“VIDA E
PENSAMENTO DE UM CAMINHANTE”
Posso
afirmar, entretanto, que é nos meus diários que dou o melhor de mim mesmo: são
observações, reflexões, julgamentos nos quais me encanto ou me revolto, nos
quais minhas qualidades literárias se expressam e desabrocham. (...) Ainda que
eu seja percebido de maneira restrita como sociólogo e, por vezes, de maneira
mais aberta, mas ainda classificadora e limitada, como “sociólogo filósofo”,
sou antes de mais nada um ser humano que ama o que existe de maravilhoso na
vida e tem horror ao que ela tem de cruel, um ser humano bastante comum
enraizado nos séculos XX e XXI, que neles viveu e sofreu todos os grandes e
pequenos problemas.
Edgar Morin, Diários, prefácio à edição brasileira.
Paris, Fevereiro de 2012.
Teórico da
complexidade, Edgar Morin pode ser considerado um dos principais nomes do
pensamento ocidental que reúne em sua trajetória de vida um denso trabalho
sistemático de pesquisa, de interpretação, criatividade e de experiências
vividas que
marcaram o século XX e XXI.
A coleção
Diários de Edgar Morin, composta pelos títulos Diário da Califórnia, Um
ano sísifo e Chorar, amar, rir,
compreender, será lançada em São
Paulo, no dia 30 de outubro
(terça-feira), 20h, no Sesc Pompeia (Teatro). O evento
gratuito e aberto ao público, contará com a presença do autor.
Aos 91 anos de
idade, o intelectual evoca pelas palavras e pela livre linguagem de diários as
suas reflexões, memórias e experiências. Como aponta o Diretor Regional do Sesc São Paulo, Danilo Santos de
Miranda, na apresentação de Chorar, amar, rir, compreender: “(...)
em seus diários, (há) uma relação estreita e simples com o complexo, com a
tessitura intrincada das relações humanas, discorrendo livremente sobre os dias
e suas idiossincrasias, suas percepções sobre fatos políticos e econômicos no
planeta juntamente com o corriqueiro viver.”.
Diário da Califórnia
Escrito no
período em que Morin residiu na Califórnia, em 1969, a convite do Salk Institut (centro de pesquisas
biológicas presidido por Jonas Salk, Prêmio Nobel de Biologia) onde conviveu
com Jacques Monod - bioquímico e biólogo - e John Hunt - biólogo - dentre
outros cientistas e pesquisadores que tinham como ponto comum desenvolver suas
pesquisas e estudos com uma preocupação humanitária com o individuo e a
sociedade.
Em Diário
da Califórnia, segundo Adauto Novaes, que assina a orelha da obra
“(...) o que observamos neste livro é uma sutil influência do espírito sobre si
mesmo, da própria obra teórica e científica de Morin e sobre a vida do autor.
(...) Seguindo a tradição de Rousseau, Morin propõe uma nova descoberta da
subjetividade como fonte infinita da afetividade”.
Numa narrativa
que mistura o rigor da teoria com divertidos acontecimentos, o autor foi buscar
na Califórnia dos anos 1960/1970 elementos para dar corpo a suas ideias,
desafiando com seu Diário os cânones estéticos e ideológicos que procuravam
limitar a arte apenas à ficção.
Um ano sísifo
Com subtítulo Diário sobre o fim do século (1994), Um ano sísifo faz uma analogia com o
mito de Sísifo, condenado pelos deuses a levar de volta, continuamente, uma
grande pedra ao topo da montanha, depois de ter ela rolado pela enésima vez em
direção ao vale. O pensador viu-se, nas palavras de apresentação do filósofo
italiano Mauro Maldonato, que fez o texto de orelha desse Diário em “uma
punição tremenda: recomeçar tudo, a cada vez, desde o começo. E de novo ainda.
Até o infinito”.
Um ano sísifo na história de um
planeta cujas esperanças caíram e onde tudo parece ter que começar do zero. Um
ano sísifo na vida de um homem (o autor) onde todas as resoluções para reformar
sua vida afundam e que deve partir do ponto zero.
Esse diário caleidoscópico é ao
mesmo tempo um espelho dos acontecimentos do mundo e o espelho daquele que os
anota. Como o ponto singular de um holograma que traz em si o todo do qual ele
faz parte, Edgar Morin viveu o ano sísifo de 1994.
Compõem ainda Um
ano sísifo, fatos marcantes e transformadores na história, narrativas
sobre a sua vida cotidiana e de eventos públicos, momentos de ternura e
melancolia profundos, impressões e perguntas sobre nosso tempo e o contínuo
embate entre o “presente da hesitação e uma possibilidade de um futuro”. A
resistência que consiste na recusa da automatização dos dias e da vida ecoa no
grito de alerta de que não é necessário render-se ao mundo assim, tal como ele
parece.
Chorar, amar, rir, compreender
Em Chorar, amar, rir, compreender,
o filósofo espanhol Emilio Roger Ciurana, que escreveu o texto de orelha, enfatiza
que o autor olha o mundo, olha a vida e a vive. Trata-se de um olhar e um viver
que são reflexos de sua enorme complexidade, universalidade e da concretude da
condição humana. Mas não se trata de um simples anotar num diário os eventos
que ocorrem no mundo e de acontecimentos na vida cotidiana. Morin vai além de Spinoza,
que frente aos acontecimentos do mundo dizia não ter sentido alegrar-se, nem
chorar, nem odiar, trata-se de compreender. Morin afirma-se na vida e afirma a
vida: “(...) frente aos acontecimentos do mundo faz sentido chorar, amar, rir,
compreender".
Trata-se, no cotidiano, de resistir á barbárie humana de
uma época bárbara, cruel, devido à incapacidade generalizada de ver a vida e o
mundo além da linearidade, da previsibilidade e fragmentação.
A guerra dos Balcãs é um dos principais panos de fundo que
ocupam muitas reflexões do texto, além da guerra étnica e o massacre em Ruanda,
assuntos de saúde de sua mulher Edwiges com implicações do comportamento dos
profissionais da medicina, da traição do amigo, fato que abalou profundamente o
autor, viagens, conferencias, debates dentre outros.
Fonte: Baobá Comunicação
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