Veículos comerciais pavimentaram a estrada para o candidato do PSL crescer. E agora não sabem como lidar com ele
por Glauco Faria, da RBA publicado 31/07/2018 17h12, última modificação 31/07/2018 17h54
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corvos bolsonaro
“Cría cuervos que te sacarán los ojos”: o ditado espanhol pode se aplicar à mídia tradicional?
São Paulo – Já foram feitas diversas análises da participação do presidenciável do PSL, o deputado Jair Bolsonaro, no programa Roda Viva, da TV Cultura, na segunda-feira (30). O programa alcançou recordes de audiência em sua série com presidenciáveis, tanto na televisão aberta quanto no YouTube. Parte disso é fruto do engajamento do seu séquito, outra parte vem da chamada "torcida contrária" que queria ver o candidato sangrar (ou passar vergonha) em rede nacional.
Pode-se dizer que Bolsonaro não decepcionou nenhum dos dois segmentos. Seu discurso habitual carregado de ódio à esquerda e desrespeito a minorias estava lá, em seu habitual lugar de lugares comuns hoje banais em grupos de Whatsapp e comentários de portais e redes sociais. O presidenciável é o amálgama disso e não desagradou seu eleitorado. Por outro lado, ao falar de Vladimir Herzog, desancar José Gregori, negar ou relativizar a tortura na ditadura civil-militar, defender "licença para matar" para as polícias, causa ojeriza e repulsa de outra parcela da sociedade.
Em julho de 2015, Bolsonaro já aparecia em uma pesquisa CNT/MDA com índices que variavam entre 4,6% e 5,5%. Pouca gente se preocupou, mas era a primeira vez que o candidato saía da margem de erro. Ocupava um espaço aberto graças, em parte, à agressiva campanha do tucano Aécio Neves no ano anterior, onde apelou para o mais raso antipetismo (que na prática tinha como alvo todo campo da esquerda ou similar) para, primeiro, chegar ao segundo turno superando Marina Silva, e depois tentar bater Dilma Rousseff. O presidenciável do PSDB, em sua empreitada, contou com a generosa ajuda da mídia que se pretende hegemônica. E também não recusou – ou até cortejou – o auxílio de páginas proto fascistas e grupos vindos dos subterrâneos das redes sociais.
Foi essa mesma mídia que ajudou a inflar os protestos contra a presidenta Dilma Rousseff. Ali, outros veículos não alinhados já denunciavam todo o caldo que incluía extremismos perigosos, saudações à ditadura e toda a agressividade que era sublimada na cobertura jornalística tradicional em nome de uma "causa maior": alijar o grupo político que estava no governo.
O que saiu do previsto naquela altura era que o sentimento antipetista extrapolasse seus limites e se tornasse antipolítico. Alckmin e Aécio foram hostilizados em uma das manifestações pelo impeachment na Avenida Paulista. Um estudo feito em meio ao protesto anti-Dilma de 12 de abril de 2015, 73,2% dos entrevistados diziam não confiar em partidos. Mesmo a legenda com maior apoio, o PSDB, tinha a confiança de apenas 11% dos manifestantes.
Estava aberto o caminho para Bolsonaro, que desde então cresceu, assegurando a vice-liderança nas sondagens. Ontem, os entrevistadores do Roda Viva fizeram algum esforço para desconstruí-lo. Mas é bom lembrar que o deputado não é alguém que surgiu agora. Há anos destila ódio e preconceito na Câmara dos Deputados. Em 2009, por exemplo, dizia que "quem busca osso é cachorro", se referindo às buscas pelos restos mortais dos guerrilheiros do Araguaia, pendurando na porta de seu gabinete uma camiseta com a mensagem: "Direitos Humanos: esterco da vagabundagem".
Isso não causou espanto na mídia tradicional, e quase ninguém repercutiu. Em uma das perguntas feitas a ele no Roda Viva, Bolsonaro devolveu dizendo que o jornal O Globo, em editorial, havia saudado a derrubada de João Goulart, demonstrando o apoio da mídia ao golpe de 1964. Em resposta, um dos membros da bancada disse que diversos veículos fizeram mea culpa em relação a seus posicionamentos à época. Mas não há registro de nenhuma retratação, por exemplo, da Folha de S.Paulo por denominar o período da ditadura civil-militar de "ditabranda". Isso foi dito há alguns anos, em editorial de fevereiro de 2009, e não na década de 1960...
O fato é que toda a mídia tradicional se importa muito pouco com os direitos humanos. Com direitos sociais. Com direitos, enfim. Nada mais natural que tenha problemas em afrontar Bolsonaro em um debate desses. Tome-se outro exemplo da entrevista com o candidato do PSL. Por meio de uma pergunta gravada por Frei David, da ONG Educafro, Bolsonaro é questionado a respeito do sistema de cotas. Desfila um festival de bobagens históricas e lugares-comuns sobre meritocracia.
Até observam o que disse a respeito da colonização portuguesa, mas entre os membros da bancada, onde não há nenhum negro, não se dá uma palavra sequer a respeito dos evidentes resultados do sistema de cotas no Brasil. Simplesmente porque cotas ou desigualdade racial são pautas que não interessam aos veículos comerciais que, ou se calam a respeito ou, assim como Bolsonaro, evidenciam seu posicionamento contrário ao sistema em editoriais e na sua cobertura.
Quando questionado sobre programa de governo ou iniciativas concretas que poderia tomar como presidente, o presidenciável do PSL se confunde, como aconteceu quando se aventurou a falar de saúde pública. Poderia ter sido confrontado, por exemplo, sobre seu posicionamento favorável à "reforma" trabalhista, aquela que iria criar empregos, mas que não só precarizou a mão de obra no país como foi incapaz de deter o aumento do desemprego. Mas aí havia um problema: os veículos representados na bancada do Roda Viva também são favoráveis à dita reforma.
A falta de diversidade da composição da bancada reflete, na prática, a concentração da mídia brasileira. Essencialmente comercial, anabolizada pela falta de regulação e oligopolizada, caminha em marcha unida e em diversos pontos pensa igual a Bolsonaro. Talvez aí resida o porquê de ser tão difícil para essa mesma mídia desconstruí-lo, tarefa necessária para que o candidato do establishment, Geraldo Alckmin (PSDB), chegue ao segundo turno. Além disso, pode ser que esse mesmos veículos precisem ainda do candidato do PSL. No vale-tudo midiático, a diferença entre civilização e barbárie é mais tênue do que se enxerga.
 


Barbaridades de Bolsonaro em entrevista pouco importam a muitos eleitores

Leonardo Sakamoto



Foto: Eduardo Anizelli/ Folhapress
Jair Bolsonaro falou uma montanha de barbaridades em sua entrevista no programa Roda Viva, da TV Cultura, na noite desta segunda (30). Mesmo assim, Jair Bolsonaro provou que sua competitividade pode ser maior do que a certeza dos que dizem que ele murchará assim que a campanha começar por conta de seus míseros sete segundos nos blocos de propaganda na TV.
Não importa que demonstre não dominar nenhuma proposta para as áreas de economia, educação, saúde, ciência e tecnologia… Aliás, as soluções que dá aos problemas do país não sobreviveriam a uma sessão de interrogatório do coronel Brilhante Ustra, o finado torturador-açougueiro da ditadura, autor do livro que repousa, segundo Bolsonaro, em sua cabeceira. Ele se esquiva de perguntas e inventa números. Mas sabe se comunicar. Fala para uma parte dos extremistas o que eles querem ouvir. E conversa da maneira que uma parte menos radical dos eleitores entende, mesmo que discorde. Com isso, vai preenchendo medos, ansiedades e sensação de vazio com essa conexão. O conteúdo, nesse caso, é menos importante que a forma.
É triste, mas venho escrevendo a mesma coisa neste espaço há mais de dois anos. Parte das elites intelectual, social e política segue tratando-o como morbidade passageira e não entende esse tipo de conexão que ele estabelece. Essas elites chamam os eleitores de Bolsonaro de ignorantes e acham que a inércia democrática e o recall das eleições passadas irão mudar o cenário na hora certa. Com isso, não se preocupam se trabalhadores e o restante da classe média estão entendendo o velho discurso que eles próprios seguem usando. Apenas se preocupam com as alianças para ganhar tempo de TV e em dizer aquilo que consideram racional. O problema é que apenas a razão, neste caso, não nos libertará.
Pois a racionalidade abandonou o debate político brasileiro há tempos. E o que ficou foi o fígado da ultrapolarização.
(Já a elite econômica recebeu o recado e entendeu: Bolsonaro entregará a economia para o mercado se vencer. E, com isso, parte dela abandonou Geraldo Alckmin. Essa parte da elite se esqueceu que somos craques em estelionato eleitoral e em mudanças de posição no dayafter.)
Mais uma vez, é irresistível comparar a situação com a de Donald Trump. Uma parcela da imprensa e da classe política tinha grande dificuldade de imaginá-lo despachando no Salão Oval. Quando percebeu que o negócio era sério e tentou mostrar quem ele era e o que significava o seu discurso, já era tarde. Hoje, parcela considerável da imprensa e da classe política brasileira tem dificuldade de imaginar Bolsonaro sentado na cadeira do Palácio do Planalto. Dizem que ele não conta com tempo de TV, palanques em locais importantes e que isso é balão que se esvazia.
Bolsonaro não é Trump e o PSL não é um Partido Republicano na democracia bipartidária norte-americana. Mas Trump não foi eleito por ser misógino e preconceituoso, mas por conseguir tocar eleitores de Estados-chave da federação norte-americana ressentidos por serem órfãos econômicos da globalização. Tocar os eleitores, essa é a chave.
No Brasil, os temas comportamentais e morais, apesar de fazerem sucesso nas redes sociais com a extrema-direita, não serão o fiel da balança do voto. São insuficientes para levar o centro do espectro político e eleger alguém. Para a massa, os dois principais temas da campanha serão os mais de 13 milhões de desempregados e os mais de 62 mil homicídios anuais.
Bolsonaro tem uma resposta para a segurança pública que passa por armar a população e apoiar a letalidade policial. Na geração de empregos, contudo, vai mostrando que a qualidade de vida do trabalhador é menos importante que o desenvolvimento econômico. Na entrevista, afirmou que a fiscalização do trabalho atrapalha a geração de emprego no campo. Fiscalização que libertou mais de 52 mil escravos desde 1995. Pelo visto, bom mesmo era antes da Lei Áurea, quando havia pleno emprego.
Mas ao falar de suas propostas, mesmo que de maneira vazia, de forma que o cidadão comum sinta que estabelece com um candidato um canal de comunicação sobre suas frustrações e dificuldades, conquista votos. Afinal, as pessoas querem alguém que fale para elas. Mesmo que não fale nada.
A falta de resposta decente dos atuais governantes à necessidade de empregos e à garantia de segurança pública pode jogar o Brasil na mão de qualquer um no ano que vem. Um ''salvador da pátria'' que demonstra orgulho por não ter apreço pelas instituições, por exemplo.
Bolsonaro sabe conversar com um público que quer saídas rápidas e fáceis para seus problemas e que precisa de alguém que lhe entregue uma narrativa – mesmo que inconsistente – para poder tocar sua vida. Narrativa que os partidos tradicionais solaparam em oferecer.
O melhor para Bolsonaro é que, agindo como azarão e não representando nada além dele mesmo, não precisa ganhar nada. Por isso está livre para fazer o que for preciso para ganhar. Inclusive passar por cima da democracia ao afirmar que as eleições deste ano estão sob suspeição por falta do voto impresso. Mas a lisura do processo será questionada apenas se ele não ganhar, claro.

Foto: Luis Moura/Estadão
 Se não tivessem deixado Paulo Freire tão somente como objeto de estudo ou peça de museu....
Temos aqui uma questão dos temas e das metodologias prioritárias de ensino, não apenas nas escolas e universidade, mas até mesmo nos processos formativos desenvolvidos por muitas organizações progressistas, incluindo os sindicatos e partidos. Sem discutir essas questões, penso que pouco pode ser feito para mudar essa quadro, que tende a piorar ainda mais.
Zezito de Oliveira
Leia também no Le Monde Diplomatique em português.
Bolsonaro para os pobres, Paulo Freire para os ricos 
 Leia em Carta Capital
 Pesquisa mostra como pensam os eleitores de Bolsonaro
Parte dos jovens ataca direitos humanos sem ter ideia do que isso seja
Leonardo Sakamoto

A vereadora Marielle Franco e o motorista Anderson Gomes foram assassinados há 136 dias e o caso segue sem conclusão.Foto: Márcia Foletto/Agência o Globo
A proporção de jovens eleitores de 16 e 17 anos aumentou de 23,9% para 29,5% da última eleição para cá, segundo análise da Folha de S.Paulo sobre dados do IBGE e do Tribunal Superior Eleitoral. Isso representa um aumento de 250 mil pessoas entre os alistados para votar nessa faixa etária. O que, segundo a reportagem, é a primeira alta desde 2006.
Essa geração foi influenciada pelas Jornadas de Junho de 2013 e pelo processo de impeachment de Dilma Rousseff. Mas sua trajetória vem sendo construída na vivência diária, na percepção de diferentes identidades, no entendimento dos processos de opressão e exclusão.
É inegável, nesse sentido, o impacto da ação dos coletivos feministas, LGBTT, negros, indígenas em escolas e comunidades. Apesar de ainda estarem longe de garantirem a dignidade prevista na Constituição, já mudaram não apenas a forma como o conteúdo de debates da esfera pública. Fazendo com que nós, homens, héteros, que não fazemos parte de minorias étnicas oprimidas, tivéssemos que escutar e mudar. Ou seja, reside neles a esperança de um mundo menos viciado em preconceito que o nosso.
Mas a safra de novos eleitores inclui grupos que pensam de forma oposta. Discursos misóginos, homofóbicos, fundamentalistas e violentos têm atraído rapazes que, acreditando serem revolucionários e contestadores, na verdade agem de forma a manter as coisas como sempre foram. Creem que estão sendo subversivos lutando contra a ''ditadura do politicamente correto'' – que, na prática, se tornou uma forma pejorativa de se referir aos direitos básicos que temos por termos nascido humanos.
Tratei desse tema no ano passado mas, diante da análise publicada pela Folha, achei por bem resgatar a reflexão.
Essa ditadura, claro, é uma ficção. Se direitos fundamentais fossem respeitados não haveria fome, crianças trabalhando, idosos deixados para morrer à própria sorte, pessoas vivendo sem um teto. Não teríamos uma taxa pornográfica de mais de 60 mil homicídios por ano, nem exploração sexual de crianças e adolescentes, muito menos trabalho escravo. Aos migrantes pobres seria garantida a mesma dignidade conferida a migrantes ricos. Todas as crenças seriam respeitadas. A liberdade de expressão seria defendida, mas os incitadores de crimes contra a dignidade seriam responsabilizados. Se direitos humanos fossem efetivados, não teríamos mulheres sendo estupradas, negros ganhando menos do que brancos e pessoas morrendo por amar alguém do mesmo sexo. Marielle Franco não teria sido morta duas vezes – na primeira, seu corpo com alvo, em uma emboscada, e a segunda, sua reputação, na internet. O que temos, em verdade, é um status quo sendo contestado, o que provoca pânico em muita gente.
Parte dos jovens também abraça esses discursos como reação às tentativas de inclusão de grupos historicamente excluídos, como mulheres, negros, população LGBTT.
Há rapazes que veem na luta por direitos iguais por parte de suas colegas de classe ou de coletivos feministas uma perda de privilégios que hoje nós, os homens, temos. Nesse contexto, influenciadores digitais, formadores de opinião e guias religiosos ajudam a fomentar, com seus discursos violentos e irresponsáveis, uma resposta violenta dos rapazes à luta das jovens mulheres pelo direito básico a não sofrerem violência.
Qual o contexto de tudo isso? Há um público jovem insatisfeito que vê seus pais reclamarem de que as coisas estão mudando para pior, desrespeitando as ''tradições''. Que ouve seus ídolos na internet reclamarem que antigamente é que era bom, quando podíamos contar piadas sobre outras pessoas sem sermos criticados. Que assiste a vídeos que bradam que a exigência por igualdade cria discórdia onde antes havia paz e gera divisões onde tudo funcionava bem. Funcionava bem para quem?
Há quem repita mantras de terceiros e não tente pensar por conta própria a partir de informações que absorveu somadas à sua vivência pessoal. Não pula o muro de casa e vai para o mundo entender o que está acontecendo, o que temos de bom, o que temos de ruim, o que mudar e para onde ir. Está feliz com o mundo que o algoritmo da rede social criou para ele, com o conforto de ver os amigos em consonância com o seu pensamento. Pois, a ignorância é realmente um lugar quentinho.
E ao terceirizar sua interpretação da realidade, torna-se massa de manobra. Ou seja, no desejo de mudarem o mundo para melhor, devolvem-no para onde ele estava antes, fazendo o jogo de quem sempre esteve no poder.
Enquanto isso, os principais partidos políticos não apenas não se esforçaram em garantir mais participação popular como perderam a confiança da população ao se apropriar do patrimônio público e utilizarem o poder que lhes foi emprestado a serviço próprio. Ao mesmo tempo, a política tradicional derrapou em dar respostas não apenas para o combate ao desemprego, à violência urbana e rural e à corrupção, como também a outros desafios da vida cotidiana. Jovens moradores morrem na periferia aos milhares.
Pode-se continuar dando às costas a eles, chamando-os de comunistas ou fascistas. Ou abrir o diálogo – muitas vezes difícil, mas necessário.
Jovens de todos os lados do espectro ideológicos têm a consciência de que a internet e as redes sociais trouxeram a eles um poder de interferência nos rumos da sociedade que a geração de seus pais, quando jovens, não tiveram. Muitos reivindicam participar ativamente da política, pois só votar e esperar quatro anos não adianta mais para esse grupo. Querem mais formas de interferir diretamente nos rumos da ação política de sua cidade, estado ou país.
Precisamos, urgentemente, ouvir esses jovens e construir com eles um projeto coletivo para a sociedade em que vivemos. Falo dos jovens que atuam de boa fé, claro, não os que formam milícias digitais visando à destruição do outro.
Negar isso e buscar, novamente, saídas de cima para baixo, seja através da esquerda democrática ou da direita liberal, não dará certo. Pelo contrário, apenas os jogará na mão de grupos intolerantes. Não admira que quem sugere adotar as soluções de sempre são as mesmas pessoas que não entenderam o significado das manifestações de junho de 2013.
Por fim, como já disse aqui, vale uma reflexão também aos mais jovens que se engajam na política, partidária ou não. Dê uma olhada nos livros de História. E veja se o comportamento que você adota diante do seu semelhante e dos direitos dele é algo novo ou o mesmo que os donos do poder político, econômico e religioso faziam nas últimas centenas de anos. Se for, fica a dica: talvez seja a hora de você dar aquela refletida solitária se você é realmente dono da sua cabeça ou estão conduzindo ela por você.
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 Renato Janine Ribeiro


O que impressiona em Bolsonaro é a completa blindagem dele. Nem ele nem seus apoiadores levam em conta qualquer argumento ou fato.
Essa é, na verdade, a tendência de muita gente - de direitistas, esquerdistas, muitos mesmo. Mas no caso de B, chega ao paroxismo.
O candidato assim consegue um sucesso danado. Nao há argumento que cole nele. Pode dizer que apresentou 500 projetos ("não, foram 170") ou qualquer outra coisa, que passa. Seus apoiadores dirão que é um detalhe.
Pode errar à vontade, pode faltar à verdade, seus eleitores não dão a mínima.

A pergunta é:
Como falar com seus eleitores, se são impermeáveis ao diálogo? Que meios utilizar, para desmontar essa bomba que ameaça frontalmente os direitos humanos?

Marcelo Ennes·
Bolsonaro parece ter vencido o primeiro embate contra jornalistas e formadores de opinião durante sua entrevista no programa Roda Vida. Isto aumenta o risco que sua eleição representa ao presente e ao futuro do país. Sua candidatura se sustenta em um mix de sentimentos profundamente retrógrados e isto tem sido sua força até o momento. Acho que Bolsonaro conta com uma grande vantagem e ele sabe disso. Ele sabe que o problema não é ele propriamente dito. Ele representa os ressentidos, os que se sentem injustiçados por políticas promotoras de justiça social, os que desacreditam na política, os que não desejam participar da vida pública e política, os que anseiam por soluções rápidas e os que vivem o desespero por uma vida segura. Na realidade estes são os alvos que devem ser atacados de frente. O melhor dizendo, a simplificação e a mentira que tudo isto representa. Mas Bolsonaro sabe que tudo está muito bem protegido nas crenças e no íntimo de seus eleitores, dimensões até agora não atingidas pela artilharia errática e descalibrada de seus opositores (inclusive eu). No momento este é um front no qual a batalha está vencida por ele. Uma nova batalha se avizinha em outro campo, o campo dos indecisos. Mas vamos ser derrotado novamente se usarmos a velha e pesada artilharia dos rótulos, da preguiça e, de sua irmã, a arrogância intelectual. Uma possível vitória poderia ser obtida se buscássemos o diálogo e o esclarecimento e se nos valêssemos da escuta e da autocrítica. A questão é se temos tempo e, principalmente, se temos coragem e disposição para esta empreitada.












 

No Roda Viva, Bolsonaro mostrou qual é a senha para derrotá-lo

O Roda Viva serviu para mostrar entre outras coisas que é mais fácil desmontar Bolsonaro com perguntas mais simples, do que buscando um embate sério sobre história do Brasil. Ou mesmo sobre economia.


Há certos momentos em que para se fazer análise política é preciso se despir dos parâmetros que usamos para compreender o mundo. Em que é preciso pensar com a cabeça do outro, do cidadão médio, do tão propalado senso comum.


Em 2014, num debate de segundo turno entre Dilma e Aécio realizado num dia à tarde pelo SBT/UOL o candidato tucano foi para cima da sua adversária. As pesquisas internas dos partidos o mostravam já à frente de Dilma. Ele poderia ter administrado o jogo, mas preferiu mostrar quem mandava naquela ‘bagaça’.


Quando Dilma, o provocou sobre ter sido flagrado dirigindo alcoolizado, ele teve um surto e a chamou de leviana.
 
Se tivesse soltado a palavra apenas uma vez, neste momento, talvez o impacto seria menor. Mas como a palavra ecoou fundo no estúdio, o mineirinho achou que estava arrasando. E resolveu repeti-la por inúmeras vezes no evento. Cada uma delas com a cara mais brava.

Nesta tarde eu assistia ao debate com várias pessoas mais próximas à candidatura de Dilma num espaço na rua Consolação em São Paulo. Ao final do encontro, muita gente achou que a presidenta havia ido mal e Aécio tinha ganhado a eleição ali.


O fato de Dilma não ter rebatido o leviana com a mesma força incomodara a militância petista, mas o dia seguinte mostrou que isso foi a sua força. Dilma havia lutado Aikido com Aécio.

A maior parte das pessoas que assistiam ao debate naquela tarde eram aposentados, gente simples, mulheres que trabalham em casa, etc. O clássico público das tardes do SBT. Ou então o grupo mais militante, que acompanhava pelo UOL. No segundo grupo, ficou tudo igual. No primeiro, o leviana bateu fundo.


As pesquisas de trackings do dia seguinte já apontavam diminuição de vantagem de Aécio para Dilma. E ele perdia votos exatamente entre as mulheres. João Santana percebeu isso e acelerou o discurso de que Aécio tratava de forma violenta as mulheres. Na rede, o caso de uma agressão à sua atual esposa denunciada por Juca Kfouri voltou à tona. E dali pra diante o tucano só despencou entre o eleitorado feminino.


Ao final, as denúncias da Lava Jato ainda o fizeram recuperar uma parte dos votos, mas nem isso foi suficiente. Aécio se torrou com uma palavra, leviana.

Bolsonaro falou uma enormidade de absurdos durante o Roda Viva desta segunda (30) sobre escravidão, cotas, tortura, ditadura etc. É muito provável que o seu eleitor médio tenha dado de ombros para isso tudo. Ele acha que o cabra é sincero e fala o que pensa. E que mesmo discordando dele aqui e ali gosta de sua honestidade.


Mas em dois momentos ele pode ter perdido a mão. O primeiro na história de como combater a mortalidade infantil. Ali ele mostrou que não tem a menor compreensão do que é defender a vida nem de um bebê. Disse sem expressão de carinho que o problema é cuidar dos prematuros e que as mães precisam tratar da saúde bucal e fazer exames de urina para melhorar a saúde das crianças. Isso é uma bomba se bem explorada. Toda mulher adulta sabe quais são os desafios da gestação, por mais simples que seja. E se ele já estava mal entre o eleitorado feminino isso tende a piorar a sua situação se bem explorado.
 Também em relação ao cidadão do campo, quando defendeu que ele trabalhe mais do que o que vive na cidade. “Acho que no campo a CLT tinha que ser diferente. O homem do campo não pode parar no carnaval, sábado domingo e feriado. A planta vai estragar, ele tem que colher. E fica oneroso demais o homem do campo observar essas folgas nessas datas, como existe na área urbana.”
O PSDB deve começar a fazer isso o quanto antes, porque a estratégia tucana para este começo de campanha é a de demolir Bolsonaro.

Isso no mínimo vai segurar seu crescimento. Ele pode perder votos e ganhar ao mesmo tempo, o que deve lhe deixar no mesmo patamar. Porque, por incrível que pareça, na classe média alta e média muita gente vai concordar com ele. Hoje em algumas salas de executivos o papo deve ser de que pelo menos ele falou umas verdades, mandando que os negros comecem a estudar desde cedo ao invés de querer vaga de cotas depois na universidade. E algumas madames também devem estar dizendo que ele está certo. Que ela tinha uma empregada que não tinha um dente na boca e quando foi ter filho ele nasceu doente.

O Roda Viva serviu para mostrar entre outras coisas que é mais fácil desmontar Bolsonaro com perguntas mais simples, do que buscando um embate sério sobre história do Brasil. Ou mesmo sobre economia. Coisas simples, como qual a proposta dele para a jornada de trabalho, o trabalho infantil etc, podem complicá-lo mais. Quem é de São Paulo deve se recordar que Celso Russomanno perdeu a eleição de 2012 por conta de uma proposta estapafúrdia para cobrar preços diferentes de passagem para quem morasse mais longe. Sua base, morava mais longe e era mais pobre. E se revoltou com aquilo e o abandonou. Toda a campanha moralista anterior havia sido inócua. Esse ataque, no entanto, não, foi certeiro.

Por isso não é exagero falar que a bancada de jornalistas de ontem em geral ensinou como não se deve lidar com Bolsonaro, porque preferiu ficar nos pontos mais polêmicos de sua trajetória.

É até compreensível que tenha sido assim, mas isso não lhe tira votos. Ao contrário, reforça sua imagem de homem sincero e corajoso. Até porque se era para confrontá-lo em relação ao debate da ditadura, por exemplo, havia que se fazer isso com um pouco mais de energia. Tendo se preparado a partir de leituras de falas dele com dados para desmontá-lo. Coisa que não se viu. A não ser em raros momentos, como, por exemplo, o em que Bernardo Mello Franco deu uma aula sobre José Gregori para o candidato que o chamou de torturador.

Bolsonaro tortura a verdade, mas será derrotado por ela. Pelas verdades escondidas que irá revelar em novos encontros. E não pelas mentiras que profere e que são escrotas, mas que têm muitos seguidores.