terça-feira, 2 de janeiro de 2024

MENSAGEM DO SANTO PADRE FRANCISCO PARA A CELEBRAÇÃO DO DIA MUNDIAL DA PAZ 1º DE JANEIRO DE 2024 INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E PAZ

 

No início do novo ano, tempo de graça concedido pelo Senhor a cada um de nós, quero dirigir-me ao Povo de Deus, às nações, aos Chefes de Estado e de Governo, aos Representantes das diversas religiões e da sociedade civil, a todos os homens e mulheres do nosso tempo para lhes expressar os meus votos de paz.

1. O progresso da ciência e da tecnologia como caminho para a paz

A Sagrada Escritura atesta que Deus deu aos homens o seu Espírito a fim de terem «sabedoria, inteligência e capacidade para toda a espécie de trabalho» (Ex 35, 31). A inteligência é expressão da dignidade que nos foi dada pelo Criador, que nos fez à sua imagem e semelhança (cf. Gn 1, 26) e nos tornou capazes, através da liberdade e do conhecimento, de responder ao seu amor. Esta qualidade fundamentalmente relacional da inteligência humana manifesta-se de modo particular na ciência e na tecnologia, que são produtos extraordinários do seu potencial criativo.

Na Constituição pastoral Gaudium et spes, o Concílio Vaticano II reafirmou esta verdade, declarando que «sempre o homem procurou, com o seu trabalho e engenho, desenvolver mais a própria vida». [1] Quando os seres humanos, «recorrendo à técnica», se esforçam por que a terra «se torne habitação digna para toda a humanidade», [2] agem segundo o desígnio divino e cooperam com a vontade que Deus tem de levar à perfeição a criação e difundir a paz entre os povos. Assim o próprio progresso da ciência e da técnica – na medida em que contribui para uma melhor organização da sociedade humana, para o aumento da liberdade e da comunhão fraterna – leva ao aperfeiçoamento do homem e à transformação do mundo.

Justamente nos alegramos e sentimos reconhecidos pelas extraordinárias conquistas da ciência e da tecnologia, graças às quais se pôs remédio a inúmeros males que afligiam a vida humana e causavam grandes sofrimentos. Ao mesmo tempo, os progressos técnico-científicos, que permitem exercer um controle – até agora inédito – sobre a realidade, colocam nas mãos do homem um vasto leque de possibilidades, algumas das quais podem constituir um risco para a sobrevivência humana e um perigo para a casa comum. [3]

Deste modo os progressos notáveis das novas tecnologias da informação, sobretudo na esfera digital, apresentam oportunidades entusiasmantes mas também graves riscos, com sérias implicações na prossecução da justiça e da harmonia entre os povos. Por isso torna-se necessário interrogar-nos sobre algumas questões urgentes: quais serão as consequências, a médio e longo prazo, das novas tecnologias digitais? E que impacto terão elas sobre a vida dos indivíduos e da sociedade, sobre a estabilidade e a paz?

2. O futuro da inteligência artificial, por entre promessas e riscos

Os progressos da informática e o desenvolvimento das tecnologias digitais, nas últimas décadas, começaram já a produzir profundas transformações na sociedade global e nas suas dinâmicas. Os novos instrumentos digitais estão a mudar a fisionomia das comunicações, da administração pública, da instrução, do consumo, dos intercâmbios pessoais e de inúmeros outros aspetos da vida diária.

Além disso as tecnologias que se servem duma multiplicidade de algoritmos podem, dos vestígios digitais deixados na internet, extrair dados que permitem controlar os hábitos mentais e relacionais das pessoas para fins comerciais ou políticos, muitas vezes sem o seu conhecimento, limitando o exercício consciente da sua liberdade de escolha. De facto, num espaço como a web caraterizado por uma sobrecarga de informações, pode-se compor o fluxo de dados segundo critérios de seleção nem sempre enxergados pelo utente.

Devemos recordar-nos de que a pesquisa científica e as inovações tecnológicas não estão desencarnadas da realidade nem são «neutrais», [4] mas estão sujeitas às influências culturais. Sendo atividades plenamente humanas, os rumos que tomam refletem opções condicionadas pelos valores pessoais, sociais e culturais de cada época. E o mesmo se diga dos resultados que alcançam: enquanto fruto de abordagens especificamente humanas do mundo envolvente, têm sempre uma dimensão ética, intimamente ligada às decisões de quem projeta a experimentação e orienta a produção para objetivos particulares.

Isto aplica-se também às formas de inteligência artificial. Desta, até ao momento, não existe uma definição unívoca no mundo da ciência e da tecnologia. A própria designação, que já entrou na linguagem comum, abrange uma variedade de ciências, teorias e técnicas destinadas a fazer com que as máquinas, no seu funcionamento, reproduzam ou imitem as capacidades cognitivas dos seres humanos. Falar de «formas de inteligência», no plural, pode ajudar sobretudo a assinalar o fosso intransponível existente entre estes sistemas, por mais surpreendentes e poderosos que sejam, e a pessoa humana: em última análise, aqueles são «fragmentários» já que têm possibilidades de imitar ou reproduzir apenas algumas funções da inteligência humana. Além disso o uso do plural destaca que tais dispositivos, muito diferentes entre si, devem ser sempre considerados como «sistemas sociotécnicos». Com efeito o seu impacto, independentemente da tecnologia de base, depende não só da projetação, mas também dos objetivos e interesses de quem os possui e de quem os desenvolve, bem como das situações em que são utilizados.

Por conseguinte a inteligência artificial deve ser entendida como uma galáxia de realidades diversas e não podemos presumir a priori que o seu desenvolvimento traga um contributo benéfico para o futuro da humanidade e para a paz entre os povos. O resultado positivo só será possível se nos demonstrarmos capazes de agir de maneira responsável e respeitar valores humanos fundamentais como «a inclusão, a transparência, a segurança, a equidade, a privacidade e a fiabilidade». [5]

E não é suficiente presumir, por parte de quem projeta algoritmos e tecnologias digitais, um empenho por agir de modo ético e responsável. É preciso reforçar ou, se necessário, instituir organismos encarregados de examinar as questões éticas emergentes e tutelar os direitos de quantos utilizam formas de inteligência artificial ou são influenciados por ela. [6]

Assim, a imensa expansão da tecnologia deve ser acompanhada por uma adequada formação da responsabilidade pelo seu desenvolvimento. A liberdade e a convivência pacífica ficam ameaçadas, quando os seres humanos cedem à tentação do egoísmo, do interesse próprio, da ânsia de lucro e da sede de poder. Por isso temos o dever de alargar o olhar e orientar a pesquisa técnico-científica para a prossecução da paz e do bem comum, ao serviço do desenvolvimento integral do homem e da comunidade. [7]

Leia a mensagem completa em: 

https://www.vatican.va/content/francesco/pt/messages/peace/documents/20231208-messaggio-57giornatamondiale-pace2024.html?fbclid=IwAR11xiEpMOQWHK3LcMXKXVkZXPz3YKkg1ZQBurWWCFkobUYVoB9vB9MzEig

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