Num episódio recente e pouco
noticiado, TCU cobrou da organização da micareta a devolução de R$4
milhões aos cofres do Ministério do Turismo. O que restou à cultura
popular sergipana?
*por Rian Santos
O Tribunal de Contas da União passou um
pente fino na papelada da Associação Sergipana de Blocos e Trios (ASBT) e
condenou a turma do empresário Fabiano Oliveira a devolver cerca de R$ 4
milhões aos cofres do Ministério do Turismo. Até aí, novidade nenhuma. A
decisão foi tomada em sessão ordinária realizada há quase duas semanas,
no último dia de março. A ausência de qualquer menção ao episódio nos
principais veículos de comunicação da capital sergipana, contudo, dá
relevo aos critérios de noticiabilidade empregados pela meia dúzia que
detém o controle dos jornais impressos, além das concessões de rádio e
televisão que servem aos sergipanos. Informação é poder. Notícia é
mercadoria. Função social? Ninguém sabe. Ninguém viu.
A elite política do Estado pode insistir
nas alegadas virtudes da prévia carnavalesca promovida pela ASBT o
quanto bem entender, mas o Pré Caju continuará sendo uma festa de
caráter estritamente privado. A playboyzada branquela, bem nascida e
meio desmiolada que brinca amparada pela corda sabe. E a negada que pula
atrás do trio, na pipoca, também. Não explica o entusiasmo de
governadores, prefeitos, parlamentares de todas as esferas da
administração pública e matizes ideológicas com os batuques dos outros.
Antes, ilumina a degeneração dos valores em voga aqui e agora, bem
embaixo do nariz de todo mundo.
Dois mais dois é igual a quatro. Se o
intento comercial e pecuniário de uns poucos justifica a mobilização de
todo o aparelho público do lugar, significa dizer, ao mesmo tempo, que a
política pode se converter em um exercício a serviço de grupos
restritos. Por isso alguns conseguem captar milhões para promover a
pegação de um bando leitimcumpêra junto a uma instância superior do Governo Federal, num estalar de dedos (micareta é festa pra beijar na boca). It’s all business.
Aos Encontros Culturais do interior sergipano, eventos que já atraíram a
atenção do país inteiro para os batuques da gente, gerando emprego e
renda por meio de uma aliança imbatível entre Cultura e Turismo, no
entanto, não se destina mais nem um tostão furado.
Reza a lenda que político não costuma
dar ponto sem nó. Se for mesmo verdade, o Pré Caju é um grande negócio.
As maiores divergências já foram silenciadas pelos pracatuns que
transbordam dos trios elétricos ao longo da Avenida Beira Mar. O
Corredor da Alegria ganhou status de palanque suprapartidário. Gregos e
troianos abraçados nos camarotes. Abadás coloridos sobre as bandeiras
desbotadas de antigamente.
De acordo com matéria do jornalista
Lucio Vaz publicada pelo Correio Braziliense há um bom par de anos, em
2011, quando causou certo rebuliço, Jackson Barreto (PMDB), Albano
Franco (PSDB) Jerônimo Reis (DEM), José Carlos Machado (DEM) e Valadares
Filho (PSB), além do baiano Emiliano José (PT), então deputados
federais, destinaram quase R$ 16 milhões em emendas parlamentares para
que a ASBT promovesse três edições de uma prévia carnavalesca que
afronta claramente uma série de direitos dos cidadãos sergipanos,
impedidos de trafegar livremente pelas principais artérias da cidade nos
dias de festa. Isso, pra não mencionar a conivência de governadores e
prefeitos com a gastança ao longo dos últimos 23 anos, quando assumiram
completa responsabilidade pela segurança, limpeza e organização do
evento. Esquerdistas e direitosos irmanados, braços dados em prol do axé
baiano.
A boa vontade dos entes públicos com os
promotores do Pré Caju, no entanto, não para por aí. A festa foi
incluída no calendário turístico e cultural da capital por lei municipal
em 1993. Três anos depois, outra lei reconheceu a ASBT como entidade
gestora e organizadora do evento. Depois, a associação foi agraciada com
o certificado de utilidade pública estadual, sem fins lucrativos. Hoje,
a micareta é reconhecida pelas autoridades como um evento estratégico,
uma das principais cartadas para promover o turismo local. Os gestores
não explicam, contudo, porque depois do investimento vultoso, realizado
durante mais de duas décadas a fio, nem mesmo aquele que já foi o
principal financiador da festa reconhece a capital sergipana como
destino apropriado para os visitantes.
Foi o Ministério do Turismo quem indicou
os 184 destinos adequados para receber os turistas durante a Copa do
Mundo de 2014. No Nordeste, foram contempladas cidades do Maranhão, Rio
Grande do Norte, Piauí, Pernambuco, Paraíba, Alagoas, Bahia e Ceará.
Entre os nove estados nordestinos, Sergipe foi o único deixado de fora. E
não poderia ser diferente. A ausência de investimento na cadeia
produtiva da cultura local redundou numa espécie de não-lugar simbólico,
sobre o qual nenhum traço de autenticidade prospera. Há, sim, sopapos
de inspiração genuína. Mas sem a criação de mercado, estes ficam
reduzidos a esforços individuais, sem a necessária abrangência e pujança
de uma indústria criativa, capaz de atrair a curiosidade dos milhares
interessados na descoberta de valores locais.
Os R$ 4 milhões reclamados à turma de
Fabiano não vão comprometer as próximas edições da festa. Uma pena. A
latinha de cerveja descartada no meio da bagunça não resolve a vida de
ninguém. Riqueza de verdade está no gosto de tapioca amanhecido nas
feições da gente.
*Rian Santos é jornalista.Pre-caju no blog da Ação Cultural AQUI
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