Pouco
depois de chegar a São Paulo, fui a uma loja na Vila Madalena comprar
um violão. O atendente, notando meu sotaque, perguntou de onde eu era.
Quando respondi "de Londres", veio um grande sorriso de aprovação.
Devolvi a pergunta e ele respondeu: ‘sou deste país sofrido aqui’.
Fiquei
surpreso. Eu - como vários gringos que conheço que ficaram um tempo no
Brasil - adoro o país pela cultura e pelo povo, apesar dos problemas. E
que país não tem problemas? O Brasil tem uma reputação invejável no
exterior, mas os brasileiros, às vezes, parecem ser cegos para tudo
exceto o lado negativo. Frustração e ódio da própria cultura foram
coisas que senti bastante e me surpreenderam durante meus 6 meses no
Brasil. Sei que há problemas, mas será que não há também exagero (no
sentido apartidário da discussão)?
Tem
uma expressão brasileira, frequentemente mencionada, que parece resumir
essa questão: complexo de vira-lata. A frase tem origem na derrota
desastrosa do Brasil nas mãos da seleção uruguaia no Maracanã, na final
da Copa de 1950. Foi usada por Nelson Rodrigues para descrever “a
inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do
resto do mundo”.
E, por todo lado, percebi o que gradualmente
comecei a enxergar como o aspecto mais 'sofrido' deste país: a
combinação do abandono de tudo brasileiro, e veneração, principalmente,
de tudo americano. É um processo que parece estrangular a identidade
brasileira.
Sei
que é complicado generalizar e que minha estada no Brasil não me torna
um especialista, mas isso pode ser visto nos shoppings, clones dos
'malls' dos Estados Unidos, com aquele microclima de consumismo frígido e
lojas com nomes em inglês e onde mesmo liquidação vira 'sale'. Pode ser
sentido na comida. Neste "país tropical" tão fértil e com tantos
produtos maravilhosos, é mais fácil achar hot dog e hambúrguer do que
tapioca nas ruas. Pode ser ouvido na música americana que toca nos
carros, lojas e bares no berço do Samba e da Bossa Nova.
Pode ser visto também no estilo
das pessoas na rua. Para mim, uma das coisas mais lindas do Brasil é a
mistura das raças. Mas, em Sampa, vi brasileiras com cabelo loiro
descolorido por toda a parte. Para mim (aliás, tenho orgulho de ser
mulato e afro-britânico), dá pena ver o esforço das brasileiras em criar
uma aparência caucasiana.
Acabei concluindo que, na metrópole
financeira que é São Paulo, onde o status depende do tamanho da carteira
e da versão de iPhone que se exibe, a importância do dinheiro é
simplesmente mais uma, embora a mais perniciosa, importação americana.
As duas irmãs chamadas Exclusividade e Desigualdade caminham de mãos
dadas pelas ruas paulistanas. E o Brasil tem tantas outras formas de
riqueza que parece não exaltar...
Um dos meus alunos de inglês,
que trabalha em uma grande empresa brasileira, não parava de falar sobre
a América do Norte. Idealizou os Estados Unidos e Canadá de tal forma
que os olhos dele brilhavam cada vez que mencionava algo desses países.
Sempre que eu falava de algo que curti no Brasil, ele retrucava
depreciando o país e dando algum exemplo (subjetivo) de como a América
do Norte era muito melhor.
O Brasil está passando por um período
difícil e, para muitos brasileiros com quem falei sobre os problemas, a
solução ideal seria ir embora, abandonar este país para viver um
idealizado sonho americano. Acho esta solução deprimente. Não tenho
remédio para os problemas do Brasil, obviamente, mas não consigo me
desfazer da impressão de que, talvez, se os brasileiros tivessem um
pouco mais orgulho da própria identidade, este país ficaria ainda mais
incrível. Se há insatisfação, não faz mais sentido tentar melhorar o
sistema?
Destaco aqui o que vejo como um uma segunda colonização
do Brasil, a colonização cultural pelos Estados Unidos, ao lado do
complexo de vira-latas porque, na minha opinião, além de andarem juntos,
ao mesmo tempo em que existe um exagero na idealização dos americanos,
existe um exagero na rejeição ao Brasil pelos próprios brasileiros. É
preciso lutar contra o complexo de vira-latas. Uma divertida, porém
inspiradora, lição veio de um vendedor em Ipanema. Quando pedi para ele
botar um pouco mais de 'pinga' na caipirinha, ele respondeu: "Claro,
(mermão) meu irmão. A miséria tá aqui não!" Viva a alma brasileira!
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