segunda-feira, 1 de fevereiro de 2021

filosofia, sociologia e arte para os ricos, escolas militares, programa do ratinho e música sertaneja para os pobres.



Como é a educação que Ratinho Jr e Feder escolheram para seus filhos.

 27 jan 2021 - 13h14

Com mensalidades a partir de R$ 7 mil, ISC dá destaque para disciplinas que governo quer reduzir em escolas públicas

Por Rogerio Galindo

No extremo norte de Curitiba, pertinho da divisa com Almirante Tamandaré, um grupo de crianças e adolescentes vive praticamente num enclave estrangeiro. A língua franca é o inglês – português só nas aulas de língua e História do Brasil. Os professores não parecem brasileiros: e na maior parte dos casos não são mesmo. Vêm dos Estados Unidos, da Inglaterra, da Austrália.

O lugar nem mesmo se chama Colégio Internacional de Curitiba – é a International School of Curitiba. Ali estudam meninos e meninas de todas as idades, desde os pequenininhos até os adolescentes que estão à beira de entrar numa universidade. Antes, só filhos de executivos estrangeiros estudavam ali. Gente que vinha trabalhar nos mais altos cargos da Renault ou de outras multinacionais. Mas há alguns anos, filhos de famílias que têm condições financeira daqui também passaram a frequentar.

Para entrar no clube, é preciso ter cacife. Primeiro, o interessado tem de pagar uma espécie de “joia”, nada barata. Depois vêm as mensalidades: e aí estamos falando de pelo menos R$ 7 mil mensais, podendo chegar a bem mais nos anos do ensino médio.

Entre os que decidiram dar essa educação para seus filhos estão alguns representantes da cúpula do atual governo do estado. A começar pelo próprio governador Ratinho Jr. (PSD), que mantém lá seus três herdeiros. Renato Feder, o secretário de Estado da Educação, também decidiu colocar seu filho lá, assim como Guto Silva (PSD), chefe da Casa Civil de Ratinho.

Dificilmente alguém poderá questionar a opção: se você quer o melhor para seus filhos (e que pai não quer?) e tem condições financeiras para isso, uma educação de primeiro mundo é o melhor que você pode fazer. No entanto, como ao mesmo tempo se trata das pessoas que estão decidindo os caminhos da educação pública no estado – e muitas vezes tomando medidas que vão no sentido oposto – vale a pena conhecer melhor o que os governantes escolhem para sua própria família.

Estudos sociais

Os alunos da rede estadual de ensino comandada por Feder e Ratinho terão menor carga horária de três disciplinas a partir deste ano: Filosofia, Sociologia e Artes. A grade foi modificada e, entre outras coisas, os alunos deixarão de saber de Kant e Weber para ter aulas de educação financeira (segundo Feder, é importante conhecer os tipos de juros).

Na ISC, a disciplina de Estudos Sociais (uma fusão de conteúdos de várias humanidades, incluindo Sociologia) é considerada uma das mais importantes. Não só porque, claro, os pedagogos de lá não recebem ordens do atual governo, mas por que os alunos estão se preparando para o IB, uma espécie de Enem que permite entrada em várias universidades europeias (sim: escolas como a Sorbonne e Oxford consideram Filosofia e Sociologia importantes, veja só!)

Artes também têm prioridade. Os alunos têm instrumentos de orquestra à disposição, há um ateliê e mesmo os menorzinhos estudam movimentos artísticos como o cubismo e o impressionismo: depois produzem suas próprias obras de arte que entram em exposição na galeria do colégio.

Não que os estudantes sejam privados de conhecimentos práticos. Ao invés das aulas sobre juros, porém, eles têm acesso no último ano a uma disciplina chamada Life Skills (Habilidades para a Vida). Numa réplica de um apartamento, os adolescentes aprendem de tudo um pouco. Cozinham, passam roupa e até trocam pneus de carros. O motivo? A maioria tem empregados domésticos e precisa aprender a se virar para quando for morar fora do país.

Vida real

Os alunos da ISC estudam muitas coisas na prática. Por exemplo: quem quer aprender sobre política internacional pode se inscrever nos estudos da ONU. Mas não fica só na teoria. De vez em quando, o pessoal dá um pulinho em Nova York para ver os embaixadores trabalhando de verdade.

O mesmo vale para a política nacional. A gurizada passa também por Brasília para ver na prática o que os deputados, senadores e ministros (alguns deles seus pais) andam fazendo nos palácios. (Numa das viagens, a presença da filha do governador literalmente abriu portas: o pessoal da turma da filha de Ratinho teve acesso raramente concedido ao andar do presidente no Palácio do Planalto).

Nem todas as viagens, porém, são para estudo. De vez em quando o pessoal passa um tempo só se divertindo. Pode ser no terreno do próprio colégio. Ou pode ser numa estação de esqui fora do país…

Na semana da Pátria, uma curiosidade: a direção do colégio chama pessoas para falarem sobre o Brasil e, quando chegam ao colégio, os alunos são recebidos com decoração típica e bandinha de música, para apresentar os mistério desse exótico país sul-americano.

Este texto é de responsabilidade do autor/da autora e não reflete necessariamente a opinião do Plural.

Rogerio Galindo - Rogerio Galindo é jornalista.

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EDUCAÇÃO PARA MANTER A DESIGUALDADE - 

Bolsonaro para os pobres, Paulo Freire para os ricos.

Acervo Online | Brasil por José Ruy Lozano   7 de dezembro de 2017

A elite brasileira, que adora odiar Freire, compra a peso de ouro para seus filhos o ingresso em colégios influenciados por ele. Aos filhos dos pobres, resta a disciplina escolar do século XIX

Pipas de várias cores enfeitam o céu. Alunos observam algumas subirem e outras caírem, enquanto tentam compreender como a direção do vento influencia o movimento, além de verificarem na prática conceitos científicos como aerodinâmica, resistência do ar e força da gravidade. Tudo na base da experiência concreta, envolvendo tentativas e erros.

Voltando à sala de aula, professor e alunos discutem, organizados em círculo, o que se aprendeu com aquela vivência. A diferença hierárquica entre mestre e estudantes se dilui, e o professor mostra-se mais como um mediador ou um facilitador do processo de aprendizagem.

Pano rápido. Vamos nos deslocar para outra realidade.

Alunos uniformizados prestam continência e dirigem-se aos policiais, que também são professores, utilizando os termos “senhor” e “senhora”. Nos corredores da escola, com paredes cinzentas, não se veem bedéis, mas guardas, alguns armados. Todos os meninos usam o mesmo corte de cabelo, todas as meninas têm o cabelo preso.

Na sala de aula, o professor fala e os alunos ouvem. Todos os estudantes sentam-se enfileirados e qualquer contato entre eles durante a explanação gera uma advertência. Contabilizadas, as advertências podem provocar a expulsão do aluno.

As primeiras cenas são parte do cotidiano de um grande colégio de elite, recém-chegado à cidade de São Paulo. As seguintes são exemplares da realidade vivida em colégios estaduais administrados pelas polícias militares de cada estado.

As descrições revelam duas tendências – contraditórias – cada vez mais presentes no panorama escolar brasileiro. As escolas particulares mais caras investem em metodologias ativas, considerando os interesses e as individualidades dos alunos, partindo do pressuposto de que eles, alunos, são os protagonistas da aprendizagem. Já escolas públicas de muitos estados brasileiros estão terceirizando sua administração às polícias militares e apostam na disciplina mais rígida e no ensino mais tradicional.

Grandes empresários e grupos de investimento estrangeiros compram ou erguem escolas com tecnologia moderna e formação de ponta, onde os alunos aprendem a explorar o mundo por uma interação lúdica. Enquanto isso, o deputado Jair Bolsonaro espalha nas redes sociais vídeos propagandeando as virtudes das escolas administradas pela PM, cujo mantra é lei e ordem.

Uma agridoce ironia: o ponto cego dos discursos das escolas de elite é admitir que as metodologias que propõem são em grande medida inspiradas em teorias da educação que tiveram Paulo Freire como um de seus expoentes.

Geralmente, esses colégios mencionam programas de formação de universidades norte-americanas, como Harvard e Stanford. O que não dizem é que obras como Pedagogia da Autonomia, um clássico do pensador pernambucano, estão na bibliografia básica das faculdades de educação inspiradoras de seus projetos pedagógicos.

A elite brasileira, que adora odiar Freire, compra a peso de ouro para seus filhos o ingresso em escolas em muito influenciadas por ele, bem como por outros pensadores considerados progressistas no campo da educação, como Jean Piaget ou Maria Montessori.

A ironia continua. Aos filhos dos pobres, resta a disciplina escolar do século XIX. Ainda que justamente pensando neles Paulo Freire tenha elaborado suas teses, a eles são negadas sua influência e seu prestígio.

Mas a diferença talvez não seja tão despropositada ou surpreendente como se pode pensar à primeira vista. Afinal, nas escolas públicas estudam os pobres, que serão no futuro funcionários dos alunos ricos.

E o que se espera do trabalhador pobre, a não ser obediência?

Aos ricos, proporciona-se liberdade. Dos ricos, esperam-se criatividade, “empreendedorismo”, autonomia. Ao pobre, destinamos o adestramento, a normalização foucaultiana de condutas, a padronização de comportamentos.

Acima de tudo, não se deve incentivar o questionamento, tampouco uma perspectiva crítica dos filhos das classes menos favorecidas. Isso deve ser reservado àqueles capazes de pagar mensalidades astronômicas, que compram um desenvolvimento cognitivo “diferenciado” para seus filhos.

Assim a educação brasileira cumpre seu papel: o de continuar sendo um dos instrumentos mais terríveis de manutenção da desigualdade social.


Obra de Antony Theobald
 

José Ruy Lozano é sociólogo, autor de livros didáticos, conselheiro do Conselho Independente de Proteção à Infância (Cipi) e coordenador pedagógico geral do Colégio Nossa Senhora do Morumbi – Rede Alix.

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