segunda-feira, 4 de julho de 2022

Diante da brutal devastação do Brasil, futuro governo Lula-Alckmin será de urgência nacional

 Por Jeferson Miola, para o 247

"Com a eleição do Lula, uma tarefa de primeira grandeza será a de reconstruir o Estado social e democratizá-lo", diz Jeferson Miola

O futuro governo Lula a ser eleito em outubro próximo será um governo de urgência nacional.  Um governo para iniciar a reconstrução da democracia, da economia, da dignidade e da soberania do país e do povo brasileiro.

Diante da brutal devastação, pilhagem e saqueio do Brasil, a reconstrução do país, em todos os sentidos, sobretudo da superação do ódio, do fascismo e da violência política e social, será uma missão não só de um governo, mas um objetivo a ser perseguido por muitos anos.

Com a amplitude da aliança desenhada, que integra o ex-tucano Geraldo Alckmin, agora PSB, Lula busca dar o significado de um governo de salvação nacional ao seu terceiro período na presidência do país.

Michael Hudson: "vocês estão vivendo o equivalente a uma sociedade feudal, mas em vez de latifundiários, vocês têm financistas"

O Brasil é palco da guerra de ocupação deflagrada pelas oligarquias dominantes por meio do impeachment fraudulento da presidente Dilma em 2016.

Nesta guerra, o Exército ocupante do nosso território, no entanto, não é nenhuma força estrangeira, mas as próprias Forças Armadas brasileiras que, partidarizadas por suas cúpulas conspirativas, foram convertidas em milícias fardadas.

Esta guerra criou uma oportunidade extraordinária para os grandes capitais – nacionais e estrangeiros – realizarem o mais brutal processo de pilhagem e saqueio das riquezas do país. Um processo radical de espoliação e recolonização do Brasil.

A privatização ruinosa da Eletrobrás, realizada às pressas, mostra a pressa da escória dominante em agilizar a repartição do butim da guerra no fim de festa do governo militar.

E mostra, também, a coesão das classes dominantes em torno do programa bolsonarista ultraliberal que, na realidade, representa o aprofundamento radical da “ponte para o futuro” – o programa que unificou todas frações das classes dominantes em torno do usurpador Michel Temer/MDB.

O legado desta guerra de ocupação é a apropriação de bens públicos por piratas capitalistas, a devastação climática e ambiental, a invasão das terras indígenas com o extermínio dos povos originários, a destruição da economia nacional e a condenação de mais da metade da população à miséria, fome, desemprego e desamparo.

Para o êxito desta guerra, foram decisivos o aparelhamento, a captura e o redirecionamento do Estado para moldá-lo à feição do projeto de destruição em curso.

Os bárbaros assassinatos do indigenista Bruno Pereira e do jornalista inglês Dom Philips, por exemplo, são consequência lógica das políticas oficiais e de indução estatal ao avanço de formas capitalistas criminosas de exploração econômica na região amazônica.

De igual maneira, a pilhagem da renda petroleira, que só em 2021 assegurou a entrega de R$ 41 bilhões de lucros da Petrobrás a grupos estrangeiros e outros R$ 22 bilhões a grupos privados nacionais, também é reflexo de políticas de Estado orientadas pelos interesses do grande capital em detrimento da sociedade brasileira.

Para um governo como o do Lula, que terá a missão humanitária de retirar 33 milhões de brasileiras e brasileiros da fome e outros 92 milhões que vivem em situação de insegurança alimentar [OXFAM], será vital a recuperação e o fortalecimento do Estado noutra direção.

Do mesmo modo, para enfrentar a recessão e a inflação, combater o desemprego de 12 milhões, o desalento de outros 4,6 milhões e a condição “uberizada” de trabalho de outros 46 milhões [IBGE], será fundamental a forte indução e regulação econômica pelo Estado atuante.

O mesmo se pode dizer a respeito da atuação crucial do Estado na proteção dos biomas e do clima e na defesa e proteção, com direitos e dignidade, dos povos originários e seus territórios.

Nunca antes como na atual conjuntura histórica estivemos diante da encruzilhada civilizatória que coloca nosso destino entre a democracia e a barbárie ultraliberal e o fascismo.

Com a eleição do Lula, uma tarefa de primeira grandeza será a de reconstruir o Estado social e democratizá-lo por meio de dispositivos de controle e participação popular direta e plebiscitária, mais além das Conferências temáticas, para que o país possa deixar para trás as dores, os traumas, as injustiças, os sacrifícios e as desigualdades impostas à imensa maioria do povo brasileiro.

Versão ampliada do artigo “Amanhã será outro ano” publicado no Grifo – jornal dos Cartunistas da GRAFAR

Michael Hudson: "vocês estão vivendo o equivalente a uma sociedade feudal, mas em vez de latifundiários, vocês têm financistas"

Por Cesar Calejon, 247 - Com base em uma entrevista exclusiva realizada com Michael Hudson, economista norte-americano, professor de economia na Universidade do Missouri do Kansas, pesquisador do Levy Economics Institute do Bard College e autor do livro The Destiny of Civilization: finance capitalism, industrial capitalism or socialism, que foi lançado em inglês no último mês de maio, esta matéria está dividida em três partes.


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Na primeira, Hudson explica de forma simples os três conceitos centrais da sua obra: o capitalismo industrial, o capitalismo financeiro e o socialismo. Na segunda, fala sobre o conceito de Guerra Fria 2.0 e, por fim, considera a atual condição do Brasil no cenário geopolítico global em face das eleições presidenciais de outubro.


“No capitalismo industrial, os atores-chave são empregadores que contratam o trabalho por salários para efetivarem a produção que vendem e a maior parte do lucro é convertida em mais e mais investimento de capital para contratar mais mão de obra para aumentar o investimento e aumentar a produtividade e a produção”, explica o economista.


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Segundo ele, “(...) não é isso que ocorre hoje sob o capitalismo financeiro. Hoje, 92% dos ganhos corporativos em termos de fluxo de caixa nos Estados Unidos são gastos na recompra de ações ou no pagamento de seus dividendos para aumentar o preço das ações. Portanto, as corporações não ganham mais dinheiro contratando mão de obra para produzir bens (ou serviços) para vender com lucro, elas meio que vivem do que investiram no passado e gastam os lucros que obtêm para aumentar os preços das ações para ganhar dinheiro com as finanças”.


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Para Hudosn, esse mecanismo caracteriza um modelo de engenharia financeira e não engenharia industrial. “E o que o socialismo quer fazer, e estou pensando no socialismo chinês, é, na verdade, financiar o capitalismo com características americanas de um século atrás. É como a Alemanha ficou rica, como a América construiu a sua indústria. Essencialmente, os governos dos estados gastam dinheiro em infraestrutura pública para reduzir o custo dos salários para os investidores industriais. A ideia dos investidores industriais, no final do século 19, era pagar o mínimo possível de salários, mas sabendo que o trabalho precisaria ser remunerado com altos salários para ser mais produtivo”, ressalta o autor.


“Trabalhadores bem alimentados, bem educados e que têm acesso ao lazer são mais produtivos. Então, eles pensaram como pagar menos pelo trabalho. A resposta era minimizar o custo de vida e, para isso, foi necessária uma série de coisas, mas, principalmente, livrar-se da classe latifundiária. O capitalismo industrial foi revolucionário nisso, porque Adam Smith, John Stuart Mill, Ricardo, Marx e todos os pensadores do século 19 queriam uma reforma política para acabar com o domínio da classe latifundiária”, prossegue Hudson.


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Ainda de acordo com ele, “(...) o capitalismo financeiro foi o que destruiu o capitalismo industrial nos Estados Unidos e está fazendo o mesmo na Europa e em outras partes do mundo. O objetivo do socialismo é recuperar o conflito de classes para lidar com essa questão da renda não auferida”.


Guerra Fria 2.0: a classe rentista financeira ocidental contra o Sul Global

“Hoje a classe bancária na América e na Europa está assumindo o papel que os governos tiveram no século 19 sob o capitalismo industrial. Isso é uma mudança no planejamento. As economias de livre mercado de hoje são economias centralmente planejadas pelos bancos e não pelos governos e são planejadas contra os interesses do trabalho e das indústrias”, explica o economista.


Hudson argumenta que Wall Street, nos Estados Unidos, e a cidade de Londres, bem como todos os rentistas financeiros ao redor do mundo enfrentam hoje um grande problema: agora que as indústrias européias e americanas estão fora do mercado, não são competitivas e foram desmanteladas, a China e outros países que não são financeirizados estão avançando.


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“Então os Estados Unidos dizem ‘como vamos tornar o mundo seguro para nossos investidores? Como podemos ter nossos bancos dominando o mundo se existem outros países que não permitem que os bancos privados dominem o mundo, mas cujo governo cria bancos e dinheiro como utilidades públicas, como fazem na China?’ A China cria dinheiro que é realmente gasto na economia para construir ferrovias de alta velocidade, fornecer assistência médica, construir moradias e não aumentar os preços das ações e não apoiar o mercado de ações. Esse é um modelo que é uma ameaça para a América”, pondera o autor.


Para ele, “(...) um dia os americanos podem dizer ‘por que não nos livramos dos bilionários? Por que não damos dinheiro aos trabalhadores em vez dos bilionários?’ Essa é uma ideia assustadora para Wall Street, porque eles emprestam todo o dinheiro. Eles querem liderar o trabalho apenas deixando-o na subsistência e olham para a China e seu socialismo como uma ameaça existencial e sentem que precisam destruí-lo de alguma forma. O problema é que eles não conseguem descobrir como fazer isso”, complementa Hudson.


O Brasil, o jogo geopolítico global e as eleições de outubro

“Eu me encontrei com o presidente (João Goulart) que foi derrubado pelos Estados Unidos no início dos anos 1960 e ele descreveu como ele foi derrubado e como, basicamente, os bancos haviam assumido o controle. Cerca de 6 ou 7 anos atrás, o seu Conselho de Assessores Econômicos me trouxe para o Brasil para conhecê-los. Eles me explicaram que o problema com Lula era que lhe disseram que ele só poderia concorrer e ganhar a eleição se concordasse em deixar os bancos brasileiros no controle”, lembra Hudson.


O economista estadunidense também começou a trabalhar como consultor do World's Sovereign Debt Fund, na década de 1990. “Naquela época, o Brasil pagava 45% de juros anuais sobre seus títulos. A Merrill Lynch percorreu os Estados Unidos tentando vendê-los (os títulos) para os americanos. 45% de juros! Ninguém chegaria perto disso. Eles foram para a Europa e tentaram vendê-los. Isso é um grande retorno. Ninguém os quis. Por fim, a Merrill Lynch passou por seu escritório em Brasília e quem comprou toda a dívida externa brasileira em dólar? Os banqueiros centrais brasileiros e todas as famílias ricas do Brasil. (...) Então a dívida externa do Brasil está vinculada à sua própria classe alta, sua própria classe financeira, que basicamente dirige o país”, enfatiza Hudson.


“E assim, a classe financeira, hoje, no Brasil, desempenha os papéis que os latifundiários faziam no feudalismo. Vocês estão vivendo no equivalente a uma sociedade feudal, mas em vez de latifundiários, vocês têm financistas, oligarcas e monopolistas administrando o país. Todos eles vivem de uma forma econômica ou de outra: juros, renda da terra, renda dos recursos naturais, renda do monopólio e todos esses tipos de renda. Então todos os recursos do país são direcionados para essa classe rentista que sequer precisa de mais dinheiro. E a única maneira de se livrar deles seria uma revolução, mas essa classe rentista sabe disso e tem o apoio dos Estados Unidos como uma oligarquia cliente e não vejo como o Brasil pode sair disso. Quando Lula planejou algo para o povo, foi derrubado com a ajuda americana para implantar uma ditadura do terceiro mundo na forma de Jair Bolsonaro”, explica o autor.


Para Hudson, a única forma de desmontar este processo é por meio da construção de uma filosofia econômica diferente. “O grande inimigo do desenvolvimento do Brasil tem sido o Banco Mundial. Desde o início, nas décadas de 1950 e 1960, o Banco Mundial disse ao Brasil que faria empréstimos para vocês, mas só faria empréstimos em moeda estrangeira. E vocês só poderiam pagar os empréstimos via exportações. Há uma coisa que vocês não poderiam fazer e se vocês fizessem isso, eles iriam matá-los. Vocês não podem cultivar a sua própria comida, ou haveria uma revolução. Vocês não devem cultivar seus alimentos, mas comprar seus grãos e alimentos dos Estados Unidos”.


Ele prossegue: “(...) vocês devem se concentrar na exportação para não competir com os Estados Unidos e não devem fazer uma reforma agrária. Vocês devem ter grandes plantações e agricultura, plantações tropicais para exportar, mas não alimentos. Essa era a condição absoluta. Então, se você ler a missão do Banco Mundial ao Brasil, diz que o país precisa de reforma agrária e gastos com moeda nacional para promover a agricultura familiar e local como os Estados Unidos, para fornecer educação agrícola, sementes, sistemas de transporte, contudo, o Banco Mundial disse que vocês não poderiam fazer isso porque, se vocês cultivassem seus próprios alimentos, não seriam um mercado para os Estados Unidos. As pessoas pensam nos EUA e em uma economia industrial, mas seus principais produtos de exportação por décadas têm sido a agricultura. Então, se você tentar cultivar sua própria comida e se livrar dessa classe rentista e bilionários, os EUA vão impor sanções ao Brasil e tentar matá-lo de fome. A única defesa que o Brasil tem é cultivar seus próprios alimentos. É por isso que China, Rússia e outros países estão percebendo que para desdolarizar o mundo e libertá-lo do capitalismo financeiro é necessária uma alternativa ao Banco Mundial”.


Hudson aponta que o Sul Global precisa de seu próprio fundo monetário e todo um conjunto de instituições espelho para se opor à filosofia predatória usada pelos Estados Unidos e à estratégia de subdesenvolvimento conduzida pelos Estados Unidos, principalmente.


“China e Rússia podem simplesmente mostrar por exemplo. Eles podem mostrar pelo seu sucesso. Neste verão e outono (no hemisfério Norte), acredito que a maior parte do Sul Global terá uma crise: os preços do petróleo e da energia estão subindo. Você está tendo os preços dos alimentos subindo. Isso é projetado pelos Estados Unidos nas sanções que o presidente Biden impôs contra a Rússia. É a inflação de Biden”, diz Hudson.


Ao mesmo tempo, conforme a interpretação dele, o Federal Reserve vai tornar os dólares muito mais caros para os países estrangeiros comprarem com sua própria moeda.


“O Brasil e outros países da América Latina têm enormes dívidas externas vencidas. Como esses países poderão importar energia e alimentos e ainda pagarem as suas dívidas? Algo deverá ceder. Você tem a Rússia e a China dizendo que estão dispostas a exportar alimentos e energia, mas isso contradiz os interesses dos EUA e, portanto, os interesses daqueles oligarcas que governam o Brasil e querem permanecer no poder sob a proteção dos EUA. Será que a população brasileira vai passar fome no escuro, sem comida ou energia, e deixar o seu padrão de vida cair se endividando e perdendo suas casas? Ou será que, de alguma forma, deverá agir politicamente para não pagar a dívida externa? Essa classe dominante vai dizer que o país precisa pagar a dívida. O que eles não dirão, porém, é que suas classes superiores são as proprietárias desses fundos, que estão localizados, principalmente, em offshores ocultas no exterior. Essa é a atual guerra de classes que está acontecendo no Brasil e vai realmente ganhar força nos próximos meses”, reitera o autor.


Por fim, Hudson afirma que “(...) a classe bancária tentará manter Lula em rédea curta. Ele sabe que foi derrubado antes pela interferência corrupta (dos EUA) e terá que encontrar uma maneira de se proteger, mas precisará do apoio de alguns elementos do exército, porque no final vai ser sobre quem controla a violência. Ele terá que limpar o exército e, em um certo ponto, terá que enfrentar as classes altas como o próprio inimigo interno do Brasil, o que é extremamente difícil de se fazer sem sofrer um golpe de estado”, conclui o economista.



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