segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

A revolução digital cultural de Juca Ferreira e seus malucos-belezas


Conheci Juca Ferreira no inicio da gestão Gilberto Gil no Ministério da Cultura.
Ele havia lido artigos meus, dos anos 90, defendendo a criação de uma economia da música brasileira. Dizia, então, não apenas do potencial econômico da música brasileira, mas diplomático e de marketing da marca Brasil.
A seu pedido, fiz uma palestra em uma encontro de Conselhos de Música estaduais. Lembro-me ter falado do avanço das então incipientes redes sociais e da importância de se definir uma estratégia de inserção da música brasileira nesse novo ambiente.
A marca Brasil tinha três ingredientes fortes para conquistar a juventude mundial: meio ambiente, sensualidade e jeito descolado e alegre do brasileiro. E o meio digital era o adequado para propagar esses valores, porque trabalhando com imagens (e cores) e música. Sugeria a criação de departamentos que preparassem divulgadores para entrar nas redes sociais vendendo o modo de ser brasileiro.
Só faltava o modelo de negócios, campo no qual os norte-americanos são imbatíveis.
Dei algumas sugestões que não avançaram por razões de burocracia.
Mais importante, no grupo trazido por Gil conheci um grupo de pensadores digitais definitivamente antenados com o novo, a começar do maluco-beleza Cláudio Prado. E, principalmente, com a visão da arte como um fator cultural e de integração dos diversos Brasis. Tudo sob a batuta de Juca.
Lembrei-me do período Francisco Weffort na Cultura de FHC. Quando comecei meus escritos sobre a economia da música, Weffort convidou-me a integrar um futuro Conselho da MPB. Declinei do convite mas me dispus a acompanhar as reuniões, para poder sugerir temas e divulgar decisões.
A primeira reunião teria sido um regalo, se os músicos se limitassem a tocar: um grupo de músicos fantásticos... com seus instrumentos. Mas as ideias! A primeira proposta foi a de que as verbas da Cultura deveriam passar pelo conselho para impedir que fossem desperdiçadas com “bandinhas do interior”. A reunião vazou e o Conselho morreu.
Ficou claro, desde aquele momento, a dificuldade de tratar com um meio como a música e as artes em geral, com muito talento mas muito ego impedindo qualquer ação mais racional. E nas reuniões com os conselhos de música, já na era Gil, essa dificuldade era nítida.
No meio do encontro, um grande pianista do Rio insurgiu-se contra os produtores, dizendo que na cadeia produtiva da música o elo mais importante era o músico. Disse-lhe que não. No Brasil, o músico era matéria prima abundante e de alta qualidade. O elo mais importante era a pessoa que pudesse pensar novos modelos de negócio.
Mas o exército mambembe de Gil conseguiu proezas inacreditáveis.
A cultura tem um lado tradicional (a cultura regional), um lado empresarial (a indústria do audiovisual) e um lado transgressor (os jovens definitivamente fora do eixo). A estratégia de Juca contemplava as três frentes.
Em relação à cultura regional, os Pontos de Cultura foram uma política de ruptura. Selecionavam grupos de cultura variados, de tribos indígenas a jovens de periferia, entregavam equipamentos de audiovisual e cursos para que pudessem produzir seus vídeos.
Fiz um Brasilianas com um encontro desses grupos em Fortaleza, a Teia, como diziam. Grupos indígenas, quilombolas, sambistas, maracatus desfilando pelas ruas da cidade, em um espetáculo inesquecível de brasilidade. O projeto esbarrou na burocracia da prestação de contas.
Em relação à indústria do audiovisual, em vez da mera distribuição de verbas, o MinC definiu políticas estruturantes, como a Lei do Cabo, que induziu os canais a cabo a investir em coprodução com empresas nacionais. Houve um renascimento da indústria, com a consolidação de inúmeras empresas produzindo filmes ou prestando serviços terceirizados para empresas estrangeiras.
Em relação aos fora do eixo, as verbas da Cultura permitiram a criação de circuitos nacionais de shows organizados por novos grupos definitivamente “udigrudis”. Na juventude, o próprio Juca, assim como Cláudio Prado, morou em comunidades que pretendiam criar sua própria economia.
Sua nomeação para Ministro permitirá a retomada dessas estratégias. E também um bônus extra para o governo Dilma. Se a intenção da presidente, depois de eleita, é se aproximar também dos novos movimentos digitais, encontrou o interlocutor perfeito.
A presença de Capilé – o controvertido e brilhante guru das Casas Fora do Eixo – no coquetel de posse de Dilma já foi um sinal.
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O MinC e a mídia. A Cultura estará no centro dos embates politicos e da mídia porque atravessa disputas decisivas em torno da democracia direta e da ruidocracia. 
"(...) A pergunta que fica é: por que o ministério que possui o menor orçamento de toda a Esplanada merece uma atenção tão minuciosa da mídia sobre cada um dos nomes que estão sendo indicados para compor a equipe?" 
"(...) Desde que a presidenta Dilma Rousseff começou a anunciar o seu novo ministério, notícias e mais notícias sobre os indicados surgiram na imprensa. Contudo, as matérias ou entrevistas nunca passaram muito além dos perfis dos novos ministros. Do ministério da Fazenda ao ministério da Educação, as novas equipes indicadas pelos ministros passaram completamente em branco. Com a exceção do ministério da Cultura...
"Primeiro foi o jornalista Fernando Molica no jornal O Dia. Molica utilizou metade de sua coluna diária para tecer sua crítica contra a professora Ivana Bentes, nova Secretária de Cidadania e Diversidade Cultural do ministério. O curioso foi o método utilizado pelo jornalista: uma busca completa por todo o histórico de Ivana no Facebook para apontar os momentos em que a professora fez críticas ao governo. Até mesmo a participação em um debate ao lado da black bloc Sininho foi apontada em tom de denúncia. Poucos sabem, mas o filho de Fernando Molica, Julio Molica, foi o repórter da Globonews agredido pelos black blocs em 2013. Mas aí já é outra história..."
" No dia seguinte foi a vez do jornal O Globo fazer matéria de meia página sobre a história de Ivana Bentes e os motivos pelos quais foi indicada para a Cultura. Nenhum fato desabonador sobre Ivana apareceu na matéria, apenas suas posições políticas. Meia página para contar a história de uma indicada para uma secretaria interna da Cultura. Um privilégio que nenhum outro ministério teve. Como diria Ancelmo Gois: "Parece estranho. E é".
"A estranheza, todavia, acabou-se. Hoje foi o editorial do Estadão que mirou no ministério. Intitulado "Cultura sem chefe" o jornal foi bem didático em explicar para os desavisados quais são os motivos que estão levando a imprensa a avançar sobre o novo ministro Juca Ferreira e sua equipe. O jornal ataca o fato de Juca ter anunciado a criação do "Gabinete Digital", espaço de participação na internet para consulta pública sobre as ações do ministério.
"Nas palavras do editorial do centenário jornal paulista, "a proposta parte de uma visão ideológica da coisa pública, em que os cidadãos organizados e os movimentos sociais seriam os verdadeiros titulares da administração". Diz ainda que, "na prática, ao propor a participação social como estratégia de gestão de um ministério, está deixando o Ministério com outras pessoas".
" Pronto. De forma clara e legítima o Estadão explicou para todos nós qual o principal motivo do ministério da Cultura merecer tanto apedrejamento por parte da imprensa, tal qual uma Geni. O motivo é o desprezo que certa imprensa comercial possui por qualquer ação que vise a participação e deliberação popular. Mas desse programa político Juca Ferreira e sua equipe - Ivana Bentes e João Brant - parecem não abrir mão. Ainda bem."
Theófilo Rodrigues é cientista político.
http://www.conexaojornalismo.com.br/colunas/politica/brasilia/por-que-o-ministerio-da-cultura-e-a-nova-geni-76-37048

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