quinta-feira, 19 de julho de 2012

Sony reedita Luiz Gonzaga em CD e digital

Sony reedita Luiz Gonzaga em CD e digital

19 de julho de 2012  |  por Pedro Alexandre Sanches 
Pela primeira vez na história, uma gravadora promete a reedição integral da obra do “rei do baião”, que manteve atividade fonográfica de 1941 ao ano de sua morte, 1989.
Após uma demora de cem anos, a efeméride será responsável pela façanha: a gravadora multinacional Sony Music, dona do acervo da extina RCA Victor, anuncia que relançará em CD, até o final de 2012, a íntegra da obra do “rei do baião”, o pernambucano Luiz Gonzaga, que completaria 100 anos em 13 de dezembro próximo, se estivesse vivo.
Como é comum entre artistas de sua geração (ele estreou em disco em 1941), Gonzagão deixou caudalosa obra gravada – e jamais recuperada em toda sua extensão (e importância), seja pela gravadora em que passou praticamente toda a vida artística, seja pela atual detentora daquele acervo.
Em 1996, a BMG, então dona do catálogo da antiga RCA, editou uma caixa abrangente com três CDs, batizada 50 Anos de Chão – Gravações Originais 1971/1987. Em 1998, relançou uma série de títulos antigos, em CDs avulsos e de capas uniformizadas por horrendas molduras de tom ocre.
O projeto atual é mais ambicioso. ”Estamos falando de um total de 58 títulos, sendo 30 deles inéditos em CD”, afirma o gerente de marketing estratégico da Sony, Bruno Batista. “São 15 títulos que só existiam em LP e outros 15 CDs com cerca de 16 faixas cada, que compilam todo o material lançado em 78 rpm no período de 1941 a 1960, além de 28 títulos que já estão ativos no catálogo do artista.”
A gravadora prevê o lançamento em CDs avulsos, neste segundo semestre, em cronograma ainda não definido. “Chegamos a cogitar o lançamento de uma bela caixa, mas o preço final tornou o projeto inviável. A confirmação de data ainda depende de algumas questões jurídicas”, diz Bruno.
O acesso à totalidade da obra de um dos artistas mais importantes da história musical brasileira manteve-se interditado até o advento da internet e da famigerada inimiga oficial da indústria do disco, a pirataria. Trabalho há 18 como jornalista musical, e só recentemente tive acesso à maioria dos discos de 78 rpm da fase inicial do artista ou a grande parte de seus LPs nos anos 1970, graças às meticulosas séries de downloads disponibilizados por fãs do inventor do forró em blogs e sites de compartilhamento.
A Sony, evidentemente, não desconhece o atraso da reposição oficial da obra fundadora em relação à (única e clandestina) alternativa de acesso encontrada pelos admiradores nos muitos anos desde a morte de Gonzaga. Pergunto a Bruno se a Sony está se utilizando do manancial de informação sonora “ilegal” para elaborar a reedição oficial.
“Com a entrada do iTunes e demais plataformas para venda de download, a Sony tem investido no segmento para que todo seu conteúdo seja oferecido com a melhor qualidade, preços competitivos e formatos inéditos para o consumidor”, esguia-se, diplomaticamente. “Luiz Gonzaga terá uma estreia de rei no meio digital.” A boa notícia extra está embutida nessa última afirmação: com mais de década de atraso, o rei do baião debutará oficialmente no formato digital.
(Leia mais sobre a reedição da obra integral de Luiz Gonzaga em “ABC de Gonzagão”.)

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ABC de Gonzagão

19 de julho de 2012  |  por Pedro Alexandre Sanches | publicado em ForróMemóriaTexto
Na prática, o que vem aí, com a primeira reedição integral da obra de Luiz Gonzaga pela multinacional Sony Music, é um verdadeiro tesouro musical, um conjunto de raízes crucial para o entendimento do que se possa chamar forró, baião, xote, xaxado, folk nordestino ou que nome vier. No decorrer de cinco décadas, o cantor de “Asa Branca” viveu várias fases artísticas, cada qual mais assombrosa em termos artístícos.
Entre 1941 e o advento de “Asa Branca” (1947), já estabelecido no Rio de Janeiro, ele teve de se contentar inicialmente com os temas instrumentais (não se considerava que, mulato sertanejo cheio de acento nordestino, pudesse ser um cantor viável) ou com pequenas brasilidades cantadas em coral. Do sucesso de “Asa Branca” e “Baião” (1949) em adiante, até o triunfo do formato LP como hegemônico (na entrada dos anos 1960), forjou uma identidade particularíssima – inclusive nos trajes cangaceiros, ostensivamente nordestinos. Mais que isso, viabilizou tal identidade, antes rejeitada, como formato pop atraente para brasileiros de quaisquer regiões.
Vieram “Juazeiro”, “Légua Tirana” (1949), “Assum Preto”, “Boiadeiro”, “Qui Nem Jiló”, “Respeita Januário”, “A Volta da Asa Branca (1950), “Baião da Penha”, “Olha pro Céu”, “Sabiá” (1951), “Acauã”, “Paraíba”, “Pau de Arara” (1952), “ABC do Sertão”, “A Vida do Viajante”, “Vozes da Seca”, “O Xote das Meninas” (1953), “Noites Brasileiras” (1954), “Riacho do Navio” (1955), “A Feira de Caruaru” (1957)… O cancioneiro fincado por Gonzaga e parceiros está impregnado na música popular de todo o Brasil, e lança tentáculos para fora, como no atual sucesso maciço da sanfona brasileira de Michel Teló e Gusttavo Lima no chamado Primeiro Mundo.
O final dos anos 1950 trouxe, junto com a ameaça modernizadora (e elitizadora) da bossa nova, a consolidação paulatina de um novo formato industrial, de colecionar diversas faixas em LPs e miniLPs. O “rei do baião” iniciou com uma coletânea de sucessos antigos, A História do Nordeste na Voz de Luiz Gonzaga (1955), mas seguiu cravando (menos) sucessos extraídos de LPs: “O Cheiro da Carolina”, ”Derramaro o Gai” (1956), “Forró no Escuro” (1957), “Dezessete e Setecentos”, “Xamego” (1958), “Numa Sala de Reboco”, “A Triste Partida” (1964), “Oia Eu Aqui de Novo” (1967), “O Jumento É Nosso Irmão” (1968)
Em 1967, concebeu a primeira e mais impressionante (quase-)confissão de cansaço, “Hora do Adeus”: “O meu cabelo já começa prateando/ mas a sanfona ainda não desafinou/ a minha voz, vocês reparem eu cantando, que é a mesma voz de quando/ meu reinado começou”. O tropicalista Caetano Veloso extrairia dali o refrão, para incluir em seu LP Transa (1972) uma mensagem de incentivo ao pai fundador deixado para trás: “Eu agradeço ao povo brasileiro/ norte, centro, sul, inteiro/ onde reinou o baião”.
A década seguinte é a menos explorada nos relançamentos operados pela BMG, mas escondem pedaço colossal da história oculta da moderna MPB. Em LPs como Sertão 70 (1970), O Canto Jovem de Luiz Gonzaga (1971) e Aquilo Bom(1972), ele renovava o repertório tecendo versões forrozeiras para sucessos dos repertórios de Caetano (“No Dia Que Eu Vim-Me Embora”), Dori Caymmi (“O Cantador”), Edu Lobo(“Cirandeiro”), Gilberto Gil (“Procissão”),Roberto Carlos (“Meu Pequeno Cachoeiro”) e do filho Gonzaguinha (“Festa”, “Morena”)
Em 1973 e 1974, gravou seus dois únicos discos fora da RCA (pela Odeon), os excelentes Luiz Gonzaga (com o clássico “O Fole Roncou”) eDaquele Jeito. A Sony afirma que pretende negociar com a também multinacional EMI, proprietária do acervo Odeon, a inclusão dos dois títulos na reedição integral.
São desse período também compactos avulsos de que a Sony não há de se esquecer, como o que contém a formidável suíte “Samarica Parteira” (1974) e aquele em que o direitista Gonzagão regrava, de modo grandiloquente, em 1980, o hino proscrito de esquerda “Pra Não Dizer Que Não Falei das Flores” (1968), de Geraldo Vandré. Nessa época, 13 de dezembro já era mais que apenas o dia de nascimento do “rei”: se transformara, também, em aniversário da decretação do AI-5, pela ditadura à qual ele sempre manifestou apoio.
Os anos 1980, já razoavelmente contemplados por relançamentos anteriores, foram marcados pelos encontros musicais em LP com o filho Gonzaguinha (foto) e com o discípulo Fagner e por uma forma verdadeira, definitiva, de cansaco – a da idade. Mesmo assim, em 1989, ano de sua morte, Gonzagão lançou nada menos que quatro LPs, um deles o instrumental Forrobodó Cigano, de contato saudoso, em tempo de despedida, com as próprias origens nômades e mestiças.
Com obra tamanha, poderíamos escrever (e escreveremos, com o auxílio valioso da Sony) uma enciclopédia completa, de A a Z, dos saberes musicais absorvidos, transformados e transmitidos por Luiz Gonzaga, rei do Brasilzão. Sua arte pulsa viva em todas as vertentes musicais locais, mesmo aquelas (como a bossa nova) que lutaram por varrer a brasilidade bruta de Luiz Gonzaga para baixo do tapete.
(Em tempo: a mídia internacional já registra, para lá de Michel Teló, uma onda de valorização do forró nordestino em cidades tão gonzagueiras como… Nova York.)


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