Gegê Natalino
O PAPA FRANCISCO E O TEÓLOGO MARIO DE FRANÇA MIRANDA
A foto em tela traz as figuras do, hoje, Papa Francisco e do, também jesuíta, padre Mario de França Miranda, seguramente, um dos grandes teólogos da América Latina. França Miranda é mestre em Teologia pela faculdade de Teologia da Universidade de Innsbruck, Ástria, e doutor em Teologia pela Universidade Gregoriana de Roma. Entre outras atividades ( professor,escritor,conferencista,etc), foi membro da Comissão Teológica Internacional,assessor teológico da Conferencia Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e do Conselho Episcopal Latino-americano (CELAM). É o primeiro teólogo brasileiro a receber o prêmio Ratzinger de Teologia, em Roma. Tive o sagrado privilégio ( e tenho a grande responsabilidade) de tê-lo como professor e orientador de mestrado em teologia sistemático-pastoral na PUC-Rio. Dedico, pois, este escrito ao irmão Mario de França Miranda. Recordo em meu coração os diálogos e orientações que tive em sua casa, no contexto da escrita de minha dissertação. Seguramente, Mario de França Miranda está entre os homens mais refinados, cultos, simples e apaixonados por Deus e por uma “Igreja em saída” que já conheci.
Em dialogo teológico, com Suzi, sobre sinodalidade, disponível na internet https://youtu.be/oXYjPMa09_0, França nomeia de “metáfora muito ousada” a potente e revolucionária imagem da “pirâmide invertida” trazida pelo Papa Francisco no horizonte eclesial da sinodalidade 😊 “caminhar juntos”). A meu juízo, a referida metáfora, sumariza e traduz, na imagem, o que deseja Francisco para a Igreja do Terceiro Milênio. Como o Pai Abraão, Francisco, na contramão de um modelo pervertido de Igreja verticalista, clericalista e triunfalista, planta uma nova/antiga árvore para o futuro de uma Igreja mais fiel ao sonho de Jesus, uma Igreja de irmãos e iramos -“Fratelli Tutti”. Quando o clericalismo entra pela porta, a sinodalidade sai pela janela. E o Papa lembra o padre Congar que diz:”não é preciso fazer outra Igreja; é precisa fazer uma Igreja diferente”. E é, exatamente, disso que se trata a maravilhosa, desconcertante, ousada e assustadora metáfora da “pirâmide invertida”. Essa inversão da pirâmide exige, inapelavelmente, que a hierarquia da Igreja se reconcilie com o Evangelho, se reconcilie com o Concilio Vaticano II, se reconcilie com o laicato. Conforme o provérbio: “A escada se lava de cima pra baixo”. Trata-se, pois, de uma revolução ( conversão) mental e estrutural. Estarão as autoridades eclesiásticas, verdadeiramente, dispostas a essa inversão da pirâmide para um verdadeiro e efetivo “caminhar juntos”?
Defendo a tese de que a sinodalidade, querida e praticada por Francisco, depende mais dos ouvidos dos bispos ( quase sempre indispostos a ouvir) que da boca do povo ( quase sempre silenciado e domado para o servilismo e a passividade). A despeito dos ventos novos trazidos pelo Concilio Vaticano II, a lei oculta, mental e estrutural, que ainda impera no maravilhoso mundo eclesial é esta: “Igreja acima de tudo, hierarquia acima de todos”. Então, inverter ou não inverter a pirâmide, eis a questão! Sem a inversão da pirâmide, qualquer planejamento no horizonte da sinodalidade, salvo por uma intervenção extraordinária do Espírito, vai desaguar no formalismo já condenado pelo Papa. Fica, então, a pergunta que não quer calar: as dioceses, a partir das autoridades eclesiásticas, implementarão um caminho sinodal pra valer ( “pirâmide invertida”) ou para inglês ( ou o argentino) ver? Confessa Dom Helder Câmara: “nós, os excelentíssimos, estamos necessitando de uma excelentíssima reforma. Basta de uma Igreja que quer ser servida; que exige ser sempre a primeira...”. Não seria o caminho sinodal tempo oportuno ( kairós) para a excelentíssima reforma dos excelentíssimos, como falou Dom Helder?
Papa Francisco, com a força espiritual e moral de quem, desde o “Habemus Papam” até o presente, se coloca em sincera posição de escuta, convoca toda a Igreja para uma caminhada sinodal – tempo de escuta e de “caminhar juntos”. Essa provocadora, desestabilizadora e revolucionária proposta, partindo do Papa – Bispo de Roma – desafia, em primeiríssimo lugar todos os bispos a seguir seus passos e assim sinalizar para todo o rebanho que é para essa estrada ( e não outra) que o Espírito Santo, no hoje da história, está conduzindo toda a Igreja. Então, considerando a ação do Espírito e a iniciativa desconcertante do Papa Francisco, temos razões suficiente para cremos que a Igreja deseja, no Espírito, fazer uma reviravolta ou uma mudança paradigmática em suas estruturas, inclusive mentais. Agora, olhando para o espicopado, em especial, para os setores descontes e /ou em desacordo ( de forma explícita ou velada) com as pegadas de Francisco, mil e uma perguntas espontaneamente nascem: será que os bispos estão verdadeiramente dispostos a ouvir, sobretudo o que desagrada? Será que os bispos estão sinceramente dispostos a ouvir os esquecidos e marginalizados pelo poder eclesiástico (indígenas, negros, pobres, mulheres, laicato, etc?
Não basta dizer “caminhar juntos”. É preciso que pensemos: como, como quem, para quê e para onde? Como ouviu Alice no País das Maravilhas: “se você não sabe para onde ir , qualquer caminho serve”. Não se pode dizer, sem mais, para o povo falar se suas línguas foram histórica e sistematicamente cortadas. E também não podemos, ingenuamente, “caminhar juntos” com quem nos cegam os olhos e nos quebram as pernas.
Pensando, mais diretamente, no chão em que piso e penso – a ArqRio em Sínodo, não nutro, pelo passado marcadamente clericalista que tivemos, grande esperança de inversão da pirâmide.... Somos herdeiros de um longo tempo de Igreja alheia as grandes orientações do Concílio e ao caminho profético da CNBB. Não somos filhos sem pai! Lembra Machado de Assis: “O menino é o pai do homem”.
Sinodalidade é narrativa da coexistência. Não se “caminha juntos ”silenciando ou execrando as pluralidades das vozes. Quantos sofreram ontem defendendo o que o Papa afirma hoje? O mal diocesano não está no que afirma ou cultiva, mas no que nega, execra ou tem na conta de coisas sem valor. Entretanto, por ironia do destino ou surpresa do Espírito, as pedras que a diocese, sistemática e obstinadamente, rejeitou, na regência de João e Bento, tornou-se, com Francisco, pedras angulares. E agora, Jose?
Se sinodalidade exigisse, como prerrogativa, arsenal teológico-doutrinário, missas de cura e liberação, missas da vitória, exorcismo indiscriminado, repouso no espírito, palpas pra Jesus e cerco de jerico, por exemplo, estaríamos na linha de frente... Mas, sinodalidade, nos termos de Francisco, exige coragem e fôlego para atravessarmos pontes que quebramos com nossas próprias mãos.
VAMOS “CAMINHAR JUNTOS” PARA A PONTE QUE CAIU?
Não se trata,pois, de viver chorando o leite derramado. Se fosse somente o leite, não seria grande o dano. Foram vacas e mais vacas (paróquias, padres, religiosos, leigos/leigas, teólogos/teológas,etc) que foram levadas, impiedosamente, para os matadouros eclesiásticos. E, agora, onde encontraremos leite forte? Não posso deixar de dizer também que muitos de nossos irmãos, carreiristas de corpo e alma, alguns dos quais que hoje estão nas mais altas funções eclesiásticas, fizeram do sangue dessas preciosas vagas combustíveis para saciar suas taras de poder. Como inverter essa pirâmide? Para mim, essa é a grande questão; pelo menos se, verdadeiramente, quisermos uma Igreja de “comunhão, participação e missão”. Sem tocar nessa ferida, sinodalidade é slogan barato – um marketing eclesiástico para inglês (ou o argentino) ver!
A belíssima logomarca da “ArqRio em sínodo” conseguiu, de forma feliz, traduzir a idéia da sinodalidade em imagem. Agora, fica o desafio mais urgente, difícil e custoso: transformar a imagem em vida, em fato, em realidade!
Escreve Jose Antonio Pagola: “A igreja ou é testemunha do seu Senhor ou não é Igreja. É o testemunho que lhe confere seu ser mais autêntico e o que orienta sua verdadeira tarefa (...). Aqui a Igreja arrisca a sua credibilidade, o ser e o não ser. O resto é posterior”.
Creio que a imagem da “pirâmide invertida” trazida pelo Papa Francisco e repetida pelo teólogo Mario de França Miranda traduz de forma extraordinariamente potente o que realmente está em jogo quando se diz sinodalidade. A hierarquia da Igreja, em geral, tem medo dessa reviravolta! Repetia uma teóloga da PUC-RJ: “O poder não tem vocação suicida!”. Entretanto, virando a pirâmide, não é preciso que os bispos se preocupem com suas mitras e solidéus... O Espírito cuida! São atualíssimas as palavras de Henri De Lubac: “O Espírito de Cristo não abandonará sua Igreja. Hoje mesmo, este Espírito sopra”. E só na força desse Espírito, que dobra o que é duro, que poderemos ver o acontecer da “pirâmide invertida”. Nas palavras desconcertantes do Papa Francisco: “...nesta Igreja, como numa pirâmide invertida, o vértice encontra-se abaixo da base”. E continua Francisco: “Por isso, aqueles que exercem autoridade chama-se ‘ministros’, porque, segundo o significado original da palavra, são os menores no meio de todos”. Não é revolucionário isso?
Se Copérnico ( “revolução copernicana”) sustentou que não é o sol que gira em torno da terra (geocentrismo), mas a terra que gira em torno sol (heliocentrismo), Francisco (“revolução begogliana”?) sustenta, à luz do Evangelho, do Concilio Vaticano II e da sinodalidade, que não é a Igreja que gira em torno da hierarquia (clericalismo), mas é o Povo de Deus (bispos,padres,diáconos, religiosos/religiosas e leigos/leigas), que gira em torno do SOL-JESUS, a “PEDRA PRINCIPAL. É nele [ e não no clero] que toda a construção se ajusta e se eleva para formar um templo santo no Senhor (Ef 2,20-21).
Para que a sinodalidade 😊 ”caminhar juntos”) não se transforme num chá de madame num final de tarde, é preciso que, sobretudo, a hierarquia suporte o debate sobre as relações de poder na Igreja ( Igreja: Sinodalidade e Poder). Para ficar num único exemplo, a paróquia que atuo sofreu no passado um processo de intervenção que resultou na retirada ( de cima para baixo) do pároco, desmanche na organização comunitário e pastoral e extinção, pelo novo pároco, da proposta de comunhão, participação e missão (“Igreja em saída”). Houve uma devastação irremediável. A paróquia nunca mais foi a mesma; e nunca mais será. Quanto Concilio Vaticano II jogado fora... Quantas paróquias não sofreram esse mesmo processo ded desmonte? Quantos leigos e leigas foram ( e são) massacrados, banidos ou, na permanência, obrigados a viverem sob o julgo de uma proposta pastoral clericalista, sacramentalista e triunfalista? Para o Papa o clericalismo é uma “perversão na Igreja” e “condena e chicoteia o Povo de Deus”. Não somos demasiadamente clericalistas (autoritários e centralizadores)? Nossa diocesanidade é cheia de chacina pastoral. E isso é estrutural; e também mental!Não estariam os seminários, em geral, formando um clero no caminho contrário ao da sinodalidade? Acho essa uma grande e irrenunciável questão!
Agora, que laicato terá voz no caminho sidonal, esse formado na escola da disciplina, da mudez e da subserviência cega? E os milhares que partiram e hoje olham a Igreja com descrença, desânimo e indiferença, por conta de tanto abuso de poder? Como falar em “escuta” sem falar em protagonismo dos leigos e leigas? Para muitos e muitas a Igreja, por vezes, parece bipolar: hora afirma, hora nega; hora diz para falar, hora manda calar; hora acolhe, hora expulsa; corta a língua e manda falar; corta os pés e manda caminhar. É um caso complicado de se entender... Creio, pois, que o bendito poder seja o ponto chave e mais crucial da “pirâmide invertida”. É ai que a porca torce o rabo... Quem detém o poder é quem está autorizado a falar; e inclusive a perguntar. Porem, disse Jesus: na sociedade os tiranos dominam, mas entre vocês não deve ser assim.
Não sem razão, lembra o Papa Francisco: “Caminhar juntos – leigos, pastores, Bispo de Roma – é um conceito fácil de exprimir em palavras, mas não é assim fácil pô-lo em prática”. E, por isso, grande é o risco para as autoridades eclesiásticas de caírem no “faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”. Dom Helder Câmara admitia que a crise de autoridade na Igreja, em grande medida, se dava porque as autoridades eclesiásticas debatiam, assinavam e deliberavam, mas elas mesmas não punham em prática. Vale, pois, repetir o dito: “A escada se lava de cima pra baixo”. Para se levar a sério a sinodalidade, a hierarquia terá que pagar um alto preço (kénois?); porque para o Papa, fiel ao Mestre, na Igreja, “o único poder é o poder da cruz”.
Por fim, pode parecer que vivemos no curso enfadonho de uma história única (o que não é verdade; e sequer possível), por isso, vale escrever em letras garrafais, em nome de nosso esperançar em sinodalidades, que o Rio tem rios que até o Rio desconhece. E é em nome desses insubmissos rios marginais, que vez por outra borram os cânones da oficialidade, que podemos dizer: talvez não se trate nem de inverter a pirâmide, mas de fazer dela uma roda. E uma Igreja em roda seria a glória para o Deus Pai/Mãe que dança, para o Filho que encanta, para Espírito que brinca e para um povo que ama de amor ciranda... As Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) sabem bem o que estou falando... Que assim seja!!!
BASTA DE UMA IGREJA ACIMA DE TUDO E DE UMA HIERARQUIA ACIMA DE TODOS
Sua bênção, Mario de França Miranda!
Mil saravás pra você: meu pai velho, meu irmão e meu amigo!!!
Link do diálogo com Suzi: https://youtu.be/oXYjPMa09_0
Leia também:
O Centro de Estudos Bíblicos (CEBI) do Sergipe organizou entre 25-28 de outubro uma série de palestras sobre o livro Igreja: carisma e poder que celebra 40 anos de sua publicação em 1981. O CEBI é uma articulação nacional de grupos populares e ecumênicos que estudam a Bíblia de forma aprofundada, como inspiração de práticas inovadoras para dentro da Igreja e também libertárias na sociedade. O propósito era mostrar a atualidade dos temas nele tratados que articulam a Igreja com a sociedade e os modelos de Igreja vigentes.
https://leonardoboff.org/2021/10/29/igreja-carisma-e-poder-40-anos/
A Atualidade de Igreja: Carisma e Poder - Com Leonardo Boff
https://www.youtube.com/watch?v=auLy0qIoHTQ
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