domingo, 27 de setembro de 2020

"Drão" - Gilberto Gil


O compositor escreveu em 1981, poucos dias depois da separação. A letra é uma parábola sobre o amor, que não morre – e sim, se transforma. Assim como o trigo, ele nasce, vive e renasce de outra forma. Há referências à cama de tatame onde o casal costumava dormir (“cama de tatame pela vida afora”) e aos três filhos frutos do relacionamento deles (“os meninos são todos sãos”). 

O curioso é que o próprio Gil era um dos poucos da roda de amigos que não chamava a mulher de Drão. Ele e Caetano a chamavam de “Drinha”.

O apelido foi dado por Maria Bethânia. Drão vem do aumentativo de Sandra, a terceira mulher de Gilberto Gil. Ao virar título de um dos maiores sucessos do compositor, o apelido incomum sempre foi confundido com a palavra "grão". Sandra Gadelha desfaz o mal-entendido e se assume como inspiração dos versos densos, compostos em 1981, em plena separação do casal. Gil diz que foi bem difícil escrever a letra, uma poesia profunda e sutil do amor e do desamor. "Como é que eu vou passar tanta coisa numa canção só?", questiona-se Gil no livro "Gilberto Gil-Todas as Letras" (Cia. das Letras).

Os dois foram casados por 17 anos e tiveram três filhos: Pedro, Maria e Preta. Hoje, aos 73 anos, Sandra mora sozinha no Rio, sonha em montar uma pousada e se lembra com carinho da canção que marcou o fim de seu casamento. Por uma feliz coincidência, Sandra costuma ouvir sempre a "sua" música no rádio do carro. Uma emissora carioca parece estar programada para tocá-la todos os dias, às 11h. A ouvinte especial está sempre sintonizada. 

Sandra Gadelha: "Desde meus 14 anos, todo mundo em Salvador me chamava de Drão. Fui criada com Gal [Costa], morávamos na mesma rua. Sou irmã de Dedé, primeira mulher de Caetano. Nossa rua era o ponto de encontro da turma da Tropicália. Fui ao primeiro casamento de Gil. Depois conheci Nana Caymmi, sua segunda mulher. Nosso amor nasceu dessa amizade. Quando ele se separou de Nana, nos encontramos em um aniversário de Caetano, em São Paulo, e ele me pediu textualmente: 'Quer me namorar?'. Já tinha pedido outras vezes, mas eu levava na brincadeira. Dessa vez aceitei. 

Engraçado que Gil mesmo não me chamava de Drão. Antes havia feito a música 'Sandra'. Já 'Drão' marcou mais. Estávamos separados havia poucos dias quando ele fez a canção. Ele tinha saído de casa, eu fiquei com as crianças. Um dia passou lá e me mostrou a letra. Achei belíssima. Mas era uma fase tumultuada, não prestei muita atenção. No dia seguinte ele voltou com o violão e cantou. Foi um momento de muita emoção para os dois. 

Nos separamos de comum acordo. O amor tinha de ser transformado em outra coisa. E a música fala exatamente dessa mudança, de um tipo de amor que vive, morre e renasce de outra maneira. Nosso amor nunca morreu, até hoje somos muito amigos. Com o passar do tempo a música foi me emocionando mais, fui refletindo sobre a letra. A poesia é um deslumbre, está ali nossa história, a cama de tatame, que adorávamos. No começo do casamento moramos um tempo com Dedé e Caetano, em Salvador, e dormíamos em tatame. Durante o exílio, em Londres, tivemos de dormir em cama normal. Mas, no Brasil, só tirei o tatame quando engravidei da Preta e o médico me proibiu, pela dificuldade em me levantar. 

A primeira vez em que ouvi 'Drão' depois que Pedro, nosso filho, morreu [num acidente de carro em 1990, aos 19 anos] foi quando me emocionei mais. Com a morte dele a música passou a me tocar profundamente, acho que por causa da parte: 'Os meninos são todos sãos'. Mas é uma música que ficou sendo de todos, mexe com todo mundo. Soube que a Preta, nossa filha, chora muito quando ouve 'Drão'. Eu não sabia disso, e percebi que a separação deve ter sido marcante para meus filhos também. As pessoas me dizem que é a melhor música do Gil. Djavan gravou, Caetano também. Fui ao show de Caetano e ele não conseguia cantar essa música porque se emocionava: de repente, todo mundo começou a chorar e a olhar para mim, me emocionei também. E, engraçado, Caetano é o único dos nossos amigos que me chama de Drinha."

FONTE: Rosane Queiroz

Gilberto Gil e Drão no exílio

© Foto do acervo pessoal. Gilberto Gil com Sandra Gadelha (Drão), durante o exílio em Londres, c1970.

Drão!

O amor da gente

É como um grão

Uma semente de ilusão

Tem que morrer pra germinar

Plantar nalgum lugar

Ressuscitar no chão

Nossa semeadura

Quem poderá fazer

Aquele amor morrer

Nossa caminhadura

Dura caminhada

Pela noite escura...

Drão!

Não pense na separação

Não despedace o coração

O verdadeiro amor é vão

Estende-se infinito

Imenso monolito

Nossa arquitetura

Quem poderá fazer

Aquele amor morrer

Nossa caminhadura

Cama de tatame

Pela vida afora

Drão!

Os meninos são todos sãos

Os pecados são todos meus

Deus sabe a minha confissão

Não há o que perdoar

Por isso mesmo é que há de haver mais compaixão

Quem poderá fazer

Aquele amor morrer

Se o amor é como um grão

Morre, nasce trigo

Vive, morre pão

Drão!

Drão!

Aquele amor morrer

Se o amor é como um grão

Morre, nasce trigo

Vive, morre pão

Drão!


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