domingo, 21 de abril de 2024

DOM HÉLDER E A DIREITA CATÓLICA HOJE - Romero Venâncio (UFS)

 


Existe hoje nas redes digitais e fora delas, uma campanha para evitar a todo custo que Dom Helder Câmara seja declarado santo pela Igreja Católica. Um grupo bem conservador no Recife lidera a campanha e elabora a estratégia de desconstrução pública da imagem do Arcebispo emérito e falecido em 07 de agosto de 1999. Participam desta empreitada rara na Igreja figura do mundo jurídico, jornalistas, agentes da pastoral católica do Recife... Como diziam os antigos: "Do ridículo, não se volta". Uma das mais importantes estratégias para macular o legado de Dom Hélder Câmara está nas redes digitais e grupos de direita de orientação católica. Vamos a um deles.

Há um podcast nitidamente de direita e católico que se apresenta como de "história" dirigido por uma figura chamado Marcelo Andrade que se apresenta como "historiador". Quase uma cópia do modelo do "brasil paralelo". Não é uma cópia porque o senhor é muito ruim até para copiar. Mas tenta. 

Recentemente vi um dos seus "trabalhos". Chama-se "Caravelas Podcast" e o n. 33 tem por título: A FACE OCULTA de DOM HÉLDER CÂMARA com um ilustre desconhecido chamado Gustavo Souza (não tenho a menor ideia de quem seja). O resumo da entrevista já diz muito:

"Neste episódio, o Gustavo Souza vai comentar sobre a FACE OCULTA de DOM HÉLDER CÂMARA, o bispo vermelho, comunista, da Teologia da Libertação, o Santo Fake da CNBB."

O resumo é literal do podcast (podem conferir). O autor Gustavo Souza, é um pouco mais comedido e demonstra ter feito uma pesquisa e sai um pouco do mero panfletarismo do Marcelo Andrade (que mais parece um tolo de extrema direita e nada parecido com qualquer escola historiográfica). 

O irônico de tudo isto é que o tempo inteiro o entrevistador fica buscando a "face oculta de Dom Hélder" e o entrevistado vai demonstrando o contrário ou não atendendo apenas as provocações. Tudo da vida pública de Dom Helder era público, até seus erros políticos. Tudo explicado e documentado, o que é mais grave. O entrevistado não defende Dom Helder. Muito pelo contrário. Ele fez esta pesquisa que apresenta no podcast com o objetivo de evitar que Dom Helder seja oficialmente considerado santo pela Igreja. Ele mesmo informa no podcast: tudo que pesquisou sobre Dom Hélder é para demonstrar que ele não pode ser santo.

Um projeto/programa de impedir que Dom Hélder seja santificado pode até parece uma coisa ridícula (alguns dos argumentos do grupo o são, de fato), mas não se trata disto. Esse "empreendimento" faz parte de uma lógica que vem defendendo a extrema direita católica no Brasil.

 Ideologicamente, temos uma direita dentro do catolicismo que vem retomando em chave atual a famosa carta do Dom Sebastião Leme de 1916. Lembro aqui a: "Católicos, ao combate. Carta pastoral de 1916" (editora do Centro Dom Bosco - Rio de Janeiro). Essa gente se sente numa cruzada contra toda a cultura moderna. Para eles, a Igreja vive um processo longo de infiltração de ideias e pessoas que tem como objetivo final destruir a Igreja católica e sua tradição. Por incrível que pareça para alguns, essas ideias tem grande aceitação dentro do catolicismo brasileiro contemporâneo.

A extrema direita católica entende que as "previsões" da Carta do Cardeal Leme e suas ideias de enfrentamento ao mundo moderno, tem seu ponto mais alto no Concílio Vaticano II. 

Essas organizações de extrema direita organizaram toda uma biblioteca de combate ao Concílio e às ideias modernas dentro da Igreja. Documentos papais de Pio IX, Pio X, Pio XI e Pio XII... 

Ensaios conspiracionistas sobre os comunistas na Igreja e uma série de textos que reforçam o tradicionalismo como alternativa da Igreja. Essa bibliografia foi incorporada aos cursos de formação em várias plataformas privadas nas redes digitais. Curso de longa duração, palestras, dias de formação do terço ou rosário e um tantinho de lives para atrair cada vez mais os católicos para uma "conversão" às ideias conservadoras.

Dom Hélder Câmara encarna todo um sentido de modernidade eclesial que se tornou real nas "pastorais sociais" e na CNBB. A leitura que eles fazem do Arcebispo emérito de Recife e Olinda é a pior possível. Alguns mais delirantes chegam a afirma que Dom Hélder é um "infiltrado" na Igreja. Não existe a menor possibilidade de diálogo e ou possibilidade convencimento contrário dessas ideias dentro e fora da Igreja. Trata-se de um projeto e que tem seus sólidos ideólogos. Não se trata de amadorismo e ideias passageiras. Reafirmo: trata-se de um projeto com programa de ação. E que envolve monetarização e muito dinheiro. Articula-se com uma direita internacional.

Fazer da possível santificação de Dom Hélder um cavalo de batalha é mais um motivo para ter assunto nas redes digitais e manter um catolicismo de extrema direita animado e com objetivos. 

Destaco três razões que o jornalista conservador do Recife defende para a Igreja não canonizar o arcebispo emérito de Recife e Olinda: Primeiro, por que Dom Hélder não seja um comunista, mas suas ideias sempre levaram água ao moinho do comunismo. Por aproximação e semelhança, o arcebispo tem "finalidades eletivas" com os comunistas. 

Temos farta documentação sobre Dom Hélder, além do filme documental de Érika Bauer, intitulado: "Dom Hélder, o santo rebelde". Em todas as biografias de Dom Hélder que temos disponível no Brasil, esse tema sempre volta e os autores desconstroem ao demonstrar cartas, textos e entrevistas do próprio Dom Hélder em que ele sempre desmente isto. Segundo, Dom Hélder não teria a "vida de um santo". 

Segundo o autor que segue uma frase idiota do escritor Nelson Rodrigues: "Dom Hélder só olhava para o céu para saber se iria chover". Ou seja, Dom Hélder não tem vida de oração devocionalista, não tinha vida semelhante aos "santos padrões" do passado da Igreja. Para o Gustavo Souza, Dom Hélder era um homem de "vida ativa" e nada de "vida contemplativa". 

Por fim, um "contraexemplo" para os católicos. Logo, não poderia jamais ser santo. O terceiro argumento citado no podcast é a partir de uma comparação (um tanto absurda e sem precedentes): Dom Hélder comparado a Frei Damião. Para o jornalista conservador, o Frei Capuchinho teria todas as credencias de santo. Supostos milagres, busca constante em seu tumulo, santuários com seu nome e reconhecimento popular. E, obviamente, sem a mácula das ideias modernas ou comunistas. E sempre omitindo as contradições de Frei Damião e suas peregrinações pelo Nordeste desde os anos 30. 

Para o jornalista e o entrevistador, Dom Hélder em nada se compara aos "méritos" de Frei Damião. A comparação com Frei Damião não passa de um apelo superficial e sem proporção de grandezas. São homens completamente diferentes em tudo. 


O Papa Francisco “santifica” Dom Helder, aquele que chamavam “comunista”

Ficar do lado dos mais pobres, daqueles com que ninguém quer ficar, é algo que nos santifica


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