quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Fazendo produção cultural na escola.

 Zezito de Oliveira · Aracaju, SE

3/10/2011 · 0 Há cerca de uns vinte dias, quando comecei a pensar a respeito da seleção de músicas que utilizaria na apresentação do tema “produção cultural nas escolas”, no programa de formação cultural “Ossos de Oficio”, da Fundação Municipal de Cultura, a primeira frase musical que me ocorreu foi: “Há tempos são os jovens que adoecem”, parte da composição “Há Tempos” do Legião Urbana.

Ao mesmo tempo em que preparava a apresentação, a frase “Há tempos são os jovens que adoecem” me remetia ao trágico acontecimento ocorrido por estes dias em uma escola pública em São Paulo, vitimando uma criança de 10 anos e sua professora, além de outros fatos semelhantes ocorridos nos últimos anos em todo o mundo.

Por outro lado, com a perspectiva de encontrar possíveis soluções, fui buscar em meus arquivos algumas músicas que oferecem pistas sobre os caminhos que precisamos percorrer para evitar ou diminuir os impactos das dores e sofrimentos que se abatem sobre crianças, adolescentes e jovens. Dores e sofrimentos decorrentes de um conjunto de causas que deitam raízes nas contradições do modelo econômico e político atual, cujas bases estão firmadas no individualismo, no materialismo e no consumo desenfreado de bens materiais.

A primeira delas chama-se “Estudo Errado”, de autoria de Gabriel, o Pensador, música que, na minha opinião, pode ser considerada a composição que mais fielmente retrata a situação vivida pelos estudantes da maioria das escolas brasileiras.

Acesse esse texto por aqui  e tenha acesso a todos os links indicados.
Em “Estudo Errado”, podemos ouvir trechos emblemáticos do atraso e dos equívocos inerentes ao nosso sistema de ensino: “Decoreba, este é o método de ensino”. “Quase tudo que aprendi, amanhã eu já esqueci, decorei, copiei, memorizei, mas não entendi“. ”A maioria das matérias que eles dão eu acho inútil, em vão, pouco interessante”. “Eu sei que ainda não sou gente grande, mas eu já sou gente e sei que o estudo é uma coisa boa. O problema é que sem motivação a gente enjoa”. “Vamos fugir dessa jaula! (...).” “Matei a aula porque num dava. Eu não aguentava mais. E fui escutar o Pensador escondido dos meus pais.”

Este último verso nos leva a uma reflexão fundamental: Se a criançada, em vez de escutar o Pensador escondido dos pais, também os professores, técnicos educacionais e psicólogos prestassem mais atenção àquilo que crianças e adolescentes ouvem, leem e assistem, não seria uma forma interessante de iniciar ou reforçar o diálogo dos adultos com a garotada?

Todavia, em muitos casos, teremos que fazer um grande esforço para diminuir preconceitos e/ou resistências de várias naturezas, inclusive a algumas músicas e programas de televisão que reforçam aquilo que foi expresso em uma das composições dos Titãs e que nos causam asco: “A televisão está me deixando muito burro, burro demais”.

Quando me refiro à necessidade de nós adultos prestarmos mais atenção ao tipo de música ou de programa de televisão que nossos jovens assistem, não estamos dizendo que temos que reforçar ou ampliar a audiência que estas músicas ou programas já detêm, mas pensar com eles sobre quais pulsões, instintos ou desejos são alimentados por aquilo que faz sucesso e quem ganha e quem perde com isso.

Outro caminho necessário e urgente é ampliar e fortalecer o acesso a produtos culturais que provoquem reflexão e estimulem valores positivos. Como exemplo, podemos citar, além das músicas de Gabriel, O Pensador, a Legião Urbana, os Titãs, os eternos Racionais e o trabalho de um jovem e promissor talento que está surgindo na cena cultural independente: nos referimos ao CRIOLO, gestado nas periferias de São Paulo e que mostra em suas composições uma alta dose de criatividade e sintonia com o pensamento e anseios das novas gerações dos guetos e das quebradas, como também de alguns setores de classe média mais cults..

Outra música, composta em meados da década de 80 do século XX, pelos Titãs, e que retrata expectativas, necessidades e desejos da garotada ainda hoje, chama-se “Comida”, diz ela : “A gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte”. “A gente não quer só comer, quer comer e fazer amor“. “A gente quer prazer para aliviar a dor”. “ A gente não quer só dinheiro, a gente quer dinheiro e felicidade”. “A gente quer inteiro e não pela metade”.

A música “Galera da Fraternidade”(1), ainda atual e composta no mesmo período de “Comida”, é da autoria de Reginaldo Veloso, um cara por quem tenho grande admiração e carinho por sua dedicação às crianças e jovens da periferia da grande Recife, em especial dos morros que formam o bairro de Casa Amarela. O padre Reginaldo, como também é conhecido, além de sacerdote, é educador, pai , compositor e cronista.

Foi um dos inúmeros pernambucanos que tiveram o privilégio de conviver e trabalhar com Dom Hélder Câmara, considerado um dos principais referenciais, dentre os chamados “progressistas”, em matéria de religião no século XX.

Por meio de suas composições e crônicas, Reginaldo Veloso retrata uma série de situações, problemas e/ou soluções vivenciadas por crianças e jovens desde a década de 70 do século passado. Muitas delas encontrou na iniciativa impulsionada por Padre Reginaldo, o Movimento de Adolescentes e Crianças (MAC), pessoas realmente comprometidas com a solidariedade e com a alegria, parceiras da construção de um mundo melhor.

A letra da composição “Galera da Fraternidade” apresenta alguns elementos da metodologia e da proposta do MAC, descrevendo com sua melodia e belos versos um exitoso trabalho que inspirou um programa de animação cultural nas escolas das cidades do Cabo, Recife e Jaboatão dos Guararapes e que poderia ser referencia para outras escolas do País. Oxalá! esse texto possa estimular pessoas, com poder de decisão e recursos, a se aprofundarem no conhecimento desta e de outras experiências para que possam ser multiplicadas Brasil a fora.

Com relação a trabalhos de produção cultural na escola, realizados com a minha participação, vale a pena conferir dois vídeos disponíveis no youtube.

O primeiro foi uma reportagem do programa Sergipe Comunidade, da TV Sergipe, no ano de 2003 e o segundo, uma entrevista realizada em 2006, com Fernanda Almeida, adolescente ligada ao Projeto Ecarte, atualmente estudante de audiovisual da Universidade Federal de Sergipe.

À guisa de conclusão, acreditamos que as músicas “Estudo Errado”, “Comida” e “Galera da Fraternidade” apresentam alternativas que podem, como já afirmamos, acabar ou aliviar a dor de crianças e jovens, trazendo a possibilidade de diminuir as situações dramáticas ou trágicas vividas pela moçada e pelos adultos, situações chocantes tão bem captadas por Renato Russo e tantos artistas de outras linguagens.

Espero não estar pedindo muito a educadores, técnicos e gestores dos sistemas educacionais que apurem os ouvidos e o olhar para captar, pelos mais diversos meios, as várias necessidades, desejos e vontades de nossas crianças e jovens, sem esperar que isso ocorra em meio a situações bastante dolorosas ou violentas.(2)

Levar a sério a produção cultural na escola pode contribuir para atingir esse objetivo(3).
NOTAS

(1)Galera da Fraternidade – Letra e Música; Reginaldo Veloso

1. Minha galera é a galera da fraternidade. Meu tempero é a fé, é o amor-liberdade.

2. O meu assunto é a vida.

È a vida, é a vida!

Caretice, aceitar essa vida-sem-vida!

3. Já é hora de a gente mudar,

esse jeito não dá pra ficar

4. É preciso muita criatividade!

Arregace as mangas com muita vontade!

Vamos investir nessa da felicidade!

Ser feliz é o destino da humanidade!...

5. Nós vamos nessa do chapa

Joãozinho Trinta:

A cultura é beleza que encanta e que agita!

6. O meu samba não vai te enganar;

Eu só canto pra vida mudar!

7. Você traz muita coisa

Então pode perder!

Vamos nessa, galera, botar pra valer!

Cada um tem um gosto e um jeito de ser!

É preciso juntar, fazer tudo render!...

8. A gente vai nessa do indio e da ecologia

Salve o verde, a beleza da geografia!

A beleza da geografia!

9. Não morreu Chico Mendes em vão,

Ressuscita em você, meu irmão!

10. É preciso muita, mas muita coragem!

Se guardar pra si mesmo

É uma grande bobagem!

Pois, no fim, quem dá vida

É quem leva vantagem!

É a galera de Cristo

Partindo em viagem!

Confira parte do áudio da composição, aqui





(2)"Numa sala de aula, um jovem com os fones de um walkman nos ouvidos susurra entusiasmado, um trecho de um pop rock nacional: “o amooor, é o caloooor que aqueeece a almaaaa!”. Enquanto isso, outro gruda sorrateiramente em seus ouvidos o seu radinho de pilha (provavlemente para ouvir uma canção de sua preferência). Num canto da sala, uma jovem “devora” páginas de um livro de poesias, “best-seller” do momento. Junto a parede, uma jovem digita um torpedo em seu celular; já outro tenta esconder junto aos cadernos, a última edição de uma revista juvenil, que traz na capa o galã da novela do horário nobre. Um jovem, num outro canto da sala, aguarda a professora passar por entre as carteiras e mochilas da “hora” espalhadas pela sala, para mostrar aos colegas uma tatuagem no ombro direito; e eis que adentra na sala, esbaforida, uma garota, desfilando um cabelo multicolorido, susurrando aos colegas: pintei com papel crepom! Ao lado da janela, uma jovem escreve um bilhete para um colega: Eahe kara, vamu zoa nu xou dos omi? Toca um celular estrindentemente! Insistentemente! E a professora (alheia a isso tudo?)segue explicando a matéria.”

(3)AS 7 APRENDIZAGENS BÁSICAS PARA CONVIVÊNCIA SOCIAL

1) Aprender a não agredir o semelhante(fundamento de todo modelo de convivência social)

2) Aprender a comunicar-se(base da auto-afirmação pessoal ou do grupo)

3) Aprender a interagir(base dos modelos de relação social)

4) Aprender a decidir em grupo(base da política e da economia)

5) Aprender a cuidar de si(base dos modelos de saúde e seguridade social)

6) Aprender a cuidar do entorno(fundamento da sobrevivência)

7) Aprender a valorizar o saber social(base da evolução social e cultural)

Bernado Toro (1993)

Para aprofundar o estudo e o debate:

Culturas Juvenis - Dinamizando a escola

Este livro é mais um lançamento do jornal Mundo Jovem, que traz para o centro do debate a rica diversidade cultural presente nos jovens das escolas brasileiras: os que curtem funk, rap, graffiti, cultura anime, rock, religião, que gostam de se encontrar nos parques, nos bares, nas ruas, nos quartos, enfim, múltiplas juventudes.

Como podemos nos apropriar das culturas juvenis em nosso planejamento diário como professores? Como revelar as identidades juvenis nas diferentes práticas do currículo escolar? As aulas podem servir de canal para que as histórias de vida e as identidades dos jovens ganhem lugar na cena escolar? Com a colaboração de diversos autores, esperamos contribuir com a inquietude de tantos que buscam uma escola adequada aos nossos tempos.



Orgs: Márcia H. Koboldt Cavalcante e Rui Antônio de Souza

Número de páginas: 120

Valor = R$ 14,00 (As despesas de correio estão incluídas)

Para adquirir o livro basta enviar o endereço completo e o pagamento correspondente:



a) depósito identificado no Banco do Brasil Agência 3168-2 (Porto Alegre) - na conta nº 707.311-9. (o código identificador pode ser o nº de CPF ou CNPJ)

Esta conta está em nome de nossa mantenedora (UBEA-PUCRS-MJOVEM). É necessário enviar o comprovante do depósito junto com o nome e endereço completo para o envio do livro, pelo fax: 0 (..)(51) 3320-3889 / 3320-3902; ou por carta, porque o banco não comunica quem fez o depósito.

b) Enviar por carta um cheque cruzado, nominal ao Jornal Mundo Jovem.



(O livro será enviado pelo correio após o pagamento - a taxa de envio já está incluída no preço).



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