sábado, 30 de abril de 2022

Márcio Pochmann defende centralidade do trabalho e Economia Solidária


Foi realizada na tarde de quarta-feira (27) a assembleia de convergência “Economia Solidária, outro modo de viver é possível”, no auditório da Fetrafi-RS, em Porto Alegre, dentro da programação do Fórum Social das Resistências, que termina neste sábado (30).

O evento reuniu cerca de 100 trabalhadores e trabalhadoras e, além das falas, foi marcado por muitos olhares e abraços, na alegria do reencontro presencial após mais de dois anos da pandemia de Covid-19, que ainda não acabou. Houve também transmissão ao vivo pelo Youtube e Facebook.

A mesa de debates contou com a participação do professor, economista e pesquisador Márcio Pochmann, do presidente da CUT-RS, Amarildo Cenci, da representante do Fórum Brasileiro de Economia Solidária (FBES), Suziane Gutbier, e da representante do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR) da Central de Cooperativas e Empreendimentos Solidários do Rio Grande do Sul (Unisol-RS).

A coordenação foi da presidente da Cooperativa de Costureiras Unidas Venceremos (Univens), da Cooperativa Central Justa Trama e secretária-geral da Unisol Brasil, Nelsa Fabian Nespolo.

Outra forma de viver, consumir, comercializar e produzir

Ao abrir os trabalhos, Nelsa destacou a alegria do reencontro e frisou que a Economia Solidária tem tudo a ver com a utopia do Fórum Social Mundial (FSM), pois acredita num outro mundo possível, com outras formas de viver, de consumir, de comercializar e de produzir. 

Ela registrou a presença de várias experiências de Economia Solidária no evento, bem como as entidades que apoiaram a sua realização, como a Unisol-RS, a FBES, a Fundação Luterana de Diaconia (FLD), o Centro de Assessoria Multiprofissional (CAMP). 

Nelsa chamou a atenção de que “hoje somos mais de 12 milhões de pessoas que escolheram viver essa forma de vida e que isso não é pouca coisa”.

Só a luta pode transformar a realidade

A catadora Maria Tugira lembrou que é oriunda do trabalho num lixão de Uruguaiana e destacou a importância das parcerias que contribuíram na conquista da cooperativa, que hoje faz parte do processo de coleta seletiva solidária do município. Para ela, só a luta pode transformar nossa realidade.

“Mas a gente ainda tem muitos desafios, como lutar por políticas públicas voltadas para as comunidades. Hoje vivemos o desmonte, estamos sofrendo e sempre os que tão lá no topo são os privilegiados desse governo”, apontou.

Maria falou que para vencer esse desafio é preciso mostrar para as companheiras e os companheiros que está em nossas mãos o destino do nosso país. “Nós que lutamos estamos com medo e precisamos nos unir numa só voz, numa só caminhada, para vencer esse monstro e o desmonte dos nossos direitos”, ressaltou, defendendo a luta pela democracia e pelo “Fora Bolsonaro”.

Políticas públicas são importantes para Economia Solidária

Suziane Gutbier falou sobre a história da Economia Solidária, enquanto uma organização social e política, reconhecendo os antecedentes dessas práticas, como os povos originários e indígenas e as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs).

Ela lembrou que foi formado um grupo de trabalho na primeira edição do FSM, em 2001, que elaborou a “Carta ao Lula” no ano seguinte, tendo como pauta a construção de políticas públicas federais para a Economia Solidária, como estratégia de desenvolvimento. 

“A gente nasceu reivindicando a pauta das políticas públicas e caminhando com governos que eram simpáticos a nossa causa. A gente sempre sonha para além do que os governos nos querem atender. Em alguns momentos fomos acusados de estarmos aparelhados. Mas a construção das políticas públicas foi muito importante para destacar a Economia Solidária em todo o país”, frisou.

Suzi disse que, nos últimos tempos, por falta de recursos e apoio, houve uma desarticulação do FBES e que este momento é muito importante, pois está ocorrendo a retomada das plenárias temáticas, municipais e estaduais.

“Temos muitos acúmulos teóricos e práticos, queremos outras formas de se relacionar com o planeta, temos que disputar o orçamento público. Manter a base forte e articulada. A Economia Solidária sempre vai estar do lado da esperança, da vida e não da morte e do desprezo pela classe trabalhadoras. Um outro mundo é possível e é desse lado que o FBES está”, salientou.

Superar o neoliberalismo nas ruas e nas urnas

Amarildo Cenci disse que esses encontros nos deixam em melhores condições de ir à luta, pois essas experiências vão além da economia, da produção e do consumo, e abarcam o cuidado com a natureza, a diversidade, e o cuidado com o outro. 

Ele também enfatizou que o neoliberalismo precisa ser superado nas ruas e nas urnas e que a CUT também vai lutar para incluir a pauta da Economia Solidária no governo Lula, se for eleito.

“Nós, da CUT, aprendemos muito com o pessoal da Economia Solidária e o desafio da pandemia mostrou para o movimento sindical, que é necessário ir além das pautas da carteira assinada e dos direitos dos trabalhadores”, disse Amarildo, salientando a construção do projeto “CUT com a comunidade” em parceria com vários sindicatos. 

O dirigente sindical destacou que inúmeras mulheres surgiram como lideranças, através da doação de cestas básicas de alimentos de qualidade e sem agrotóxicos e das cozinhas comunitárias. “Só poderemos resistir se construirmos um tecido nos modelos cultural e político para garantir um mundo de paz, civilizado, sustentável e inclusivo”, apontou.

Centralidade do trabalho

Marcio Pochmann afirmou a importância da retomada do Fórum Social das Resistências e que temos uma eleição que pode mudar o país e que é fundamental termos muita clareza do que tem que ser feito.

Ele falou da centralidade do trabalho e que temos que reconhecer que tivemos 350 anos no Brasil em que o trabalho central foi o forçado, o escravo, completamente desvalorizado.

O economista frisou que desde a escravidão o mundo do trabalho foi o assalariado e que indígenas, negros e negras foram excluídos pelo capitalismo, caracterizado pelos direitos dos brancos. Ele lembrou que o próprio movimento sindical surgiu aqui tendo essas referências. 

Conforme Márcio, desde 1990 não aumenta a taxa de assalariamento e o emprego ainda existe, mas vem sendo atacado, sobretudo com a reforma trabalhista, em 2017, que reduziu direitos e precarizou o trabalho.

“O dinamismo do capitalismo brasileiro é o menor de todos. Estamos no pior momento, parece que não há saída. Precisamos saber o que está sendo dinâmico, fazer uma inflexão sobre onde estão sendo gerados ocupações. Estamos na era da digitalização da sociedade. Essa nova fase está abrindo novas formas de trabalho e de produção, com a ausência das políticas públicas”, analisou.

Internet aumentou exploração do trabalho

Márcio observou que, “com a internet, o grau de exploração é muito maior, as pessoas não desconectam do trabalho quando saem do espaço de trabalho. É possível trabalhar em outros lugares e em casa. A pauta do mundo do trabalho não é só de quem trabalha fora de casa, mas de dentro de casa. A extensão intensificou o trabalho e a exploração do trabalho”.

Ele também alertou que, desde 2014, existe uma subutilização do trabalho e que, no seu entendimento, a Economia Solidária ganha um novo lugar e que não é só uma reação, um pronto-socorro, uma vez que o capitalismo não tem respostas, a não ser para os seus. 

Economia Solidária é oportunidade de trabalho

Na avaliação do economista, a economia tem que ser um meio e estar a serviço da política, de uma vida melhor. Na Economia Solidária, a política reorganiza a vida, permitindo combinar o modo de sobrevivência a partir do trabalho.

O economista também salientou que os programas de transferência de renda tiraram a centralidade do trabalho e a colocaram no dinheiro, levando as pessoas ao individualismo. Assim, a Economia Solidária se apresenta como uma oportunidade de trabalho, com uma visão política da sociedade e que não devemos atuar de forma fragmentada.

Ele destacou que essa é uma década chave para o Brasil, uma oportunidade histórica ímpar, de fazer história nos próximos 50 anos e que os que mandam no país têm consciência de que os momentos de rupturas geram oportunidades e que, por isso, investem no cancelamento do futuro.

“Temos oportunidades diante da mudança tecnológica. Não vai acabar o capitalismo, precisamos ter um ministério da Economia Solidária, podemos fazer economia de trocas com base moeda social, remunerar o trabalho de casa, pode ter crédito pessoal”, exemplificou.

Superar o medo de ousar e lutar

“Precisamos construir uma outra utopia, a centralidade do trabalho dentro e fora de casa. Onde há resistência, como a Economia Solidária, há possibilidades. É preciso superar o medo de ousar e lutar para que a economia seja subordinada a política.

Para Márcio, “precisamos compreender a economia como algo híbrido. Percebemos que o Brasil tem uma forma diversa de sobrevivência e de produção. Precisamos de uma diferenciação do orçamento. 

“Não é só o governo Lula, o presidente, precisamos votos no Congresso, ter os parlamentares convictos contra o neoliberalismo. Mas, mesmo que tenhamos Lula e uma bancada, não estará tudo resolvido. Precisamos de muita pressão já para o primeiro orçamento. A vida é curta, mas não pode ser pequena nas nossas realizações”, concluiu.

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