sábado, 9 de agosto de 2025

Uso do audiovisual nas escolas é benéfico, mas demanda planejamento e adaptação aos alunos


Por Mariana Toledo -7 de agosto de 2025   Atualizado em 7 de agosto de 2025

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Foto  Reprodução

 Nesta quinta-feira, 7 de agosto, foi realizado no Rio de Janeiro o painel "Audiovisual na Educação: Políticas Públicas e Estratégias de Difusão nas Escolas", como parte da programação do 3º Festival Curta! Documentários. Na mesa, agentes culturais, produtores e pedagógicos analisaram de que maneira o uso de filmes e séries pode ser incorporado ao cotidiano escolar. Vanessa Souza, coordenadora do CurtaEducação, plataforma de streaming que une educação e entretenimento (edutainment), promovendo engajamento e transdisciplinaridade através de conteúdos audiovisuais relevantes, moderou o debate e pontuou que a grande missão do projeto é fazer com que o audiovisual, principalmente o brasileiro, encontre a plateia que, na sua visão, é a mais importante, que são os cidadãos em formação. "Levar nosso cinema para dentro das escolas é uma oportunidade não somente de formar plateias, mas também de enriquecer e tornar mais prazeroso o aprendizado, levando para a sala de aula personalidades, lugares e histórias que não chegariam ali naturalmente", disse. 

O CurtaEducação firmou recentemente uma parceria com a SEEDUC – RJ, a Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro. Roseday Nascimento, coordenadora de articulação no órgão, também destacou a importância do audiovisual nas escolas e ressaltou que, como qualquer projeto, isso demanda planejamento. "O audiovisual já começa com uma vantagem, porque 50% da aprendizagem acontece quando a gente consegue ouvir, ler e ver alguma coisa. E esse trabalho do Curta facilita muito porque sabemos que, por trás, há uma curadoria responsável, o que ajuda os professores a desempenharem esse trabalho nas salas de aula. O resultado é muito produtivo. Os alunos entendem a mensagem que você quer passar de forma mais agradável e lúdica. Acredito que esse projeto terá muito sucesso". 

Do ponto de vista de alguém cuja trajetória já incluiu anos de trabalho em sala de aula, Nascimento pontuou que não dá para pensar em ensinar as crianças e os adolescentes de uma única maneira. "Temos que diversificar, e essa diversidade ocorre também através dessas possibilidades do cinema. Com ele, conseguimos trabalhar diversos conteúdos, inclusive promovendo uma integração transdisciplinar e alinhando diversos componentes, oferecendo assim uma formação integral. Cada aluno aprende de uma maneira, por isso precisamos de estilos de aprendizagem diferentes – e o audiovisual complementa e facilita esse processo", avaliou.

A coordenadora enfatizou que, antes de escolher um filme ou uma série para utilizar com os alunos, os professores devem planejar, isto é, entender onde querem chegar com aquilo. Qual é o objetivo de apresentar aquele conteúdo. "O professor tem que ter um feeling, um termômetro. Às vezes, ele acha que aquela aula que ele montou é maravilhosa – mas pode ser só para ele. Para os alunos, não. Temos que entender como eles aprendem. Professor é um eterno estudioso. Mas o planejamento é fundamental – além do trabalho integrado, até para otimizar, isto é, utilizar um único curta e atender a diversos componentes curriculares", concluiu. 

Incitar o debate

Fernando Sousa e Gabriel Barbosa são diretores e produtores do curta "Rio, Negro" (2023), da Quiprocó Filmes, um documentário que apresenta um olhar possível para a história do Rio de Janeiro. A partir de entrevistas e amplo material de arquivo, a narrativa busca desvelar como a população negra forjou trajetórias individuais e laços comunitários em uma cidade-diáspora marcada pelas disputas em torno do projeto "civilizatório" das elites brancas. O filme é um dos mais utilizados nas escolas a partir do CurtaEducação. 

Sousa contou que, durante o processo de produção dos filmes, a dupla nem sempre concorda, mas o ponto é justamente esse: a importância do debate. "Principalmente com os documentários, pensamos em como esses filmes podem favorecer ou facilitar debates – não só na escola, mas em qualquer outro lugar. Quando criamos nossos documentários, pensamos em qual é o público-alvo, claro, mas ao pensar nisso não trazemos essa perspectiva de ser um filme pedagógico, e sim um filme que proporcione debate", explicou. "Nossos filmes trazem perspectivas contemporâneas sobre determinados temas. E um ponto fundamental é não menosprezar o público. Os filmes podem circular no ensino básico, médio, graduação, pós-graduação… Pensamos que eles podem passar por diferentes espaços de ensino, contribuindo para o debate e sendo usados como material de apoio. Eles contribuem com a formação dos professores também, e não só dos estudantes. É uma via de mão dupla", acrescentou.

Barbosa concorda que parte do processo de se pensar e conceber um filme passa justamente por não subestimar o público, não optando por um caminho que circunscreva a audiência e limite aquilo que a obra pode alcançar: "A gente não controla por onde o filme vai circular, nem aquilo que vai ser debatido depois. Com esses debates, nós realizadores também aprendemos ainda mais sobre o filme e a temática que ele aborda. Começamos a pensar nossos filmes de maneiras diferentes a partir dos debates que participamos. Temos a convicção de como o filme segue mudando aqueles que o realizaram também. Um filme pode construir novas possibilidades de abordagem e perspectiva dentro de um mesmo assunto, apresentando co nevões que não eram dadas para nós antes". Para o realizador, produzir um filme é buscar ao máximo a ousadia de reinterpretar coisas, olhando de outra maneira para o assunto em questão, pisando no presente e também mirando o futuro.  

Carlos Seabra, sócio-diretor da Oficina Digital, empresa de assessoria e desenvolvimento de projetos lúdicos, educacionais e de comunicação, salientou que, com a Internet e o ambiente digital, esse processo de distribuição audiovisual, inclusive nas escolas, ficou ainda mais fácil – mas há o problema dos algoritmos, uma vez que quem comanda o digital hoje são as big techs. "Existe um projeto de poder, com algoritmos que determinam o que as pessoas assistem ou deixam de assistir", destacou.

É justamente nesse contexto que o uso dos conteúdos audiovisuais nas escolas é ainda mais relevante. "E não é só ver o filme – precisa do debate. Quando você discute o filme, bate um papo a respeito, aí sim você está construindo sinapses. Isso é apropriação do conteúdo. Caso contrário, entra por um ouvido e sai pelo outro. Não é fácil fazer debates com mais significado – principalmente na escola. Por isso precisamos simplificar. A escola não está habituada a debater. Por mais que a educação tenha se democratizado, ainda segue-se muito aquele modelo do professor como emissor do saber. Ele fala e os alunos ouvem. Precisamos reinventar o debate, especialmente nas escolas. Isso é fundamental. Ver um filme em sua plenitude é trocar opiniões a respeito", afirmou. Nesse sentido, Seabra defendeu que os professores devem ser propositivos, fazendo do debate uma coisa viva. "Paulo Freire já era contra essa educação baseada na mera transmissão de informações. O conhecimento é construído pelos indivíduos, e não comunicado", observou. 

Ele concorda com Nascimento no sentido de que utilizar audiovisual em sala de aula demanda planejamento. "Você exibe o filme, propõe uma discussão, relaciona com um fato recente. Principalmente com os curtas, os alunos podem assistir tudo de uma vez e depois reassistirem com o professor fazendo pausas, com mini-debates durante o filme. O curta permite isso, ou seja, trabalhar com pequenos segmentos", sugere. 

Adaptação ao público

É claro que, em tempos de redes sociais e um verdadeiro bombardeio de conteúdos audiovisuais, especialmente aqueles mais curtos e rápidos, despertar a atenção do aluno para um conteúdo mais longo ou profundo é desafiador. Para Seabra, a estratégia é basicamente "falar na língua deles", colocando conteúdos relevantes nessas plataformas. "Único jeito de contrariamos isso é tendo um projeto próprio de uso dessas redes. Que passa por uma regulamentação, claro, mas trabalhando essa dopamina que elas geram a nosso favor". 

Letícia Couto, coordenadora de comunicação do Instituto Claro, que é responsável pela área social da empresa, contou que o Instituto possui um canal no Tiktok feito por e para professores. "No segundo semestre, vamos lançar uma série de planos de aula de livros da Fuvest. Até pensamos em fazer um vídeo do TikTok por obra, mas não dá. Não tem como resumir tanto. Por isso optamos por um formato mais longo. Mas tem muita coisa que dá pra fazer no TikTok, no Instagram. Acredito nisso: em fazermos produção de qualidade em todos os formatos. Se é esse formato que está sendo consumido pelos jovens, que eles tenham acesso a conteúdos de qualidade nesse formato", defendeu.

O Instituto Claro tem um grande volume de produção de conteúdo em educação e cidadania. "Mais do que investir e produzir esse material, temos muita responsabilidade com ele, pensando especialmente nessa quantidade de conteúdo que chega para as pessoas, nessa produção descontrolada. Queremos garantir, ali no detalhe, a qualidade. Temos uma equipe que envolve coordenador pedagógico, jornalista, enfim, pessoas que foram cuidadosamente escolhidas. E ouvimos muito os professores também. Temos esse cuidado de não achar que sabemos o que o professor quer. A gente não sabe, temos que ouvir deles – como a gente pode contribuir, que materiais podemos fornecer. Buscamos também sempre levar temas atuais para a sala de aula, pensando no que está sendo falado agora e no que ainda tem pouco material disponível. O desafio é fazer com que esse conteúdo chegue, por isso trabalhamos muito nas nossas redes sociais e na comunicação. Também damos muito espaço a outros formatos de produção de materiais, como vídeo, podcast e reportagem, trabalhando diferentes formatos para, de fato, chegarmos a públicos diferentes, alunos e professores diferentes, com demandas diferentes", detalhou Couto. 

Distorção de políticas públicas

Por fim, Sousa aproveitou a oportunidade para refletir sobre a produção e o atual espaço dos curtas-metragens no Brasil. Sua produtora, a Quiprocó Filmes, já produziu cerca de 15 curtas e dois longas. Na classificação da Ancine, eles são uma produtora de "Nível 2". Para subir de nível, eles precisam produzir novos longas. "A questão é que a produção de curtas não conta nada. Podemos produzir 200 curtas que continuaremos no mesmo nível. Há aí uma distorção – e estamos num momento de muitas distorções nas políticas públicas para o audiovisual brasileiro. Já temos três anos nesse governo e pouco se avançou – na regulação do streaming, na regulação das telas como deveria, na lei do curta… Quando a gente não avança na regulação do streaming, deixamos de arrecadar um monte de recursos que poderiam estar sendo investidos no audiovisual. É uma distorção geral do ponto de vista de políticas públicas. Para quem está do lado da produção, sobretudo as pequenas produtoras – que produzem muitas vezes esses curtas-metragens, nem se fala. Esse Ministério está fraco e precisa operar", concluiu o diretor. 


 


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