É neste município que reside Delson Nascimento da Silva
Júnior, 36 anos, conhecido como Professor Júnior, com formação em Geografia e Direito. Em
2015 foi nomeado coordenador geral da Secretaria de Educação de Pacatuba.
Em 03 de janeiro de 2021, fizemos a entrevista que segue
abaixo, o local foi o mosteiro da fraternidade do discípulo amado em Alagoas e sede da associação dos missionários do campo,
organização de missionários leigos católicos da qual Junior é integrante.
Como começa o trabalho
de retomada da cultura popular?
Em Pacatuba, a gente percebeu que nas escolas não haviam
grupos folclóricos, não se trabalhava a questão da cultura local das crianças. Então
foi ai que, a partir do programa Mais Educação pelo qual fiquei responsável, nós fizemos as oficinas próprias para
trabalhar a questão da cultura. Então foi pedido que cada escola, tivesse um
grupo cultural, tínhamos vinte e duas escolas a principio, e depois ficou em vinte, e todas elas passaram a ter seu próprio grupo próprio
cultural - reisado, maculelê, pastoril, capoeira e etc..
E sobre o atual momento
das comemorações em homenagem aos Santos Reis em Pacatuba?
No caso da festa de Santo Reis o grupo do reisado e do pastoril
faz a apresentação na inauguração do
presépio, como no encerramento no dia 06
de janeiro, quando o presépio é desmontado. Estes grupos são os que mais se
afinam com a proposta do natal. Mas este ano não está tendo por causa da
pandemia.
A festa de Santo
Reis vem muito antes de mim. Quando eu
era criança, tinha reisado, tinha pastoril, mas eram de pessoas adultas, tinha banda de pífanos, tinham as novenas de reis, também chamada gruta em referência a Nossa Senhora de Lourdes.
E essa manifestação
cultural se encerrava com a missa e com a procissão de São Benedito, porque não
era reis. A procissão era de São Benedito, porque é forte a questão de São
Benedito nessas festas, porque São
Benedito representaria na cultura afro, o rei mago negro.
Por isso, se você for na festa de reis desses lugares é São
Benedito que é sempre o festejado. Então eu alcancei isso, só que depois de um
determinado tempo acabou-se, ficou só na missa e depois da missa acabou tudo,
por fim nem missa mais tinha.
E depois que fizemos os grupos folclóricos foi que retomou
essa questão do presépio, agora se monta um presépio. Um presépio com figuras
grandes de barro. Tem esse presépio que é armado todo o ano e tem essa inauguração do presépio que é feita
nesse período de dezembro e depois o final do presépio que é feito no dia 06 de
janeiro.
Como foi feito a redescoberta das tradições esquecidas?
A retomada da tradição foi através da procura dos idosos que
fizeram parte da brincadeira. As professoras que nasceram nesse meio, com os
pais dançando e elas mesmos quando
criança, também participaram.
Então, elas sabiam as músicas e todo o trajeto das danças, assim foram eles mesmo que ensaiaram com
as crianças, ou àquelas que não sabiam,
chamavam alguém da comunidade que já participou e essas pessoas vinham e
ensinavam para as crianças.
Os grupos folclóricos antes da pandemia, não paravam mais (risos ) iam sempre a toda festa de padroeiro nos povoados para se apresentar. Movimentavam o povoado, geralmente bem pacato, e aí toda festinha de padroeiro, lá estavam os grupos das escolas. Eles chamavam os grupos desde o primeiro dia de novena até o último dia. Sempre uma escola ia apresentar com o seu grupo para animar a novena, dançando antes ou depois. Eles andaram muito, de inicio eles eram convidados por todos os povoados.
Como a igreja local se
relacionou com essa retomada?
A minha comunidade é de CEBs, a minha paróquia tem essa característica. Como ela tem essa característica de CEBs, é muito mais fácil essa questão do
apoio a cultura, de inculturação da própria igreja na cultura local
A raiz cultural do povo e a religiosidade popular, já tem introduzido essas questões de dança, de
grupos folclóricos dentro da própria novena, então para o povo não é algo
extraordinário é algo que faz parte da vida dele, do cotidiano da arte de
celebrar, da liturgia e etc..
Como os mais velhos
reagiram a essa iniciativa de retomada da tradição da cultura popular?
Os mais velhos ficaram muito feliz porque retoma as raízes, a
sua história. Temos também os grupos formados por idosos. Não é só nas escolas,
a assistência social também começou a fazer nos grupos de convivência esse
resgate, assim, eles tem samba de roda,
tem reisado dos idosos e então, quando
tem novenas ou qualquer festa, geralmente intercala, um dia vai os idosos e no outro
as crianças.
Por que esse trabalho
de retomada da tradição com crianças e adolescentes é importante?
È importante que a gente tenha a nossa cultura, que resgate
aquilo que realmente é nosso. A gente vive numa cultura de funk, e de não sei o que, não sei o que, que tem o seu valor cultural lá, onde
ele nasceu, mas pra nós pode não dizer nada e aí você acaba fugindo daquilo que
é a sua identidade própria. E uma pessoa sem identidade não tem referência
nenhuma.
Eu sinto que em em muitos municípios as pessoas tem vergonha
de se assumirem como cultura local. Mesmo nas escolas é nítido, quanto mais
urbanizado aquele povo ou quando tem a mentalidade urbana, mesmo que não morem na
cidade, eles aderem mais a cultura vigente, a que vem de fora. E aí é complexo,
porque às vezes soa como vergonhoso assumir-se.
Aconteceu um caso com a gente, em um grupo de professores que
faziam curso e aí tinha uma professora que era de outra cidade, ela é negra, de uma
comunidade remanescente de quilombo.
Ela tinha problema de
aceitação da sua raça e aí nós da nossa escola quando começamos a apresentar o
reisado nosso , ela disse: Mas no meu povoado tinha e acabou. E depois no outro
mês que era o outro encontro de formação, ela apresentou a cultura negra, a cultura especifica
do povoado dela e todo mundo ficou abismado porque ela era uma das que
renegavam sua cultura, mas a partir da revalorização da nossa, ela percebeu que também precisava valorizar a
dela.
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