Programa nº 2000
Morrer aos poucos
Para não esquecer
Por Luciano Martins Costa em 18/02/2013 no programa nº 2000
Ouça aqui 
Morrer aos poucos
O técnico de 
computadores Carlos Alexandre Azevedo morreu no sábado (17/02), após 
ingerir uma quantidade excessiva de medicamentos. Ele sofria de 
depressão e apresentava quadro crônico de fobia social.
Era filho do jornalista e doutor em Ciências Políticas Dermi Azevedo, que foi, entre outras atividades, repórter da Folha de S. Paulo.
Ao 40 anos, Carlos
 Azevedo por fim a uma vida atormentada, dois meses após seu pai ter 
publicado um livro de memórias no qual relata sua participação na 
resistência contra a ditadura militar.
“Travessias
 torturadas” é o título do livro, e bem poderia ser também o título de 
um desses obituários em estilo literário que a Folha costuma publicar.
Carlos Alexandre Azevedo foi provavelmente a vítima mais jovem a ser submetida a violência por parte dos agentes da ditadura.
Ele tinha apenas um ano e oito meses quando foi arrancado de sua casa e torturado na sede do Dops paulista.
Foi submetido a 
choques elétricos e outros sofrimentos. Seus pais, Dermi e a pedagoga 
Darcy Andozia Azevedo, eram acusados de dar guarida a militantes de 
esquerda, principalmente aos integrantes da ala progressista da igreja 
católica.
Dermi
 já estava preso na madrugada do dia 14 de janeiro de 1974, quando a 
equipe do delegado Sérgio Paranhos Fleury chegou à casa onde 
Darcy  estava abrigada, em São Bernardo do Campo, levando o bebê, que 
havia sido retirado da residência da família.
Ela havia saído em busca de ajuda para libertar o marido.
Os policiais 
derrubaram a porta e um deles, irritado com o choro do menino, que ainda
 não havia sido alimentado, atirou-o ao chão, provocando ferimentos em 
sua cabeça.
Com a prisão de Darcy, também o bebê foi levado ao Dops, onde chegou a ser torturado com pancadas e choques elétricos.
Depois de ganhar a liberdade, a família mudou várias vezes de cidade, em busca de um recomeço.
Dermi e Darcy conseguiram retomar a vida e tiveram outros três filhos, mas Carlos Alexandre nunca se recuperou.
Aos 37 anos, teve 
reconhecida sua condição de vítima da ditadura e recebeu uma 
indenização, mas nunca pôde trabalhar regularmente.
Aprendeu a lidar com computadores, mas vivia atormentado pelo trauma.
Ainda menino, 
segundo relato da família, sofria alucinações nas quais ouvia o som dos 
trens que trafegavam na linha ferroviária atrás da sede do Dops.
Para não esquecer
O jornalista Dermi
 Azevedo poderia ser lembrado pelas redações dos jornais no meio das 
especulações sobre a renúncia do papa Bento 16.
Ele é especialista
 em Relações Internacionais, autor de um estudo sobre a política externa
 do Vaticano, e doutor em Ciência Política com uma tese sobre Igreja e 
democracia.
Poderia também ser
 uma fonte para a imprensa sobre a questão dos Direitos Humanos, à qual 
se dedicou durante quase toda sua vida, tendo atuado em entidades civis e
 organismos oficiais.
Mas seu testemunho
 como vítima da violência do estado autoritário é a história que precisa
 ser contada, principalmente quando a falta de memória da sociedade 
brasileira estimula um grupo de jovens a recriar a Arena, o arremedo de 
partido político com o qual a ditadura tentou se legitimar.
A
 morte de Carlos Alexandre é a coroa de espinhos numa vida de dores 
insuperáveis, e talvez a imposição de tortura a um bebê tenha sido o 
ponto mais degradante no histórico de crimes dos agentes do Dops.
A imprensa não costuma dar divulgação a casos de suicídio, por uma série controversa de motivos.
No entanto, a morte de Carlos Alexandre Azevedo suplanta todos esses argumentos.
Os amigos, 
conhecidos e ex-colegas de Dermi Azevedo foram informados da morte de 
seu filho pelas redes sociais, através de uma nota na qual o jornalista 
expressa como pode sua dor.
A imprensa poderia lhe fazer alguma justiça.
Por exemplo, identificando os integrantes da equipe que na noite de 13 de janeiro de 1974 saiu à caça da família Azevedo.
Contar que Dermi, 
Darcy e seu filho foram presos porque os agentes encontraram em sua casa
 um livro intitulado “Educação moral e cívica e escalada fascista no 
Brasil”, coordenado pela educadora Maria Nilde Mascellani.
Era um estudo encomendado pelo Conselho Mundial de igrejas.
Contando histórias
 como essa, a imprensa poderia oferecer um pouco de luz para os 
alienados que ainda usam as redes sociais pare pedir a volta da 
ditadura.
 
 
Nenhum comentário:
Postar um comentário