Foto: Lineu Lins
"marinete nova, do pneu azul, quando for me leve, para Aracaju...”
(cantiga
popular, domínio público)
Luiz Eduardo Oliva
Advogado,
poeta, ex-secretário de Estado dos Direitos Humanos e da Cidadania e membro da
Academia Sergipana de Letras Jurídicas.
Quem
escreverá a crônica da cidade de Aracaju? Tantas gerações, tantos momentos,
tantas aventuras alegro-melancólicas vividas que se apaga no tempo e perde-se
na memória. Dum arraial de pescadores, a cidade expandiu-se para o além mangue.
Metropolizou-se.
Quem
lembrará (e acreditará) que essa já foi uma cidade boêmia? Que havia um tal de
Gravatinha, um Trio Atalaia, uma Boate Segredo? Que já houve um cabaré num
lugar que era chamado de Vaticano sem papa onde reinou uma mulher com o
religioso nome de Candelária? Que já foi uma cidade com um único edifício – o
Atalaia, como a única praia e uma única música com este mesmo nome?
A
cidade cresceu, mas há o esquecimento da cidade que já foi. Outrora bucólica,
interiorana por sua gente que para cá migrou, Aracaju manteve nas pessoas um
pouco de cada cidade do interior sergipano. Coisinhas pequenas, brigas comuns,
crimes escandalosos, tudo aqui repercutia. Quem matou Carlos Firpo? Porque
história tão intricada, tão fantástica, tão novelesca como jamais novela alguma
reproduziu, até pouco tempo foi pouco estudada, não fosse o livro “Rua Lilás”
do meu xará, o grande Luiz Eduardo Costa? Porque Aracaju está fadada a
desmemoriar-se, a ser uma cidade estéril, despersonalizada, espoliada? Triste o fim de Policarpo Quaresma, ficou o
romance. Triste o fim do romance aracajuano, ficou a cidade.
Não
lamentamos, sequer veneramos os nossos mortos. Quem mais fala de Barrinhos, de
Henrique Souza - o jovem músico que se foi jovem, de Zé Rosa o símbolo do
socialismo sergipano, do Antônio Teles cantor de todas as noites, de Lisboa o
cabeleireiro ou Lisboa o cantor do Trio Atalaia. Quem se lembrará de Rubens
Chaves um dos nossos primeiros arquitetos que projetou a galeria Álvaro Santos?
Quem recorda Carlos Rubens ou Hilton Lopes? Quem ainda procura os textos
sergipaníssimos de Luiz Antônio Barreto, ou quem já leu “Um menino Sergipano”
de Genolino Amado, que foi da Academia Brasileira de Letras e que retrata a Aracaju
do início do século passado?
Porque
nossos símbolos perdem-se no tempo sem que entendamos os seus
significados? Pergunte se alguém sabe
dizer por que uma praça é mini golfe se
oficialmente seu nome é Getúlio Vargas? Pergunte se alguém sabe por que o nosso
maior edifício é chamado de Maria
Feliciana se lá está contida uma placa com o nome Edifício Estado de Sergipe? E porque político nenhum se interessou
por propor na Assembléia Legislativa uma lei para de uma vez por todas
oficializar o nome daquela que já foi a mulher mais alta do Brasil e até
considerada por algum tempo a mulher mais alta do mundo e ainda é viva?
Porque existe uma Rua da Frente se não existe
uma Rua do Fundo? Porque o Bar do Meio ficava numa esquina enquanto a Clínica
dos Acidentados estava em frente à outrora casa do Dr. Guerra vizinho à casa do
Dr. Batalha? Porque motivo o Hotel Jangadeiro está no centro enquanto o Bar
Texano fica em uma região de praia?
Porque na Praça Camerino ergueu-se uma estátua a Silvio Romero e na Praça
Fausto Cardoso há o Palácio Olímpio Campos se um foi apontado como o mentor da
morte do outro? E porque o parque Teófilo Dantas, que não é parque, ergueu-se a
estátua justamente do Monsenhor Olímpio Campos que tem o olhar voltado para a
estátua de seu desafeto na outra praça?
Aracaju
nasceu planejada, mas cresceu desordenada. Cidade de muitos contrastes e pouca
memória, nesse dezessete de março está com os seus 167 anos. Como estará o
sentimento do aracajuano, nascido ou não na cidade fundada pelo fluminense
Inácio Barbosa, para comemorar data tão significativa? Eleva o sentimento cidadão dos que nesta
cidade convivem para comemorar seu aniversário com a mesma fé, o mesmo afã, a
mesma paixão familiar com que, na vida privada, comemoramos as datas que nos
são significativas?
E a
nossa canção, a canção da nossa cidade? Viver Aracaju cantou Ismar Barreto. “Mirando as ondas do mar”, na praia de
Atalaia imortalizou em melodia Claudio Miguel. “Nossa cidade, cenário da ponte, entre o houvera e o haverá” solfejou
Paulo Lobo nas ruas de Ará. Na outrora Rua da Aurora, documentou Sergio Borges.
Alcides Melo cantou o Mercado Tales Ferraz onde “no céu de estrelas conversou com a lua e no chão de marquises deitou
sua alma”. Antônio Vilela cantou uma das mais belas músicas aracajuanas,
hoje esquecida, para a praia de Atalaia “sob
o céu azul a linda praia de Aracaju”. Chiko Queiroga e Antônio Rogério lembraram da Aracaju menina que é “nome tupi e ien-ien gatum tupiniquim”. “Nas marinetes da vida, brincando de manja
com os sonhos” em parceria que fiz com Lula Ribeiro cantamos
a Praia Formosa.
Como
fazer os aracajuanos entenderem o bem que se faz à cidade que se mora quando se
incentiva o sentimento bairrista de amor cidadão, de amor suburbano,
metropolitano coração? Bem que eu quis escrever uma crônica de amor, e o amor
estava em tudo que eu vi, nos becos, nas ruas, nas praças desta cidade, em tudo
quanto eu amei e amo. Mas como não tenho a verve do grande Antônio Maria,
cronista e compositor carioca nascido no Recife, fico cronista riachãoense que
penso viver (e reviver) a Aracaju dos meus sonhos, na cidade que me acolheu
quando para cá migrei do interior e todas as vezes que me distancio dela fico cantarolando
como na infância, aquela velha cantiga que dizia: "marinete nova, do pneu azul, quando for me leve, para Aracaju...”
PS: A foto que ilustra este artigo é uma
homenagem a um dos maiores fotógrafos
aracajuanos, Lineu Lins, falecido no último dia 20 de fevereiro deste ano.
(**)
Artigo Publicado no Jornal da Cidade/SE, edição nº 14.573 de 17
a 21 de março de 2022, onde Luiz Eduardo
Oliva escreve quinzenalmente.
(***)
Agradeço a leitura, críticas são muito bem vindas, ajudam a melhorar os
próximos artigos.
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