segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

DJ Dolores mergulhou na música e conquistou o mundo


Número 92, Fevereiro 2014
entrevista
Fonte:  http://www.redebrasilatual.com.br/revistas/92/manguebeat-para-o-mundo-6530.html

O artista multidisciplinar une influências regionais e universais, gosta de aprender com o diferente e não se omite na política
por Fábio Jammal publicado 16/02/2014 13:05
marcelo lyra/olhonu
DJ Dolores
Mas a gente faz política o tempo todo. A gente acorda fazendo política, pega um táxi e faz política com o motorista... Eu me interesso muito por essa política que pode transformar a vida de homens e mulheres. Ao contrário da política partidária, que nao me interessa em nada
Mas a gente faz política o tempo todo. A gente acorda fazendo política, pega um táxi e faz política com o motorista... Eu me interesso muito por essa política que pode transformar a vida de homens e mulheres. Ao contrário da política partidária, que nao me interessa em nada Quando aquele garoto de 18 anos deixou Sergipe para tentar a vida em Recife não tinha a menor ideia de como sobreviveria na capital pernambucana. Helder Aragão deixou e a vida o levou até um grupo de amigos que, anos mais tarde, encabeçariam um dos maiores movimentos de contracultura do Brasil na década de 1990: o Manguebeat. “Foi tudo acontecendo meio que sem querer”, diz.
Helder virou DJ Dolores, um artista que passou a atuar em diversas áreas, da criação de capas de discos à composição de trilhas sonoras para alguns dos principais filmes do cinema nacional. Teve papel fundamental na elaboração da identidade visual do Manguebeat ao criar as capas dos primeiros discos e videoclipes de Mundo Livre S/A, Chico Science & Nação Zumbi, Eddie e Mestre Ambrósio. No caso do disco do Mestre Ambrósio, DJ Dolores foi pioneiro num estilo que é bastante reproduzido hoje em dia, ao usar computadores para simular xilogravuras inspiradas na literatura de cordel.
Foi um dos responsáveis pela gravação da primeira música composta por Otto, antes do início de sua carreira musical profissional. Os caranguejos com cérebros que decoram o primeiro lançamento do movimento Manguebeat também foram criados por ele. Do trabalho como designer gráfico para a música foi um passo. E do Brasil para o mundo, outro. Transformou-se no DJ brasileiro mais celebrado no exterior, já tocou ao lado de Björk, Moby e Coldplay e mantém agenda cheia no exterior. Costuma lançar seus discos quase simultaneamente no Brasil e Europa. “Fui adotado por vários selos no exterior e o público gostou de mim, principalmente o europeu. Minha carreira no exterior, assim como no Brasil, também não foi planejada. Tudo foi acontecendo...”.
Em 1997, fez seu primeiro trabalho no cinema, ao compor a trilha para o curta Enjaulado, de Kleber Mendonça Filho. Não parou mais de compor música para os principais filmes do cinema nacional. São deles, por exemplo, as trilhas de O Som ao Redor, A Máquina, Narradores de Javé e Estradeiros. Também compõe músicas originais para teatro e espetáculos de dança. Seu último trabalho, para o longa Tatuagem, foi premiado com o Kikito de Melhor Trilha Sonora, no Festival de Gramado de 2013.
Na ativa há mais de 20 anos, DJ Dolores é um artista multidisciplinar, que junta influências regionais e universais, oxigenando a MPB. Sua obra, sempre, tem um cunho político. “A gente faz política o tempo todo. E eu me interesso muito por essa política que pode transformar a vida de homens e mulheres. A política partidária não me interessa em nada”, afirma. Na conversa com a Revista do Brasil, ele falou sobre cultura brasileira, política, sociedade, sobre a vida. E prende fácil o interlocutor com histórias interessantes e posições firmes.
Você é eclético. É DJ, compõe trilhas para filmes, teatro e balé, é artista gráfico e criador de várias capas de discos. Como se define?
Eu me considero um artista multidisciplinar, é assim que me defino. Sempre tive talento para criação. Se você pedir para eu trocar uma lâmpada, não vai dar certo (risos). Sempre vivi disso, dessa minha criação, nunca trabalhei com outra coisa. Não atuo em várias áreas por vaidade. Trabalho por prazer, mas também por necessidade.
Entre as muitas coisas que você faz, tem alguma área de preferência?
Acho que tenho mais jeito para designer gráfico. Mas nada na minha vida profissional foi planejado, tudo foi acontecendo... Vim para o Recife aos 18 anos, sozinho, e tive de sobreviver. Meu primeiro emprego foi como cartunista do Jornal do Commercio. Depois, fui trabalhar numa produtora de vídeo, acabei escrevendo roteiros, dirigindo e trabalhando com música. Foi tudo acontecendo meio que sem querer.
Hoje, seu nome está muito ligado à trilha sonora de importantes filmes nacionais. Como é produzir música para o cinema? Compor sob encomenda limita a criação?
De jeito nenhum, pelo contrário. Produzir por encomenda é a coisa mais maravilhosa do mundo, é muito fácil. O chefe dá o mote e você tem toda a direção a seguir. Difícil é trabalhar sozinho, começando do zero. É iluminador quando você vê o filme, o trabalho dos atores, da direção, a história... E ter um chefe, dizendo o que ele quer, facilita todo o seu trabalho (risos).
Você é um dos criadores do Manguebeat, um dos principais movimentos de contracultura do Brasil. Como você avalia o movimento hoje, 20 anos depois, e qual a sua importância para a música e a cultura brasileira?O Manguebeat definiu o foco da cultura brasileira da década de 90. Sem ele, hoje não existiriam Marcelo D2, O Rappa, Seu Jorge...
Uma das principais características do Manguebeat é a crítica social. E você mantém isso no seu trabalho até hoje. Dá para fazer política com a música?
Mas a gente faz política o tempo todo. A gente acorda fazendo política, pega um táxi e faz política com o motorista... Eu me interesso muito por essa política que pode transformar a vida de homens e mulheres. Ao contrário da política partidária, que não me interessa em nada.
Você já participou de uma eleição no Recife, em 1992, quando muitos artistas se envolveram na campanha de Humberto Costa (PT) para prefeito. Como você vê a política nacional hoje, a cobertura da imprensa, as manifestações de junho... Enfim, a arena política?
Esses são temas complexos, a gente poderia passar a tarde inteira conversando (risos). Acho que o Brasil é um país conservador. E a imprensa brasileira é a cara desse conservadorismo, assim como os políticos e os eleitores. As manifestações de junho, sem liderança nenhuma, ainda não foram compreendidas. E é difícil. Tinha gente protestando pelas mais variadas pautas, não tinha nenhuma identidade ideológica. Vi gente de direita fazendo discurso de esquerda e gente de esquerda fazendo discurso de direita. Aliás, é difícil estabelecer o que é direita e o que é esquerda hoje. Quando eu era criança, ouvia que a esquerda era o bem e a direita era o mal. Nossos inimigos eram bem definidos na época da ditadura. Depois, na democracia, o PT se transformou no modelo de esquerda para o Brasil. Mas hoje, no governo, é um partido de direita. Por que, para mim, quem está junto com o Sarney, por exemplo, é de direita. Acho que isso gerou uma descrença e as pessoas estão meio perdidas ideologicamente hoje.
Você já contou que sua música Proletariado foi composta na semana em que o Brasil se comoveu com um assassinato praticado por um menor. Na época, parte da sociedade voltou a tocar na tecla de reduzir a maioridade penal. As pessoas estão mais reacionárias hoje?
Aliás, nesta letra tem uma adaptação que fiz de um manifesto de Marx e Engels... Olha, reacionário, inclusive, é um termo que voltou à moda recentemente (risos). Como eu disse, as linhas que dividiam a esquerda da direita, o bem do mal, estão muito tênues hoje. As pessoas estão confusas até pela quantidade de informações que estão circulando. E aí, coisas que parecem contraditórias, ganham discursos com aparente coerência. Hoje temos partido de nazistas gays, vai entender... (risos)
Sua obra tem bastante influência de Gilberto Freyre. Eu assisti a uma entrevista sua em que você comentava sobre Casa Grande & Senzala, em que  discorre sobre a colonização da América Latina e classifica a aristocracia como “magníficos e inúteis”. Quem são os magníficos e inúteis hoje?
Continua sendo aquela aristocracia que vive de não produzir nada, que faz dinheiro através da especulação financeira, como os banqueiros. Vivem de fantasia. O sistema bancário, por exemplo, é hoje um dos grandes males da humanidade. Os bancos são piores que os senhores feudais na Idade Média. O futuro vai mostrar como eles fazem mal para a sociedade hoje. Mas as pessoas se sentem confortáveis em deixar seu dinheiro no banco. O ser humano aceita ser subjugado. Quantos países, ainda hoje, têm reis e rainhas? As pessoas aceitam ser submissas. E dentro desse modelo de mercado e de economia que a gente vive hoje, ainda temos um monte de magníficos e inúteis...
Você diz que a MPB é muito classe média, e que falta ao Brasil reconhecer a música que vem de baixo para cima. O que você acha dos rótulos que as pessoas colocam nas músicas e nos músicos, classificando o que é brega e o que é de bom gosto?
O rótulo é uma invenção do comércio. E também dos jornalistas, que precisam explicar em um ou dois parágrafos o que é o disco, quem é o artista. O mercado precisa fazer com que o público entenda a obra ou o artista de forma fácil. Não sei que rótulo me caberia... (risos). É incrível como a gente que está aqui no Nordeste precisa do aval da Folha de S.Paulo, de O Globo, das revistas Bizz e Rolling Stone... E quando a gente vai fazer show no exterior, queremos críticas positivas do The Guardian, do Le Monde... É o famoso complexo de vira-latas... Mas acho que isso está mudando. Há blogs e sites independentes mais importantes que qualquer crítico tradicional. Quando a Mallu Magalhães surgiu, por exemplo, os jornais tradicionais a elogiavam e destacavam o fato de que ela tinha mais de 200 mil acessos no My Space. Mas aqui no Nordeste tem uma banda chamada Arrocha que tinha mais de 5 milhões de acessos e ninguém falava nada. Essas bandas e artistas que fazem música para as classes mais baixas sabem usar muito bem a internet. Eles vão fazer show numa determinada cidade e o crítico do jornal local não dá uma linha sobre o evento. Mas os shows são lotados. Com o advento da internet, me dá a impressão de que os críticos hoje não servem para muita coisa... Os blogs e sites independentes desarticularam o sistema indústria-crítico-distribuição. É por isso que Sony, Warner e as grandes gravadoras estão falando em crise da indústria fonográfica.
Por falar nisso, o seu trabalho é bem independente. É difícil conciliar essa independência artística com o lado comercial?
Eu percebi que não preciso de uma grande gravadora por trás de mim. Não preciso ficar preso ao sistema de lançar um disco, passar um tempo na estrada, prestar contas para o selo... Tenho produzido como nunca de forma independente e garanto meu dinheiro para pagar as contas. Estou na melhor fase da minha vida profissional. Estou com vários projetos e várias parcerias, com Yuri Queiroga, com Naná Vasconcelos... Estou fazendo uns trabalhos mais pop, outros mais experimentais. Estou livre para trabalhar, há um mercado imenso que não depende das gravadoras.
Ainda faz sentido lançar um CD no formato físico?
Essa é uma discussão que está colocada já faz algum tempo. Em tese, não há necessidade de lançar um CD no formato físico. Mas a questão é que o CD acaba funcionando como um cartão de visitas. Eu, particularmente, gosto do vinil, acho que tem mais sentido lançar um vinil. Ele atinge as pessoas que gostam de curtir a música e todo o álbum, que tem uma sequência que foi pensada e que dá a cara do trabalho. Além disso, o vinil vai na contramão deste mundo cada vez mais rápido e sedento por informações.
Você já assinou várias capas de disco como designer gráfico. As capas perderam o impacto com a criação do CD?
Perderam bastante. O CD é pequeno, sem graça, a escala de visualização da capa é bem menor. Até as letras das músicas são pequenas, não é a mesma coisa que o vinil.
Você é hoje o DJ brasileiro mais celebrado fora do país. Já ganhou prêmios internacionais e vive fazendo turnê no exterior. É mais conhecido lá fora que no Brasil?
Sim, desde o início da minha carreira eu sempre circulei no exterior. No último ano fiz sete shows no exterior e tenho mais três programados para 2014. Como sempre, isso também não foi planejado. Acontece que fui adotado por vários selos no exterior e o público gostou de mim, principalmente o europeu.
E qual a importância dessa troca com outras culturas nas suas composições?
É muito bom sair da sua cultura e ver como as outras pessoas fazem as coisas. Ver outras maneiras de produzir cultura, outras técnicas, outras éticas profissionais. A gente sempre aprende com o diferente e quando você se distancia da sua cultura, da sua música, e conhece outras, só cresce.

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DJ Dolores volta a Sergipe e grava toda a sonoridade de sua terra natal.  AQUI

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 Comentário de Júlio Cesar no facebook

Quando aquele garoto de 18 anos deixou Sergipe para tentar a vida em Recife não tinha a menor ideia de como sobreviveria na capital pernambucana. Helder Aragão deixou e a vida o levou até um grupo de amigos que, anos mais tarde, encabeçariam um dos maiores movimentos de contracultura do Brasil na década de 1990: o Manguebeat. “Foi tudo acontecendo meio que sem querer”

 

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