O presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi apontado pelo The New York Times como o principal líder na resistência às investidas autoritárias de Donald Trump. Em uma entrevista histórica feita com o mandatário – a primeira após 13 anos – publicada nesta quarta-feira (30), o jornal norte-americano destacou na matéria que "talvez não haja líder mundial desafiando o presidente Trump com tanta firmeza quanto Lula".
A reportagem, assinada pelo correspondente Jack Nicas, ressalta os efeitos da postura combativa do presidente brasileiro diante das ameaças à democracia, à economia e à soberania brasileira, e vai mais longe: define Lula como "um esquerdista em seu terceiro mandato que é indiscutivelmente o estadista latino-americano mais importante deste século". A entrevista foi realizada no Palácio da Alvorada, em Brasília. Segundo o NYT, o principal objetivo do presidente brasileiro é mandar um recado claro à população norte-americana e à comunidade internacional.
“Em nenhum momento o Brasil vai negociar como se fosse um país pequeno diante de um país grande. Nós conhecemos o poder econômico dos Estados Unidos, reconhecemos o poder militar dos Estados Unidos, reconhecemos o tamanho tecnológico dos Estados Unidos. Mas isso não nos deixa com medo. Nos deixa preocupados”, declarou.
Capa da edição de 30 de julho de 2025 do New York Times. Créditos: Reprodução/ NYT
“Estamos tratando isso com máxima seriedade. Mas seriedade não significa submissão”, disse Lula ao NYT. “Quero ser tratado com respeito”
“O Estado democrático de direito para nós é algo sagrado [...] Porque já vivemos ditaduras, e não queremos mais isso”
Em discursos recentes e publicações nas redes sociais, Lula tem rebatido declarações de Trump e reforçado o compromisso do Brasil com o Estado Democrático de Direito, fato que tem resultado em pesquisas positivas no seu mandato e ao mesmo tempo um racha profundo na extrema direita e no próprio bolsonarismo, que segue defendendo o viralatismo aos EUA, o falso patriotismo e criticando o julgamento por tentativa de golpe do Supremo Tribunal Federal (STF).
Trump e caso Bolsonaro como "moeda de troca"
O estopim da crise foi o anúncio de Trump de que pretende impor tarifas de 50% sobre produtos brasileiros. A justificativa, segundo ele, está relacionada ao processo criminal que o ex-presidente Jair Bolsonaro enfrenta no Brasil por tentativa de golpe de Estado, após a derrota nas eleições de 2022. Trump classificou o caso como “caça às bruxas” e chegou a pedir que Lula encerrasse o processo, pedido que foi rechaçado com firmeza pelo presidente brasileiro ao NYT. “Talvez ele não saiba que, aqui no Brasil, o Judiciário é independente”, afirmou.
Lula também considerou "vergonhoso" o fato de as ameaças comerciais terem sido feitas por Trump através da rede social Truth Social, e não por meios diplomáticos:
“Quando você tem um desacordo comercial ou político, você liga, marca uma reunião e tenta resolver. O que você não faz é taxar e dar ultimato.”
O presidente brasileiro afirmou estar estudando a adoção de tarifas retaliatórias sobre exportações norte-americanas, caso os EUA avancem com as ameaças. Ele destacou que quem mais vai sofrer com as medidas serão os próprios consumidores norte-americanos, que enfrentariam aumento de preços em itens como café, carne bovina e suco de laranja, produtos amplamente importados do Brasil.
“Nem o povo americano nem o povo brasileiro merecem isso. Estaremos trocando uma relação diplomática de 201 anos, de ganha-ganha, por uma relação política de perde-perde”
A Casa Branca, até o momento, não se pronunciou oficialmente sobre a entrevista. No entanto, o presidente dos Estados Unidos voltou nesta quarta (30) a fazer publicações de tom intimidador, como quem está em um surto. Através de sua rede Truth Social, o mandatário reafirmou, em uma sequência de postagens com letras garrafais e viés ufanista, que não haverá adiamento na aplicação das sobretaxas a produtos de diversos países do mundo, incluindo o Brasil. Leia aqui.
O secretário de Comércio dos EUA, Howard Lutnick, declarou que alguns produtos, como o café, podem ser isentados das tarifas, reconhecendo sua importância no mercado interno norte-americano. A reportagem do New York Times também diz que Lula e Trump jamais conversaram diretamente, mas que Lula tenta abrir canais de diálogo, sem sucesso. “O que impede o diálogo é que ninguém quer conversar”, afirmou.
NYT resgata entrevista em que Bolsonaro sugeriu intervenção dos EUA
O jornal americano ainda lembra que em janeiro Jair Bolsonaro concedeu entrevista ao NYT, onde afirmou que depositava suas esperanças em uma intervenção de Donald Trump para evitar processos no Brasil — uma declaração que, à época, soou "irrealista", escreve Nicas.
O periódico ainda completa e cita Eduardo Bolsonaro, deputado federal autolicenciado e filho do ex-presidente Jair Bolsonaro, como o responsável por "intensificar esforços do lobby para que os Estados Unidos ampliquem sanções ao ministro Alexandre de Moraes com base no Lei Magnitsky", legislação que permite punir estrangeiros acusados de violar direitos humanos. A medida, caso avance, representaria uma "escalada grave" do caso, completa.
Quando Donald Trump foi entrevistado pelo NYT afirmou enxergar no julgamento criminal de Jair Bolsonaro "um reflexo direto de sua própria batalha judicial nos Estados Unidos". Na época, o presidente americano traçou paralelos entre os dois, destacando semelhanças políticas e comportamentais: ambos perderam suas respectivas reeleições, se recusaram a reconhecer a derrota e estimularam ações que culminaram na invasão das sedes dos poderes legislativos.
Na edição publicada nesta quarta (30), o jornal americano relembrou essa entrevista e destacou: "A grande diferença é que, quatro anos depois, Sr. Trump voltou ao poder, enquanto o Sr. Bolsonaro agora enfrenta prisão".
Políticos, especialistas e cientistas políticos destacam que a postura combaitva do presidente Lula frente à Trump é essencial para que o Brasil não se rebaixe às investidas autoritárias americanas, como vem ocorrendo com outros países e até mesmo União Europeia.
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