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Ana Clara Brant - EM Cultura Publicação:02/02/2014 00:13Atualização:02/02/2014 09:11
A geração inaugural dos pontos de cultura
conseguiu algo inovador, que foi receber diretamente, sem
intermediários, recursos do governo federal. A ONG Contato, que funciona
no Bairro da Serra, em BH, foi uma das primeiras a serem contempladas.
Os coordenadores da entidade, o músico Vítor Santana e o cineasta e
produtor Helder Quiroga, enumeram as vantagens deste ingresso, como
“entrar no mailing do Ministério da Cultura” e, a partir daí, passar a
receber informações relevantes, como editais, encontros, reuniões. Por
meio do dinheiro repassado, é possível também concretizar projetos e
melhorar a infraestrutura da organização.
“A gente se aproximou de outras entidades, do próprio ministério, e conseguimos trazer gente de fora e do Brasil inteiro para Belo Horizonte. Promovemos uma série de oficinas de audiovisual, música e cerâmica. A gente chegou a ganhar o Prêmio Cultura Viva como um dos pontos de cultura de maior destaque. E mesmo que institucionalmente não sejamos mais um ponto, ficamos como referência nesse sentido. Ainda participamos de encontros, coordenamos eventos e, apesar de não receber mais recursos, nos consideramos um eterno ponto de cultura. Esse título está muito intricado na nossa identidade”, comenta Vítor.
Na opinião de Helder, o grande mérito do Cultura Viva, e um dos seus eixos principais, os pontos de cultura, foi ter reconhecido iniciativas que já existiam no setor cultural. Ele salienta que o modelo foi tão vitorioso que acabou sendo adotado por outros países. “Construir tijolos é importante, no entanto, mais importante ainda é apoiar o que já está construído, pronto, e incentivar o trabalho de quem já desenvolvia uma produção artística. Além de ter criado um rede no Brasil inteiro, articulando movimentos sociais. Ao longo dos anos, o ponto de cultura se tornou uma das maiores chancelas dessa política cultural do governo e reinventou a maneira de se fazer cultura no Brasil. Tanto é que o modelo foi exportado para Argentina, Peru e outros países”, diz.
Burocracia é a principal queixa
Os pontos de cultura também têm seus entraves. E a grande reclamação das instituições é a burocracia excessiva. A diretora da Superintendência de Interiorização e Ação Cultural da Secretaria de Estado de Cultura de Minas, responsável pela gestão dos pontos de cultura de Minas, Manuella Machado, explica que a primeira leva dos pontos, em 2004, era conveniada diretamente com o Ministério da Cultura. Porém, muitos não conseguiram lidar com toda a documentação e burocracia, principalmente, na hora de prestar contas. “A coisa é muito abrangente, porque os pontos reúnem quilombolas, indígenas, ONGs e gente que não sabe mexer com toda essa documentação, fazer cotação de preços. Muitos acabaram ficando inadimplentes. Não por má-fé, mas por desconhecimento mesmo”, esclarece.
A Lei 8.666 (das licitações) regula todo o processo. E como brinca Nil César, da Casa do Beco, não é à toa que ela leva o número da besta, 666, porque é um verdadeiro inferno. “Ser ponto de cultura também dá dor de cabeça. E a lei vale tanto para uma tribo de índios, que nem nota fiscal consegue para adquirir material, como para uma ONG que tem um CNPJ. O processo burocrático acaba engessando o processo ideológico”, reclama.
Minas acabou se tornando referência e exemplo no assunto, porque aqui, como salienta Manuella Machado, o governo estadual contratou uma empresa especializada para prestar assessoria aos pontos em questões fiscais e burocráticas. “Foram oferecidos cursos, advogados, oficinas de gestão cultural e empreendedorismo, porque muitas entidades não sabiam nem o que comprar. Por isso, nosso resultado foi muito bom e praticamente não tivemos inadimplência”, constata.
Todos os pontos de cultura recebem R$ 180 mil, num período de três anos, sendo esse valor dividido em três parcelas. No caso dos pontos de cultura de Minas, parte da verba é do governo federal e outra do governo do estado. A maioria dos representantes de associações defendem a tese do dinheiro vir em forma de prêmio, e não de convênio, que seria uma maneira de desburocratizar o processo.
A representante do MinC no estado, Cesária Macedo, diz que o governo federal sempre esteve aberto ao diálogo, que sabe da demanda dos pontos e acredita que ela deve ser levada em consideração. “O programa é muito debatido e está sendo discutida uma maneira de facilitar o repasse dos recursos para potencializar suas ações. A intenção é desburocratizar”, assegura.
Outra
instituição que ganhou bastante ao se transformar em ponto de cultura
foi a Associação Crepúsculo, cujo projeto Diversidade em Ponto
proporcionou a continuidade e a ampliação das atividades artísticas e
culturais desenvolvidas, como oficinas inclusivas de artes plásticas,
contação de histórias, musicalização, dança e teatro.
Diretora artística
da entidade, a bailarina e terapeuta ocupacional Luciane Kattaoui
conta que o projeto foi criado com o intuito de atender a todo tipo de
deficiência ou limitação, seja física, cognitiva ou mental. Ela
percebeu que os diversos tipos de linguagem poderiam auxiliar seu
público. “Às vezes a pessoa chega aqui para fazer um curso de teatro ou
dança, mas precisa de fonoaudiologia, alfabetização, acompanhamento
mais clínico e pedagógico.
E isso tudo é ofertado aqui”, diz.Desde
que se transformaram em ponto de cultura, mais pessoas passaram a ser
atendidas nos vários programas, já que os recursos bancam os
professores e o material utilizado nas oficinas do período vespertino.
“Ser ponto de cultura nos proporcionou oferecer cinco oficinas
gratuitas, com 20 vagas cada. Os recursos ajudaram a nos equipar,
porque conseguimos adquirir livros, máquinas fotográficas, colchonetes e
instrumentos musicais. Para uma instituição como a nossa, é difícil
bancar tudo isso.
Nesse período de três anos que somos auxiliados pelo
programa, a gente vem conseguindo se manter, para depois poder andar
com as próprias pernas”, ressalta.Luciane garante que nunca
teve problemas com atraso no repasse da verba e que, frequentemente,
fiscais do programa fazem monitoramento e diagnóstico para conferir se
tudo está seguindo bem. “Valorizo demais essa ação. Não tenho do que me
queixar”, reitera.Lucas Henrique de Oliveira, de 26 anos, é
outra pessoa depois que ingressou nas oficinas do Crepúsculo.
Sua
evolução e alegria são evidentes, como destaca a mãe, Jacqueline de
Oliveira. O rapaz tem dificuldades de cognição e de aprendizado, mas os
médicos nunca conseguiram dar um diagnóstico real. Lucas se adaptou
tão bem às atividades que hoje participa dos cursos de culinária,
artes, dança e descobriu um novo talento, a massoterapia. “Quando
ele entrou na associação, eu não tinha condições de pagar o período
todo, e, como as oficinas da tarde são de graça, ele fica lá das 13h
até as 17h e adora. Você não imagina como ele evoluiu e está
satisfeito.
O Crepúsculo ajudou muito meu filho e o mais interessante é
que ele saiu da situação de ajudado para a de ajudante. Ele auxilia os
cadeirantes, aprendeu a linguagem dos sinais e se comunica com os
surdos e mudos. Hoje, Lucas pode fazer pelo outro o que fizeram com ele
e pode até ser que, com o passar do tempo, ele se torne um dos
monitores também”, celebra Jacqueline.
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