quarta-feira, 23 de março de 2022

No aniversário de Aracaju a história da cidade escrita pelo lado de cá.

 


Se gostas de um bom reggae, pode ler o texto abaixo ouvindo como pano de fundo, Chimarruts - Do Lado de Cá.
 
Choveu  sobre Aracaju no dia do aniversário da cidade em 17 de março de 2022. Dois dias antes (15/03),  uma liderança local do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) foi assassinada publicamente pela policia militar...

 A cidade sempre disputada, na maioria das vezes de forma resignada pelos trabalhadores que compraram terrenos nos arrabaldes, nas zonas mais afastadas do chamado "quadrado de pirro" (1), agora "explode" nestes tempos de exarcebação da luta pelo direito à cidade... 

A historiografia também entra nesta "dança", que me desculpem os marxistas mais ortodoxos, quando traz a lume as diversas formas de  lutas e de resistência  dessa gente que não tem "bons modos", "boa aparência" e que não é de "boa família".

E para quem  não esquece de boas canções, dentro desse contexto de cidades partidas...

Eu Não Sou da Sua Rua - Marisa Monte

Mas não apenas a luta de classes, como também afirma Ferreira Gullar uma “história humana que não se desenrola apenas nos campos de batalhas e nos gabinetes presidenciais. Ela se desenrola também nos quintais, entre plantas e galinhas, nas ruas de subúrbios, nas casas de jogos, nos prostíbulos, nos colégios, nas usinas, nos namoros de esquinas. Disso eu quis fazer a minha poesia. Dessa matéria humilde e humilhada, dessa vida obscura e injustiçada, porque o canto não pode ser uma traição à vida, e só é justo cantar se o nosso canto arrasta consigo as pessoas e as coisas que não tem voz.”

Acerca de personagens desclassificados ou que formaram e ainda formam a ralé desta cidade, foi escrito uma obra prima do cancioneiro sergipano.

"Mercado Thales Ferraz" de Alcides Melo.  LP I Festival Sergipano de Música Popular Brasileira 81 - TV Sergipe - A primeira canção é "Mercado Thales Ferraz"
 
E é isso que poderá ser encontrado em dois livros escritos por dois historiadores nativos de dois bairros da antiga periferia de Aracaju, antes distantes do centro da cidade, onde fica o já citado “quadrado de pirro”. 

O primeiro deles escrito pela professora doutora Maria Tereza Cristina Cerqueira da Graça e o segundo escrito pelo professor especialista que escreve estas nem tão mal traçadas linhas, José de Oliveira Santos, popularmente conhecido como Zezito de Oliveira.



Acerca dos dois livros, a professora doutora Terezinha Oliva escreve o seguinte: 

"De uma sentada, li o livro “AMABA: o esquecido círculo de cultura de Aracaju”. Foi minha companhia durante um domingo, por coincidência, como fiquei sabendo, o dia do aniversário do Frei Florêncio Pecorari.
Ele, missionário capuchinho ligado à campanha pela retirada da Fábrica de Cimento do perímetro urbano, foi meu professor, na antiga Faculdade Católica de Filosofia de Sergipe e depois, meu colega no Departamento de Filosofia e História da UFS. Ver resgatada a presença dele e dos frades capuchinhos nas lutas que marcaram a história do Bairro América, me encheu de emoção.
Mas o livro vai além, ao tratar da história do Bairro América, seu surgimento em torno da Penitenciária de Aracaju e seu desenvolvimento, através das lutas dos seus moradores e pelo movimento cultural que aconteceu nos anos oitenta, sempre atuando em torno das histórias de vida dos moradores.

Há pouco eu havia concluído a leitura do livro de Tereza Cristina C.Graça sobre o Bairro Siqueira Campos ( Malinos, zuadentos, andejos e sibites: o Aribé nos anos 70 e 80). São visões e objetivos diferentes, mas ambos ressaltam uma vida cultural dinâmica, pouco divulgada ou “esquecida”. Componho agora, também com a leitura do “AMABA…”, a percepção sobre uma parte da cidade de Aracaju onde eu pouco circulei e por isso, recomponho a minha própria visão da cidade.

Como são bem-vindos estes estudos que desvendam com outros olhares a vida da capital, pela organização espontânea dos seus moradores, pela relação com os poderes públicos, pela bela e rica atuação cultural!
Aliás, embora eu tenha me casado na Igreja São Judas Tadeu, só fiz no Bairro América o caminho que leva até a Igreja, mas há cerca de três anos, aceitei o convite da minha filha, que é atriz, para assistir, numa noite, à peça sobre Billie Holiday, num pequeno teatro, no Bairro América. Que aventura, embrenhar-me por ruas desconhecidas e ser brindada por uma bela interpretação e pela visita à exposição do acervo do grupo de teatro ali naquele pequeno espaço! Fiquei muito agradecida à minha filha pelo convite e pela oportunidade.

O livro de Zezito Oliveira, militante com uma história marcante que eu, com prazer, registro entre os meus alunos do Curso de História da UFS, é uma daquelas contribuições que enriquecem a história de Aracaju e constitui um bom convite à leitura!"

(1) SOBRE O QUADRADO DE PIRRO

Esse novo centro urbano planejado teve o engenheiro militar Sebastião José Basílio Pirro como projetista. Ele se encontrava aqui desde 1848, quando Inácio Barbosa, imbuído do espírito mais progressista e moderno da época, contratou Pirro para desenhar Aracaju sobre essa planície litorânea. O projeto seria de acordo com os modelos mais modernos das cidades da Europa no século XIX, a exemplo da grande reforma de Paris.

O TABULEIRO DE XADREZ

O Plano de Pirro se baseava no tabuleiro de xadrez, seu desenho tinha um quadrado de 32 quadras, cada uma com ruas de 110 metros. Tudo a partir de um ponto central, a Praça do Palácio (atual Praça Fausto Cardoso). Mas o plano se desenvolveu a partir da Alfândega (atual Centro Cultural de Aracaju) sentido sul, em direção da Avenida Barão de Maruim, margeando o rio, respeitando a simplicidade geográfica do relevo e rigor geométrico dos cálculos. As primeiras residências de alvenaria foram dos líderes da Região da Cotinguiba e de quem tinha apoiado a transferência da capital. As demais eram de palha e pau a pique, onde moravam os trabalhadores da nova capital.

        Para saber mais:   Especial Expressão Sergipana | Quadrado de Pirro: Nosso eterno centro (parte 1)


Sobre o livro:  Malinos, Zuadentos, Andejos e Sibites: o Aribé nos anos 70 e 80,



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