domingo, 30 de abril de 2017

Sempre Belchior neste Brasil em transe. Ou porque precisamos todos rejuvenescer.

Muito atual e presente. Belchior foi, é e será muito importante para todos aqueles que acreditam e constróem outros mundos possíveis. É merecedor das nossas orações  e homenagens. Soube envelhecer radicalmente melhor. Mesmo que a sua atitude nos últimos anos de vida tenha gerado muitas controvérsias. Porém quem abandona fama e conforto para sair por aí, me lembra um certo Galileu e o que precisamos fazer. Sem entrar no mérito da força ou da intensidade desse gesto.
Zezito de Oliveira
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Grande Belchior! Tem um disco dele, de 1976, chamado Alucinação, que tem representado muito bem os tempos sombrios de hoje. Uma música de mesmo nome, Alucinação, diz:

"Eu não estou interessado em nenhuma teoria,
Em nenhuma fantasia, nem no algo mais
Nem em tinta pro meu rosto ou oba oba, ou melodia
Para acompanhar bocejos, sonhos matinais
Eu não estou interessado em nenhuma teoria,
Nem nessas coisas do oriente, romances astrais
A minha alucinação é suportar o dia-a-dia,
E meu delírio é a experiência com coisas reais
Um preto, um pobre, um estudante, uma mulher sozinha(...)

Mas eu não estou interessado em nenhuma teoria,
Em nenhuma fantasia, nem no algo mais
Longe o profeta do terror que a laranja mecânica anuncia
Amar e mudar as coisas me interessa mais
Amar e mudar as coisas, amar e mudar as coisas me interessa mais"
Hildebrando Maia

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"Sim já é outra viagem..." - 1974: Nesse programa MPB Especial da tv Cultura de São Paulo, o fabuloso BELCHIOR fazia sua primeira apresentação completa numa televisão brasileira. Aqui, ele canta, conta sua história desde Sobral - CE, fala do culto ao Pe. Cicero e do catolicismo popular, fala da fé que vive seu povo com respeito... Ou Memória para uso diário!
Romero Júnior



Belchior é das lembranças mais carinhosas que tenho da minha cidade, Guariba. Pequenina, no interior de São Paulo. Lembro desde muito pequeno ouvir discos e discos inteiros do cearense no som alto da Turma do Poço, uns amigos do meu Tio Zé Rosa que se reuniam pra encher a lata e fazer churrasco em torno do poço do Guaribinha Clube, embaixo das jabuticabeiras, atravessando o corregozinho que passava na frente da minha casa. Ouviam também Benito de Paula, Ednardo, Paulo Diniz, Fagner. Quando comecei a tocar violão, dentre outras coisas, era pra tocar Belchior. Lembro que, já adolescente, essa Turma fez que fez que levou o Belchior pra tocar lá. No ginásio em que a gente jogava bola, lugar ruim, sem acústica. Ele já meio baqueado, sozinho no palco com um violão mal tocado, tomando muito whisky. Espaço meio vazio, ninguém dando muita bola, conversando durante o show. Menos minha turma de amigos que aprendia a tocar as músicas dele. Grandes artistas da música brasileira não iam a Guariba. Assim, foi o primeiro ídolo de que cheguei perto. E me recordo de ver o bigode e a tristeza. "A Palo Seco", "Galos, noites e quintais", "Hora do Almoço", "Paralelas". Aquilo tudo ia moldando minha formação sonora, musical e humana com uma dolência sensível. "Tudo outra vez" foi das primeiras canções que quis e aprendi a tocar. Muitos artistas de maior peso, importância e reconhecimento faleceram recentemente e me trouxeram consternação. Porém, poucas mortes me tocaram tanto quanto a de Belchior. Guariba é uma mistura de colônia italiana com destino de retirantes nordestinos pro corte da cana. Pra mim, hoje, parece que alguém de Guariba, que fazia churrasco e serenata com a gente, morreu.
Guilherme Varela
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"(...)O Belchior encontra-se nas nossas mentes, nos nossos cotidianos, nas nossas travessuras, nas nossas noites, nos nossos amores, nas nossas tristezas, nas alegrias e nos dissabores, o menestrel encontra-se nas nossas dúvidas, nos acertos e nas nossas realizações, o Belchior é imortal , é um gênio que continuará vivo , pujante e atual em cada um dos homens que possui coração , sentimentos e sonhos de dias melhores." 
Iderval Tenório
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Programas de rádio (Rádio Cultura Brasil(SP), Rádio MEC (RJ), Portal EBC, Rádio Brasil Atual e Podcast Nexo).
A relevância da música de Belchior, segundo artistas e jornalistas Camilo Rocha 28 Out 2016 (atualizado 30/Abr 12h39) Este podcast traz uma conversa sobre a temática das canções do compositor, que morreu no dia 29 de abril aos 70 anos Belchior morreu no sábado (29), aos 70 anos, em Santa Cruz do Sul, no Rio Grande do Sul. O governo do Ceará, Estado onde o cantor nasceu, decretou luto oficial de três dias. Em 1976, o compositor lançou seu álbum mais importante, “Alucinação”. A música do cantor de “A palo seco” e “Velha roupa colorida” permanece relevante até hoje. Em outubro de 2016, por ocasião dos 40 anos do disco, o podcast do Nexo conversou sobre a poética de Belchior e o contexto histórico de suas músicas com os jornalistas Renato Vieira, Jotabê Medeiros e Marcelo Costa e os músicos Assucena Assucena (As Bahias e a Cozinha Mineira) e Helio Flandres (Vanguart).

Link para matéria: https://www.nexojornal.com.br/podcast/2016/10/28/A-relev%C3%A2ncia-da-m%C3%BAsica-de-Belchior-segundo-artistas-e-jornalistas

© 2017 | Todos os direitos deste material são reservados ao NEXO JORNAL LTDA., conforme a Lei nº 9.610/98. A sua publicação, redistribuição, transmissão e reescrita sem autorização prévia é proibida.
A relevância da música de Belchior, segundo artistas e jornalistas Camilo Rocha 28 Out 2016 (atualizado 30/Abr 12h39) Este podcast traz uma conversa sobre a temática das canções do compositor, que morreu no dia 29 de abril aos 70 anos Belchior morreu no sábado (29), aos 70 anos, em Santa Cruz do Sul, no Rio Grande do Sul. O governo do Ceará, Estado onde o cantor nasceu, decretou luto oficial de três dias. Em 1976, o compositor lançou seu álbum mais importante, “Alucinação”. A música do cantor de “A palo seco” e “Velha roupa colorida” permanece relevante até hoje. Em outubro de 2016, por ocasião dos 40 anos do disco, o podcast do Nexo conversou sobre a poética de Belchior e o contexto histórico de suas músicas com os jornalistas Renato Vieira, Jotabê Medeiros e Marcelo Costa e os músicos Assucena Assucena (As Bahias e a Cozinha Mineira) e Helio Flandres (Vanguart).

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  Belchior


Ele deu voz às inquietações da juventude sufocada pelo regime militar. Integrante da geração pós-Tropicália, desistiu da medicina para ser cantor e compositor popular. AQUI

Belchior, 70 anos


Programa celebra aniversário do cantor e compositor. Ouça os clássicos do artista na voz dele e de outros intérpretes, além de depoimentos de acervo.  AQUI




Adeus rapaz latino-americano: Ouça entrevistas e relembre a trajetória do cantor Belchior ( Arquivo/ABr)



Programa Hora do Rango - Rádio Brasil Atual

O jornalista, escritor e crítico musical, participou do programa 'Hora do Rango' apresentado pelo jornalista Oswaldo Luiz Colibri Vitta. Além do novo livro, Jotabê destacou o trabalho de alguns artistas da nova geração da música brasileira. No ar dia 07/06/2016.

https://soundcloud.com/redebrasilatual/jotabe-medeiros-vai-lancar-livro-que-conta-historia-de-belchior

Podcast Nexo

O cantor acaba de completar 70 anos. Há 40, saía seu disco mais importante, "Alucinação". E há uma década ele sumiu para nunca mais voltar. Críticos e músicos comentam os temas abordados em suas letras. Ouça o podcast abaixo.
A relevância da música de Belchior, segundo artistas e jornalistas Camilo Rocha 28 Out 2016 (atualizado 30/Abr 12h39) Este podcast traz uma conversa sobre a temática das canções do compositor, que morreu no dia 29 de abril aos 70 anos

Link para matéria: https://www.nexojornal.com.br/podcast/2016/10/28/A-relev%C3%A2ncia-da-m%C3%BAsica-de-Belchior-segundo-artistas-e-jornalistas

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A relevância da música de Belchior, segundo artistas e jornalistas Camilo Rocha 28 Out 2016 (atualizado 30/Abr 12h39) Este podcast traz uma conversa sobre a temática das canções do compositor, que morreu no dia 29 de abril aos 70 anos

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O Belchior que a crítica vulgar não viu

Canções do compositor cearense debateram, desde os anos 1970, a alienação, as relações mercantis e a própria indústria cultural. Mas alguns procuraram enquadrá-lo como apenas um rapaz romântico

Belchior critica vulgar política sociologia
Antônio Carlos Gomes Belchior Fontenelle Fernandes, cantor e compositor brasileiro (reprodução)
Alberto Sartorelli, Outras Palavras

Que tal a civilização
Cristã e ocidental…
Deploro essa herança na língua
Que me deram eles, afinal.
– BELCHIOR, “Quinhentos anos de quê?”
(Bahiuno, 1993)
A imagem de Belchior vendida pela indústria cultural é a do artista brega, de voz fanha e bigodão – uma figura! Poucos prestam atenção nas letras. A forma simples de suas canções possibilitou sua assimilação pela indústria fonográfica, que criou-lhe uma imagem caricata e reproduziu suas músicas em massa, entre shows, premiações e programas de auditório, fazendo tábula rasa de seu conteúdo crítico. Belchior foi reduzido a um mero cantor romântico.

Em estética, o artista engajado politicamente deve escolher entre dois caminhos: o da forma artística de difícil assimilação – e remuneração! – para o público e para a indústria cultural; ou o da forma mais simples, de fácil assimilação do público e do show business. Ambas as opções estão fadadas ao silêncio político: uma não apela, a outra tem seu apelo anulado pela caricaturização. No fim, a indústria cultural impede que qualquer artista seja levado muito a sério, por seu ostracismo ou por sua redução a uma imagem vendável.

A especificidade de Belchior é a sua consciência perante esse processo todo. “Aluguei minha canção / pra pagar meu aluguel / e uma dona que me disse / que o dinheiro é um deus cruel / […] hoje eu não toco por música / hoje eu toco por dinheiro / na emoção democrática / de quem canta no chuveiro / faço arte pela arte / sem cansar minha beleza / assim quando eu vejo porcos / lanço logo as minhas pérolas” (TOCANDO POR MÚSICA, Melodrama, 1987).

Belchior demonstra uma compreensão total do processo de nivelamento – por baixo – da cultura por parte da indústria cultural, dificultando demasiado a ocorrência de composições com alto grau de complexidade – os artistas que se propõem a tal correm sempre o risco da miséria material e do esquecimento. Os próprios arranjos dos discos de Belchior são bem simples, com o teclado tendendo ao “engraçado”. Não é da mesma maneira em relação às letras, sempre de uma profundidade abissal e crítica ácida.

Belchior, antes de músico no sentido geral, é um compositor de canções. Cada autor encontra uma forma para se expressar: o ensaio filosófico, a pintura não-figurativa, a ópera, a canção. A canção foi a forma adequada que Belchior encontrou para transpassar seus pensamentos. É preciso ter em mente, ao pensarmos a obra de Belchior, um autor de vasta erudição, de poesia refinadíssima, conhecedor das línguas latinas e da literatura clássica, e um artista engajado politicamente de maneira radicalíssima. 


A partir da forma canção, Belchior oferece uma visão do Brasil e do mundo que pouquíssimos filósofos nascidos em nossas terras puderam vislumbrar. Como diz Nietzsche, o homem verdadeiramente de seu tempo sempre está à frente de seu tempo. É o caso de Belchior.

Uma das críticas mais ferrenhas do cancionista sobralino é contra a arte alegre, moda da época nos anos 1960-70. O filósofo Theodor Adorno, em sua Teoria Estética (1969) diz que a arte se utiliza de elementos da vida enquanto seus materiais; se a vida social é cindida pela divisão do trabalho, que separa o homem de sua produção e da natureza, e impede a felicidade enquanto reconhecimento recíproco entre sujeito e objeto, a arte que imita essa vida deve ser triste, como a própria vida. A arte alegre seria, então, ideológica, uma falsa verdade. 


A Bahia alegríssima de Caetano Veloso dos anos 1970 (a triste é de Gregório de Matos) não passa de logro, ilusão. “Veloso / o sol não é tao brilhante pra que vem / do norte / e vai viver na rua” (FOTOGRAFIA 3X4, Alucinação, 1976). Surpreendente o jogo de ambiguidade: “veloso” pode ser tanto um adjetivo do Sol, velando pelo migrante e suas dificuldades na metrópole, ou assumir outro sentido completamente oposto, identificado com o próprio Caetano enquanto imperativo moral – “Veloso (Caetano), veja!, para quem sofre, o sol não é tão brilhante quanto dizes”. Ou então esta outra: “Mas trago de cabeça uma canção do rádio / em que um antigo compositor baiano me dizia / tudo é divino / tudo é maravilhoso / […] mas sei que nada é divino / nada, nada é maravilhoso / nada, nada é sagrado / nada, nada é misterioso, não” (APENAS UM RAPAZ LATINO-AMERICANO, Alucinação, 1976).

Chamado de “antigo”, pois já havia deixado de ser vanguarda e caído no pop, encontramos mais uma crítica a Caetano e sua composição “Divino Maravilhoso” (1968), em parceria com Gilberto Gil e que foi imortalizada na voz de Gal Costa. Vale notar, sem dúvida, que a crítica de Belchior a Caetano provém de alguma admiração: em entrevista ao Pasquim em 1982, Belchior diz que Caetano Veloso é o melhor letrista da MPB, “o autor da modernidade musical no Brasil”. Todavia, é com enorme verve materialista que ele fortemente rebate a letra de Caetano – “nada é divino, maravilhoso, sagrado, misterioso!”

O materialismo é um dos fundamentos da música de Belchior. Seus grandes inimigos são os escapistas, os fugidios, aqueles que diante de crenças metafísicas falam de uma vida reconciliada, feliz. Musicalmente representada na Tropicália, essa ideia era disseminada pelos hippies, com a cabeça feita por alucinógenos e um mix de espiritualidade. A resposta do materialista é ácida [sic]. “Eu não estou interessado em nenhuma teoria / em nenhuma fantasia / nem no algo mais / nem em tinta pro meu rosto / oba oba, ou melodia / para acompanhar bocejos / sonhos matinais / eu não estou interessado em nenhuma teoria / nem nessas coisas do oriente / romances astrais / a minha alucinação é suportar o dia-a-dia / e meu delírio é a experiência / com coisas reais” (ALUCINAÇÃO, Alucinação, 1976). 


É como se Belchior dissesse que não é por estar num registro de experiência desconhecido que essa experiência é necessariamente divina; especular metafisicamente sobre isso não passa de teoria vazia. E que o importante não é o plano espiritual, mas este aqui, o da miséria e do sofrimento, a realidade empírica e social.

Aos 29 anos em 1976, quando do lançamento do álbum Alucinação, Belchior teve o tempo, a maturidade e o olhar aguçado para ver a dissolução do sonho pacifista de liberdade. Os libertários de outrora logo se tornaram os burgueses. “Já faz tempo / eu vi você na rua / cabelo ao vento / gente jovem reunida / na parede da memória / esta lembrança é o quadro que dói mais / minha dor é perceber / que apesar de termos feito / tudo, tudo o que fizemos / ainda somos os mesmos e vivemos / como os nossos pais / […] e hoje eu sei / que quem me deu a ideia / de uma nova consciência e juventude / está em casa guardado por Deus / contando seus metais” (COMO OS NOSSOS PAIS, Alucinação, 1976). 


É curioso notar que foi exatamente “Como os nossos pais”, na magnífica voz de Elis Regina, a canção que colocou Belchior de fato no mercado fonográfico.

O radicalismo político de Belchior tem seu principal fundamento na crítica do dinheiro em si e do trabalho alienado, uma crítica mais profunda do que a mera crítica do capitalismo. O dinheiro é tratado enquanto fetiche e abstração, mas também enquanto necessidade material e fonte da corrupção moral. “Tudo poderia ter mudado, sim / pelo trabalho que fizemos – tu e eu / mas o dinheiro é cruel / e um vento forte levou os amigos / para longe das conversas / dos cafés e dos abrigos / e nossa esperança de jovens / não aconteceu” (NÃO LEVE FLORES, Alucinação, 1976). E é o trabalho aquilo separa o homem da natureza, exterior e interior, desumanizando-o. “E no escritório em que eu trabalho e fico rico / quanto mais eu multiplico / diminui o meu amor” (PARALELAS, Coração Selvagem, 1977). 


Por isso, o aspecto político da obra de Belchior ultrapassa a defesa do socialismo centralista ou qualquer outro sistema que envolva a burocracia. O problema é um problema fundamental, primeiro, filosófico: a civilização. “Aqui sem sonhos maus, não há anhanguá / nem cruz nem dor / e o índio ia indo, inocente e nu / sem rei, sem lei, sem mais, ao som do sol / e do uirapuru” (NUM PAÍS FELIZ, Bahiuno, 1993). 


Profundo como um antropólogo anarquista, um Pierre Clastres da canção, a crítica mira o fundamento da coisa: a racionalidade ordenadora, dominadora, instrumental, como fora notado por Adorno e Horkheimer na Dialética do Esclarecimento (1946).

Belchior faz as denúncias fundamentais; sua arte é hegemonicamente negativa. Todavia, há um resquício de esperança nessa visão do Apocalipse, mesmo que a esperança fale sobre o que não deve ser. 

Nada absurdo para o cancionista sobralino, pois para ele a sociedade é ruim por excesso, não por falta. “Não quero regra nem nada / tudo tá como o diabo gosta, tá / já tenho este peso / que me fere as costas / e não vou, eu mesmo / atar minha mão / o que transforma o velho no novo / bendito fruto do povo será / e a única forma que pode ser norma / é nenhuma regra ter / é nunca fazer / nada que o mestre mandar / sempre desobedecer / nunca reverenciar.” (COMO O DIABO GOSTA, Alucinação, 1976). 

“Como o diabo gosta” deveria ter sido um hino da liberdade; passou despercebida, sem ninguém contestar a “Pra não dizer que não falei das flores” (Geraldo Vandré, 1968) o posto de canção de protesto.

Para Belchior, as palavras são um instrumento de luta política, do despertar da consciência contra a opressão e seus mecanismos ideológicos. “Se você vier me perguntar por onde andei / no tempo em que você sonhava / de olhos abertos, lhe direi / amigo, eu me desesperava / […] e eu quero é que esse canto torto feito faca / corte a carne de vocês” (A PALO SECO, Alucinação, 1976).


 Para tal intento, sua canção deve ter um quê de dissonância para com o sistema estabelecido, e em vez de cantar as “grandezas do Brasil”, tem de denunciar os horrores de uma sociedade civil falida. “Não me peça que eu lhe faça uma canção como se deve / correta, branca, suave / muito limpa, muito leve / sons, palavras, são navalhas / e eu não posso cantar como convém / sem querer ferir ninguém / mas não se preocupe meu amigo / com os horrores que eu lhe digo / isso é somente uma canção / a vida realmente é diferente / quer dizer / a vida é muito pior” (APENAS UM RAPAZ LATINO-AMERICANO, Alucinação, 1976). 


Se a arte é a mímese da vida, toda arte, por mais verdadeira que seja enquanto parte, não dá conta do todo. A realidade é pior do que a tristeza que a arte transpassa, e pior do que o pesadelo em sonho. É essa realidade que importa mudar.

Um mecanismo utilizado nas letras e nas melodias de Belchior é o da aproximação perante o ouvinte. Cearense, migrante, que na cidade grande sofreu, tocou em puteiros, foi explorado para “fazer a vida”. “Pra quem não tem pra onde ir / a noite nunca tem fim / o meu canto tinha um dono e esse dono do meu canto / pra me explorar, me queria sempre bêbado de gim” (TER OU NÃO TER, Todos os sentidos, 1978). 


É assim, por meio de sua experiência de vida trash, que Belchior realiza o approche para com o ouvinte. Ritmo simples e letra aguda, essa foi a aposta do cancionista para a politização da massa. “A minha história é talvez / é talvez igual a tua / jovem que desceu do norte / que no sul viveu na rua / que ficou desnorteado / como é comum no seu tempo / que ficou desapontado / como é comum no seu tempo / que ficou apaixonado e violento como você / eu sou como você que me ouve agora” (FOTOGRAFIA 3X4, Alucinação, 1976). 


Ao dizer “eu sou como você”, Belchior almeja arrebatar o outro como identidade, e trazer à tona a revolta contra a opressão; seu público – alvo, escolhido a dedo, não é o intelectual burguês letrado, mas o pobre que vai ao boteco depois da jornada de trabalho; ele o reconhece como indivíduo ativo a ser despertado: o sujeito revolucionário. Mas é claro que a indústria cultural fez de tudo para anular esse conteúdo: em plena ditadura militar, transformaram Belchior numa personagem caricata, num astro romântico, o galã de “Todo sujo de batom” (Coração Selvagem, 1977).

Belchior sabe, desde muito tempo, que “Eles venceram / e o sinal está fechado pra nós / que somos jovens” (COMO OS NOSSOS PAIS, Alucinação, 1976). Mesmo assim, não foi em vão seu esforço: além de todas as canções citadas até agora, ainda há muitas outras de conteúdo crítico ferrenho, como por exemplo “Pequeno perfil de um cidadão comum” (Era uma vez um homem e seu tempo, 1979), uma epopeia sem o elemento épico, que fala de como é vã a vida do sujeito raso, de gosto pouco refinado, cuja finalidade é voltada ao trabalho; “Arte Final” (Bahiuno, 1993), grande canção sobre tudo aquilo que deveria ter acontecido e não aconteceu; ou “Meu cordial brasileiro” (Bahiuno, 1993), que identifica a tese do “homem cordial” de Sérgio Buarque de Hollanda (Raízes do Brasil, 1936), o elemento diferenciador do brasileiro, com o aspecto consentido do nosso povo perante a política e o trabalho. 


Belchior teve sua poesia impregnada pela frustração de não ter podido colocar em prática o projeto por um mundo melhor, e sua música é mais verdadeira e mais revolucionária por isso: não promete a felicidade, mas escancara a impossibilidade dela no estado de coisas vigente.

No fim, em meio a essa cena sombria, nos tempos dele e no nosso tempo de agora, ainda há alguma esperança. Para Belchior, mais importante do que a filosofia ou a arte é a vida. “Primeiro o meu viver / segundo este vil cantar de amigo” (AMOR DE PERDIÇÃO, Elogio da Loucura, 1988). Sua filosofia é oposta à de Caetano: se para o compositor baiano, quem “mora na filosofia” está separado dos sentimentos humanos, a filosofia de Belchior provém da experiência; é pensamento vivo. “Deixando a profundidade de lado / eu quero é ficar colado à pele dela noite e dia / fazendo tudo de novo / e dizendo sim à paixão / morando na filosofia” (DIVINA COMÉDIA HUMANA, Todos os sentidos, 1978).

Marcado no cancioneiro latino-americano como uma de suas grandes vozes, Belchior foi um mestre da poesia. Foi assimilado pela indústria cultural, de fato, como Mercedes Sosa ou Che Guevara. Ele se jogou na contradição da música popular, assim como qualquer um se joga nas contradições da lógica do trabalho. Assimilado, mas não rendido. “Marginal bem sucedido e amante da anarquia / eu não sou renegado sem causa” (LAMENTO DE UM MARGINAL BEM SUCEDIDO, Bahiuno, 1993). 


Não é por ter sido reproduzido e veiculado pela indústria cultural que Belchior perdeu totalmente a sua virulência: ela se mantém viva em ouvintes atentos que, como nós, encontram nele uma manifestação da consciência de seu tempo, e mais: a esperança de um mundo melhor, inteiramente outro. 


Por agora, o importante é viver. “Bebi, conversei com os amigos ao redor de minha mesa / e não deixei meu cigarro se apagar pela tristeza / sempre é dia de ironia no meu coração” (NÃO LEVE FLORES, Alucinação, 1976). Belchior, como Nietzsche, diz sim à vida, apesar de tudo, e talvez por isso tenha caído fora dessa loucura midiática que é a vida de um artista famoso sempre sob os holofotes.

Em relação às dúvidas acerca de seu paradeiro, que me perdoem os escandalizados, mas a letra já estava dada há muito tempo. “Saia do meu caminho / eu prefiro andar sozinho / deixem que eu decido a minha vida” (COMENTÁRIO A RESPEITO DE JOHN, Era uma vez um homem e seu tempo, 1979).

Belchior, esse desespero é moda em 2016

por Matheus Pichonelli no portal Yahoo — publicado 28/10/2016 13h30
No aniversário de 70 anos do cantor, celebrado no dia 26, selecionamos 15 versos do álbum “Alucinação”, de 1976, que ajudam a entender o Brasil hoje

Belchior
Belchior: 70 anos de sonho, de sangue e de América do Sul
Eu sou apenas um rapaz latino americano sem dinheiro no banco, sem parentes importantes e vindo do interior
Um hino para o jovem contemporâneo que está ralando para encontrar seu lugar ao sol na cidade grande e desconfia da pregação do colega dos Jardins sobre as virtudes da meritocracia.
Sons e palavras são navalhas. E eu não posso cantar como convém sem querer ferir ninguém
Fica a dica para quem entrou nos grupos de Facebook e Whatsapp em busca de amizade e aplausos.
O passado é uma roupa que não nos serve mais
Um lembrete para quem viu no figurino dos sobreviventes do governo Sarney um bote salva-vidas dos desafios políticos de 2016.
Apesar de termos feito tudo o que fizemos ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais
Sobretudo quando ouvimos, em pleno 2016, que o homem (49% da população, 90% no Congresso) não leva jeito para ajudar nas tarefas de casa, que o sonho de toda mulher é casar, ser mãe e cuidar do lar e que ela e suas roupas são as únicas responsáveis pela violência de gênero.
Quem me deu a ideia de uma nova consciência e juventude está em casa, guardado por Deus contando vil metal
Ou virou apelido na planilha da Odebrecht.
Alucinação Belchior
Capa do disco Alucinação, de Belchior, lançado há exatos 40 anos e que ainda fala muito sobre nós
Ano passado eu morri. Mas neste ano eu não morro.
Mantra para o que sobrar de nós em 2017
A única forma que pode ser norma é nenhuma regra ter, é nunca fazer nada que o mestre mandar, sempre desobedecer, nunca reverenciar.
Repare que quem mais reverencia as velhas autoridades (religiosas, políticas, financeiras) é justamente quem mais confunde pensamento crítico com doutrinação. Sabem de nada, mas não são inocentes.
Minha alucinação é suportar o dia a dia. Meu delírio é a experiência com coisas reais.
Porque hoje em dia, quando se anuncia o perigo da invasão russa pelo Twitter, está tudo tão de ponta-cabeça que, mesmo sóbrios, já não sabemos quando a notícia é delírio e quando o delírio é notícia. A lucidez é insuportável
Amar e mudar as coisas me interessa mais
Ou, num mundo de privilégios consolidados, podemos agir como haters – aqueles sujeitos online que berram, xingam, latem e mordem a qualquer sinal de mudança
Não cante vitória muito cedo. Não me leve flores para a cova do inimigo. As lágrimas dos jovens são fortes como um segredo: podem fazer renascer um mal antigo
Um alerta aos que imaginavam que a guerra estava ganha ao fim da ditadura e agora não sabem explicar tantos cartazes espalhados pela Paulista em dia de protesto.
Sempre é dia de ironia no meu coração
Ainda hoje é, às vezes ou quase sempre, o único remédio.
Se você vier me perguntar por onde andei no tempo em que você sonhava, de olhos abertos lhe direi: amigo, eu me desesperava
O velho conflito hamletiano dos que veem o mundo e se desesperam e os que não veem, ou fingem não ver, e esperam sentados o paraíso, a salvação, a canonização, as férias, as fotos do jantarzinho top, etc
Tenho 25 anos de sonho, de sangue e de América do Sul
Por aqui, as veias seguem abertas para quem, após os 25, não tem como única saída o aeroporto para fazer compras na América do Norte
São Paulo violento, corre o rio que me engana
E, agora, acelera!
Quero desejar, antes do fim, pra mim e os meus amigos, muito amor e tudo mais; que fiquem sempre jovens e tenham as mãos limpas, e aprendam o delírio com coisas reais.
Faz 40 anos. E ainda não aprendemos

Sobre o álbum Alucinação. Leia mais aqui.
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Precisaremos todos nos preparar, preparar o nosso coração e a nossa temperança para os tempos ásperos, ásperos e de austeridade que estão ainda por vir. Ainda estão por vir. Precisaremos economizar energia e ânimo. Precisaremos confiar num amanhã não muito distante mas bastante laborioso e árduo como o trabalho de um ourives preparando uma jóia muito pequena e preciosa; precisaremos confiar numa Aurora que arde em brasa ao nascer do dia e quando todo o cuidado antecipado, toda cautela - ainda será dada como pouca diante do êxito alcançado como o estritamente necessário. E justo. O futuro, o Destino está além da política dos homens. Em tempos sombrios é preciso confiar nas batidas mais intensas do coração. É preciso acreditar no Espírito que habita o nosso corpo para além do Tempo. É preciso recordar quem nós de fato somos. Com o que sonhamos verdadeiramente. Quais são as nossas fronteiras (?). De onde viemos é a nossa força, mesmo em adversidade. Nossos ancestrais vibram e vivem em nós. Nossos mortos comem da nossa comida. Alimentam-se da nossa energia de Vida. Não estamos sós. Nunca estivemos sós. Que toquem os tambores. A alegria será a prova dos nove!
Velha Roupa Colorida - Elis Regina
Música : Velha Roupa Colorida Compositor : Antônio Carlos Gomes Belchior Fontenelle Fernandes (Belchior) Voz : Elis Regina Carvalho Costa (Elis Regina)

 Gilberto Manea

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O que é que eu posso fazer
Com a minha juventude
Quando a máxima saúde hoje
É pretender usar a voz?


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 Belchior inicia o primeiro bloco deste programa falando sobre suas origens, um pouco de sua história na cidade onde nasceu - Sobral/CE e suas influências musicais desde a infância.

Sempre se mantendo dentro de um padrão poético-musical coerente em toda a sua carreira, Belchior tem mais de 300 composições gravadas por ele e por intérpretes como Elis Regina, Roberto Carlos, Erasmo Carlos, Gilberto Gil, entre outros. Desenhista, além de músico e poeta, Belchior se dedica também à pintura, à caricatura e à caligrafia. Guru da década de 1970, ele chega ao Nomes do Nordeste para compartilhar sua história de vida e descrever sua trajetória artística, trazendo sucessos em sua bagagem e prometendo fazer uma viagem pelo tempo juntamente com os seus fãs.

Entrevistador: Moacir Maia, jornalista e apresentador do programa Cena Pública, da TV Ceará (TVC).

Programa gravado no auditório do Centro Cultural Banco do Nordeste, em Fortaleza, no dia 28/08/2007.


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Belchior revisitado

Show em SP celebra obra do compositor e reúne artistas como Pélico, Hélio Flanders e Dani Black. Ouça entrevista com Xuxa Levy, produtor de “Velha Roupa Colorida – Homenagem a Belchior”

Alexandre Ingrevallo 23/02/16 10:15 - Atualizado em 23/02/16 11:57

Reprodução
A obra do cantor e compositor Belchior é celebrada em um grande show nesta quinta-feira (25/02) no Sesc Pinheiros. O projeto dirigido por Xuxa Levy reúne artistas da nova geração da música brasileira. No palco, Dani Black, Hélio Flanders, Pélico e Teago Oliveira, da Banda Maglore, interpretam músicas de Belchior.
Em entrevista ao “Circuito”, o produtor musical Xuxa Levy contou detalhes da apresentação. Ouça!

Serviço – “Show Velha Roupa Colorida – Homenagem a Belchior”
Apresentação com Dani Black, Hélio Flanders, Pélico e Teago Oliveira
Quinta-feira (25/02), 21:00, no Sesc Pinheiros
Rua Paes Leme, 195


Circuito
Terças, quintas e sábados, meio-dia e 22:00 na RCB
Produção e apresentação: Alexandre Ingrevallo
Apoio de produção: Simone Takeda
Trabalhos técnicos: Maria Cleidiane


terça-feira, 25 de abril de 2017

Play list - Canções para entrar no clima da greve geral do dia 28/04/2017 e outros momentos de luta.


Contra um Brasil para poucos brasileiros.

Os descendentes dos traficantes de escravos e dos fazendeiros escravocratas querem o seu país de volta. 

O Brasil de antes de 1930. Sem direitos trabalhistas, com grandes resquícios de condições análogas ao trabalho escravo. Com a maioria da população analfabeta e sem acesso aos bens culturais. 

Um país em que a lei era usada contra os adversários políticos e todo o tipo de arbitrariedade e proteção era usada a favor dos amigos dos coronéis políticos. 

Um país sem espaço para a participação das mulheres e da juventude. 

Um país desindustrializado e cujo mercado consumidor reduzido era ocupado pela produção importada. 

Um país cujas riquezas naturais e serviços públicos, em sua maioria estavam na mão de empresas estrangeiras, as quais fizeram de  tudo para retardar o desenvolvimento da indústria nacional, inclusive usando da estratégia de sabotagens e assassinatos, como fizeram com os empresários Barão de Mauá e Delmiro Gouveia.
 Zezito de Oliveira - Educador e Realizador/Produtor Cultural
























 "Quando eu falava desses homens sórdidos
Quando eu falava desse temporal
Você não escutou"















A arte como ensaio ou laboratório para a (s) revolução (ões).

A arte tem a força dos oráculos ou dos profetas, porque pode prever ou antecipar futuros desejáveis ou indesejáveis. 

Através da criação artística, podemos antecipar o mundo que queremos, ou apresentar a nossa rejeição ao mundo que vivemos ou a alguns aspectos desse. 

A luta contra o sistema de dominação e dos poderes que insistem em sempre querer nos submeter, estar em afirmar a arte que antecipa o outro mundo que queremos.


Portanto, o processo de criação artística pode servir como uma grande oficina ou laboratório para gestarmos homens e mulheres novos,  ou então pode servir como reforço as velhas estruturas carcomidas, autoritárias e injustas.


Muitas das vezes isso está junto e misturado. Para ampliar o espaço emancipatório dos processos de criação artística, é importante considerar o valor dos estudos e discussões coletivas sobre história, filosofia, sociologia, psicologia e etc., concomitante a condução dos citados processos .


Isso obviamente só é possível, quanto mais a preocupação da arte como produto de mercado estiver em segundo plano. 


Daí porque, assistimos a uma tendência cada vez maior do mercado, em realizar todo o esforço possível para fazer prevalecer o tipo de arte gerado como produto da indústria cultural, quando esta visa o empobrecimento ético e estético da massa ou do povão, considerando o interesse comercial tão somente.


Arte a serviço da alienação e como sustentáculo de sociedades injustas, desiguais e violentas é o que temos como prato do dia na maioria das emissoras de rádio e de televisão.


Os coletivos, organizações e movimentos sociais progressistas, tem a obrigação de criar espaços e oportunidades voltados para que possa ter voz, vez e lugar a  arte que anuncia outros mundos possíveis.

Do contrário, teremos muita dificuldade para garantir o que já conquistamos e avançar nas lutas a favor de novos direitos politicos, sociais e culturais.

Zezito de Oliveira - Educador e Realizador/Produtor Cultural 



QUAL O PAPEL QUE CABE AO POVO NA FORMAÇÃO DA CULTURA?


É preciso pensar um pouco sobre isso: qual o papel que cabe ao povo hoje em dia na formação da cultura do país ao se constatar que é esmagado pela indústria do entretenimento? Não é uma resposta difícil porque tudo é feito às claras. Só não vê quem não quer. Às camadas menos favorecidas da população sempre coube uma parcela importante da criação da arte popular. E arte é transformação. E com transformação se muda o curso da História. Foi a lição que aprendemos.




Abílio Neto - pesquisador musical

 É preciso pensar um pouco sobre isso: qual o papel que cabe ao povo hoje em dia na formação da   cultura do país ao se constatar que é esmagado pela indústria do entretenimento? Não é uma resposta difícil porque tudo é feito às claras. Só não vê quem não quer. Às camadas menos favorecidas da população sempre coube uma parcela importante da criação da arte popular. E arte é transformação. E com transformação se muda o curso da História. Foi a lição que aprendemos.



Infelizmente, a realidade é muito triste: o povo é refém de um inteligentíssimo esquema de mercado que envolve proprietários e diretores de programação de estações de rádio e TV, donos de casas noturnas, de blocos de axé, de clubes de carnaval como “Galo da Madrugada” e “Virgens de Olinda”, de grandes cervejarias, de gravadoras, até chegar aos “intelectuais do convencimento”, esses a quem cabe o papel de tapar o sol com a peneira, ao defenderem com unhas e dentes que essa subordinação não existe, ou que não passa de papo de esquerdista frustrado.



A verdade é que procura-se no meio do povo um novo Zé do Norte e não se acha. Quem não se lembra de: “os óios da cobra é verde/ hoje foi que arreparei/ se arrepasse há mais tempo/ não amava quem amei”?



Quem recorda esses versos de domínio público recolhidos no recôncavo baiano: “ô marinheiro, marinheiro/ marinheiro samba/ quem te ensinou a nadar/marinheiro samba/ foi o tombo do navio/marinheiro samba/ foi o balanço do mar”?



São peças populares, mas tão lindas que foram incorporadas ao repertório do grande Caetano Veloso. Hoje me parece que esse processo criativo do povo foi interrompido porque foi atropelado pelo desprezo ao que não tem apelo comercial. Quem é o responsável por isso? Ora, só pode ser aquele a quem cabe zelar pela cultura. Nada contra o tecnobrega, sertanejo ou funk carioca, mas vejam quem está por trás deles e faturando alto: são os empresários.



 Entre esses, os DJ funkeiros e os DJ de aparelhagem. Um traço em comum entre eles é a riqueza, igualmente aos artistas que mais se destacam nesses gêneros. Tecnobrega, sertanejo-pop e funk são manifestações culturais do povo? Para mim, não, com todas as vênias e respeitos a quem diverge.

Acho que é coisa imposta de cima pra baixo. Na origem, há uma nítida inversão de camadas sociais. Se eu estiver errado, me apontem os do povo que são autores dos sucessos dessas citadas “manifestações culturais”. Indo mais além, vejo o povo como um mero figurante nesse grande jogo de interesse que se me afigura como puramente mercadológico.

 

Emprega-se hoje o nome de manifestação cultural onde não existe cultura. Cultura de verdade, entendo eu, não é aquela que se vale do rápido e fácil domínio das plateias, ao contrário, ela tem um longo processo de formação e somente se reconhece pela sua finalidade maior que é a transmissão para a posteridade de obras ricas em valores artísticos, sejam eles folclóricos, populares (da classe média) ou eruditos. Não é à toa que Alceu Valença, em suas entrevistas, meta a lenha na indústria do entretenimento. Ele sabe o que fala!


O cordelista, músico, cantor e compositor Allan Sales, um dos artistas populares mais famosos do Recife, vê assim a questão:


“É preciso matar a alma do povo na fonte, não pondo em cena o que naturalmente brota desse povo, mas valorizando mercadologicamente toda espécie de lixo cultural que vem a responder a essa demanda midiática e criação de produtos culturais descartáveis. O problema é que hoje somos  majoritariamente uma sociedade de consumidores e não de criadores, e uma sociedade de consumidores, por definição, pressupõe uma massa amorfa, passiva e isenta de senso crítico que engole goela abaixo, sem grandes questionamentos, os 'lepo lepo' da vida.”


1 - Qual a critica principal que o autor do texto faz contra a cultura mercadoria ou contra a mercantilização da cultura. Retire do texto, um exemplo da critica do autor



2 – Dê a sua opinião, se você concorda ou discorda com o autor.  Justifique com argumentos lógicos e coerentes.





Sugestões de outras canções serão incorporadas. Pode-se  fazer isso nos comentários.