segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

Livro sobre projeto reculturarte está em fase de pesquisas para ser lançado em 2019.


 

 No ano de 1997  nos  foi solicitado para publicação na revista Movimento, a produção do artigo, que demos o titulo de RECULTURARTE: Experiência comunitária pioneira  de arte -educação popular em Aracaju “. 

   Essa revista  foi uma   iniciativa do Centro Sergipano de EducaçãoPopular (CESEP),  em parceria com o departamento de Ciências Sociais  da UFS,  lamentavelmente não passou do segundo  número e portanto, o artigo não foi publicado de forma impressa, sendo disponibilizado por volta do ano de 2010  no blog da Ação Cultural. 

    Após a produção do artigo, conversei com algumas pessoas sobre  o desejo de publicar um livro que detalhasse  a abordagem que fizemos  no artigo em tela, o que não tivemos possibilidade de fazer até este ano de 2018, quando teve inicio as nossas entrevistas e pesquisas em arquivo e que culminará com a entrega do livro para publicação no ano de 2019. 

A produção desse artigo   colabora,   tanto para oferecer um  panorama resumido do que foi realizado pela Amaba/Projeto Reculturarte,  no período compreendido entre 1989 e 1996,  como para orientar as pesquisas atuais, em especial o roteiro  de  entrevistas .


O artigo será publicado no livro, como um capitulo introdutório  e segue disponibilizado junto com um outro artigo intitulado PROJETO RECULTURARTE: UM ESPETÁCULO POSSÍVEL AO CAMINHO DO DESAFIO DA INCLUSÃO SOCIAL NO LAZER”, o qual foi produzido por Jussara da Silva Rosa e Luiz Carlos Vieira Tavares,  quando  mestrandos do curso de educação física da Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP).


Portanto,  para conhecer e valorizar o trabalho educativo e sociocultural realizado no bairro américa pela Amaba e aquecer o interesse pelo livro, acreditamos que a leitura valerá a pena.


Em troca de correspondência com alguns participantes do projeto Reculturarte, manifestamos algumas opiniões que vale a pena trazer para cá.  Isso vale como uma boa forma de conclusão dessa introdução a leitura dos dois artigos abaixo.

 " O livro sobre o projeto Reculturarte propõe uma viagem ao passado, onde encontraremos contribuições para o presente e o futuro de uma nação que precisa se reinventar. Em especial, para àqueles que acreditam na arte e na cultura como um meio de humanização, desenvolvimento integral e emancipação."

“Por coincidência, um resgate da memória em tempos tão contrários ao que foi/é proposto pelo projeto  Reculturarte, mas que sem dúvida nenhuma, ainda mais necessário.”

"Realizar as pesquisas para o livro sobre o projeto Reculturarte,  está sendo muito emocionante e prazeroso. Tanto para mim, como para os entrevistados. Estou surpreendido, pelo fato do quanto estivemos a frente do nosso tempo, inclusive dos tempos de hoje."



 RECULTURARTE: Experiência comunitária pioneira  de Arte - Educação Popular em Aracaju


Por
José de Oliveira Santos (Zezito)
Artigo escrito em 1997



O presente artigo tem como objetivo apresentar um resgate histórico – critico, a partir da vivência pessoal e do reexame da memória escrita produzida nos 06 (seis) anos de existência do Projeto Reculturarte.



O inicio da experiência em 1989, deu-se a partir do esforço conjunto da Associação dos Moradores do Bairro América e Adjcências (AMABA), do Centro Sergipano de Educação Popular (CESEP) cuja sede naquele momento estava situada no Bairro América, com a participação de membros dos grupos de jovens da Igreja São Judas Tadeu, e em alguns momentos com a participação da assistente social do posto de extensão da Fundaçao Estadual de Bem Estar do Menor (FEBEM) no bairro América.

No início de 1989 foram  promovidas uma série de reuniões, com o intuíto de engajar um grupo expressivo de jovens num esforço coletivo de recuperação da dignidade e cidadania das crianças e adolescentes. Após algumas tentativas de elaboração de estratégias para agrupar, socializar, reeducar e formar grupos de produção e geração de renda , junto ao publico infanto - juvenil , decidiu-se utilizar a arte e recreação, considerando que devia-se partir daquilo que é mais ligado ao mundo da criança e que por isso favorece mais a sua grupalizaçao.

Com o objetivo de melhorar a capacidade de intervenção dos jovens, foram realizadas algumas atividades de formação destacando-se nesse ano a realização de um Encontro de Jovens do bairro América, que reuniu representantes de 10 (dez) grupos, incluindo alguns de bairros adjacentes. O tema do encontro foi “A questão do menor abandonado em nosso meio”. Esse evento buscou também ampliar a quantidade de pessoas comprometidas com a proposta de trabalho.

Em termos de ação direta com as crianças, os registros dão conta da realização de um campeonato de bola de gude em maio, uma quadrilha junina em junho, e uma tarde de lazer em outubro de 1989. O grupo de capoeira já existente na AMABA desde 1988 foi incorporado a proposta de trabalho. Outra experiência inicial foi a turma do teatro, animado por um jovem do grupo teatral da igreja e a turma da dança, animada por uma professora, responsável pela organização da quadrilha junina. A formação da cooperativa dos guardadores de carro difere das outras iniciativas pela proposta de organizar os meninos que trabalhavam em frente a igreja, para obterem maiores condições de trabalho e aumento na renda financeira. Depois de algum tempo, em virtude da falta de experiência dos jovens educadores no trato das questões ligadas ao mundo do trabalho, a alfabetização e a recreação foram incorporadas como proposta de intervenção junto aos guardadores de carros.

Com o íntuito de oferecer condições de compra de material necessário para a realização das atividades foi solicitado e aprovado o apoio financeiro da Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE) de Salvador-Ba.

Em Setembro de 1989 acontece a participação do assessor do Projeto Reculturarte, José da Guia Marques, e três adolescentes no II Encontro Nacional de Meninos e Meninas de Rua, que reuniu em Brasília 700 crianças e 200 educadores do Brasil e de alguns países da América Latina para a discussão de problemas gerais ligados a infância, e para pressionar os políticos e autoridades visando a aprovação do estatuto da criança e do adolescente.

Esse encontro contribuiu para o conhecimento de novas linhas de trabalho, e iniciou o processo de articulação regional e nacional do Projeto Reculturarte com o Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua.

O I Encontro de Crianças e Adolescentes do bairro América e a passeata contra a violência foram resultados da influencia positiva do Encontro em Brasília. Esses dois eventos e o I Festival Infantil foram os momentos de maior destaque no ano de 1990. A passeata contra a violência, inicialmente prevista para ser realizada no bairro América, tornou conhecido o Projeto Reculturarte além dos limites da comunidade, em virtude da revolta de expressivos setores da sociedade aracajuana contra a ação do grupo de extermínio que assassinou quatro crianças no bairro Terra Dura.

Inicialmente, a passeata contra a violência faria um protesto contra a morte de diversas crianças e adolescentes no bairro América que, segundo versões da policia, eram causadas pelas disputas internas entre os grupos de viciados e traficantes.

A partir das denuncias de garotos sobreviventes e da comprovação da participação de policiais na chacina da Terra Dura ficou confirmado que a famosa “guerra da maconha” era uma invenção de setores da policia e da imprensa. Diante disso, a AMABA aceitou a proposta de outras entidades e artistas para a realização de uma mobilização de protesto em conjunto.

Além da articulação local, a passeata foi vinculada a a campanha nacional “Não Matem Nossas Crianças” coordenada pelo Centro de Apoio as Populações Marginalizadas (CEAP) do Rio de Janeiro que enviou a Aracaju um representante, Ivanir Santos.

De acordo com a entrevista concedida ao Jornal de Sergipe em 27 de novembro de 1990, Ivanir Santos afirmou que sua presença em Sergipe tinha por objetivo conhecer com profundidade a real situação dos menores marginalizados do Estado. “Foi surpreendente para mim, ver o Secretário de Segurança do Estado afirmar num programa local que o numero de casos de assassinatos de menores não era tão alto em Sergipe e verificar, junto aos dados da OAB, o registro de cerca de 140 mortes”, disse. Ivanir Santos explicou que o CEAP deverá fazer uma investigação própria sobre a situação em Sergipe para enviar os dados a Anistia Internacional.

Prosseguindo a experiência bem sucedida de realização dos momentos de formação, foi realizado em setembro de 1990, o 1º Encontro de Educadores do bairro América. Nesse momento, foi realizado um levantamento dos avanços e dos entraves que dificultavam a melhoria da qualidade do trabalho com as crianças e adolescentes. Nesse mesmo ano foi celebrado o convênio com a Visão Mundial, que garantiu a remuneração permanente de alguns educadores e a compra de equipamentos e material de consumo para as atividades (capoeira, dança, teatro, banda afro, esporte, alfabetização, jornal e artesanato) e eventos especiais (festival infantil, retiros, passeios, encontros de educadores e festas)

Com isso, o Projeto Reculturarte passou a distinguir a AMABA em relação as demais associações de moradores, pelo destaque da ação cultural, envolvendo crianças e jovens.

Em termos de ação educativa o dia-a-dia do projeto foi realizado através de uma serie de atividades em dias alternados e por eventos de formação e momentos de lazer realizados de forma esporádica.

As atividades foram realizadas na AMABA e em espaços cedidos pela Paroquia São Judas Tadeu (durante os dois primeiros anos de funcionamento do projeto) e em campos, praças, ruas e etc. Do total de tempo destinado para cada atividade, a maior parte foi empregada em ensaios e treinos, o tempo restante para conversas sobre questões internas da atividade ou assuntos de interesse das crianças e adolescentes, com destaque para a questão das drogas, da violência e da sexualidade.

Com o objetivo de ampliar o tempo para abordagem dos diversos temas, foi realizado em 1995 uma experiência de formação, através dos programas de reflexão: Afetividade, Zumbi dos Palmares e Solidariedade, que eram realizados durante os sábados e que passaram a  servir como aprofundamento dos temas  dos retiros realizados em chácaras, escolas, e espaços da igreja (destinados para encontros de fins de semana).

Quanto a questão de tempo, as atividades foram realizadas com uma média de um a três encontros semanais com duração de duas horas por encontro. O numero de participantes variou de dez (teatro) até cinqüenta (banda).

Algumas atividades estiveram presentes com poucos momentos de interrupção, desde o inicio do Projeto, como é o caso da banda, da dança, do esporte e da capoeira.

A capoeira já existia na AMABA antes mesmo da criação do Projeto Reculturarte, a partir de um projeto do setor de cultura negra da Secretaria de Cultura do município (atualmente FUNCAJU). O Projeto denominado Capoeiração, de 1988, durou apenas um ano, tendo o grupo se constituído a partir da disposição do mestre Alvinho Sucuri e de alguns alunos interessados. Foi a única atividade que mereceu um estudo mais completo por parte de Rita Leolinda, estagiária de Serviço Social da Universidade Federal de Sergipe (UFS), no ano de 1990.

Segundo o relatório de pesquisa o grupo, na época (Maio a Agosto de 1990), contava com dezenove membros assíduos, da faixa etária entre 7 e 14 anos. Já naquele momento a autora apontava alguns limites e problemas, que também apareceriam em analises e discussões relacionadas a outras atividades em anos seguintes.

Rita Leolinda destacou uma grande identificação cultural ligada a capoeira e a mobilização do grupo baseada na própria atividade, embora não seja este o propósito principal do projeto, conforme percebeu a estagiária. Quanto a escolarização, “O índice de repetência 60% e mais de três vezes, é alto” (Rita 1990:16). A autora percebeu também certa reprovação quanto a participação do sexo feminino nos treinos e a utilização de apelidos pejorativos a alguns membros de cor negra acentuada. Quanto a participação de meninas no grupo, essa realidade foi modificada em 1993, com a entrada de algumas adolescentes no grupo, embora não tenha havido continuidade dessa participação.

Quanto a questão do preconceito racial, a proposta do programa de reflexão sobre os 300 anos de Zumbi dos Palmares (1995) incluiu o racismo como principal tema dos debates.

Para o entendimento da dinâmica do projeto em 1993, visto a partir do olhar de um grupo de vinte crianças e cinco educadores que se reuniram na cidade de Propriá, vale a pena transcrevermos a síntese das várias opiniões acerca do que era bom e do que era ruim naquele momento. As coisas boas eram: alegria, brincadeira, lazer, arte, amor (que muitas vezes não encontramos na família), paz, refugio para os problemas, momento novo agora e sempre, uma forma diferente de ensinar e aprender, desejo de transformar a sociedade, Jesus presente naquilo que gostamos. As coisas ruins eram: injustiças, falsidades, engano, confusão, poucos fazem e muitos criticam, medo do projeto acabar ou dos meninos não poderem levar a frente.

Quando aquilo que diz respeito as dificuldades do relacionamento interpessoal, a não superação de muitos desses problemas provocou o afastamento de muitos educadores(as), meninos(as), assim como de sócios e dirigentes. Se isso não levou ao fim do projeto, sem duvida nenhuma quebrou um pouco o encanto inicial, já que a proposta daqueles que formularam a idéia original ia em sentido contrário as valores individualistas e competitivos que vigoram na sociedade atual.

Em termos conclusivos, embora até o ano de 1995, já que, a partir do segundo semestre de 1996, não estamos mais presentes enquanto dirigentes da AMABA, nem enquanto educadores a constatação que fazemos é que, em termos de resultados, a experiência do projeto foi feliz quanto a grupalizaçao, socialização e reforço da auto-estima de um grupo expressivo de crianças negras e pobres do bairro América.

Vale lembrar o sentimento de satisfação e alegria compartilhados por muitos daqueles que estiveram presentes, tanto na condição de realizadores como na condição de convidados, quando da apresentação de produção cultural em alguns momentos, caso do festival infantil (1990 a 1994) e festa Kizomba (1995). O que se viu foi muita beleza, originalidade e sentido de cooperação por parte de todos os envolvidos. No entanto, outras medidas relacionadas a melhoria do padrão socio-economico-cultural, ou não foram levadas em conta ou as tentativas de implementá-las foram bastante tímidas. Pelo fato de ter estado presente no Projeto Reculturarte desde o inicio, confirmo as duas hipóteses.

O estudo de Rita Leolinda acerca da atividade de capoeira já apontava para a necessidade, manifestada pelos próprios meninos, do reforço escolar e cursos profissionalizantes.

Já foi dito que o Movimento Popular está em crise por não ter se preocupado com a estética e com a mística, tendo se reduzido apenas ao aspecto do político e do econômico.

As lições da crise da AMABA/ Projeto Reculturarte de 1993, quando a maior parte dos membros do conselho deliberativo pediu demissão, aponta em sentido contrário a afirmação anterior. No caso da AMABA/Projeto Reculturarte, uma das principais razões do “racha” foi a ênfase excessiva no aspecto cultural (estética). Sobre o assunto, conforme o relatório do primeiro encontro de avaliação institucional da AMABA, de Maio de 1993, a opinião do grupo dissidente a respeito dessa questão foi expressa da seguinte forma: ”Tendência a reduzir o trabalho da AMABA a atividades culturais. Há dois grupos perseguindo objetivos diferentes”.

Em minha opinião, a concepção inicial acerca da ação cultural foi pensada de forma integrada, buscando através da arte expressar os sentimentos da população do bairro América acerca da realidade de opressão e de abandono, e ao mesmo tempo, organizar e mobilizar as pessoas diretamente envolvidas, assim como os moradores em geral. Se em alguns momentos o retrato da miséria e das injustiças foi apresentado com competência, a organização e a mobilização para as conquista acerca da melhoria da qualidade de vida ficaram a desejar.


Além dos nomes citados no artigo acima, merecem ser registrados os seguintes. Sem estas pessoas, a “aventura” do projeto não teria sido possível.

Edenilson Barbosa, mestre Alvinho Sucuri, Edna Marques, Paulo Sérgio, Joseanes, Carlos Henrique, Ronaldo do Grutesfa, Emanuel Rocha, Maria Cléia, Paulo Rogério, Rosângela Souza, Kátia, Valdete, Acácio, Adriana, Sérgio, Jussara Rosa, Cicera, Dayse Ramos, Evanildo, Zumbarê, Ana Paula, Márcia , Crécia, Clésia, Rejane e Anderson Charles (educadores); Manoel Soares, Wanderley, Luís uernando, Antônio Luís e Fátima (dirigentes); Professor Carlos, assistentes sociais Katiene e Aparecida, Frei Florêncio, Betânia, Márcia Nova e Avelange (Visão Mundial), Fátima Nascimento e pessoal da CESE, deputado estadual Renato Brandão – Renatinho, psicóloga Cibele Ramalho, Ronaldo Lima. E mais, em 1994, durante 60 dias, esteve contribuindo com o projeto, Helga, do programa ASA , programa de intercâmbio internacional da Alemanha.


 


José de Oliveira Santos. "Zezito"  É  sócio fundador da AMABA e coordenador geral da AMABA(1989/92) e (1994/96); educador voluntário do projeto Reculturarte (1994/96); sócio fundador do CESEP e integrante do Conselho Politico (1995/97); graduado em História pela Universidade Federal de Sergipe.


NOTAS
1 – A Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE), nasceu em 1973, como fruto da reflexão sobre o compartir ecumênico, na busca de uma sociedade mais justa e democrática para os empobrecidos. É constituída por cinco igrejas evangélicas (Episcopal Anglicana do Brasil, Evangélica de Confissão Luterana no Brasil, Metodista, Presbiteriana Independente do Brasil e Presbiteriana Unida) e pela Igreja Católica. Conta com recursos oriundos de agência internacionais de ajuda e do Conselho Mundial de Igrejas (CMI).
2 – Organismo internacional de ajuda, criado por um pastor batista, norte americano, durante a década de 1950 para assistir crianças órfãs na Coréia. Posteriormente, passou a atender projetos de igrejas evangélicas na área social em diversas partes do mundo. No Brasil há vinte anos, estabelece convênios com organizações comunitárias. A receita financeira é obtida através do sistema de apadrinhamento em que uma família ou empresa se compromete a enviar mensalmente uma certa quantia em dinheiro para uma criança cadastrada nos projeto conveniados.

3. Os “retiros” do projeto, a despeito da denominação, teve pouco daquilo que encontramos nos retiros dos grupos religiosos, tanto pelo aspecto de conteúdo, como pelo aspecto da forma. Os conteúdos ou temas estavam baseados nas necessidades e problemas mais comuns. O tema “família” foi abordado a partir do cotidiano dos presentes relacionando com a história da sociedade, a religião e a cultura. Quanto à forma os educadores elaboraram uma proposta que possibilitasse a construção coletiva do conhecimento. A dimensão lúdica (brincadeiras, cânticos), a dimensão espiritual (celebração e oração), a dimensão afetiva (reforçada através de técnicas de relaxamento e terapia corporal), a dimensão estética (áudio visual, desenhos, colagens e dramatizações) estiveram sempre presentes, re (criando) a partir do que foi apreendido nos seminários e oficinas do Centro Nordestino de Animação Popular (CENAP/PE) e curso de verão do Centro Ecumênico de Serviços a Evangelização e Educação Popular (CESEP/SP).

4. A não continuidade da minha presença e de outras pessoas, deve-se a dificuldade de convivência e divergência ideológicas com o novo presidente eleito (ex-educador) militante do PC do B.

5. A questão do trabalho e da geração de renda aparece como um dos itens dos objetivos especificados no texto-base do projeto, produzido em 1989. Tendo colocado a minha preocupação em 1993,,quanto ao fato dessa questão não estar sendo levado em conta. Infelizmente , a ausência de uma ação mais efetiva quanto a esse aspecto, se constitui  no principal motivo de frustração por parte de muitos adolescentes e pais. O item diz o seguinte: “Motivar os menores a se engajaram em projetos de produção comunitária, desenvolvidos pela AMABA, visando afastá-los ou preveni-los da ociosidade, das drogas, da prática do roubo, da prostituição e mendicância, possibilitando que os mesmos contribuam efetivamente com a renda de suas famílias(...)”.


Referências  Bibliográficas


Projeto Reculturarte – Centro Sergipano de Educação Popular, 1989. 8p. (texto-base).

Assassinatos de menores serão combatidos pelo CEAP, Jornal de Sergipe, Aracaju, 27 de Novembro de 1990.

ANJOS, Rita Leolinda Chaves Cardoso dos. Estudos e Avaliação do grupo de capoeira, Aracaju Universidade Federal de Sergipe,1990, 78p. (relatório).

IV Retiro do Projeto Reculturarte, Propriá – Associação dos Moradores do Bairro América e Adjacências, 1993, 6p. (relatório)

Primeiro encontro de avaliação da AMABA – Aracaju –Centro Sergipano de Educação Popular, 1993. 10p (relatório)



Colaboradores
Revisão Maxivel Ferreira
Digitação Irene Smith 

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Um pedaço de memória: AMABA/Projeto Reculturarte. O livro completo está em fase de pesquisa para ser lançado este ano. (5) 


PROJETO RECULTURARTE: UM ESPETÁCULO POSSÍVEL AO CAMINHO DO DESAFIO DA INCLUSÃO SOCIAL NO LAZER
Jussara da Silva Rosa
Luiz Carlos Vieira Tavares
Mestrandos do curso de Educação Física da UNIMEP

RESUMO: No intuito de relatar nossa experiência profissional em um projeto social desenvolvido por uma associação de moradores, é que objetivamos com este artigo trazer para a arena das discussões a possibilidade de diálogo sobre essa prática, divulgando e ampliando nossas ações, bem como, apontar possibilidades para a experiência inclusiva do lazer, e aqui no caso específico na dança, por acreditar que ela permite ao seu participante um verdadeiro sentir, pensar, agir, perceber e reagir enquanto ser humano histórico e cultural na dinâmica de suas relações.

INTRODUÇÃO

O Projeto Reculturarte é desenvolvido no Bairro América da cidade de Aracaju. O Bairro América no seu surgimento era caracterizado como suburbano, mas com o crescimento da cidade hoje já não é mais possível caracterizá-lo por este aspecto.

A história desse bairro começa com a instalação do Reformatório Penal do Estado nesta região, que a partir daí, passou a ser conhecida como “Caatinga da Penitenciária”.

A maioria dos presos nesta época eram do Estado de Sergipe. As suas famílias ao se deslocarem para a capital, na intenção de visitá-los deparavam-se com problemas de acomodação (abrigo) e retorno, visto que nesta época não tinha transporte diariamente. Diante dessas dificuldades as famílias dos presidiários começaram armar tendas e barracos nas redondezas da penitenciária. Porém, estas famílias não foram os primeiros habitantes, pois, já morava lá, o carroceiro e o enfermeiro da penitenciária.

O judeu José Zúkema ao observar esta situação começou a lotear estes terrenos por preços acessíveis para estas famílias e até mesmo para ex-presidiários. Não se sabe ao certo se José Zúkema era realmente dono dessas terras ou se foi apenas o loteador. Zúkema viveu muito tempo na América, mas precisamente nos Estados Unidos, foi por este motivo que ele deu a “Caatinga da Penitenciária” o nome de América.

Desde o seu início o bairro é constituído por uma população de baixa renda, onde a maioria dos trabalhadores são absorvidos na construção civil, no serviço público (servente, vigilante, professor), faxineiras e desempregados. As famílias são grandes, de estrutura frágil, em que a figura do esposo é freqüentemente trocada, além de possuírem grande número de filhos. Estes, por sua vez começam a trabalhar nos primeiros anos de vida para auxiliarem no orçamento de casa.

O bairro é hoje marcado por uma série de problemas sociais que vão desde os mais simples de infra-estrutura até os mais complexos e lamentáveis problemas sociais.
Foi por perceber estes problemas que um grupo de moradores do bairro sentiu a necessidade de criar uma associação que amenizasse ou até mesmo superasse tais problemas, e é a partir desta intenção que surge a Associação de Moradores e Amigos do Bairro América (AMABA).

A AMABA é uma entidade comunitária que foi fundada em 14 de abril de 1983 por um grupo de moradores preocupados com a situação de abandono do bairro, que só é lembrado pelas autoridades na época de eleições. E hoje se caracteriza por ser uma entidade profundamente comprometida e reflexiva com os problemas sociais tais como: violência, saúde, educação, ecologia e lazer.

Na intenção de obter dos governantes um compromisso mais efetivo com a população do bairro e também de bairros vizinhos, a diretoria, coordenadores e moradores se reúnem em comissão para solicitar audiência ao governador, prefeito e secretários; promove abaixo-assinados; denuncia à imprensa as irregularidades e quando é necessário promove atos públicos na intenção de sensibilizar e mobilizar a comunidade para uma atitude política diante das desigualdades e injustiças sociais.

Diante das reivindicações feitas por esta associação, a conquista de uma sede própria e a aquisição do Registro da mesma, foi bastante significativo para que o bairro ganhasse uma nova roupagem.

O bairro hoje dispõe de saneamento básico, ruas pavimentadas, segurança comunitária, arborização, instalação de espaços físicos para o lazer (praças, quadras e teatro de arena).
Outras conquistas vieram, um programa denominado “Cinema nos Bairros”, patrocinado pela Secretaria de Cultura do Município; um outro programa que consistia em visitas ao Centro de Criatividade, onde as crianças e adolescentes tinham a oportunidade de participar de oficinas artísticas e assistir aos espetáculos teatrais gratuitos; a criação de uma “Rádio Comunitária”, cujos equipamentos foram comprados com o apoio da CESE (Coordenadoria Ecumênica de Serviço); e por fim, a criação do “Projeto Reculturarte”.

Este projeto nasceu da reflexão feita por alguns componentes da AMABA em conjunto com o CESEP (Centro Sergipano de Educação Popular) e com o posto de extensão da FEBEM (Fundação Estadual do Bem Estar do Menor), em cima da necessidade de estar repensando sobre a apropriação dos espaços destinados ao lazer, bem como o uso de seu conteúdo, visto que as crianças e adolescentes desse bairro não dispunham de muita opção de lazer.

Foi por reconhecer uma defasagem nos conteúdos culturais de lazer, com práticas voltadas quase que exclusivamente para o esporte (futebol) e com a utilização apenas da quadra como espaço para essa prática, que a associação investigou junto à população desse bairro de que forma eles entendiam o lazer e quais as atividades físicas de lazer eles tinham interesse em participar.

De posse dos resultados desta investigação, a associação com o intuito de desmistificar o entendimento que os moradores desse bairro e de uma forma geral a sociedade sergipana, tinham em relação ao lazer, visto que, compreendiam apenas como uma forma de descanso, divertimento, válvula de escape e coisa de desocupado ou de quem tem dinheiro, passou a desenvolver as seguintes atividades: dança, capoeira, música, teatro, artes plásticas, jogos e brincadeiras populares, esportes.

De acordo com Marcellino (1995, p.70), “é preciso que o lazer, além de suas funções de descanso, evasão, e entretenimento, atenda também as necessidades de desenvolvimento cultural”.

Como parte integrante da sociedade brasileira e sergipana, atuando na vida cultural e sócio-política, a AMABA tem procurado entender os conflitos sociais existentes em nossa sociedade, analisando-os e procurando encontrar formas alternativas de solução, é neste sentido que o Projeto Reculturarte funciona, objetivando por meio das atividades lúdico-culturais inserir crianças e adolescentes no convívio e na participação social.

O Projeto Reculturarte contando com o apoio financeiro da CESE e da Visão Mundial, passou a contratar educadores amadores e profissionais, para desenvolver suas atividades.

Nesta perspectiva, o projeto vem contribuindo para a ampliação do entendimento do lazer, por acreditar que este ao mesmo tempo em que possa estar desenvolvendo uma atividade alienante e conformista, pode também se apresentar como uma atividade revolucionária e transformadora a caminho da criticidade e criatividade.
Nos apoiando no pensamento de Marcellino (1998, p.156), ele nos diz que:

Apesar de tudo e embora não de modo exclusivo, é particularmente no tempo de lazer, que são vivenciadas situações geradoras de valores que poderiam ser chamados de “revolucionários”. São reivindicadas formas de relacionamento social mais espontâneas, a afirmação da individualidade, a consciência com, ao invés do domínio da natureza.

Compromissado com a prática da cidadania, o Projeto Reculturarte inclui o lazer como uma das dimensões culturais do ser humano, em que este é estimulado para a vivência de sua existencialidade, numa relação concreta consigo mesmo, com os outros e com o seu contexto.

Como exercício de cidadania este projeto tem possibilitado aos seus participantes o conhecimento dos seus direitos e de seus deveres, a consciência ambiental, a imaginação, a autonomia e a alegria, a criticidade e criatividade.

Ainda nos apoiando em Marcellino (1998, p. 156), o lazer:

É uma questão de cidadania, de participação cultural. Entendo por participação cultural a atividade não conformista, mas crítica e criativa, de sujeitos historicamente situados. Entendo, ainda, a participação cultural como uma das bases para a renovação democrática e humanista da cultura e da sociedade, tendo não só a instauração de uma nova ordem social, mas de uma nova cultura.

A nossa relação direta com esse projeto ocorreu por meio da dança. Em 1993, surge a oportunidade de ministrar aulas de dança nesta associação, o que nos deixou bastante motivados, bem como inseguros frente as dúvidas que tínhamos em relação ao conteúdo e ao estilo de dança que ensinaríamos naquela comunidade.

As crianças e adolescentes que freqüentavam esse projeto manifestavam um certo fascínio pela dança afro e pela dança de rua como uma forma de protesto, talvez por conta dos movimentos de luta e resistência contra as injustiças sociais que esta associação desenvolvia.

Foi então aí a nossa maior escola de dança, aprendemos bastante com aquelas crianças e adolescentes. Foi lá também que começamos a refletir sobre o corpo que dança, pois, nos víamos na missão de ensiná-las o que na verdade não compreendíamos, encontrando-nos completamente descontextualizados da história daquela comunidade, bem como daqueles corpos. Corpos que tinham fome e sede de aprender, corpos que desejavam veemente uma oportunidade de se fazer presente no mundo, corpos que buscavam a liberdade e autonomia e que acreditavam na felicidade.

Como acreditávamos na dança como uma forma de linguagem da expressão humana e enquanto tal, uma obra de arte aberta a diversos sentidos e significados, fizemos a opção de desenvolver nossas ações nesta perspectiva. Visto que, a dança enquanto obra de arte aberta e inacabada pode estar representando a possibilidade do movimento constante da criação e reflexão por meio da experiência vivida. Ela pode ainda possibilitar ao corpo dançante uma transcendência temporária de sua cotidianidade, não como forma de fuga, mas como condição de reflexão de sua realidade.
Assim, a poética do corpo dançante configura-se na vivência da corporeidade, que é experiência perceptiva da realidade sensível.

Como experiência vivencial, a dança proporciona um perceber-se presente no sentido estético da corporeidade e motricidade.
Para Dantas (1999, p.28):

O movimento do corpo dançante designa um deslocamento, uma transformação e identificação com impulso corporal, com a capacidade de projeção do corpo no tempo e no espaço. Um corpo ao dançar, entrega-se ao ímpeto do movimento, deixando-se deslocar e transformar. Ele atravessa o espaço, joga com o tempo, brinca com as leis, diverti-se com o seu peso, provoca dinâmicas inusitadas.

Nesta entrega ao movimento, desenvolvemos uma atmosfera muito agradável. Utilizamos a improvisação por ser um jogo em que sua principal regra é estar aberto e sensível as propostas que vão surgindo. Dantas, (1999, p. 102) nos diz que:

Há na improvisação uma predisposição para atuar de acordo com o momento: o improvisador está pronto para transformar toda circunstância em ocasião, todo acidente em possibilidade e se dispõe a explorar constantemente a memória à procura de soluções inusitadas para as situações criadas pelo jogo.

Neste sentido, as pesquisas e composições coreográficas que desenvolvíamos neste projeto já não eram mais uma iniciativa só nossa, mais sim de todo um grupo. Essa construção ocorria na coletividade, o que nos aproximava cada vez mais por meio do diálogo e do encontro.

Para Pinto (2004), o diálogo deve ser corporificado no sentido de estar atuando contra as desigualdades de oportunidades e concretizando a possibilidade de “acesso a melhores condições de vida”.
Ainda para Pinto (2004, p. 200):

O diálogo, aberto, sem preconceitos, sem querer tirar vantagem em tudo, considerando os sonhos pessoais e coletivos, é o caminho que vejo como mais promissor nesse sentido. A construção de conhecimento e intervenção voltadas à qualidade de vida implica, pois, possibilidades de politização, ou melhor, de conscientização sobre o que é vivido [...] Neste sentido, os problemas surgidos nas nossas intervenções devem ser tratados como oportunidade de educação lúdica para a autonomia: escolhas, negociações, tomadas de decisão e participação coletiva.

O ser humano autônomo no contexto do nosso trabalho, é aquele que se indigna com caminhos já percorridos e pré-estabelecidos, arriscando-se em novos horizontes e desbravando novos rumos traçados por ele mesmo, com possibilidades inclusive de superação dos seus limites.

Na dança o ser humano autônomo transcende o corpo oprimido na busca de sair da acomodação para a transformação, deslocando-se da ingenuidade para a criticidade e criatividade. É a possibilidade de se estabelecer redes de conexões para a conservação ou revolução da concretude histórica do ser humano. “Falar de transcendência do corpo oprimido, portanto, é o mesmo que falar de desejos, relações e mudanças deste corpo. [...] Transcender é, então, matar a morte para que a vida viva” (LIMA JR., 1998, p.27).
É exatamente nesta recusa da opressão que a AMABA, vem desenvolvendo o Projeto Reculturarte, criando novos mecanismos de libertação, para que crianças e adolescentes continuem expressando de forma intensa e significativa a sua existência. Desta forma, a dança enquanto uma das atividades desenvolvidas por este projeto e enquanto uma das manifestações do ser humano tem representado um desses mecanismos para sua expressão.

CONCLUSÃO
A inclusão cultural no lazer e aqui no caso específico da dança, só se constituirá enquanto aprendizagem significativa seja na associação, na escola, na rua, no barracão ou no palco a partir do momento que valorizar o corpo dançante enquanto corpo-sujeito, que traz em si as marcas de sua cultura, que é um corpo que na sensibilidade perceptiva de sua existencialidade conta, faz e refaz história, na dimensão de seu próprio tempo e espaço.
Acreditamos que seja nesta perspectiva que a dança possa contribuir com a inclusão social e cultural no lazer, possibilitando ao corpo dançante por meio da experiência lúdica e artística, o encontro com corpos que dançam, com corpos que assistem e com o mundo, rompendo com o silêncio que esses corpos carregam em si por conta de uma educação autoritária e alienante, e por conta de um modo de produção que só visa o consumo, resgatando nos mesmos a imaginação, o prazer, a auto-estima e, a coragem de desbravar novos caminhos, por meio das experiências vividas, percebidas e sentidas.


REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:

DANTAS, Mônica. Dança o enigma do movimento. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 1999.
LIMA JR., José. Corpoética, cosquinhas filosóficas no umbigo da utopia.São Paulo: Paulinas, 1998.
MARCELLINO, Nelson C. Lazer e humanização. Campinas: Papirus, 1995.
_____________ . Educação Motora e Políticas Públicas. In: I Congresso Latino-Americano de Educação Motora. II Congresso Brasileiro de Educação Motora. Foz do Iguaçu. 1998.
PINTO, Leila Mirtes S. M. Educação Física, Corporeidade, Lazer: Diálogos com Amigos sobre “Riscos a Correr”. In: MOREIRA, Wagner. e SIMÕES, Regina (Orgs) Educação Física, Intervenção e Conhecimento Científico.Piracicaba: Editora Unimep, 2004. 


Para conhecer melhor o autor da iniciativa do livro.


Entrevista com José de Oliveira Santos "Zezito" 



Fonte: http://sonsdacidadania.blogspot.com.br/


30 DE ABRIL DE 2009

José de Oliveira Santos é professor de História e Educador Popular. Em entrevista concedida ao nosso grupo, falou sobre questões que permeiam o trabalho com crianças e jovens carentes, fez uma análise dos atuais programas nesse sentido e traçou perspectivas para o trabalho de inclusão desse público, que constitui, literalmente, o futuro da nação. O professor acredita nas atividades culturais como sendo um dos melhores mecanismos para o cultivo de valores como amizade, cooperação, respeito, tolerância, entre outros, fatores ligados diretamente à construção da cidadania; e quando questionado sobre o maior desafio na vida de um profissional que trabalha com crianças e jovens carentes,é enfático: “é a falta de entendimento por parte da maioria dos adultos, em especial daqueles que detém maior poder político e/ou econômico, a respeito da necessidade de se criar mais condições e oportunidades para que as crianças, adolescentes e jovens brinquem, experimentem as diversas linguagens artísticas, façam festa, enfim, celebrem a vida!” E é exatamente isso que o professor José tem feito há vinte anos: celebrado a vida, com todo o encanto que esse tipo de iniciativa tem a proporcionar.
Confira abaixo a entrevista na íntegra com o professor José de Oliveira Santos*:

Qual foi a motivação que o levou a trabalhar com projetos beneficientes? Vivi a minha segunda infância, adolescência e inicio da minha juventude  no Rio de Janeiro, de 1969 a 1982, e quando pensava sobre o meu projeto de vida, uma das questões fundamentais a que me propus em certo momento foi me somar a pessoas e instituições que estivessem lutando para construir um mundo mais justo. Esta definição foi muito importante para mim, porque no período da adolescência somos convidados a aderir a todo tipo de grupo e para não ficarmos perdidos, confusos ou por terminar sendo envolvido em situações difíceis, faz-se necessário descobrirmos um norte. Nas décadas de 70 e 80, parcela expressiva da igreja católica no Brasil estava comprometida em palavras e com ações na luta pela democracia e direitos humanos e isso me ajudou bastante em termos da vivência prática e teórica, participando de grupos de jovens e mantendo contatos com algumas comunidades eclesiais de base em São João de Meriti (inicialmente ligadas a Diocese de Nova Iguaçu e posteriormente sob a jurisdição da Diocese de Duque de Caxias).
A construção da cidadania está intimamente ligada à cultura de modo geral. Fale um pouco sobre essa relação.
Falando em termos da construção de uma cultura de paz, a qual está bastante próxima dos ideais que norteiam aqueles que lutam pela construção da cidadania, está claro que todos querem cultivar valores como amizade, cooperação, disciplina, respeito, criatividade, tolerância, alegria e etc. Por esses motivos, a prática de atividades artísticas/culturais, conforme alguns estudos e pesquisas tem demonstrado, é um dos melhores mecanismos para o cultivo dos valores pelos quais tanto ansiamos e que caso continuem neste decadência que aí está, serão motivo de muito mais infelicidade e sofrimento para toda a sociedade.



Estamos falando de inclusão através da cultura. O senhor poderia nos falar um pouco sobre o Projeto Reculturarte? Quais atividades eram desenvolvidas e para que público?
No ano de 1983, então com 21 anos , recém chegado a Aracaju, ajudei a organizar a Associação dos Moradores e Amigos do Bairro América e com poucos recursos assumi a tarefa de agrupar adolescentes e jovens em torno do teatro. Depois de alguns anos com apoios pontuais da prefeitura, passamos a contar com oficinas de capoeira, artesanato, dança e projeção de filmes. Vale ressaltar a permanência da capoeira que foi o grupo cultural que permaneceu em atividade constante durante mais de dez anos.Com o acúmulo da experiência e a partir da consolidação da parceria com professores e estudantes da Universidade Federal de Sergipe, foi elaborado no ano de 1990 o projeto Reculturarte, que consistiu na organização de oficinas culturais permanentes de teatro, dança, capoeira, música, além do reforço escolar e da escolinha de futebol.Também tivemos momentos especiais de formação, envolvendo dezenas de adolescentes e os jovens educadores em “retiros” nos dias de feriados prolongados em escolas, sítios de amigos e/ou espaços ligados a Igreja Católica. Outro momento bastante especial era a realização do festival anual, onde se apresentava o resultado dos trabalhos das oficinas e alguns artistas e grupos culturais convidados. O projeto Reculturarte existiu até o ano de 1998 e contou com o financiamento das agências de cooperação internacional - Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE) e Visão Mundial, esporadicamente contou com a ajuda do Unicef/Criança Esperança e Assembléia Legislativa.



Qual o significado da realização de um projeto cultural em um país que de certa forma monopoliza apenas um certo tipo de segmento de cultura na mídia, a cultura do espetáculo?
"O significado da realização dos projetos culturais é combater a tentativa de empobrecimento ético e estético que a industria cultural nos impõe". Pelo fato de visar tão somente o lucro imediato, aqueles que investem nas redes de televisão, rádio, artistas e bandas estão muito pouco preocupados com o cultivo dos valores humanos que citei anteriormente e acabam sendo co-responsáveis da violência que impera em nossa sociedade. Embora isso não seja tão evidente para a maioria das pessoas. Qual é o maior retorno que uma pessoa pode ter ao trabalhar com este tipo de projeto?
Em termos de retorno pessoal e imediato, eu garanto que o tédio, a solidão e até mesmo depressão estarão bem distantes de quem trabalha com este tipo de atividade.
Na sua opinião, o que falta em termos de legislação que poderia aproximar os investidores, a cultura e o público final, neste caso as crianças e jovens carentes?
Em termos de legislação o país está evoluindo, como o município de São Paulo que criou a lei municipal que instituiu o Programa VAI (Valorização de Iniciativas Culturais) cujo objetivo é apoiar com um pequeno subsidio financeiro, atividades culturais de grupos juvenis que atuam na periferia. Outra ação que merece os mais altos elogios são os CEUs (Centros Educacionais Unificados), com esta proposta, São Paulo pode redimir as experiências frustradas de Anisio Teixeira (Escolas Parque) e Darcy Ribeiro (CIEPS),pois com certeza se estas duas propostas de educação integral tivessem continuado o Brasil estaria com índices de miséria e criminalidade bastante reduzidos. Os CEUs são tão importantes para quem quer educação, arte e esporte caminhando de mãos dadas, que foram prioridade nos contatos e visitas que realizei por ocasião das duas últimas viagens que fiz a São Paulo, em julho de 2004 para participar do Fórum Cultural Mundial e em janeiro de 2009 para participar do curso Arte e Educação Popular. Também deve merecer atenção especial o Programa Multicultural da Prefeitura do Recife, infelizmente pouco divulgado e estudado e que valoriza a informação, a formação e a profissionalização da cultura como construção da cidadania. Outro programa bastante importante é o Escola da Familia, o qual aqui em Sergipe recebe o nome de Abrindo Espaços e em outros estados Escolas da Paz. No âmbito federal temos o Programa Cultura Viva-Pontos de Cultura que repassa um subsidio financeiro substancial e com destinação preferencial para projetos culturais que envolvam crianças, adolescentes e jovens da periferia e cidades do interior. Para garantir que o Programa Cultura Viva não sofra descontinuidade e/ou descaracterização, por causa de mudança de governo, está se propondo que os objetivos programáticos e os recursos financeiros sejam garantidos através de lei federal. "O que é preciso garantir além de se tornarem políticas públicas de estado, para não dependerem apenas do interesse e boa vontade do partido que estiver no governo, é o aumento dos recursos financeiros destinados a estes programas e a ampliação do controle social e da transparência no repasse e na utilização deste recursos".
Quais ferramentas o senhor utiliza para manter as crianças estimuladas a buscar cultura mesmo quando estão longe da Instituição beneficiente? Existe algum programa de aconselhamento aos pais?
Distante das atividades cotidianas do projeto, a nossa expectativa é que a criança, o adolescente e o jovem possam escolher outras opções do que aquelas que são determinadas pelos mass media e que acabam por se constituir na “preferência” da maioria dos familiares e amigos.
Já conversamos com alguns adolescentes sobre esse assunto e sabemos que não é fácil, na maioria das vezes a família possui só uma televisão, principal instrumento de acesso a cultura por parte de parcela expressiva da sociedade, e em especial no horário noturno é mais difícil assistir outro canal diferente que não sejam aqueles que tem nas novelas o carro-chefe da programação.
Por outro lado, quem não possui antena parabólica, mesmo a que permite acesso gratuito a canais abertos, está com um campo de opções bastante limitado, entretanto a internet e os aparelhos reprodutores de músicas (MP... IPod e etc.) oferecem perespectivas mais animadoras para o futuro.
Quanto ao trabalho de aconselhamento as famílias o assunto está detalhado na resposta abaixo.
Por falar em família, de maneira geral qual a postura dos familiares dessas crianças e jovens?
Em relação ao trabalho com os pais, no Projeto Reculturarte mantínhamos reuniões bimestrais com uma parte deles. Infelizmente a maioria não participava destas reuniões, mesmo que buscássemos realizá-las com atividades lúdicas e com audiovisual. Os temas das reuniões eram sobre o desempenho dos filhos em termos de crescimento e limites e, em alguns momentos, convidamos profissionais ligados as areas da psicologia, religião, direito e medicina.
Alguns pais, em número bem mais reduzido, assistiam aos ensaios e treinos e participavam das viagens para os retiros e para apresentações. Em alguns momentos foram realizadas cursos de alimentação e medicina alternativa com as mães/pais e passeios recreativos, estas três últimas atividades contaram com uma frequência maior. Havia também festas juninas e de Natal e que contavam com a presença de uma parte das famílias.
O senhor já esteve envolvido com ONGs. Como é desenvolver um trabalho que não conta com subsídios públicos?
O trabalho com ONGs é difícil e requer muita paciência, perseverança e estudo. Uma das estratégias que recomendo para quem quer trilhar por este caminho é estar bem atento em “casar” o seu gosto pessoal com as necessidades das pessoas com as quais você pretende trabalhar. Por exemplo, se você gosta de arte e cultura, como é o meu caso, e entende que isto é necessário para melhorar as pessoas e o mundo, é fundamental que você se aproxime de pessoas e grupos que compartilhem desta opinião e que já estejam realizando algo neste sentido. Mesmo que o trabalho esteja sendo feito no campo individual, por exemplo, mesmo que seja um grupo de estudantes universitários do curso de comunicação ou do curso de artes ou que estejam participando de oficinas ou cursos de curta ou média duração em artes ou comunicação e que nunca tenham ido para o campo.
É necessário também leituras, seminários e oficinas ligados a assunto de legislação e gestão do terceiro setor e é recomendável se juntar a ONGs e/ou pessoas que já tem ou tiveram experiência em atividades de voluntariado e/ou ativismo social ou cultural para aprender com gente experiente como se deve atuar e ás vezes até mesmo como não se deve.
"Importante é não esperar,estar pronto para iniciar o trabalho com o grupo ou comunidade, porque muita coisa é aprendida no dia-a-dia mesmo e o que importa inicialmente, no caso do exemplo de quem deseja trabalhar com ação cultural, é perceber se arte e cultura são elementos que mobilizam quereres, saberes e fazeres de um certo grupo de pessoas marginalizadas. Caso seja possível a realização do casamento, então mãos a obra!"
O que o senhor diria no sentido de tentar conscientizar as pessoas da importância de desenvolver trabalhos em prol da comunidade carente?
Quem dera pudesse todo homem e (todas as mulheres) compreender oh! Mãe, Quem dera! Que o mundo precisa de gente que sejam as mãos, os pés, os olhos e o coração feminino de Deus que sofre por causa de tanto egoísmo, cobiça e ódio, fonte de tanta dor e sofrimento e que poderá tornar irreversível a existência das obra de arte de Deus - a terra, o ser humano e as outras espécies com as quais compartilhamos o planeta.
Que entendamos, o começo da solução está em nós e o começo passa pelo nosso coração, mas para isso necessitamos ser alimentados e produzirmos obras de arte que nos transmitam este amor maternal de Deus e o desejo dele de recriarmos o paraíso agora e refazermos o mundo como um jardim de mil delicias.
Quem dera pudesse todo homem e (todas as mulheres) compreender oh! Mãe, Quem dera!
Que para vermos Deus face a face a solução está em nos tornarmos cada vez mais humanos, porque foi a lição mais importante que seu filho Jesus nos legou, quando afirmou que ao dar de comer e de beber a quem tem fome é a Jesus Cristo que estamos saciando. Quando cuidarmos dos doentes e das crianças e dele que estamos cuidando. Quando visitarmos os presos é a Jesus Cristo que estamos visitando.
Que mais homens e mulheres possam encontrar Deus através do serviço do atendimento das necessidades humanas de todas as criaturas, como fez Jesus Cristo ao operar milagres, considerando que as carências humanas não são apenas de ordem material e aqueles que tem mais tempo, bens materiais, conhecimento ás vezes precisam de afeto, carinho, atenção e estas necessidades são satisfeitas ao abrirem mão de uma parte do seu tempo, dos seus bens materiais e dos seus conhecimentos.
Um dia vivi a ilusão que o mito do progresso material, ás vezes manipulando o nome de Deus, tudo me daria. Também vivi a ilusão que somente a explicação racional e cientifica do mundo é suficiente para dar conta de tantos segredos e mistérios escondidos dentro do meu ser e no universo.
O Deus que habita em mim, cumprimenta o Deus que está em você, não importa em qual nome você o cultua, não importa nem mesmo se você tem fé, se demonstrares em ações o seu amor pela humanidade, pelos seres vivos e pelo planeta, Deus habita em você e eu os reconheço através de suas atitudes “humanas”, para mim e para Deus é o que faz sentido.

Ao escrever este texto lembrei-me das seguintes obras de arte: Guernica de Picasso, Super-Homem de Gilberto Gil, Sol de Primavera de Beto Guedes, Canção de Hiroshima de Vinicius de Moraes e Cantico dos Cânticos e Evangelhos


*Professor de História e Educador Popular. Com 20 anos de experiência no trabalho com comunidade, mais conhecido como Zezito, iniciou a sua participação social, ainda adolescente, no Rio de Janeiro. quando participou de grupos de jovens e CEBs. No Estado de Sergipe participou da fundação da Associação dos Moradores do Bairro América (AMABA) e do Centro Sergipano de Educação Popular. Durante o período que esteve na AMABA coordenou o Projeto Reculturarte, que foi financiado durante seis anos pela agência de cooperação Visão Mundial e que se constituiu na primeira ação cultural permanente de uma entidade ligada ao movimento social. No período de 2001 até 2006, assessorou de forma voluntária o Projeto Ecarte ( Estatuto da Criança e do Adolescente com Arte) na área pedagógica e de gestão, Fez/faz formação em danças circulares. É um dos fundadores e foi diretor-presidente da ONG Ação Cultural (2004-2007). Atualmente é diretor do Complexo Cultural "O Gonzagão", equipamento cultural pertencente a Secretaria da Cultura do Estado de Sergipe (http://acaoculturalse.blogspot.com/).

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