quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024

Significado psicólogo da Quarta-feira de cinzas: sobre o cinza das cinzas

 Gegê Natalino

(Pare de falar mal da tristeza!)

As cores são realidades psicológicas, elas guardam relações profundas com a alma ou a psique. O ser humano é o ser das cores! Falar de religião, por exemplo, implica, em muitos casos, falar de suas cores, de seus tempos... As divindades gostam de cores!

Por isso, no plano católico, falar em quarta-feira de cinzas, começo do tempo quaresmal ( quarenta dias preparando a Páscoa), implica, liturgicamente, incorporar o roxo - que guarda sua relação com a cor cinza, associada ao sombrio, ao neutro, moderado - à cessação; e, porque não dizer, a tristeza dos que suportam o peso da cruz do mundo.

Não sem razão, Marisa Monte canta em protesto cromático: "Apagaram tudo, pintaram tudo de cinza. Só ficou no muro tristeza e tinta fresca".

Mas o cinza das cinzas, na minha leitura psicológica, fala de uma dimensão necessária e potente da vida. Sabe bem o poeta que "pra fazer um samba com beleza é preciso um bocado de tristeza, senão não se faz um samba não". Quem cantou que "tristeza não tem fim, felicidade sim"? Mas mestre Candeia adverte: :"Tristeza feia o poeta não gosta". 

 Por isso, vale lembrar Caetano: "A tristeza é senhora, desde que o samba é samba é assim". 

É, pois, desse cinza-bonito-triste que pode se dá, como na mitologia da Fênix, o renascimento.

Esse trabalho interior fala de um processo de maturação psicológica, do ser capaz de lidar e integrar os contrários da existência: o alto e o baixo, o dia e a noite, a luz e as trevas, o belo e o feio, o riso e a dor, a alegria exuberante e colorida do carnaval e o cinza das cinzas. 

Por isso, a quarta-feira de cinzas traz uma mensagem valiosa também dita belo poeta: "Não há bem que sempre dure...". Infantilizado ou adoecido psicologicamente é o ser ou a sociedade que insiste  na obstinada e ilusória crença de um gozo eterno -  um carnaval sem fim.

Então, a quarta de cinzas está para o carnaval como a segunda está para o domingo. 

É verdade que Brasil a fora o carnaval é esticado, como numa espécie de "gordurinha" ou "chorinho". 

Para muitos e muitas a "quarta" só se dará na próxima segunda. Psicologicamente, tudo bem. O importante é que, conforme nos ensina a quarta de cinzas, que algum anjo humanizador nos lembre, nalgum momento, que, na realidade dura da vida, não somos deuses, nem reis/rainhas,  nem eternos e nem ilimitados. Somos humanos - do barro/pó! 

Fala a canção "fim de carnaval": "Pode guardar os panos, reencontrar os desenganos... Levante a bandeira do seu dia-a-dia". 

No plano sexual, por exemplo, não seríamos sequer humanos se mantivéssemos um gozo sem fim. Seria insuportável!

A propósito, o adoecimento produzido no uso e abuso no mundo digital não fala sobre possibilidades e limites?

A quarta de cinzas tem muito a dizer sobre a possibilidade de um caminho humanizado e humanizador nas "rodovias digitais". 

O "não"  é necessário à dinâmica da vida - é psicologicamente estruturante. Como pode uma criança amadurecer  somente ouvindo  "sim" dos seus pais?

Até as  máscaras de carnaval lembram a dualidade da vida: há uma que sorri e outra que chora. 

Canta Nelson Sargento: "Tristeza só existe porque existe a alegria"

É importante sublinhar que , no horizonte iorubano profundo, psicológico e civilizatório, Exu - o mais humano dos orixás - é o dinamismo e a transgressão (próprios do carnaval), mas também é ele o limite e a lei - a interdição!

O ser que abre caminho também tranca rua!

A mensagem cristã é também uma narrativa paradoxal: descer-subir, menor-maior, morrer-viver!

Lamentavelmente, o cristianismo, em grande medida, se tornou a religião da negação, da acusação e da culpa, e não da integração-realização.

Para o psicólogo Carl Gustav Jung, o ser humano é um ser pendente em opostos. 

Então, cinza na testa pra quem é de cinza na testa, quaresma pra quem é de quaresma... Mas, para cada humana criatura, com ou sem religião, para renascer das cinzas, é necessário acolher a dimensão cinza da alma - o que precisa morrer pra renascer de forma maior . 

O carnaval precisa da quarta; e vice-versa. Diz o poeta: "O prazer engravida, mas é a dor que faz parir".

Em "Contrastes", vale o ensinamento ancestral de Luis Melodia: "Existe muita tristeza na rua da alegria... Existe muito fracasso dentro do largo da Glória". É sobre isso!

Ensina a Palavra divina: "Para tudo há tempo debaixo do sol"! Diria Bezerra da Silva: "Pra fazer a cabeça tem hora"!

Feliz pós-carnaval pra tod@s! Que a alegria de Deus seja a nossa força!

(*)  Pároco da Paróquia Sta. Bernadete (RJ) , Membro do grupo Fé e Politica pe.João Cribbin, escritor.

Outras canções não citadas acima, mas que podem ser acrescentadas em uma play list de pós carnaval.....



Amor Cinza · Mateus Aleluia com Fabiana Aleluia ·



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