Esperados 250 mil para beatificação de Dom Romero
Cidade do Vaticano (RV) – Após a sua
beatificação, em São Salvador, sábado, 23 de maio, Dom Óscar A. Romero
continuará a ter sua festividade litúrgica em 24 de março, dia de seu
assassinato em 1980. Havia dúvidas em relação à viabilidade de manter a
data devido à sua sobreposição frequente com as celebrações da Semana
Santa e da Páscoa.
São Salvador agora se prepara para receber pelo menos 250 mil pessoas
na Praça das Américas e seus arredores, fiéis e devotos do primeiro
beato salvadorenho. A cerimônia está programada para as 10h da manhã e
atualmente está sendo construído o pequeno templo ao ar livre.
Nesta segunda-feira (18/05), numa coletiva de imprensa no local da
beatificação foram dadas informações adicionais sobre o evento. Os
organizadores informaram que:
A Igreja concederá indulgência plenária aos peregrinos que
participarem da beatificação e cumpram com os demais requisitos para
esta graça;
O Vice-Postulador Mons. Rafael Urrutia informou que a Igreja
salvadorenha está investigando mais de 500 outros possíveis casos de
martírio para propô-los para canonização, incluindo o Pe. Rutilio
Grande, cuja causa já está em andamento;
A cerimônia será transmitida em cadeia nacional de TV em El Salvador e por 14 emissoras internacionais;
Estão previstos detalhes comoventes: quando os dons eucarísticos
serão levados ao altar, o ofertório incluirá um livro contendo os
Acordos de Paz de El Salvador, que puseram fim à guerra civil de 1980 a
1992 no país centro-americano;
O Cardeal Angelo Amato, Prefeito da Congregação das Causas dos
Santos, que presidirá a cerimônia, publicou o livro “Beato Oscar
Romero”, o que demonstra a grande importância para a Igreja da
beatificação de Dom Romero;
Ao longo de todas as avenidas que confluem na Praça das Américas
serão instalados telões gigantes para que os fiéis possam acompanhar a
cerimônia;
Espera-se a participação de pelo menos 12 Chefes de Estado, além dos
vice-Presidentes de Cuba e Costa Rica. Aguardam-se delegações de Brasil,
Colômbia, Chile, Estados Unidos, Itália, México, Nicarágua, Uruguai e
membros da Organização dos Estados Americanos (OEA);
O governo assegurou um aparato de segurança com 45 mil pessoas entre grupos de socorro, bombeiros e corpos da polícia;
No âmbito das atividades programadas, consta uma peregrinação até a
Catedral Metropolitana, onde descansam os restos do Arcebispo mártir;
No dia da beatificação, mais de 1.100 sacerdotes se prepararão para a
cerimônia no Seminário San José de La Montaña e também irão até a Praça
em procissão. O lugar teve significado especial na vida de Dom Romero
porque boa parte de sua formação sacerdotal foi feita ali, onde também
conheceu o sacerdote jesuíta Rutilio Grande, que se tornou um dos seus
mais próximos amigos;
Pe. Grande também foi assassinado, três anos antes que Romero, em 12
de março de 1977. Muitos asseguram que este crime causou uma importante
mudança na vida de Dom Romero. Muitos de seus escritos realizados em
décadas anteriores já relatavam sua preocupação com a injustiça social,
sobretudo no interior do país.
(CM)
Cutumay Camones
Cutumay Camones - Red Latinoamericana de Historia Oral
A beatificação de D. Romero. Uma vitória para o Papa Francisco
A beatificação no dia de hoje, 23 de maio, de D. Oscar Romero, é uma
demonstração da natureza radical da revolução que o Papa Francisco está
realizando", afirma Paul Vallely, em comentário publicado no jornal The New York Times, 22-05-2015. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Paul Vallely é professor de ética pública na University of Chester, na Inglaterra, e autor da biografia “Pope Francis: The Struggle for the Soul of Catholicism”, a ser publicado em breve. Ele também é autor de uma biografia muito comentada do Papa Francisco. Trata-se do livro Pope Francis: Untying the Knots. London: Bloomsbury, 2013.
Segundo ele, "a beatificação de Oscar Romero é,
pois, motivo para um regozijo duplo. Ela honra um homem cujo amor pela
justiça e o foco nos pobres eram uma manifestação direta de sua fé. Mas
ela também revela que, com a chegada do Papa Francisco, algumas das forças das trevas que se esconderam no Vaticano nas décadas recentes foram, finalmente, derrotadas".
Eis o comentário.
O arcebispo assassinado Oscar Arnulfo Romero está na
reta final de um caminho tortuoso para a santidade com a realização de
sua beatificação neste sábado. Esta ocasião fez se realizarem
celebrações da mais alta ordem em El Salvador, sua
terra natal. Porém o evento envolve um regozijo muito mais amplo – pois
revela uma vitória contra algumas influências malignas de dentro da
Igreja e dá provas da natureza radical da revolução que o Papa Francisco está forjando em Roma.
Dom Romero foi atingido e morto no altar enquanto
celebrava missa em San Salvador no ano de 1980. O seu assassino fazia
parte de um dos esquadrões da morte que davam sustentação a uma aliança
pecaminosa entre proprietários de terras, o exército e segmentos da
Igreja Católica no momento em que o país se movia em direção a uma
guerra civil. O crime do arcebispo havia sido ordenar que os soldados
parassem de matar civis inocentes. A elite de extrema-direita viu-o como
um apologista da revolução marxista – uma difamação que indivíduos da
alta hierarquia vaticana alimentaram durante três décadas e que, agora, o
Papa Francisco finalmente silenciou.
A principal preocupação de tais críticos era que esta sua canonização acabasse sendo um endosso eficaz para Teologia da Libertação;
muitos temiam que ela iria permitir a infiltração do comunismo na
América Latina. Tal pensamento era uma caricatura intencional do
movimento que sustentava a ideia segundo a qual os Evangelhos carregam
uma “opção preferencial pelos pobres” e insistia que a Igreja tinha o
dever de trabalhar pela libertação social e econômica dos oprimidos bem
como pelo seu bem-estar espiritual. Esta representação equivocada
alcançou o seu ápice nas calúnias grosseiras perpetradas contra o
arcebispo, tanto durante a sua vida quanto depois da sua morte.
Quando se tornou arcebispo de San Salvador, a oligarquia do país esperava que o Dom Romero fosse um prelado de confiança. A sua formação era a de um religioso conservador e a sua espiritualidade baseava-se naquela do Opus Dei,
grupo de sacerdotes e leigos profundamente tradicionais. Porém ele
ficou indignado com a violência crescente contra os pobres e contra os
que os defendiam.
Dentro de algumas semanas depois da sua instalação como arcebispo, um de seus sacerdotes – um amigo próximo, o padre Rutilio Grande
– foi assassinado por apoiar alguns camponeses que protestavam pela
reforma agrária e por melhores salários. Vários sacerdotes foram mortos
depois disso, embora em 1979 estes formavam somente uma pequena parcela
das 3 mil pessoas, em princípio, assassinadas todos os meses no país.
Quando um jornalista perguntou sobre o que fez na qualidade de
arcebispo, Romero respondeu: “Eu recolhi os corpos”.
Na medida em que a violência piorava, Dom Romero
se tornava mais crítico em seus sermões, os quais eram transmitidos em
rede nacional. Neles, o religioso condenava a opressão e dizia às
pessoas que Deus estava com elas.
Ainda que Dom Romero não fosse um teórico da libertação, Dom Vincenzo Paglia,
o principal defensor da causa da canonização, chamou-o de “mártir da
Igreja do Concílio Vaticano II” porque a sua decisão de “viver com os
pobres e defendê-los da opressão” advinha diretamente dos documentos do Vaticano II.
Tampouco era ele um teórico marxista. Em um sermão de 1978, disse:
“Uma Igreja marxista não seria só autodestrutiva, mas também sem
sentido”, pois “o materialismo destrói o significado transcendente da
Igreja”.
Este era, porém, um ambiente no qual qualquer um que levantasse a voz em nome da justiça acabava sendo rotulado como comunista.
As elites sociais, militares e eclesiásticas de El Salvador
estavam profundamente infelizes com o arcebispo. As 14 famílias que
controlavam a economia e que faziam grandes doações à Igreja enviavam um
fluxo constante de queixas a Roma. Elas acusavam Dom Romero
de se intrometer na política, ratificando o terrorismo e abandonando a
missão espiritual da Igreja de salvar almas. Quatro bispos, preocupados
que o arcebispo estava questionando os laços deles com a oligarquia,
começaram a se manifestar, com virulência, contra ele.
Os diários copiosos de Dom Romero desmentem todas as afirmações feitas pelos seus críticos. O mesmo fez o dossiê que ele deu ao Papa Paulo VI em uma audiência privada, que terminou com o pontífice instando-o: “Coragem! Ânimo. Tu és o responsável”.
No entanto, Dom Romero percebeu uma mensagem muito diferente quando foi chamado a Roma pelo Cardeal Sebastiano Baggio,
então prefeito da Congregação para os Bispos. Este cardeal falou que
ele estava com um volume sem precedentes de queixas contra Dom Romero. O despacho de acusação estava cheio de alegações ferozes e distorções perniciosas, e Dom Romero
ficou angustiado porque o cardeal tinha claramente acreditado nelas. De
novo, ele foi até o papa, que novamente o instou: “procede com
coragem”.
Mas o papa seguinte, João Paulo II, tinha pouco conhecimento sobre a América Central e confiou no conselho de autoridades curais hostis ao arcebispo. O Cardeal Baggio enviou um inspetor vaticano a El Salvador, que recomendou destituir Romero de suas funções. O arcebispo apelou a João Paulo II, que pediu que seus críticos moderassem em suas atitudes para com o prelado.
Após o assassinato, os seus inimigos deram início a três décadas de
manobras que buscavam evitar que ele fosse declarado oficialmente santo.
Uma série de táticas foram postas em prática para impedir que isso
acontecesse, tudo liderado pela mesma pessoa que havia recebido a tarefa
de defender a causa [de beatificação] de Dom Romero: o Cardeal Alfonso López Trujillo, religioso colombiano profundamente avesso à Teologia da Libertação. Anos se passaram enquanto as autoridades vaticanas examinavam os escritos de Dom Romero em busca de erros doutrinais. Quando nada encontraram aqui, os críticos mudaram de posição para argumentar que ele – Dom Romero – não havia sido morto por sua fé, mas por suas “declarações políticas”.
Os que apoiavam Dom Romero culpavam os papas conservadores, que seriam contrários à Teologia da Libertação, mas isso não é justo. Em 1997, João Paulo II condecorou Romero
com o título de Servo de Deus e, em 2003, disse a um grupo de bispos
salvadorenhos que o prelado centro-americano era um mártir.
Em 2007, Bento XVI chamou-o de “um homem de grande virtude cristã”. E acrescentou: “Que Romero
como pessoa merece a beatificação, eu não tenho dúvida”. (Esta última
frase foi estranhamente cortada da transcrição disponível no sítio do
Vaticano.) Um mês antes de renunciar, Bento XVI deu ordens para que o processo de canonização de Dom Romero fosse desbloqueado.
Foi a chegada do Papa Francisco – que prontamente
engendrou uma reaproximação entre o Vaticano e a Teologia da Libertação –
o que finalmente fez as coisas andarem. A causa de Dom Romero,
disse ele aos jornalistas, estava “bloqueada na Congregação para a
Doutrina da Fé ‘por prudência’”. Mas acrescentou: “Para mim, Romero é um homem de Deus”.
Nesse sentido, o organismo competente dos teólogos declarou, universalmente, que Dom Romero não havia sido morto por motivos políticos, mas tinha de fato morrido por causa do odium fidei – ódio à fé. Francisco prontamente o declarou mártir, e o caminho para a santidade estava aberto.
Para o Papa Francisco, esta ação era algo evidente.
Ele disse, em seu segundo dia de como papa, que queria uma “Igreja pobre
para os pobres”. E escreveu, em seu documento Evangelii Gaudium: “Há que afirmar, sem rodeios, que existe um vínculo indissolúvel entre a nossa fé e os pobres”.
A beatificação de Oscar Romero é, pois, motivo para
um regozijo duplo. Ela honra um homem cujo amor pela justiça e o foco
nos pobres eram uma manifestação direta de sua fé. Mas ela também revela
que, com a chegada do Papa Francisco, algumas das forças das trevas que se esconderam no Vaticano nas décadas recentes foram, finalmente, derrotadas.
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