sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

O ABORTO E AS ELEIÇÕES.

  • No dia 28 de dezembro, dentro da oitava do Natal, nossa Igreja Católica celebra a Festa dos Santos Mártires Inocentes. 
    Aquelas crianças assassinadas pelo irascível e ciumento Herodes. A maldade deste governante fez morrer “todos os meninos de Belém e de todo o território vizinho, de dois anos para baixo” (Mt 2, 16).

    Esta festa fez-me lembrar do trabalho incansável de tantas Agentes da Pastoral da Criança espalhadas no Brasil e outros Países que fazem o contrário de Herodes, ou seja, salvam as vidas de nossas crianças, da gestação até os seis (6) anos de idade.

    Neste contexto, veio-me a vontade de escrever este artigo sobre “O aborto e as eleições”.

    Para nós da Igreja Católica, o Aborto faz parte da lista dos pecados contra o quinto mandamento: “Não Matarás” (Ex 20,13).

    Mas não é somente o aborto que é pecado contra o quinto mandamento. Tudo que atenta contra a vida humana é um pecado contra o quinto mandamento: quando uma criança não abortada nasce, mas não sobrevive por falta de comida, quem contribui para que a família desta criança não tivesse condições de dar a ela o alimento necessário para viver, peca contra o quinto mandamento; quando uma pessoa adoece e não consegue atendimento médico adequado, no tempo certo e por isto morre, quem tem a responsabilidade de oferecer os recursos necessários para o SUS (Sistema Único de Saúde) funcionar adequadamente, mas não faz, pelo contrário apoia o congelamento dos recursos públicos para as áreas sociais, peca contra o quinto mandamento; quem dirige um meio de transporte de forma incorreta, usando bebida alcóolica (droga legal) ou drogas ilegais e comete um acidente, matando alguém, esta pessoa comete um pecado contra o quinto mandamento.

    No caso do aborto, vale lembrar que o pecado não é apenas da mulher que engravidou e resolveu abortar, é também do homem que engravidou a mulher, a abandona ou a força a abortar, bem como de quem colabora para que o aborto seja realizado.

    1. Comida requentada
    O assunto Aborto vem se tornando uma comida requentada a cada eleição no Brasil. Desde a primeira eleição direta para a Presidência do Brasil, com o fim da ditadura militar que “governou” o Brasil de 1964 a 1985, em 1989, no segundo turno entre Lula (PT) e Collor (PRN), que o tema aborto aparece e contribui para decidir a eleição. Quem votou em 1989 deve se lembrar do horário gratuito onde Collor conseguiu apresentar a fala de uma ex-namorada de Lula, declarando que ele tinha mandado ela abortar. Isto, para mim, contribuiu muito para a vitória de Collor no segundo turno (cf. https://br.blastingnews.com de 06 de agosto de 2017).


    Assim, um assunto religioso, da moral cristã, foi explorado politicamente, para ganhar e tirar voto numa eleição.

    E assim se repetiu nas outras eleições para a Presidência da República em 1994, 1998, 2002, 2006, 2010, 2014 e na eleição deste ano de 2018.

    Quero lembrar da eleição de 2010 onde José Serra acusava Dilma de ser abortista e depois foi demonstrado que ele como Ministro da Saúde assinou em 1998, Norma Técnica para o SUS (Sistema Único de Saúde), ordenando regras para fazer abortos previstos em lei, até o 5º mês de gravidez (cf. https://www.revistaforum.com.br de 04 de outubro de 2010).

    2. Não existe Partido puro

    É ingenuidade ou má fé alguém afirmar que não votará em um candidato ou em uma candidata porque o partido dele, dela é a favor do aborto.


    Também, é ingenuidade ou má fé alguém afirmar que votará em um determinado candidato ou candidata porque o partido dele, dela é contra o aborto.

    Em todos os Partidos, arrisco a dizer, sem exceção, existem pessoas que são a favor e que são contra o aborto.

    3. Quem decide é o Legislativo

    Outro erro é alguém achar que a lei do aborto será ou não aprovada por vontade do Poder Executivo. A matéria da descriminalização do aborto não diz respeito ao Executivo, diz respeito ao Legislativo.


    Quem aprova ou não uma Lei no país é o Congresso Nacional (Câmara Federal e Senado), que deve ser a voz do povo. No Brasil as pesquisas indicam que a maioria da população não quer a lei do aborto. 

    “Apenas 26% é favorável à interrupção da gravidez. São contra o procedimento 62%. Não são contra nem a favor 10% e 2% não souberam ou não responderam. A pesquisa foi feita por meio de 1,6 mil entrevistas com maiores de 16 anos em 12 regiões metropolitanas do Brasil entre 27 de outubro a 06 de novembro” (https://www.huffpostbrasil.com de 04 de dezembro de 2017). 

    Partindo deste princípio, que o Legislativo, representa o povo e a maioria do povo brasileiro é contra o aborto, o Legislativo deve rejeitar esta lei a favor da legalização do aborto.

    4. Católicos e católicas e a doutrina

    A lei do divórcio foi aprovada pela Emenda Constitucional número 9, de 28 de junho de 1977, regulamentada pela lei 6.515 de 26 de dezembro do mesmo ano. Apesar de existir a Lei do Divórcio no Brasil, os casais católicos devem viver fielmente o Matrimônio.


    Vamos aqui imaginar que um dia no Brasil, também, seja aprovada a lei do aborto. Caberá a nós Católicos e Católicas não usar desta lei, porque fere a nossa doutrina de defesa da vida desde a gestação. 

    Portanto, não é a lei civil que deve determinar o agir do cristão católico, da cristã católica, mas a Palavra de Deus e a Doutrina da Igreja.

    A Palavra de Deus diz: “Escolhe, pois, a vida, para que vivas tu e teus descendentes” (Dt 30, 19). Jesus confirmou este princípio a favor da vida do Povo de Israel e declarou: “Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10, 10).

    O Magistério da Igreja sempre defendeu a vida humana em todas as etapas de seu desenvolvimento. Vejamos este ensinamento de São João Paulo II, onde ele apresenta a concepção da Igreja sobre os direitos humanos: “O direito à vida, do qual é parte integrante o direito a crescer à sombra do coração da mãe depois de ser gerado; o direito a viver em família unida e num ambiente moral favorável ao desenvolvimento da própria personalidade; o direito a maturar a sua inteligência e liberdade na procura e no conhecimento da verdade; o direito a participar no trabalho para valorizar os bens da terra e a obter dele o sustento próprio e dos seus familiares; o direito a fundar livremente uma família e a acolher e educar os filhos, exercitando responsavelmente a sua sexualidade. Fonte e síntese destes direitos é, em certo sentido, a liberdade religiosa, entendida como direito a viver na verdade da própria fé e em conformidade com a dignidade transcendente da pessoa” (Carta Encíclica Centésimo Ano, nº 47).


    5. O silêncio depois das eleições
    No ano das eleições para Presidência da República o Aborto ganha destaque. Passado as eleições o Aborto fica esquecido e aguarda a próxima eleição. 


    Quem foi que ouviu falar ou leu alguma reportagem, viu e leu alguma postagem nas redes sociais sobre o Aborto depois do dia 28 de outubro, segundo turno das eleições? De junho até o dia 27 de outubro recebia várias postagens de católicos ou católicas alertando para não votar em quem apoiava o aborto e defendendo o voto em quem achavam eles e elas que não apoiava o aborto. Do dia 28 de outubro para cá não recebi mais nada. Nem mesmo para confirmar a necessidade de se continuar lutando contra o aborto. Por que será este silêncio?

    Lamentável é ver católico e católica deixando-se manipular pelos falsos políticos, que em público se declaram contra o aborto para ganhar votos, mas que na prática pouco se importam com a vida de nosso povo ou de forma hipócrita afirmam ser contra o aborto e criticam quem dizem ser a favor, mas que apoiam outras formas de atentados à vida, como por exemplo, defendem a pena de morte, a redução da maioridade penal, o combate a violência das armas pela violência das armas, apoiam a redução dos direitos dos trabalhadores e o congelamento de reursos para as áreas sociais. 

    Dom José Ionilton Lisboa de Oliveira, SDV
    Prelazia de Itacoatiara - AM



    Carta a um amigo teólogo sobre o aborto nas eleições de 2010


    José Comblin *
    Fonte: Adital
    Caríssimo Arnaldo,
    Você se lembra do golpe eleitoral que estourou na véspera do primeiro turno das eleições de 2010 quando apareceu todo um alvoroço sobre a questão do aborto. Esse alvoroço permaneceu durante todo o mês de outubro até o segundo turno. Nas igrejas e fora das igrejas foram distribuídos milhões de panfletos assinados pelos bispos da diretoria do regional Sul 1 para intimar os católicos a votar no candidato José Serra. O motivo era que os candidatos do PT, principalmente a candidata à presidência da república, queriam legalizar o aborto no Brasil e, por conseguinte, queriam implantar uma cultura de morte.
    Esse incidente me levou a refletir um pouco sobre esse fato bastante estranho e o seu significado eclesial. Quero comunicar-lhe aqui alguma coisa dessas reflexões.
    Os bispos denunciadores se diziam os defensores da vida, isto é, pessoas que lutam contra o aborto e lutam contra todos os políticos que defendem o aborto descriminalizado no Brasil. O seu linguajar foi o que usam os movimentos que se dizem defensores da vida porque condenam o aborto. Era um linguajar violento, condenatório. Somente por distração os autores esqueceram-se de comunicar que a descriminalização do aborto estava no programa do PV, e que o candidato Serra já tinha autorizado o aborto em certos casos quando era ministro da saúde, o que lhe valeu os protestos da CNBB. Com certeza foi um esquecimento por distração. Por discrição os bispos omitiram o que aconteceu um dia na vida do casal Serra, o que foi bom porque a vida privada não deve interferir com a vida pública.
    Sucede que a Igreja condena desde sempre o aborto, e estabeleceu uma pena de excomunhão para todos os que têm participação ativa. Conseguiu que houvesse no Brasil uma lei que criminaliza o aborto. Mas o Brasil é um dos países onde há mais abortos. Alguns dizem 70.000 por ano, outros estudos chegam a dizer que uma de cada 5 mulheres no Brasil já praticou um aborto. Sempre é um aborto clandestino e naturalmente é feito nas piores condições para os pobres. Pois para quem tem condições há clínicas particulares bem equipadas, conhecidas, porém jamais denunciadas pela Igreja. Sobre essas clínicas para os ricos o poder judicial fecha pudicamente os olhos. Afinal, trata-se de pessoas importantes As condenações da Igreja não têm nenhum efeito. A lei da república não tem nenhum efeito. Os defensores da vida não conseguem defender nada. Falam, falam, mas sem resultado. Condenam, condenam, mas o crime se comete com a maior indiferença pelas condenações verbais ou legais. Falam, condenam e nada acontece. Eles se dão boa consciência achando que defendem a vida, mas não defendem nada. Há um lugar no evangelho em que Jesus fala das pessoas que falam e não fazem nada. Impedem a descriminalização, mas defendem a situação atual, ou seja, são defensores do aborto clandestino, que é a situação atual.
    O seu argumento poderia ser que a descriminalização aumentaria o número de abortos. No entanto, a experiência de outros países mostra que, pelo contrário, diminui o número de abortos. Isto se explica facilmente. Pois uma vez que uma mulher pode falar abertamente em aborto, as autoridades podem com a ajuda de psicólogas, de assistentes sociais, de assistentes religiosos dialogar com ela e buscar com ela outra solução, o que de fato acontece. Muitas mulheres não teriam feito o aborto se tivessem recebido ajuda moral ou material, quando estavam desamparadas.
    Já que o documento era assinado por bispos, eu pensava que os bispos fossem explicar o que estão fazendo na pastoral da sua diocese para lutar contra o aborto clandestino, e fizessem propostas aos candidatos nas eleições na base das suas experiências pastorais. Mas não havia nada disso no panfleto. Teria sido interessante saber como fazia a pastoral diocesana para evitar que houvesse abortos. Mas não havia nada. Os bispos gritavam, assustavam, condenavam, mas não diziam o que faziam. Alguns leitores pensaram: já que não falam da sua pastoral para evitar o aborto, deve ser porque não existe essa pastoral. Falam contra o aborto, mas não fazem nada para evitá-lo. Condenam, e mais nada.
    Pois, poderiam fazer muita coisa. Muitas mulheres que querem fazer o aborto, são mulheres angustiadas, perdidas, desesperadas que se sentem numa situação sem saída. Muitas querem o aborto porque os seus pais não aceitam que tenham uma criança. Outras são obrigadas a fazer o aborto pelo homem que as estuprou, e que pode ser o próprio pai, um irmão, um tio, um padrasto. Outras estão desesperadas porque a empresa em que trabalham não permite que tenham criança. Outras são empregadas domésticas e a patroa não aceita que tenham que cuidar de uma criança. Então essas meninas ou moças ficam angustiadas e não sabem o que fazer. Não recebem atendimento, não recebem conselho, não recebem apoio nem moral nem material, porque tudo é clandestino e nem sequer se atrevem a falar com outras pessoas a não ser algumas amigas muito próximas. Não achando alternativa, a contragosto e com muito sofrimento recorrem ao aborto. A Igreja não as ajudou quando precisavam de ajuda.
    A Igreja poderia ter uma pastoral para olhar o que acontece na rua, no bairro, quais são as meninas ou moças que podem estar em estado de perigo porque estão numa dessas categorias de risco. Poderia acolher ou dar assistência moral e material, dialogar, buscar outras soluções. A experiência mostra que às vezes um simples abraço faz com que desistam de fazer o aborto. O aborto é o resultado da indiferença da comunidade cristã. Somos todos culpados, todos cúmplices por omissão e, em primeiro lugar, teríamos que pedir perdão pelo nosso descuido em lugar de acusar essas mulheres. Era o que se esperava de um documento assinado por bispos, que, afinal, representam o evangelho e a maneira como Jesus tratava os pecadores.
    Jesus não condenou os pecadores e o que se espera da Igreja é que tenha muita misericórdia, muita compreensão e que ajude efetivamente essas pessoas que estão numa situação tão difícil. Poderíamos fazer sugestões ao poder legislativo no sentido de criar instituições para responder e tantos casos em que a vida humana está em perigo, e este é um deles.
    Não faz sentido dizer que sou contra o aborto e estou defendendo a vida se não faço nada. Não estou defendendo vida nenhuma e o aborto está aí e não faço nada. O governo tem uma lei que criminaliza o aborto e essa lei não se aplica. Só serve para que o aborto seja clandestino, isto é, feito nas piores condições morais e físicas, salvo para as pessoas de boa condição. Essa lei é inaplicável e a Igreja nem se atreve a pedir que ela se aplique. Seria preciso construir milhares de penitenciarias e colocar nas prisões talvez um milhão de mulheres. A Igreja não pede isso e se conforma com o aborto clandestino. Na prática nada faz contra o aborto clandestino.
    Existe a alternativa da descriminalização, que é para os nossos defensores da vida a proposta de Satanás. A chantagem dos chamados defensores da vida fez com que todos condenem a descriminalização, como faz a Igreja. Quem sou eu para julgar? Os bispos do Regional Sul 1 acham melhor o aborto clandestino. Quem sou eu para discutir? Porém, teria o direito de pedir mais discrição e mais humildade, porque afinal somos todos cúmplices por omissão se não fazemos nada para prevenir os abortos tão numerosos no Brasil. A condenação é inoperante. Mas uma pastoral da família ou uma pastoral específica para esse problema poderia evitar que muitas mulheres angustiadas e desesperadas tenham quer recorrer ao aborto que nenhuma mulher pede sem chorar. Por que esperar antes de desenvolver essa pastoral?
    Então, qual foi o testemunho de amor que a Igreja deu com esse panfleto eleitoral?
    José Comblin, grande pecador e cúmplice por omissão.


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