mente, coração e bolsos…

E há os que votarão em candidatos progressistas, ou naqueles que assim se apresentarão nos palanques, na esperança de resgatar os direitos cassados pela atual reforma trabalhista e corrigir os desmandos do governo Temer, para que o país volte a crescer e ampliar seus programas sociais.

Ora, devemos votar no Brasil que sonhamos para as futuras gerações. Isso significa priorizar programas e projetos, e não candidatos. 

Um país no qual coincidam democracia política e democracia econômica. De que vale o sufrágio universal se não repartimos o pão?

Votar no Brasil que requer profundas reformas estruturais, como a tributária, com impostos progressivos; a agrária, com o fim do latifúndio e do trabalho escravo; a política e a judiciária. Brasil que promova os direitos das populações indígenas, quilombolas e ribeirinhas. Brasil de democracia participativa e no qual o Estado seja o principal indutor do desenvolvimento, com distribuição de riqueza e preservação ambiental.

Fora disso, tudo ficará como dantes no quartel de Abrantes. Ou pior.

Votar é importante, mas não suficiente. Porque no Brasil tradicionalmente nós votamos e o poder econômico elege. Em 2018, porém, será a primeira eleição para o Congresso e a presidência da República na qual as empresas não poderão financiar campanhas políticas, como faziam as que estão denunciadas pela Lava Jato. Isso não significa que o caixa dois será extinto. 

Seria muita ingenuidade pensar que políticos que se lixam para a ética não haverão de encontrar formas de obter dinheiro ilegal.

Por isso, é um erro jogar nas eleições todas as fichas da nossa esperança em um Brasil melhor. O mais importante é investir no empoderamento popular. Reforçar os movimentos sociais e sindicais, intensificar o trabalho de formação política e consciência crítica, dilatar os espaços de pressão, reivindicação e mobilização. Só conseguiremos mudanças significativas se vierem de baixo para cima.

Frei Betto é escritor, autor de “Reinventar a vida” (Vozes), entre outros livros.

  O vídeo bônus

 
Clique acima do texto escrito acima para assistir/ouvir.



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