terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

O LUGAR ONDE VIVO

Há anos atrás a secretaria de educação de Socorro criou um projeto intitulado “O lugar onde vivo”, nunca esqueci, embora só tive contato com o mesmo uma vez, e mesmo assim de forma bem superficial. Mas o tema ressoa em minhas lembranças, até porque depois veio resultar em um livro que escrevi sobre o bairro américa em Aracaju na década de 1980. Ainda faltando o segundo volume para concluir e o terceiro por começar..

O projeto de Socorro foi  realizada antes da ascensão do bolsonarismo ao governo federal, aí o tempo passou e nesses tempos de triste memória para quem  luta como lutou Olga Benário pelo “ justo, pelo bom e pelo melhor do mundo”, me lembrei e utilizei várias vezes em meus escritos , a pergunta que abre a canção “conheço o meu lugar” do genial Belchior, “O que é que pode fazer o homem comum

neste presente instante senão sangrar? Tentar inaugurar a  vida comovida inteiramente livre e triunfante?

Daí começo a trabalhar em setembro de 2022 no Colégio Carlos Firpo na Barra dos Coqueiros, e qual a minha surpresa e preocupação como o descrito por Caetano Veloso na canção SAMPA, com a “força da grana que ergue e destrói coisas belas.” 

E isso na Barra dos Coqueiros acontece a olhos vistos e certamente como cantado por Chico Buarque em outra canção.. “dormia a nossa barra tão subtraída, em tenebrosas transações.” Como tantas localidades desse país continental.. A Amazônia que o diga!

Dai penso desde que comecei a trabalhar no Carlos Firpo,  como não pensar de forma coletiva em um projeto pedagógico e cultural que dê conta dessas questões de preservação e conservação do patrimônio histórico, cultural e natural? 

Como trabalhar na escola de uma cidade rica de saberes, fazeres, belas paisagens, personagens instigantes e interessantes, com suas histórias de vida, muito nativos e outros que vieram de outros estados e que viveram aqui durante muitos anos de suas vidas? Como é o  caso de Jacinta Passos, somente redescoberta ou revelada para uma imensidão de gente  por  Sérgio Borges, um professor da rede pública estadual e premiado  realizador no campo do audiovisual .

Assim, que tal começarmos junto com os nosso alunos, um processo pedagógico e cultural de descoberta e valorização do rico patrimônio da cidade da Barra dos Coqueiros?

A começar pelo dia do acolhimento.

Diante disso em caráter emergencial para os primeiros dias,  proponho a exibição de dois curtas metragens,  leituras de poesias e contos de escritores barracoqueirenses, assim como o convite para cantores/compositores da MPB residente ou que tenha residido na Barra dos Coqueiros. 

Deixo como sugestão, um nativo,  liderança cultural e politica na cidade, cantor e compositor a altura dos melhores que temos em nosso estado, estou me referindo a Cláudio Caducha.

Como abertura da programação,  a apresentação do site produzido pelo colega Iradilson Bispo, iniciativa meritória e inovadora que traz para o meio digital  e disponibilizado para o mundo inteiro, o rico patrimônio histórico, cultural e natural do  município de Barra dos Coqueiros.

Por ultimo,  trago a lembrança e homenagem a antropóloga e professora da UNICAMP, Adriana Dias, falecida recentemente,  e  uma  das mais importantes pesquisadoras sobre células neonazistas no Brasil.

Disse ela respondendo pergunta em uma das dezenas lives do qual participou,  tratando da sua pesquisa e do combate as ideias do nazifascismo 

Uma das formas de combater a ideologia nazifascista é investir nas pesquisas  e estudos sobre história local, nas escolas, nas  universidades e nos meios de comunicação de massa. 

Invertendo a lógica predominante que coloca os estudos regionais e local em plano secundário, inferior, insignificante. Pelo menos no tempo em que fui colega de Iradilson Bispo na UFS dos anos 1990. Espero que alguma ou muita coisa tenha mudado ou esteja mudando neste sentido..

A despeito disso, vamos embarcar nessa canoa?  Bons ventos a vista!!

domingo, 26 de fevereiro de 2023

Ressuscita-me! Ressuscitemo-nos. Há muito para reviver, refazer, recomeçar, retomar, redescobrir, reconhecer.

  


Se "há tempos são os jovens que adoecem e há tempos o encanto está ausente." E se hoje "Herdeiros são agora da virtude que perdemos.". Um encontro como esse sobre o tema Fraternidade e Fome, tema da Campanha da Fraternidade de 2023,   aponta as saídas e possibilidades, não apenas para a igreja católica ,  mas para as outras denominações cristãs, outras religiões e para a sociedade de uma maneira em geral. 

E se há quem tenha saudade da igreja e das sociedades de opressão, como a sociedade monárquica e escravocrata aqui no Brasil, que teve a igreja católica como grande fiadora ou avalizadora no caso da América Latina e as igrejas protestantes no caso dos EUA. Me refiro aqui, aos católicos que vociferam contra a Campanha da Fraternidade. "Ora direis, certo perdestes o senso." 

Mas por outro lado,  há quem tenha saudade de uma sociedade que se anunciava mais justa, mais democrática e mais livre, incluindo a liberdade sexual, isso no século XX com as revoluções e as reformas presentes em diversos países e sociedades.. Russia, China, Cubas (a própria e alguns  países africanos e do oriente),  o estado do bem estar social na Europa, assim como o new deal nos EUA e o chamado "populismo" na América Latina. 

https://www.youtube.com/watch?v=fQG3pXQaS2g


Não ficando a igreja católica e as outras igrejas imunes ou impunes a isso, até porque a memória da natureza revolucionária do cristianismo ficou submergida através da força do  poder politico opressor e corruptor do império romano Assim, somente no século XX  tivemos as condições antropológicas e sociológicas que tornaram possíveis padres operários, juventude operária católica, Concilio Vaticano II, Conferências Episcopais de Medellin e Puebla, CEBs, CIMI, CPT, Pastorais da Juventude, e etc.. 

Podemos concluir que o Evangelho de Cristo estava bastante avançado ou a frente do seu  tempo? Sim, é possível. 

Logo, como o poeta digamos ou bendigamos.  "Ressuscita-me, ainda que mais não seja, porque  sou poeta e  ansiava o futuro. Ressuscita-me, lutando contra as misérias do cotidiano."

Ressuscita-me por isso, para fazer  memória do que foi feito de melhor pela igreja ou pelas igrejas no século XX , ou antes deste. Para fazer ressuscitar no tempo, enquanto história, os nosso melhores sonhos e desejos em forma de estudos ou atividades assemelhadas como a realizada neste final de semana na Paróquia São Pedro Pescador em Aracaju. Aracaju que já teve um dos bispos mais progressistas e afetuosos do episcopado brasileiro, Dom Távora, o qual pagou caro por isso, até pela morte quiçá antes do tempo.  Uma memória que depende de nosotros para ser ressuscitada e vir em socorro de quem sabe porque tantos jovens adoecem e o encanto está ausente.. 

É luta permanente contra a vanguarda do atraso, em um país onde temos muito passado pela frente....

E para não dizer   que não falei ou lembrei do Cristo ressuscitado...

https://www.youtube.com/watch?v=zuziv5ojS-4

“Trovas ao Cristo Libertador”
Dom Pedro Casaldáliga

Olhar ressuscitado, todo o teu Corpo
acompanhando a marcha lenta do povo.

Todo Tu debruçado, como um caminho,
traçando em tua Carne nosso destino.
No azul do Araguaia os roxos medos,
no sol de tua glória nossos direitos.
Sangue vivo no verde das índias matas,
faixas gritando viva a Esperança!

Procissão de oprimidos, rezando lutas,
e Tu, Círio de Páscoa, flor de aleluias.
Páscoa nossa imolado, em Ti enxertamos,
como Tu perseguidos, por Ti triunfamos.
Libertador vencido, vencendo tudo,
companheiro dos pobres, donos do mundo.

Guerrilheiro do Reino, maior guerrilha,
Tua cruz empunhamos em prol da vida.
Nossos mortos retornam, com nossos passos,
em teu Corpo vivente ressuscitados.
Em Ti, cabeça nossa, Libertador,
libertos, libertando, erguemo-nos.



A música "Viva a Esperança" (originalmente, "Trovas ao Cristo Libertador"), composição com letra de Dom Pedro Casaldáliga e música de Pe. Cireneu Kuhn, svd, interpretada coletivamente por membros da Irmandade dos Mártires da Caminhada.

Clipe produzido na celebração de um ano da Passagem do Poeta-Profeta Dom Pedro Casaldáliga!

LEIA MAIS: 

domingo, 3 de abril de 2022



https://www.youtube.com/watch?v=dWrppMcbtd0






quinta-feira, 23 de fevereiro de 2023

UMA MEMÓRIA (pessoal) DA TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO. NOTA

Por Romero Venâncio

Chama bastante atenção quando colocamos o termo “Teologia da Libertação” no google e vemos o monte de impropérios, delírios, desinformação e afirmações de gente desqualificada sobre o assunto. Já passa de cinco décadas que a Teologia da Libertação incomoda dentro e fora do catolicismo romano. Dentro, porque houve aos poucos uma virada conservadora na Igreja Católica desde a gestão do Papa João Paulo II e seguiu na de Bento XVI. Em 1986, o então cardeal Joseph Ratzinger assinava um documento oficial da Igreja em que atacava diretamente a Teologia da Libertação. Trata-se de “Instrução sobre a liberdade cristã e a liberdade”. Documento que virou uma espécie de “apito de cachorro” quando a direita católica volta sua carga contra a Teologia da Libertação e seus teólogos e teólogas. As críticas mais comuns à essa teologia, são: o uso do marxismo (o velho fantasma do comunista rondando), a falta de espiritualidade (a coisa mais absurda!), preocupações sociais mais do que “espirituais” (termo nebuloso e impreciso propositalmente) e a sua critica anticapitalista (os opositores da Teologia da Libertação sempre são simpáticos à economia de mercado e sua “liberdade”). Cada crítica destas, foi refutada ponto-a-ponto pelo teólogo uruguaio Juan Luis Segundo em seu fabuloso livro: “Libertação da teologia” ainda nos anos 80 e no calor do debate com o Cardeal Ratzinger. Uma pena que tenha passado despercebido por uma geração inteira e jamais tenha sido lido por qualquer boboca dessa direita católica.

O impacto fora da Igreja Católica da Teologia da Libertação é impressionante. Foi base para quase todas as lutas populares na América Latina desde os anos 60 e chegando até os anos 80.  Influenciou uma série de intelectuais cristãos e ateus (basta vermos alguns livros do sociólogo Michael Lowy). Marcou os projetos educativos no continente, pautou políticas pública governamentais em favor dos pobres, foi fundamental na defesa dos povos indígenas, chegou ao movimento operário latino e foi fundamental na luta de camponeses latino americanos. Incontornável a presença de uma tão produtiva teologia. E rara em termos de cristianismo. Nunca no continente latino uma teologia foi tão moderna e tão engajada na vida popular. “Limpou” o nome do catolicismo colonizador e conquistador. Historicamente, o catolicismo romano sempre foi aliado de primeira hora das classes dominantes em todas as Américas. A Teologia da Libertação muda este quadro (ou mudou por um tempo. O catolicismo sempre sente saudades da “casa grande”).

Conheci as obras e o projeto histórico da Teologia da Libertação quando fui estudante de teologia no Recife e pertencente do SERENE II (Seminário Regional Nordeste). Estudava no saudoso ITER (Instituto de Teologia do Recife) na segunda metade dos anos 80. Absolutamente fundamental em minha formação teológico-política. Ter sido aluno de pessoas como José Comblin, Ivone Gebara, Claudio Sartori, Sebastião Armando Gameleira, Mario Medeiros, Ivan Teófilo, Pr. Isaias, Reverendo Paulo Ayres, Ir. Janis Jordan, Pe. Gervásio Queiroga (a briga com o código de direito canônico foi histórica) e tantos outros que passaram por uma instituição rara em sua seriedade teológica, engajamento pastoral e projeto político condizente com um cristianismo radical. 

Voltei nos últimos anos a organizar uma memória da Teologia da Libertação latino-americana por minha conta e risco... E por saber da importância estratégica ainda hoje deste fazer teológico. Mas voltei também em forma de defesa contra os ataques covardes e desqualificados de uma extrema direita católica beligerante e amparada por ideias fascistas. A extrema direita católica e seus filminhos vagabundos sobre a Teologia da Libertação não têm um pingo de moral ou qualquer qualificação teológica para tratar de qualquer aspecto desta teologia e de seu papel na formação de uma série de pessoa na América latina e para além do continente. 

Durante o período da “Quaresma” e sempre as quintas-feiras a partir das 20h. no Instagram romerojunior4503, volto a vários temas dentro da Teologia de Libertação durante uma hora de exposição. Aberto a quem interessar possa.

Hoje. 23/02,  a partir das 20h.  no curso sobre a “Teologia da Libertação” no Instagram romerojunior4503, apresentaremos a concepção de espiritualidade libertadora do padre chileno, missionário e educador popular de curioso nome: Segundo Galilea. Foi uma das mais importantes figuras no "movimento contemplativo-engajado" dos anos 60 e 70 na América Latina. Desenvolveu nas periferias por onde passou uma espécie de "espiritualidade da libertação". Acreditava que os pobres são os verdadeiros sujeitos da evangelização, pois esses sofrem, a todo momento, a experiência dramática da dor e da frustração como parte da realidade humana, e revelariam o rosto humano de um Jesus que sofre, e desse modo, mostrariam que a libertação, na situação atual, passaria necessariamente pela cruz. Os pobres seriam o "sacramento histórico" que revelaria a realidade evangélica da dor de Jesus de Nazaré e seriam o caminho para a experiência de comunhão. Com essa visão, Galilea, se afastou da concepção do cristianismo como "religião de observância", que apresenta um Cristo a-histórico, individualista, reacionário e triunfalista, e opta por um cristianismo da radicalidade do Evangelho, da fé encarnada, do seguimento de Jesus o Cristo crucificado. Galilea faleceu em 2010 sem renunciar a Teologia Latino-Americana da Libertação. Seu livro fundamental: "Raízes da espiritualidade latino-americana"

Um dos frutos mais extraordinários da Teologia da Libertação no Nordeste brasileiro: a "Teologia da enxada" - unir trabalho e fazer teológico... Entrar na vida do povo como povo... Uma ideia de "intelectual orgânico" em sua forma popular. Com apoio e orientação de José Comblin, teólogo raro e que faz imensa falta na atual quadra histórica latino americana. Volto a obra de Comblin, a Teologia da enxada e as relações Gramsci\Teologia da Libertação por estes dias...


Para adquirir https://www.editorarecriar.com/catalogo/50-anos-de-teologias-da-libertacao-emerson-sbardelotti-edward-guimaraes-marcelo-barros-orgs



quarta-feira, 22 de fevereiro de 2023

O que foi feito da igreja sonhada e realizada a partir do Concilio Vaticano II e das Conferências Episcopais de Medellin e Puebla?

O Que Foi Feito Devera (de Vera) 

O que foi feito, amigo

De tudo que a gente sonhou

O que foi feito da vida

O que foi feito do amor

Dá para ter futuro sem profetismo?

Vejo nos olhos de alguns dos meus colegas o que sinto no meu coração. Uma angústia, em momentos de ordenação e reuniões do clero, em que constatamos que os mais jovens não possuem o viés profético que nos acompanha a nós, desde o período da formação. 

Outrossim, em paralelo, abusam das roupagens clericais e fazem da liturgia o ponto mais alto de sua vida sacerdotal. Isso implica em exagero de modos, roupas e utensílios ditos canônicos! Sei o quanto isso nos preocupa quando olhamos para o futuro desta Igreja e nos dilacera, por sentirmo-nos a cada dia, mais aves raras deste passaredo! Apelamos para a esperança que nos mantém vivos, mesmo sabendo-nos uma já minoria bem saliente. 

Em muitas Igrejas Particulares, estamos longe dos mecanismos de decisão e remetidos a uma periferia inexpressiva onde podemos viver um ostracismo, que embora nos proporcione certa qualidade de vida em termos de reflexão, (que chega com a idade rsrs), nos impede de colaborar mais com os avanços propostos por Francisco...

Mas ontem eu me vi refletindo.

Este viés profético que parece hoje se esvair entre os nossos dedos, surgiu na Igreja cerca de trinta anos antes do Concílio sob diversas roupagens e foi tomando corpo na década de quarenta e cinquenta. O Concílio Vaticano I teve pouco impacto ou nenhum em termos pastorais e o de Trento, se impôs até ao século XX. Lubac e Congar são, cada um a seu modo, a expressão do que eu falo. Mas existem vários como Marie-Joseph Lagrange ou Pierre Teilhard de Chardin. Não por acaso, que Roma os tenha perseguido e Congar se tenha referido ao Santo Ofício como “Gestapo”! Emile Poulat e Henri Desroche, acabaram deixando as suas Ordens por não se sentirem “acolhidos” pelo Vaticano. 

Há nesse “movimento” um epicentro: o questionamento de uma eclesiologia que insistia em apresentar a Igreja católica desligada do mundo em turbulência, entre as duas Guerras Mundiais. Isso, embora, por iniciativa papal, tivessem sido fundados Movimentos ditos “sociais”. Não sendo talvez explícito, havia uma refutação da Ação Católica, um desses movimentos de extrema direita nascido para envolver os leigos “no mundo” e que concretamente no Brasil e em Portugal legitimou governos fascistas e integralistas. 

Era uma “novidade” em termos de laicato! Não nos esqueçamos que D. Hélder, no início um homem de direita, foi assistente deste Movimento! Desta agremiação surgiram a Juventude Estudantil Católica, a Juventude Universitária Católica e a Juventude Operária Católica. Estas duas últimas a partir dos anos sessenta, tomaram rumo próprio. O profetismo nessa época, ensaiava seus passos “modernos” num questionamento aos rumos da Instituição romana. Padres e leigos, como os citados anteriormente, conheceram a oposição severa do Santo Ofício à sua eclesiologia e mesmo teologia!

Congar, resgatado um pouco antes do Concílio Vaticano II foi de fundamental importância na redação da Lumen Gentium e da Dei Verbum. Como bem nos lembra o historiador Étienne Fouilloux. Dois documentos de suma importância para uma Igreja que nascia desse Concílio e que refletiam uma ala de “padres conciliares” entre os quais os quarenta - alguns brasileiros - manifestada no Pacto das Catacumbas no dia 16 de Novembro de 1965. 

Nunca será demais lembrar que por esse documento de 13 itens, os signatários comprometeram-se a levar uma vida de pobreza, rejeitar todos os símbolos ou os privilégios do poder e a colocar os pobres no centro do seu ministério pastoral. Comprometeram-se também com a colegialidade e com a corresponsabilidade da Igreja como Povo de Deus, e com a abertura ao mundo e a acolhida fraterna. Um dos proponentes do pacto foi Dom Hélder Câmara. Este pacto influenciou a nascente teologia da libertação e os rumos da Segunda Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano, realizada em Medellín. Isso é história.

Estavam reforçadas as bases para o exercício do profetismo. A Teologia da Libertação se consolidava em Medelllin e em Puebla e em geral, os bispos sul americanos, ou apoiavam ou toleravam essa caminhada eclesial de fidelidade ao Evangelho e opção preferencial pelos pobres. Nos seminários fervia o entusiasmo em trabalhar pelo Reino e os recém ordenados tinham preferência por trabalhos em periferias degradadas ou acompanhando o proletariado em sindicatos, fábricas e cortiços. 

https://www.youtube.com/watch?v=0qnRNOVVpm0&t=1s

Na França concretamente, surgiu a experiência dos padres operários que brotam da Juventude Operária Católica fundada naquele país em 1927. A JOC foi o primeiro movimento católico na França a perceber que a maioria da classe trabalhadora estava longe da Igreja e que precisava de novas formas de evangelização. Em 1941, o dominicano Jacques Loew foi enviado para trabalhar nas docas de Marselha para estudar a condição das classes trabalhadoras. Em 12 de setembro de 1943, foi publicado o livro: "France, pays de mission?", no qual os abades Henri Godin e Yves Daniel, que quando jovens foram lideranças da JOC, abordaram o problema do afastamento dos trabalhadores franceses do cristianismo. Naquele ano, o arcebispo de Paris, criou a "Mission de Paris", que tinha como meta a formação de sacerdotes para evangelizar a classe operária parisiense. Estávamos ainda longe do Vaticano II, mas podemos afirmar com propriedade que experiências como esta, corresponderam a uma gravidez que desembocou em João XXIII! E cujo parto foi o grande Concílio! 

Embora os métodos sejam muito diversos, há neste tipo, tanto a nível de opção pelos pobres, quanto no resgate de textos Sagrados, algo que se soma à própria Teologia da Libertação e à afirmação da dimensão profética da segunda metade do século passado. Em 1952, foi publicado o romance "Les saints vont en enfer”, que enaltecia a experiência dos padres operários. 

Esses padres contavam com o apoio de leigos de ambos os sexos, participaram das lutas dos trabalhadores e se aproximaram do Partido Comunista Francês. Quando o papa Pio XII encerrou esta experiência, ele já encontrou a oposição de três dos cinco cardeais franceses! Mais tarde, influenciado pelo Pacto das Catacumbas (talvez o seu primeiro fruto direto) o Papa Paulo VI reabilitou em 1965 os “Padres Operários”!

Eu menciono aqui esta experiência francesa, pois também ela conheceu praticamente um epílogo na virada dos anos 2000! Em 2005 apenas 80 ainda viviam entre os operários! Falta de vocações em geral? Ou falta de vocação para a vivência do ministério deste modo?!

Já que estamos na França, é impossível avançar sem mencionar os protestos de maio de 1968 que foram iniciados por movimentos estudantis insatisfeitos com o sistema educacional francês e espalharam-se pelo país, mobilizando milhões de pessoas. Na história do século passado, este acontecimento não é um detalhe e nem deve ser visto de forma isolada. 

As imagens dos combates e das violências cometidas pelas tropas americanas no Vietnam espalharam-se pelo mundo e motivaram protestos tanto nos EUA quanto na Europa. Além disso, em abril de 1968, Martin Luther King foi assassinado. Sua morte provocou inúmeras revoltas nos EUA e, claro, também se refletiu nos grupos estudantis da França. 

Na extinta Checoslováquia acontecia uma tentativa do governo de realizar reformas no país no sentido de romper com o autoritarismo imposto pelos soviéticos. Os acontecimentos em Praga eram acompanhados de grande mobilização estudantil.

Tudo isso invadiu os corredores da Igreja.

Ela, sob Paulo VI, avançava nas mudanças preconizadas pelo Vaticano II numa espécie de revolução lenta, mas demolidora, dos pilares tridentinos. Os padres despiam-se dos símbolos que os separavam do Povo de Deus e faziam questão de mostrar em suas mangas de camisa, a proximidade preconizada na Lumen Gentium!

https://www.youtube.com/watch?v=1i8NBiUN_u8&t=6591s


Esta engrenagem, porém, mudou. Ou pior! Iniciou um processo de reversão.  Não teríamos como atribuir um ano certo para este fenómeno, mas diria, sem medo de errar, que foi nos anos oitenta! O Vaticano II perdeu força e a Teologia da Libertação ficou sob fogo cerrado. 





Como bem disse o sociólogo Pedro A. Ribeiro de Oliveira, na análise de conjuntura eclesial “A Igreja do Brasil: entre o fundamentalismo e a profecia”, realizada pelo Cepat, houve uma intervenção clara de João Paulo II e do cardeal Ratzinger, no sentido de interpretar o Concílio de forma a evitar, o que na sua ótica se apresentava como desvios do mesmo. 

Podemos chamamos a isso de “restauração identitária”, que será a plataforma, de onde se orquestrarão todos os projetos de boicote a uma Igreja popular já florescente. Sob a desculpa esfarrapada de se evitar uma “relativização das teses conciliares”! O dedo de João Paulo II em riste, ao padre poeta, místico e ministro Cardenal no primeiro governo de Ortega, estava longe de ser um gesto indelicado de um chefe de Estado estrangeiro! A Igreja de Roma alcançou nos anos oitenta no contexto do final da Guerra Fria, um poder moral que aparentemente tinha perdido. Voltou-se sobre si mesma e se empoderou junto às Igrejas Particulares e movimentos populares e sociais que tinham conquistado o seu espaço à luz do Concílio. Não foram poucos os que escreveram na época, sobre o caráter ambíguo das viagens papais! Confirmar as Igrejas ou interferir nelas?!

Vinte anos depois de terminado o Concílio, João Paulo II lançou a ideia da necessidade de reformular a evangelização, a partir “da Palavra, no Espírito”. Dando continuidade a essa percepção, o Papa Bento XVI, esforçou-se por levar adiante esse projeto. 

De fato, no fim dos anos setenta, em Roma sentia-se fortemente a necessidade de encontrar novos rumos, que unificassem em profundidade a ação de toda a Igreja. Havia sérias desconfianças ao que estava surgindo principalmente na América Latina.  Foi claro em João Paulo um evidente mal-estar em relação às novidades teológicas e pastorais surgidas no pós-concílio; pode estar aqui a génesis do que foi apelidado mais tarde, de “volta à antiga disciplina”.

Embora Paulo VI já o tenha usado em sua exortação apostólica de 1975, Evangelii nuntiandi, o papa polonês menciona o termo Nova Evangelização a primeira vez, na visita inicial à sua terra natal, em 1979 e o universaliza, por assim dizer, no discurso pronunciado na assembleia do CELAM, em Porto-Príncipe, em 1983. Não que tivesse uma ideia exata do que significava essa “nova evangelização”.  Era uma direção a ser seguida pela Igreja.   Um rumo, para dar “novo impulso à missão evangelizadora”, segundo os critérios exclusivos de Roma! “Um novo ardor, novos métodos e novas experiências”! Esta Nova Evangelização mereceu em 2012 um Sínodo dos Bispos para explicar seu verdadeiro conteúdo e finalidade. Bem na linha do Catecismo da Igreja Católica, determinado pela Assembleia Extraordinária do Sínodo de 1985. É difícil não pensarmos que por trás da fundamentação teológica da Nova Evangelização não houvessem resquícios de proselitismo e de apologética. 

A Evangelização 2000 projeto idealizado pelo Padre Tom Forrest em 1984, e plenamente endossado por João Paulo II, foi “unificando” os métodos e as formas de ser Igreja em torno de “uma enorme pescaria”, denotando claramente preocupação com o número de católicos afastados. 

No entanto, entre os anos 2000 e 2010 o IBGE apontou um crescimento de 61,45% dos evangélicos no Brasil! Noves fora nada, foram projetos como este, que ajudaram a proliferar Meios de Comunicação Católicos voltados para a comunicação em massa, sem nenhuma preocupação de formar cristãos maduros na fé, interativos com a sociedade com base na Doutrina Social da Igreja.  Praticamente todos, sem exceção, procuram-se equilibrar entre o poder central da Igreja e os patrocinadores (muitas vezes os governos de plantão). Nestas condições, o profetismo de inspiração vetero-testamentário e do próprio Jesus saiu de cena.

O Pentecostalismo modelo americano penetrou com toda a força na sociedade brasileira. E isso ocorreu concomitantemente com o encolhimento das CEBS levado a cabo, por um desinteresse efetivo das elites católicas e surgimento de movimentos de massa com metodologia e mística, escancaradamente opostos! Como nos diz o sociólogo Ricardo Mariano, “com exceção das denominações que priorizam o evangelismo de massas e realizam cultos em grandes catedrais (...), as igrejas pentecostais tendem a formar comunidades religiosas relativamente estáveis e pequenas. Isto é, elas são compostas por congregações e pequenos templos em que todos se conhecem, residem no mesmo bairro e compartilham coletivamente crenças, saberes, práticas, emoções, valores, os mesmos modos e estilos de vida, moralidade e posição de classe. (...) São laços gerados por meio do contato pessoal, de relações face a face, estabelecidas em frequentes e sistemáticas reuniões coletivas realizadas semanalmente, ano após ano. Eles tendem, assim, a formar relações fraternais de amizade, de confiança mútua e também de solidariedade com os ‘irmãos necessitados’! IHU online).  Ora, isso já conhecíamos nós em nossas opções dos anos 60! A nossa Igreja se afastava, para abrir alas aos “concorrentes”!

Volta a nos lembrar o Ricardo Mariano: “O avanço pentecostal no Brasil contribuiu para intensificar o declínio numérico da Igreja Católica e da Umbanda e para "pentecostalizar" parte do protestantismo histórico e do próprio catolicismo. O chamado "avanço das seitas" pentecostais, nos termos do papa João Paulo II, e a formação do pluralismo religioso levaram a religião hegemônica a rever sua prédica e suas estratégias institucionais e a reavaliar sua relação com as demais religiões presentes em solo nacional, em detrimento do ecumenismo”! A Igreja Católica mudou. E se mudou, mudaram também os métodos de ação e a preparação de novos agentes para esse “novo modelo”! Contudo, por incrível que pareça e é um fenómeno que revela uma certa esquizofrenia, a nível de documentos da CNBB; até aos dias de hoje, as linhas de ação evangelizadora correspondem ao Vaticano II, a Medellin, a Puebla e nomeadamente a Aparecida!

Poderá estar a Igreja Católica vivendo uma situação semelhante à que vitimou um avião da TAM em 2007? Com uma turbina girando para frente e outra para trás, o JJ 3054 se desgovernou: guinou à esquerda no último terço da pista, deslizou sobre o gramado, avançou contra um muro, cruzou a avenida Washington Luís e se chocou a uma velocidade de 178 quilômetros por hora contra um posto de gasolina e o prédio da TAM Express.

Todos as 187 pessoas a bordo morreram, além de 12 outras em solo. Uma turbina freava e a outra acelerava!

Exagerei, claro. Mas os nossos Seminários, praticamente sem exceção, estão formando jovens para uma Igreja que não existe mais. Então nos perguntamos: é esquizofrenia, ou projeto de recriar com eles, a Igreja que ficou pelo retrovisor?! Temos motivos para vivermos preocupados sim!  Mas existem outras perguntas. Como será uma Igreja em pleno século XXI sem a dimensão profética e se ausentando dos grandes debates, seja pela má formação dos seus quadros, ou quiçá por um alheamento voluntário dos mesmos! Francisco tem cumprido o seu papel como ninguém esperava, após João Paulo e Bento. Mas ele tem recebido o que vem sendo chamado de “oposição híbrida”! Os aplausos pela frente dão lugar a críticas amargas pelas costas! O esvaziamento do profetismo aliado ao negacinismo e tendências de engrossar grupos de extrema direita, é fatal para a Igreja de Jesus Cristo. Óbvio que o Espírito Santo dará um jeito... Mas esse é outro assunto!

Por enquanto fico com as palavras de Halik: Uma das manifestações do triunfalismo é o clericalismo: aqueles que estavam destinados ao humilde serviço da comunidade tornam-se uma "classe dominante", um governo sagrado (hierarquia) que reivindica o monopólio da verdade”! O profetismo que embalou os nossos sonhos e que me tirou de meu país aos 25 anos, pode estar dando lugar a um triunfalismo modelo dom Quixote! Sem inimigos reais, sem dinheiro, sem poder! E se observarmos a origem dos nossos vocacionados, veremos um círculo vicioso e pernicioso: Comunidades “especiais” que geram padres para reforçar esse modelo! A estes, a nossa visão de Igreja e Ministério diz cada vez menos e nos associam a uma esquerda que deve ser extirpada da “Igreja de Cristo”!

Manuel Joaquim R. dos Santos

Londrina

Fev 22


Luiz Antônio Simas sobre o carnaval do Brasil: 'A luta e a festa são irmãs'

 https://www.brasildefato.com.br/2023/02/21/luiz-antonio-simas-sobre-o-carnaval-do-brasil-a-luta-e-a-festa-sao-irmas

A festa europeia trazida ao Brasil, com o passar dos anos e as transformações protagonizadas pelo povo daqui, transformou-se numa expressão tipicamente brasileira, viva, questionadora, de alegria e de luta. Assim como os rumos da história do país, o carnaval permanece em disputa, cabendo ao povo sua constante reinvenção, em busca de se apoderar da festa, das ruas de suas próprias cidades e dos seus direitos.

Essas são algumas das lições presentes na entrevista a seguir. Luiz Antônio Simas, historiador e escritor carioca que se dedica ao estudo das tradições ancestrais brasileiras, conversou com o Brasil de Fato – deu aula – sobre o carnaval brasileiro.

"Quando eu falo que o carnaval inventou o Brasil possível, é porque, para mim, o Brasil possível é o Brasil da diversidade, é o Brasil da solidariedade, é o Brasil da construção de sociabilidade, é o Brasil que contesta um modelo hétero-patriarcal, normativo, branco."

"E esse Brasil diverso, transgressor, inventor, contestador e plural é o Brasil que se manifesta no carnaval", afirmou o professor, autor de O Corpo Encantado das Ruas, Samba de Enredo: História e Arte (parceria com Alberto Mussa), Filosofias Africanas: uma introdução e Dicionário de História Social do Samba (em parceria com Nei Lopes), entre outros escritos.

Na entrevista, Simas trata da diferença entre antigo e ancestral, discute a mercantilização da festa nos grandes centros urbanos, e ensina: "o carnaval dá uma lição muito bonita, que a gente pode fazer política com poética e a gente pode fazer a poética com a política. A poética é a política podem andar juntas, elas não precisam andar dissociadas".

Leia a entrevista completa abaixo:

Brasil de Fato: Uma frase publicada por ti nas redes sociais chama atenção: "o carnaval, inventou o Brasil". Podes começar contando pra gente um pouco da tua percepção sobre a importância dessa festa, a importância do carnaval para a formação de uma identidade do povo brasileiro?

Luiz Antônio Simas: Quando eu falo que o carnaval inventou o Brasil é uma espécie de provocação, porque eu gosto de chamar atenção para o fato de que o Brasil foi projetado a partir de uma ideia de exclusão. A gente tem que encarar isso, não dá pra gente ficar em busca de discursos excessivamente afáveis, conciliatórios, quando a nossa história é fundamentada em projetos de colonialidade que são excludentes.

O Brasil exclui grande parte da população dos direitos básicos de cidadania. É um projeto concentrador de renda, aniquilador dos corpos não brancos. Isso é um projeto, é o projeto do Brasil.

Eu costumo comparar esse Brasil a uma espécie de muro, o Brasil oficial, mas gosto de dizer que, nas frestas desse muro, esses que foram subalternizados pela experiência histórica da exclusão e foram construindo sentidos de vida. O carnaval é um exemplo desse tipo de coisa, porque o carnaval chega ao Brasil como uma festa europeia trazida pela colonização portuguesa, mas no Brasil adquire características muito populares, sobretudo pelos cruzamentos entre a herança do carnaval português e as diversas africanidades, as musicalidades, as espiritualidades, as percepções de mundo.

O Brasil possível é aquele que o carnaval colocou para nós.

O carnaval, portanto, vai se africanizando e, consequentemente, se abrasileirando. Quando eu estudo a história do carnaval, mostro que houve uma disputa interna ferrenha. Num certo momento, sobretudo no pós-abolição, virada para o século 20, de um lado você tinha uma elite que queria defender um modelo de carnaval elitista, um modelo de carnaval de salão, e do outro lado estava o povo do Brasil que queria construir um modelo de carnaval ligado à sociabilidade das ruas.

Quando eu falo que o carnaval inventou o Brasil possível, é porque, para mim, o Brasil possível é o Brasil da diversidade, é o Brasil da solidariedade, é o Brasil da construção de sociabilidade, é o Brasil que contesta um modelo hétero-patriarcal, normativo, branco. E esse Brasil diverso, transgressor, inventor, contestador e plural é o Brasil que se manifesta no carnaval. Por isso é que eu digo que o Brasil possível é aquele que o carnaval colocou para nós. Nós não inventamos o carnaval, mas de certa maneira, o carnaval inventou esse Brasil possível, esse Brasil que almejamos dentro de uma perspectiva profundamente democrática.

Pensando nessa perspectiva popular sobre o carnaval, você acha que a festa desse ano tem um caráter diferente, considerando os anos de pandemia e também o contexto político atual?

Algumas pessoas têm a impressão equivocada de que o carnaval é uma festa sem importância, mas é importante lembrar que grande parte do Brasil odeia o carnaval. Esse Brasil que contesta a diversidade e a pluralidade não quer saber de carnaval nas ruas. Um dos maiores equívocos sobre o carnaval é considerá-lo uma festa de alienação. Na verdade, ao longo da história do Brasil, o carnaval foi uma festa altamente politizada. Já na década de 1880, trouxe a campanha abolicionista para as ruas, com as grandes sociedades do Rio de Janeiro desfilando e arrecadando dinheiro para fazer fundos de alforria. O mesmo aconteceu nos carnavais da década de 1980, que traziam a perspectiva da redemocratização após o ciclo autoritário da ditadura militar.

Então, acredito num carnaval de rua efusivo, em parte devido ao abrandamento da pandemia de covid-19. Apesar de a covid-19 ainda estar presente, temos um sistema vacinal mais eficiente. A maioria das pessoas que vão brincar carnaval está vacinada, e a extrema direita fascista que não gosta de carnaval provavelmente ficará em casa falando mal do Brasil ou fazendo retiros espirituais.

Acredito que o carnaval será efusivo, em um período muito difícil devido à pandemia e ao governo de Jair Bolsonaro, que marcaram experiências de morte e aniquilação. Esse governo é marcado pela ideia da morte, da aniquilação, da diferença, da mortalidade, e a pandemia só agravou essa situação.

Um dos maiores equívocos sobre o carnaval é considerá-lo uma festa de alienação.

Então, de certa maneira, acredito que o carnaval será uma celebração da vida, diante das circunstâncias que vivemos. Será um encontro com a vida, mais do que um reencontro com a rua. Afinal, sobrevivemos a quatro anos de Bolsonaro misturados com a pandemia, e isso é quase inacreditável. Como seres humanos, nos adaptamos a tudo.

Tu fizeste um retrospecto histórico sobre a intensa disputa entre uma elite que queria um carnaval de salão em detrimento do carnaval de rua. Hoje em dia, vemos um processo de mercantilização e domínio de marcas sobre o carnaval, com circuitos e partes inteiras das cidades dominadas por marcas de cerveja e, agora, também de remédios. Trata-se de uma ameaça à essência do carnaval?

Isso é algo que tem que ser encarado com extremíssima seriedade. Há dois fatores muito fortes que ameaçam o carnaval hoje em dia. O primeiro é o avanço do fundamentalismo religioso, com alguns setores pentecostais apontando para o carnaval com fanatismo religioso e satanização da festa. Aqui é importante não generalizar, porque há evangélicos que respeitam, gostam e brincam o carnaval.

A outra ameaça, que parece um paradoxo mas não é, é a captura do carnaval pela lógica da circulação do capital pura e simples. Embora o carnaval seja importante para a economia criativa, gerando renda e colocando comida na mesa de muitas pessoas, a domesticação da rua pelo mercado é um perigo, pois pode aniquilar a espontaneidade do carnaval de rua. Quando você transforma o carnaval num certo instrumento de propaganda de massa. Eu até falo em tom pouco jocoso, porque é como se você saísse da pedagogia de massas para a propaganda de massas, submetendo o carnaval à lógica de uma ordem pública atravessada pelos interesses do mercado. Não é só o carnaval que está ameaçado, é a própria maneira como encaramos a cidade e como encaramos a rua.

Leia também: Novo carnaval, velhos problemas: ambulantes reféns de monopólio cobram condições de trabalho

A maneira como encaramos o carnaval reflete a maneira como encaramos a rua e a cidade como um todo. É importante discutir que tipo de rua queremos, se é uma rua que proporciona encontros espontâneos ou uma rua adequada apenas à circulação de mercadorias, adequada a corpos precarizados, dentro de uma lógica cruel marcada pelo tempo do trabalho. Eu vejo isso com uma profunda preocupação ao mesmo tempo em que acredito no carnaval, e acho que o carnaval vai criando as suas brechas, com o surgimento de manifestações carnavalescas que vão reconstituindo o sentido mais espontâneo da festa.

O carnaval reflete a maneira como encaramos a rua e a cidade como um todo.

O carnaval é um jogo que está sendo jogado, mas é preocupante que as duas grandes ameaças ao carnaval de rua vêm do reacionarismo tacanho do fundamentalismo religioso e da captura fria da festa pela lógica exclusiva do mercado. É necessário reconstruir um sentido mais espontâneo da festa em meio a esse carnaval mercantilizado.

Pensando no carnaval de escolas de samba mesmo, no carnaval que pensa e produz o ano inteiro e leva enredos para avenida, às vezes em forma de protesto, em forma de homenagens a heróis e heroínas históricas; que dá vez para heróis do povo negro que às vezes não tem espaço na historiografia branca. Gostaria que tu aprofundasses um pouco essa análise sobre as escolas de samba como um local de construção de história, um lugar vivo nesse sentido.

Olha, primeiro é uma coisa que a gente tem que lembrar. As escolas de samba surgem no Rio de Janeiro, uma cidade preta, o maior porto de recepção de pessoas escravizadas que a gente tem na história do escravismo. E elas surgem como construtoras de sociabilidades, de redes de proteção social, das populações negras do Rio de Janeiro no pós-abolição.

O Rio de Janeiro é uma cidade negra. Ponto, isso é de uma evidência absoluta. E a cultura do Rio de Janeiro é marcada por essa evidência: a comida, as sonoridades, as espiritualidades, a maneira de praticar a rua. As escolas de samba surgem nessa circunstância e sua história é marcada por vários dilemas, evidentemente.

Eu diria que o pior momento para mim da história das escolas de samba foi, curiosamente, o momento em que elas tiveram a maior possibilidade de obter capital, dinheiro. É a segunda metade da década de 1990 e a primeira década dos anos 2000. Começou a haver um modelo de enredo pautado pelo patrocínio, pela marca.

Aqui é preciso explicar que durante muito tempo, por exigência de regulamento, as escolas de samba obrigatoriamente tinham que desfilar com temas de interesse nacional: história do Brasil, literatura brasileira... Salgueiro, em 1960, desfila com o Quilombo dos Palmares, antes do Quilombo dos Palmares estar em livro didático ele passou pela avenida.

Quando vem uma mudança nos anos 1990 que estabelece que não é mais obrigatório o enredo de interesse nacional, as escolas de samba são capturadas pela lógica da propaganda. Então você passa a ter enredos absurdos, patrocinados por marcas. Enredo patrocinado por companhia de aviação, marca de shampoo, iogurte, marca de camisinha. Estou falando sério, é literal, não estou inventando aqui: fornecedora de gás encanado, aconteceu de tudo.

Os sambas de enredo perderam muito a qualidade, porque se o enredo é uma porcaria, o samba provavelmente vai ser. E foi-se criando uma desconexão entre as escolas de samba e suas comunidades de origem e o campo simbólico em que elas atuam, que é o campo simbólico da cultura afro-brasileira.

Por incrível que pareça, veja que ironia, o que de certa maneira melhorou muito as escolas de samba nos últimos anos foi a crise. Porque, com a crise econômica, e o processo todo que marcou o golpe contra a presidenta Dilma, o Temer, a crise mundial também, né, a crise de commodities, o dinheiro começou a sumir. E quando o dinheiro desaparece, aquelas marcas também que tentaram capturar o carnaval através do patrocínio de enredos desapareceram. E aí você abre uma possibilidade muito mais ampla por uma renovação do caráter pedagógico do carnaval, com a criatividade dos carnavalescos.

A festa nunca foi no Brasil, de forma nenhuma, um componente dissociado à luta.

Hoje no Rio de Janeiro, você tem uma geração importante, e praticamente todos são meus amigos, então eu sei exatamente o que estou dizendo. São intelectuais, negros, jovens participando ativamente de escola de samba. Você tem um cara como o Vinícius Natal, que é um enredista da Grande Rio, que é um grande intelectual negro do Rio de Janeiro. Mauro Cordeiro, enredista da Beija-Flor; André Rodrigues, carnavalesco negro da Beija-Flor; João Vitor, carnavalesco negro da Paraíso do Tuiuti. Mulheres negras ocupam cada vez mais espaço, como a presidente da Mangueira, Guanayra Firmino, uma mulher negra do candomblé, do morro da Mangueira.

Então, isso dá um sopro de vivacidade para as escolas de samba, que é muito forte, e as escolas de samba hoje estão trabalhando numa dimensão de contranarrativas que eu acho interessantíssima. Fazendo aquilo que Walter Benjamin chamava de escovar a história a contrapelo. E carnavalizando! Mostrando que você pode fazer tudo isso carnavalizando, porque o recorte fundamental do carnaval é alegria, né? Não é porque o tema é um tema politizado que você vai transformar o desfile numa marcha de cavaleiros do Santo Sepulcro.

Você pode trazer a indignação com a festa. A festa nunca foi no Brasil, de forma nenhuma, um componente dissociado à luta. Não existe isso, né? Agora, a luta sem festa eu acho que se esvazia. E a festa sem luta também vira um mero evento, sobretudo num país como o nosso.

Então, eu costumo dizer que os desfiles de escola de samba são poéticos e políticos, né? Porque o carnaval dá uma lição muito bonita para gente, que a gente pode fazer política com poética e a gente pode fazer a poética com a política. A poética e a política podem andar juntas, elas não precisam andar dissociadas. Eu acho que é por aí. É interessantíssimo isso que vem acontecendo e é um sopro de renovação, inclusive de redefinição de protagonismo, isso é muito importante.

Você mencionou a palavra "renovação", e eu gostaria de trazê-la novamente para o debate, pensando em novas expressões artísticas e culturais, novos ritmos que têm ganhado protagonismo no carnaval e que são considerados novidades. O samba e outros ritmos históricos do carnaval não são os únicos a se consolidarem. Como tu observas essa chegada de novas expressões à festa?

Acredito que o carnaval é uma celebração dinâmica, que está em conexão com o que está acontecendo hoje em dia. Ele tem conexões importantes com as musicalidades das ruas, com ritmos como o rap e o hip-hop. Hoje em dia, temos blocos de carnaval tocando de tudo um pouco, e acho que isso faz parte da festa.

No entanto, precisamos lembrar que o carnaval é a festa da ancestralidade, e que há uma diferença entre algo antigo e algo ancestral. No nosso trabalho no Dicionário da história social do samba e no Filosofias Africanas, converso com o Nei Lopes sobre essa diferença.

O ancestral é algo que atravessa o tempo e sempre será contemporâneo, sempre falará com o presente. Portanto, é importante que o carnaval tenha a capacidade de conciliar o novo e o tradicional, pois é isso que lhe dá potência como festa. Não podemos ter um carnaval engessado que se mantenha como um bloco de 1912. Hoje temos outras demandas, protagonismos e dilemas. O carnaval repercute tudo isso.

Carnaval é a festa da ancestralidade.

O carnaval tem uma dupla face: ele é influenciado pelo contexto em que está inserido, mas também é um influenciador e criador de contextos. A festa está sempre flertando com tudo isso, mas nunca devemos esquecer a dimensão de ancestralidade que faz parte da sua essência. Essa dimensão é uma parte importante da festa e não pode ser esquecida, mas também não é absolutamente contraditória, alheia ou inimiga do grande folguedo de rua. A luta e a festa são irmãs.

Edição: Nicolau Soares


terça-feira, 21 de fevereiro de 2023

Já é carnaval! Prefeito de Aracaju


 Um artigo que ressalta o gosto do sergipano pelo carnaval em contraste com a insensibilidade do poder público e também lembra os momentos de uma baianidade que 'canibalizou', mais que 'baianizou' (a Bahia é coisa boa) o carnaval sergipano, desprezando inclusive nossos artistas. Mas os bloquinhos resistem e fazem a festa!    

A EXTREMA DIREITA CATÓLICA E A CAMPANHA DA FRATERNIDADE. NOTA




CONVITE
Nesta quarta feira (22\2) de cinzas as 19h. no instagram romerojunior4503 teremos uma live sobre: POR QUE A EXTREMA DIREITA CATÓLICA ATACA A CAMPANHA DA FRATERNIDADE SOBRE A FOME?

-------------------------------------------

A extrema direita católica assumiu nas redes sociais uma crítica virulenta e desonesta à Campanha da fraternidade de 2023 que tem como tema a fome. O que chamo no texto de extrema direita católica é uma espécie de “neotradicionalismo” advindo das influências de Marcel Lefebvre (1905-1991). Têm forte presença nas redes sociais e nas plataformas digitais. Organizam-se a partir de lives, cursos, palestras, divulgação e leituras de livros tradicionalistas internos ao catolicismo romano. São radicalmente contra as resoluções pastorais do Concílio Vaticano II dos anos 60; são terminantemente contrários as resoluções das conferências de Medellin (1968) e Puebla (1979) e sempre em oposição a CNBB no Brasil. Mesmo que não afirmem, são sempre “cismáticos” na linha de Lefebvre e estão em pé de guerra nas redes sociais contra o Papa Francisco, chegando a ponto de afirma o Papa é um “impostor”.

Grupos e youtubers da extrema direita católica brasileira estão em confronto aberto com a atual Campanha da Fraternidade e seu tema. Uma obviedade é a não-empatia com o tema. A fome não incomoda esse tipo de catolicismo tradicionalista de direita. Aplaudiram as armas de Bolsonaro, sua beligerância, seu extremismo e sua total ausência de política pública social de combate a fome. Defendem a “aporofobia” (corporificam um ódio ao pobre). Percebemos o quão intragável se torna para essa gente um tema como: “Fraternidade e Fome”. Está em curso uma campanha difamatória contra o tema da Campanha da Fraternidade. A difamação vem entres frentes: primeiro, nas citações bíblicas. A extrema direita afirma ter equívocos nas citações bíblicas e sua interpretação (como se a CNBB não contasse com biblistas na redação do texto base da Campanha). Nenhuma citação bíblica está fora de contexto ou manipulada para enganar os fiéis. No próprio lema já percebemos: “Dai-lhes vós mesmos de comer” – referência explicita a Jesus e sua missão e sem reduzir a ação cristã a um passe de mágica. Milagre não é magia. Qualquer teólogo\teóloga sérios sabem disto na ponta da língua e qualquer idiota de extrema direita nem sequer aprendeu esta obviedade hermenêutica.

Segundo, querem deslegitimar a Campanha afirmando 9sem provas) que os dados utilizados na parte do II do texto base são “falsos”. Todos os dados sobre a fome são amparados em dados estatísticos ou estudos encabeçados por pesquisadores no tema. Só conferir a bibliografia utilizada que vai de Josué de Castro ao Herbert de Souza e passando por órgãos como o IPEA. A extrema direita católica é negacionista e preguiçosa na conferência de dados. Uma pena. E comem o velho desaprendizado proposital. 

Terceiro e a crítica mais primária e conspiracionista. Afirma a extrema direita católica: a Campanha da Fraternidade deste ano vem com uma mensagem subliminar de temas da “teologia da libertação”. Típico dessa gente: acreditar que tudo diz respeito a “Teologia da Libertação” e “comunismo” (estava demorando surgir o termo). A CNBB rende-se ao ‘comunismo”. Aqui mistura-se desinformação com mal caratismo. Próprios da extrema direita católica e seus “arautos”.  Não temos dúvidas e a CNBB sabe bem disto que a “Teologia da Libertação” latino americana tem sua fundamentação teológica e uma base epistemológica sólida em seus argumentos. Milhares de livros produzidos sobre o assunto desde os anos 70 são a prova disto. A riqueza desta Teologia não pode ser reduzida ao filminho vagabundo de um tal de Bernardo Kuster (o palhacinho sem graça da extrema direita católica brasileira).

O texto base da Campanha da Fraternidade vem todo embasado em dados e interpretações sobre a realidade da fome no Brasil. Das páginas 14 a 23, temos as referências bíblico-teológicas da campanha. Como a Bíblia pode ser luz no tema da fome. E sem deixar de lado o magistério da Igreja: de Santo Ambrósio a São João Crisóstomo. Tomando como base a chamada “economia de Francisco e Clara”. A CNBB não deixou de citar as pastorais sociais e todo um trabalho histórico contra fome. Foram duas Campanhas da fraternidade com o tema da fome e do pão (191975 e 1985) antes da atual. Ainda temos referências da Josué de castro (pioneiro nos estudos sobre o fome no Brasil e no mundo), aos trabalhos do MST e sua luta por comida orgânica na mesa de todos e todas, a luta histórica por um programa estatal de segurança alimentar efetivo e o apoio a todas as organizações, independente de seu credo religioso ou não, que combatem a fome. O combate a fome e luta por comida na mesa não é privilégio religioso, mas um direito humano inalienável.

Mais uma vez a CNBB como órgão da Igreja católica romana no Brasil nos chama atenção para um tema fundamental e ao mesmo tempo nos indica o verdadeiro significado (teológico) da “Quaresma”. Cristãos ou não-cristãos somos todos chamados à luta contra a fome. De Dom Helder Câmara ao Pe. Julio Lancellotti e em nome de todos e todas que combateram e combatem a fome num país tão desigual e injusto como esse Brasil, somos convocados a uma profunda reflexão sobre a situação dos mais pobres na sua condição vulnerável de não ter o que comer. Em tempo.

Romero Venâncio (UFS)



Como chegar a Paróquia São Pedro Pescador . AQUI

Lei Aldir Blanc e Lei Paulo Gustavo como vaca profana, catapulta e ponto de apoio para a revolução cultural necessária.

" Dona de divinas tetas

Derrama o leite bom na minha cara

Vaca Profana - Caetano Veloso

Nestes tempos de guerra cultural da extrema direita, vale pensar as Leis Aldir Blanc (LAB) e Paulo Gustavo (LPG) como uma espécie de Catapulta, antiga máquina de guerra projetada para arremessar projéteis (pedras e outros objetos); normalmente utilizada nos cercos aos castelos e cidades muradas com o objetivo de danificar ou destruir grandes estruturas defensivas; manganela, onagro: as catapultas faziam parte da engenharia militar romana.



 Daí como decorrência, também se realizando de forma concomitante, a discussão e operacionalização do sistema nacional de cultura e a  criação e/ou ampliação de um vigoroso mercado interno de produção cultural  potentemente desconcentrador de conhecimentos, poder e renda, encontrando um caminho bem mais pavimentado para serem construídos e aprimorados a partir da LAB e da LPG, tanto a incorporação ativa de estados e municípios ao sistema nacional de cultura, como a citada criação e/ou ampliação de um vigoroso mercado de produção cultural nos municípios e nos estados, neste caso a partir da força indutora política e econômica do poder público,  incorporando a micro e a  pequena produção da cadeia produtiva cultural dos estados e municípios, incluindo os  grupos, coletivos e organizações culturais da sociedade civil.. 

Isso é só para lembrar a quem pensa a LAB e a LPG apenas como ponto de chegada. Entretanto estas duas leis são ponto de partida, mas não suficiente, porque sem outros mecanismos de fomento e patrocínio para a micro, pequena e média produção cultural na base, não há como alcançarmos o ponto de chegada, que é termos toda a criatividade e diversidade das culturas locais, a serviço do projeto de um Brasil mais justo, democrático, próspero, ambientalmente sustentável e tolerante. 

 E isso dependerá do aumento da responsabilidade cultural dos estados e municipios, às vezes bem pouca ou quase inexistente. Como indicadores fundamentais para  demonstrar quem está indo por esse caminho, a criação ou reformulação dos conselhos de politícas culturais existentes, a realização de um plano de cultura verdadeiramente participativo, e com  garantia de orçamento, considerando o curto, o médio e o longo prazo e finalmente a criação ou robustecimento orçamentário dos fundos de cultura dos estados e municipios.

Afinal, como disse Leonardo Boff *(...)diante da ofensiva conservadora em curso, é preciso travar, em primeiro lugar, uma batalha ideológica sobre que tipo de BRASIL QUEREMOS: “um Brasil como um agregado subalterno de um projeto imperial, ou um Brasil que tem condições de ter um projeto nacional sustentável próprio. Temos um grande embate a travar em torno dessa ideia.(...)"

Mas Zezito, você está reduzindo a questão cultural somente a questão ideológica? No,no, no, aqui lembrando a genial e saudosa Amy Winehouse.

Quem lè o que está escrito em minhas camisas e em meus posts, não percebe assim. Longe de mim reduzir a arte e a cultura, apenas a este aspecto, como fizeram e fazem atualmente os nazifascistas e os cristãos fundamentalistas, assim como fizeram stalinistas radicais em passado recente, estes se ainda existem devem pensar e fazer,  mesmo em seus guetos - censura, dirigismo, patrulhamento ideológico, cultura como aspecto secundário da luta de classes e etc., tipo Coréia do Norte.

Logo, voltando ao argumento principal que defendo nesse texto,  as pedras da nossa catapulta cultural pode jogar também a música clássica brasileira, a pintura, a poesia concreta, o filme experimental e etc... Não precisamos ficar limitados a arte engajada ou de protesto, assim como as culturas populares.

Pode ser isso tudo até junto e misturado, como o movimento armorial de Pernambuco, o hibidrismo da dança moderna com a dança de rua, o carnaval das escolas de samba como a grande ópera popular brasileira.

Outra imagem bem legal para concluir este nem tão pequeno artigo de opinião, trata-se do ponto de apoio para a alavanca de Arquimedes, esta analogia foi utilizada por Célio Turino no livro "Pontos de cultura: O Brasil de baixo para cima: 2010"


Célio Turino associou o alavanca de Arquimedes ao Programa Cultura Viva, o qual tem como base constitutiva os  Pontos de Cultura, assim,  como fazedor/realizador de cultura dê-me um apoio econômico, assim como técnico artistico-cultural e técnico-politico que moverei o Brasil em direção a uma sociedade mais democrática, mais solidária, com melhores oportunidades para a geração de emprego e óbviamente, mais criativa.

Nessa nova fase, nesse novo tempo,  esperamos que o aprendizado dos erros e acertos do Cultura Viva nos dois primeiros governos Lula e, principalmente nos dois governos da presidente Dilma, seja considerado, inclusive para dar o salto que não conseguiu fazer , em especial no campo da formação técnico-pedagógica e técnico politica. Aqui me refiro a aspectos cruciais da educação popular e do próprio conceito chave ou conceito mãe do programa, ação cultural de base comunitária.

Segundo a lenda, Arquimedes disse aos seus conterrâneos gregos "Dê-me uma alavanca que moverei o mundo". Arquimedes de Siracusa (287 a.C. – 212 a.C.) é considerado um dos maiores cientistas da Antiguidade.


segunda-feira, 20 de fevereiro de 2023

A OPERAÇÃO CAJUEIRO E A SUA MEMÓRIA MAIS VIVA EM MARCÉLIO BONFIM

Professor Dudu – 20 de fevereiro de 2023

Foi exatamente no dia 20 de fevereiro de 1976 que as forças armadas iniciaram em Sergipe uma tenebrosa perseguição aos comunistas que entrou para a história com o nome de Operação Cajueiro.

O objetivo era aniquilar o PCB – Partido Comunista Brasileiro em todo o território nacional que mesmo na clandestinidade continuava organizando setores da classe trabalhadora e por isso a operação contou com o comando nacional mais as forças de repressão da Bahia e Sergipe.

É fundamental que as vítimas da Operação Cajueiro que sofreram torturas nos porões do 28º Batalhão de Caçadores em Aracaju  mantenha a memória viva para evitar que a história se repita.

Nesse aspecto ninguém tem feito mais esse esforço do que Marcelio Bomfim que tem palestrado em escolas, universidades, espaços sindicais, no movimento popular e em qualquer lugar que seja convidado a falar sobre o tema.

Eu imagino o que se passou na cabeça dos ex-presos políticos sergipanos ao verem um acampamento em frente ao Quartel do Exército (28º BC) organizado por bolsonaristas que pediam intervenção militar após a eleição vencida por Lula.

Marcelio entrou para a luta política ainda muito jovem e um dos influenciadores foi Félix Mendes (artista plástico já falecido). Os dois se conheceram durante uma panfletagem em frente ao Colégio Estadual Tobias Barreto.

Após a prisão e torturas Marcelio deixou o Brasil por orientação da direção nacional do PCB e se exilou em Moscou ainda durante a Guerra Fria entre URSS e EUA.

O jovem Marcélio além de militante do PCB foi um dos fundadores do PT inclusive foi candidato a governador no início do partido e em seguida eleito duas vezes vereador de Aracaju pelo mesmo PT.

Um fato que merece registo foi durante o primeiro governo de Lula  e o debate sobre a instalação da comissão da verdade ganhava fôlego e os militares trataram de dar fim a documentos que servissem como prova das torturas e assassinatos promovidos por eles durante o regime ditatorial.

Durante uma matéria da TV Globo na Base Naval em Salvador sobre os arquivos da Ditadura Militar a  jornalista registrou uma pilha de documentos queimados nos arredores da base naval, porém o fogo não fez o serviço completo e eis que aparece uma foto de Marcelio Bonfim anexada a um dossiê.

Ele estava na mira da Ditadura mesmo depois de tanto tempo e de estar em pleno mandato de vereador.

Mesmo durante o carnaval não podemos deixar de lembrar de quem sofreu na pele literalmente para defender a liberdade.

Que as novas gerações procurem conhecer a história de gente como Marcélio Bonfim, Antônio José de Gois (Goisinho), Milton Coelho, Pedro Hilário, Antônio Bitencourt, Gervásio Santos, Wellington Mangueira, Edson Sales etc.

https://www.youtube.com/watch?v=pAT_U-IEyZw


Na foto Marcélio Bonfim e Lula no início do PT quando o metalúrgico tentava convencer Marcelio a colocar o nome como candidato a governador em Sergipe.


Parabéns a Marcélio Bonfim! Parabéns ao professor Romero Venâncio! Parabéns aos estudantes e professores das universidades que investem em pesquisas e estudos sobre a memória do golpe de 1964! Parabéns a mídia progressista que investe na memória em tela! Parabéns aos artistas que investem na memória em tela! Parabéns aos mandatos e administrações progressistas que investem na memória em tela, assim como os sindicatos! A luta de classes também acontece neste campo...

Zezito de Oliveira