quinta-feira, 28 de março de 2013

Juventude toma conta da marcha de abertura do FSM 2013 e Mulheres dão a nota e as tintas no Fórum Social Mundial, na Tunísia

A abertura do Fórum Social Mundial na Tunísia

Por MiriamL
Da Carta Maior 


Uma constelação de movimentos sociais, organizações, sindicatos e grupos compuseram a marcha de abertura e comporão todo o Fórum Social Mundial da Tunísia. Em termos temáticos, questões como a das mulheres e palestina estiveram fortemente presentes.
Maurício Hashizume
Túnis – Em meio à conhecida diversidade e engajamento que sempre marcaram as marchas de abertura dos Fóruns Sociais Mundiais, a que reuniu mais uma vez dezenas de milhares de pessoas nesta terça-feira (26) contou particularmente com a presença maciça dos jovens do país. Com gritos, faixas, canções e muita empolgação, seguidos grupos formados pela juventude – que, não por acaso, tem sido uma dos principais protagonistas da chamada Primavera Árabe – que percorreu as ruas da capital da Tunísia.
Um deles era o residente médico Handi Gzara, de 25 anos. “Estamos muito orgulhosos com a realização deste Fórum no nosso país. É um grande encontro que certamente nos ajudará muito nas nossas lutas internas”, afirmou. “Estamos recebendo a solidariedade dos demais movimentos que aqui estão. Trata-se de um sinal de união para o mundo”.
Outra participante da marcha que não escondia o entusiasmo com a realização do FSM na Tunísia era a jornalista Chadwa Chadha, que escreve matérias para uma agência de notícias online do país. Ela denuncia a ocorrência de casos de violência contra colegas de imprensa e perseguição política de artistas, em vários países do Norte da África, que contestam o status quo. E define-se como defensora dos direitos humanos, das mulheres e das crianças. “Há muito desemprego. O ditador Ben Ali foi destituído, mas muitos que estavam antes continuam em seus postos dentro do governo”.
Formado em psiquiatria e amigo de Handi, o jovem Walid Bel Haj Salah também esteve presente na marcha e frisou que a realização do FSM em Tunis se tornou possível a partir das rebeliões das quais participaram. Para ele, a forte presença da juventude no encontro internacional pode ser explicada pela esperança que os move para a construção de um futuro diferente, que não esteja confinado “em uma forma única e dogmática de se pensar”. Diante de um clima de frustração que se seguiu à euforia da emergência da Primavera Árabe, o Fórum, prossegue ele, pode ajudar a militância tunisiana a “recobrar o ânimo”.
Nos discursos que se ouviram no Estádio Menzah, ponto de chegada da marcha que partiu da Praça 14 de Janeiro de 2011, representantes do comitê local de organização do FSM destacaram que um intenso trabalho vem sendo desenvolvido por organizações da sociedade civil junto a jovens e desempregados desde 2002, quando a indústria têxtil nacional relegou ao desemprego um enorme número de trabalhadoras e trabalhadores.
Por diversas vezes foi citado o nome de Chokri Belaid, líder tunisiano da oposição de esquerda que mantinha uma forte ligação com a juventude e foi assassinado no inicio do mês passado. Também não foi olvidado o ex-presidente da Venezuela, Hugo Chávez, também falecido recentemente. “Quando o Fórum Social Mundial surgiu, em 2001”, observou um deles, “ninguém poderia imaginar que a sua 12ª edição pudesse ser realizada na Tunísia”.
Durante o percurso da marcha, também se viram algumas pichações de crítica (“Fórum Social do Capital”) ao FSM, assinadas por grupos anarquistas que estão organizando, assim como já havia ocorrido em Mumbai (2004), atividades paralelas de contestação ao processo que propugna “outro mundo possível”.
Aberturas e uniões
Uma constelação de movimentos sociais, organizações, sindicatos e grupos compuseram a marcha. Em termos temáticos, questões como a das mulheres (veja reportagem sobre a Assembleia das Mulheres) e palestina estiveram fortemente presentes. ”Simbolicamente, é muito importante que o Fórum esteja sendo realizado aqui em Tunis. Encontramos aqui as portas abertas quando deixamos o Líbano, em 1982”, coloca Faisal Malak, do Movimento Fateh. “Queremos reforçar durante as discussões que a causa palestina é uma questão social, e não exclusivamente política”.
Além da participação intensa de variados coletivos da África e do Oriente Médio, associações e participantes vindos da Europa também compareceram em peso. O intérprete Jesus de Manoel, que vive em Granada, na Espanha, demonstrava satisfação em “poder participar da construção de um mundo mais justo”. Presente em duas edições do FSM (2003 e 2005) em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, ele vê a Primavera Árabe como um processo em curso que - assim como nos casos de outras mobilizações sociais como os Indignados (15M) e o movimento Occupy – deve priorizar a aproximação entre forças progressistas. “A unidade política permitiu que experiências concretas de caminhos que não seguem o receituário neoliberal fossem possíveis na América Latina”.
Professor da Universidade Central de Venezuela e experimentado conhecedor do processo do FSM, o sociólogo venezuelano Edgardo Lander adverte exatamente sobre os possíveis estragos que podem ser causados por sectarismos na esquerda latino-americana. “É preciso que reflitamos sobre isso. O custo de que organizações se fechem em si mesmas é altíssimo”. 
Edgardo considera muito importante que o Fórum esteja sendo realizado na Tunísia, pois experiências passadas têm mostrado que o encontro internacional pode deixar “um sopro de agitação e ânimo por onde passa” – como é o caso do Syryza, partido grego de esquerda que ganhou espaço na disputa político-partidária que tem a sua formação associada à abertura advinda de desdobramentos do Fórum Social Europeu.
Para o indiano Vijay Pratap, da organização Diálogos Sul-Asiáticos sobre Democracia Ecológica (SADED), o FSM na Tunísia tem tudo para aportar uma nova carga de energia ao processo. O espaço para a discussão do aspecto multidimensional das lutas sociais é, no entendimento do ativista, uma das maiores contribuições do encontro. “O Fórum Social Mundial de 2004 em Mumbai, na Índia, foi muito importante. Para 2014, existe a disposição de propormos a realização de um Fórum Social Temático novamente em nosso país, quem sabe sobre o próprio tema da democracia”.

Abertura do Fórum Social Mundial tem show de Gilberto Gil


Publicado em 27/03/2013, 15:21
Última atualização às 15:21

Flávio Aguiar, correspondente internacional, acompanha o Fórum Mundial Social, que ocorre este ano entre os dias 26 e 30 de março na capital da Tunísia. A abertura contou com show de Gilberto Gil. Segundo Flávio, a participação das mulheres é intensa. "Elas fazem discurso político e somaram na marcha de abertura. Um dos principais temas do Fórum é justamente a luta das mulheres", aponta. 
  
Reportagem em  Áudio AQUI 

Mulheres dão a nota e as tintas no Fórum Social Mundial, na Tunísia

Movimentos feministas estão tecendo uma rede pan-africana e, com ela, estão ponto o continente em contato com o mundo

Por: Flávio Aguiar, especial para a RBA
Publicado em 27/03/2013, 16:36
Última atualização às 16:36
Mulheres dão a nota e as tintas no Fórum Social Mundial, na Tunísia
As mulheres são presença predominante no fórum, e colocam pontos relevantes no debate (Foto: FSM)
Túnis – Ela mostra apenas os olhos – aliás, lindos – com o restante do corpo completamente coberto pela Niqab – ou burka, como a chamamos nós genericamente. Defende com bravura seu uso, dizendo que é sua escolha, e que tem o direito de usá-la na universidade. Estuda Engenharia, deve andar na casa dos vinte e poucos, no máximo. Diz que é constrangida por professores que se recusam a recebê-la, alegando “um problema de comunicação”. Afirma ainda que não é constrangida por ninguém, nem quer constranger outras pessoas. É apoiada por um estudante a seu lado, numa das tantas mesas de que dispõem os participantes do Fórum Social Mundial, décima segunda edição, em Túnis, capital da Tunísia.
O assunto, é claro, provoca controvérsia. É livre ou não é livre? Seu uso (da Niqab) penaliza ou não as mulheres? Afinal, penso eu, em minha vida de professor nunca pedi que freira nenhuma deixasse minha aula, nem faria isso. E agora, José? Mas, lembra minha esposa Zinka, o que pensará ela daqui a vinte anos? E se tiver uma filha, o que acontecerá?
Este foi um dos tantos momentos deste primeiro dia efetivo do Fórum Social Mundial, realizado no campus da Universidade El Manar, no subúrbio da capital tunisiana. No dia anterior houve a marcha de abertura, que atravessou a cidade da praça 14 de Janeiro, assim batizada em lembrança do movimento que, dois anos atrás, derrubou o ditador Zine Ben Ali, até o longínquo estádio Menzah. Muita música, festa, palavras de ordem sobre meio-ambiente, Palestina, emprego, fim do imperalismo e do capitalismo e... mulheres.
Elas são, de fato, tema e presença dominante neste fórum. Previamente, uma conferência de seus movimentos antecedeu o próprio evento e a marcha de abertura. Ao fim da marcha, no estádio, houve uma sessão de discursos, antes do esperado show de Gilberto Gil. Falaram só mulheres, de todos os quadrantes da África. A representante do Mali atacou o desemprego em seu país e a guerra dividida entre a presença de partidários da Al Qaeda e/ou dela emanados e a das tropas francesas como uma guerra pelos recursos minerais do deserto, não por liberdade deste ou daquele lado. Foi o discurso decididamente mais vigoroso dentre todos os vigorosos ali pronunciados.
Vê-se que os movimentos de mulheres estão tecendo uma rede pan-africana (bons dias em que as Penélopes teciam em casa, dirão os Ulisses) e que, com ela, estão pondo o continente em contato com o resto do mundo. Afinal, esta é uma das finalidades precípuas dos fóruns sociais mundiais e seus desdobramentos temáticos ou regionais, desde sua primeira edição em Porto Alegre, em 2001.
Também é importante que essa rede se teça entre as nações do mundo árabe, sacudidas por suas primaveras, conquistas, impasses, dramas e tragédias. Os contatos entre os povos destas nações, em que pesem tradições, línguas e religião comuns, são na verdade muito tênue, bloqueados pelos muros das ditaduras, monarquias retrógradas e regimes presidenciais ou parlamentares de fancaria que governaram a região durante as últimas décadas. E as redes entre movimentos de trabalhadores, desempregados, jovens estudantes, ONGs (muito dependentes, muitas vezes, das europeias) são também ainda muito incipientes e tênues. Neste sentido, os movimentos de mulheres, animados por ideais e uma linguagem comum diante das sociedades tradicionalmente machistas de diferentes matizes que enfrentam, estão na vanguarda.

Nenhum comentário: