Zezito de Oliveira
Isso
porque, naqueles tempos de abertura ou de redemocratização, o Rio de Janeiro
era um dos principais epicentros desse movimento nacional que atravessa toda a
década de 1980.
Como
abordo em um dos capítulos do primeiro livro que estou lançando, intitulado AMABA: O esquecido círculo de cultura da
Aracaju dos anos de 1980, nessa década os trabalhadores perdem na economia,
mas ganham na organização política.
A
culminância é a chegada de Lula ao segundo turno nas eleições de 1989. De novo?
É, a ponte para o passado regrediu tanto que poderemos ter Lula novamente
candidato, e vencedor nas eleições de 2022, se não ocorrer um cataclisma,
inclusive um atentado (não fake)
contra o candidato.
Mas voltando ao Rio de Janeiro das décadas de 1970 e 1980, a despeito da forte presença de uma direita fisiológica e
conservadora representada pelo velho Chagas Freitas e seu jornal O DIA, o Rio de Janeiro tinha uma esquerda
forte e em ascensão, tanto que em 1982 elegeu Brizola governador, não obstante tentativa
de fraude — que contou com a participação das organizações Globo, a velha
empresa golpista dos Marinho, já na época do presidente Getúlio Vargas.
Quem quiser pode conferir isso em detalhes no documentário recém
lançado, A fantástica fábrica de golpes,
ainda inédito no Brasil, o qual, pode ser obtido mais informações no site do Catarse https://www.catarse.me/fabricadegolpes “Os jornalistas
brasileiros Victor Fraga e Valnei Nunes, residentes em Londres, se uniram ao
produtor britânico John Ellis para fazer a continuação do documentário “Muito
Além do Cidadão Kane”, (1993), de Ellis. A ideia é contar a participação das
Organizações Globo no golpe de Estado de 2016.”
E
aqui em Sergipe? O que me esperava? Um estado provincianamente atrasado e tradicional,
pelo menos a partir do que percebia nas conversas dos familiares que vez ou
outra visitavam meus pais, também não ouvia referências na imprensa nacional a
alguma presença sergipana de destaque nas lutas sociais e políticas que
forçaram a abertura do governo militar. A exceção foi umas duas ou três vezes,
a leitura no Jornal de Brasil de críticas do deputado federal Jackson Barreto
aos ditadores de plantão, o que naquele tempo poderia gerar cassação de
mandato.
Mas
aí, eis que em 1980, abrindo as páginas de uma edição de domingo do estimado
Jornal do Brasil (JB) - 17/08/1980, sou surpreendido com uma extensa reportagem
sobre os enfrentamentos da diocese de Propriá com os grandes fazendeiros do
sertão e do baixo São Francisco.
A
reportagem listava uma sequência de atos violentos contra líderes religiosos da
diocese de Propriá com sérios riscos de provocar a morte de um deles, incluindo
a do Frei Enoque.
1
- No dia 03 de fevereiro de 1978, em plena feira, o Prefeito de Porto da Folha,
Antônio Pereira Feitosa, tentou, por duas vezes, espancar Frei Enoque Salvador
de Melo.
2
– No dia 3 de março de 1978 a casa paroquial de Ilha das Flores foi arrombada.
O bispo, juntamente com o vigário-geral, prestaram queixa à polícia. Nenhuma
providência foi tomada.
3-
No dia 14 de Outubro de 1978, no povoado de Poçãozinho, município de Canhoba, o Sr. Antonio Britto, Prefeito de Propriá, o Sr. Elcio Britto e o Dr.
Francisco Novaes, atual juiz de direito de Porto da Folha tentaram agredir o
Padre Nestor. O Sr. Elcio Brito chegou a ameaçar de morte o Padre Nestor. Nenhuma
providência foi tomada.
Segue
várias outras denúncias até o ano de 1980, como a tentativa de espancamento
contra Frei Enoque e Padre Nestor, assim como ameaças de morte a este,
campanhas de desmoralização contra Dom José Brandão de Castro, bispo de
Propriá, o vigário de Ilha das Flores e os pobres que resistiam a perseguição,
tentativa de sequestro das irmãs Liege e Salvadora, em Penedo. Interrupção da
missa na catedral de Propriá, por pistoleiros e jagunços e com ameaças de
morte.
Já
em outra edição de domingo do JB (15/09/1985), “Em Sergipe , o conflito entre a
tribo Xokó, que habita a ilha de São Pedro, no município de Porta da Folha, a
200 quilômetros de Aracaju, e os fazendeiros da região, acabou envolvendo a
Diocese de Propriá, através de Frei Enoque Silva, que sempre esteve ao lado dos
índios, exercendo grande influência para conscientizá-los sobre a posse da
terra.”
E
enfrentando os riscos inerentes a esse tipo de opção evangelizadora, que levou à
morte muitos padres, irmãs e sindicalistas naqueles anos, Frei Enoque e seus
companheiros realizam celebrações de ação de graças pelas suas caminhadas e
superação ou livramento dos perigos a
que estiveram submetidos.
Neste
dia, em 05 de dezembro , na paróquia de
Nossa Senhora da Conceição, em Porto da Folha, e em 12 de dezembro, na Ilha de
São Pedro, foram realizadas missas e atividades festivas pelo cinquentenário de ordenação sacerdotal do Frei Enoque. Assim também com esses mesmos objetivos, foram promovidos eventos civis e religiosas em homenagem a Frei
Roberto, Irmã Francisca, companheiros de jornada de Frei Enoque
Quem
está escrevendo ou planejando escrever a biografia do Frei Enoque, assim como
um documentário? Há tempos conversei com a professora Ana Lúcia, quando
deputada, a esse respeito. E a proposta era mais ampla, não apenas focalizando
o Frei Enoque. Propunha uma indicação ou projeto de lei e a criação de um fundo
com recursos do salário como parlamentar, acrescido de contribuições de Sindicatos,
MST, Ongs e pessoas físicas. Em um grande mutirão de financiamento
colaborativo. A proposta não prosperou. Quem vai lembrar isso aos atuais
detentores de mandatos progressistas?
Quem
ler este artigo de opinião, leve à frente essa demanda pelo registro e difusão
da memória histórica dos lutadores e lutadoras do povo.
Historiador, Professor de História na rede pública estadual,
agente/produtor/assessor de iniciativas culturais de base comunitária, autor do
livro AMABA: O esquecido círculo de cultura da Aracaju dos anos de 1980.
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