SÍSIFO, UM FADO, OU O ETERNO "ESBAGAÇAMENTO DISSO TUDO"
"Para mim, a história do Brasil tem um período extraordinariamente significativo, esse período que vai do fim do primeiro governo de Vargas até o começo da ditadura militar, cerca de 20 anos. Foi uma ebulição política na qual todas as ideias vieram a debate, descobrimos tudo, tudo veio à tona, e foi um entusiasmo muito grande. (...) Era uma coisa empolgante, o país se industrializando, se transformando, incorporando massas de população à sociedade moderna. E isso tudo veio abaixo. (...) Desmantelou-se o processo de construção do Brasil. E aquele ganho formidável alcançado no período anterior se perdeu, porque o Brasil foi recomeçar uma vida política extremamente primitiva, o parlamento que foi eleito na ditadura era de uma mediocridade enorme. E o pior é que não foi possível abrir um debate sobre nada importante, porque toda a imprensa já estava controlada, tudo aferrolhado, a juventude estava desmobilizada, era outro país. (...)
"Lula tem de partir da ideia de que o Brasil é um sistema econômico e, portanto, não deve ser desmantelado, nem vendido aos pedaços, e muito menos deixar que o mercado decida o que é bom para uma região sem tomar conhecimento do que ocorre em outra. (...) o Brasil está num processo de desagregação, portanto o governo de Lula está diante de um grande desafio, como frear essa desagregação. (...)
"Bem, Meirelles é um acidente. Não creio que Meirelles seja um dado estrutural. (...) O PT conquistou o poder e esse poder ainda não está concretizado. Para transformá-lo em realidade, o governo do PT precisará de agir em muitas frentes - aí é que se vê que a coisa não é simples. Mas acho que o PT está preparado. Não quero afirmar categoricamente, mas acho que na cabeça dos líderes do PT existe essa ideia de que 'ou nós consolidamos a nossa posição inicial, para podermos pisar com o pé firme, ou não sobrevivemos, porque então vai acontecer o que sempre acontece no Brasil, o esbagaçamento disso tudo'. (...)
"A verdade é que é preciso muita coragem para assumir certos riscos. E o que eu vejo aí é ou o governo aceita assumir um ato de coragem, 'vou me arriscar, mas sei o que estou fazendo, persisto nessa direção, é uma concessão que estou fazendo agora para depois corrigir essa rota' ou então 'não tenho capacidade nenhuma, me acomodo e vou imaginar que os empreguinhos que vou distribuir serão suficientes para explicar a minha presença'". (...)
São trechos da entrevista de Celso Furtado à Caros Amigos de fevereiro de 2003, na verdade a reprodução da entrevista ao número zero do Brasil de Fato, concedida em dezembro do ano anterior, quando Lula ainda não havia tomado posse.
Mexer no fundo do baú das coisas guardadas tem disso, a gente se surpreende lendo análises antigas e confrontando-as com a atualidade. E é meio chocante.
Celso Furtado morreria quase dois anos depois dessa entrevista, em novembro de 2004. Felizmente, para ele, não viveu para ver esse novo e bem mais grave "esbagaçamento". Mas creio que vale a pena retornar ao que ele disse há quase 20 anos, pra ver se a gente aprende alguma coisa.
O QUE RESPONDI PARA O AMIGO QUE ME ENVIOU O TEXTO ACIMA:
Bom dia!! Excelente! Inclusive lembrei/citei Celso Furtado esta semana que passou em nossas pequenas notas semanais sobre politicas culturais. Também foi referência em cursos do qual participei sobre politicas culturais promovidos pelo MINC e por outras instituições. No livro AMABA:Círculo de Cultura ele é citado, talvez indiretamente, provavelmente não fiz referência direta a ele.. No livro apresento o relatório da etapa local do Seminário Cultura e Desenvolvimento promovido em 1987 pela SUDENE, quando Celso Furtado foi Ministro da Cultura.. O Professor Romero Venâncio da UFS alertou sobre a necessidade de voltarmos aos grandes intelectuais e gestores culturais da cultura brasileira, isso foi em uma roda de conversa promovida pela Ação Cultural como discussão inserida no debate pós Fórum Social Mundial de 2018 e realizada em parceria com a TAMPA (Tânia Maria Produções Artisticas), cuja sede naquele momento estava localizada no Bairro América... A constar, está sendo lançado um livro focado no papel de gestor cultural do grande escritor e intelectual Mário de Andrade...Não custa lembrar, os grandes desafio da gestão pública pós Bolsonaro exigirá mais qualificação da nossa parte, não apenas para exercer funções dentro do aparelho de estado, como também no seio de nossas organizações... Considerando a terra arrasada que nos aguarda..... Tenho dito!!
Zezito de Oliveira
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