quinta-feira, 30 de junho de 2022

Brilho da ciência e da cultura vai nos tirar da escuridão. Gilberto Gil na Folha de São Paulo

GILBERTO GIL

Folha de São Paulo, 25.06.2022

Desde pequeno, me interesso por ciência e tecnologia. Em Ituaçu, no interior da Bahia, onde passei a infância, acompanhava por revistas ilustradas e pelo rádio as revoluções tecnológicas do período, ao mesmo tempo que via meu pai médico e minha mãe professora primária se dedicarem a seus ofícios de cuidar e ensinar.

Não canalizei esse deslumbramento pela ciência a uma carreira profissional, como tantas crianças que, apaixonadas por robôs e viagens espaciais, se formam engenheiras, físicas ou matemáticas.

Acabei construindo uma trajetória na música, mas nunca deixei de me encantar com a capacidade humana de esquadrinhar os mistérios do universo e produzir discursos, imagens, teoremas e técnicas para compreender as dimensões da vida e do cosmos, do qual somos uma ínfima parte, se bem que imensamente curiosa e questionadora.

O ser humano é um ser de perguntas, mas também se empenha em criar sistemas que procuram respondê-las. Essa é a essência da ciência, mas também da cultura de um ponto de vista mais amplo.

Ciência e arte, embora distintas, se entrelaçam, penetram nessas frestas que o universo e a condição humana nos apresentam sob a forma de mistérios. São linguagens e sistemas que, movidos pelo fascínio do novo e pela ebulição do conhecimento, perseguem a busca por novos modos de imaginar o mundo, uma busca que se reveste de enorme sofisticação e especificidade na prática científica, mas que surge da matéria ordinária de que é feito nosso cotidiano.

A física quântica foi uma das descobertas que me atraíram enquanto observador dos fazeres e saberes científicos. Esse ramo da ciência, que inspirou meu disco "Quanta" (1997), é a busca de mais de um século por uma linguagem que dê conta do absurdo do mundo nas minúsculas escalas subatômicas, sem a qual é impossível entender a enormidade do cosmos.

As equações e a famosa metáfora do gato de Schrödinger, o problema da incerteza elaborado por Heisenberg e a longa disputa que se iniciou entre os gigantes Albert Einstein e Niels Bohr —debate que passa por modelos matemáticos divergentes até elaborações teológicas sobre os princípios de ordenação do universo— colocaram em jogo o equilíbrio entre a precisão das leis físicas clássicas e o abismo criativo da incerteza moderna.

Para mim, a obstinação dessas mentes científicas em pensar o impensável, teorizar sobre a vida das ondas-partículas em escalas abismalmente distintas daquelas dos objetos triviais, toca em desafios que são também a matéria-prima da arte, da cultura, da filosofia ocidental e oriental: inventar linguagens novas com base naquelas que já circulam, criar mundos distintos, mas que convivem com nossa vida corriqueira, imaginar outros mundos possíveis e novas maneiras de nomear esses mundos, transformar a vida dos sujeitos a partir de novas formas de dizer o universo.

Do mesmo modo, a ciência é parte da cultura, se por cultura entendemos não um conjunto de obras canonizadas segundo uma régua histórica de desigualdade, mas como uma constelação dinâmica na qual se inscrevem os atos criativos de um povo. E a tecnologia é o encontro da ciência com o terreno das práticas culturais as mais diversas, propiciando a transformação de como organizamos nossa rotina individual e nossa vida coletiva.

A computação quântica, atualmente em gestação, é filha rebelde dos sonhos impronunciáveis de Heisenberg sobre a lógica fundamental que constitui a matéria e uma enorme promessa de reviravolta de todos os aspectos da nossa vida coletiva —em boas ou más direções.

Essa busca por linguagens para expressar o novo ou de códigos para enformar o conhecido e o desconhecido são as questões de todo artista. Como músico, integrei uma geração e uma coletividade que se propôs pensar uma nova linguagem para a cultura brasileira que não fosse uma ruptura com a cultura popular ou erudita, mas que também abraçasse seletivamente novas influências e confluências do período.

A tropicália e todos os seus ramos e transposições posteriores são um capítulo primordial do entrechoque das culturas no Brasil. Foi a partir do encontro de ritmos africanos, instrumentos ocidentais, harmonias que circulavam nas Américas, instrumentos indígenas e estrangeiros, de saberes e sensibilidades que pudemos criar linguagens que expressassem um presente múltiplo e os futuros possíveis.

A ciência para o futuro exige esse tipo de encontro e de energia disruptiva. A história da ciência no Brasil ultrapassa as fronteiras das disciplinas e das instituições —ela se origina na etnociência dos povos indígenas, passa pelas observações astronômicas dos jesuítas, se difunde entre médicos e boticários, sangradores e curandeiros do Rio de Janeiro machadiano.

A ciência, à imagem do Brasil, é uma força em movimento que invade os mais diferentes corpos sociais e culturais, misturando raças, culturas e religiões. Sua institucionalização no século 20 foi certamente desigual, cerceada, com idas e vindas, mas ainda assim rebelde e brilhante.

De Oswaldo Cruz ao SUS, de Nise da Silveira ao ingresso de Davi Kopenawa na Academia Brasileira de Ciências, de César Lattes ao sequenciamento do genoma do coronavírus, a ciência se desenvolveu no território nacional, prosperou em centros de excelência e avançou a despeito de ataques e de sua desigualdade regional.

Ao tomar posse como ministro da Cultura, eu disse que "o Estado nunca esteve à altura do fazer de nosso povo, nos mais variados ramos da grande árvore da criação simbólica brasileira" —e isso também vale para a ciência.

O Estado, porém, mesmo se distante dessa mina preciosa de criatividade, sempre atuou como o indutor fundamental desse processo, por meio de políticas de ensino superior e de ciência e tecnologia, mas também em instituições como o SUS e o ICMBio.

Imaginar o futuro para o Brasil, e a partir do Brasil, é promover a urdidura entre as ciências mais avançadas e os saberes populares, entre a sensibilidade dos povos das florestas e a dos quilombos, entre os métodos dos cientistas sociais e a sabedoria das periferias, entre a ciência biomédica e o conhecimento que brota dos encontros no asfalto, na terra e na mata.

Somos um povo fundamentalmente sincrético, que sabe inventar o novo com base em tradições e signos a princípio contraditórios ou incongruentes, mas que em seu entrechoque permitem que surjam contribuições ao progresso mundial.

Nossas tradições indígenas, ribeirinhas, quilombolas e dos demais povos da floresta demonstram na prática a potência dos saberes populares em premeditar e complementar, no tecido de suas vidas, as descobertas das ciências que nos últimos anos mostraram a calamidade da emergência climática. No ativismo de indígenas e jovens periféricos hoje, a grande inteligência do povo brasileiro se encontra com a ciência mais avançada e com a urgente política climática global.

A cultura brasileira, cuja diversidade tem reconhecimento internacional, é o grande patrimônio do país, bem como nossos ecossistemas, que guardam em si a maior biodiversidade do mundo. E, no caso da Amazônia, é fundamental para qualquer possibilidade de imaginação de um futuro ao planeta.

Ao longo da pandemia, a adesão dos brasileiros à vacina foi um ato de resistência contra o negacionismo, uma prova de que os valores da ciência estão bem assimilados pela sociedade e sobrevivem aos ataques.

Se lembrarmos da auto-organização de comunidades periféricas brasileiras no começo da pandemia, que permitiu a milhares de famílias manter algum grau de isolamento, como prega a melhor ciência médica; se lembrarmos como, assim que as vacinas estavam disponíveis, o SUS foi capaz de rapidamente imunizar a população, podemos constatar que a ciência não precisa se mostrar alheia às vivências das pessoas, mesmo entre quem todo dia enfrenta as vulnerabilidades mais profundas.

Se, por um lado, com a pandemia a ciência se viu no centro do debate nacional, por outro, ela ultrapassa em muito a conjuntura: a ciência alimenta nossa sociedade das mais diferentes formas, é a força motriz de nosso futuro como humanidade.

A política científica tem que ser reconstruída e expandida. Ela deve ser maior que um ou dois ministérios, deve se organizar como um sistema cujos polos estejam mais interligados e com financiamento à altura do desafio de fazer avançar a ciência nacional.

É fundamental que pesquisadores disponham de recursos para tocar seus projetos, elaborar novas perguntas, engajar jovens cientistas em processo de formação, contratar pesquisadores que sejam valorizados com bolsas que lhes permitam total dedicação a seus projetos.

Uma política científica, assim como uma política cultural que reconheça o território e suas gentes, tem de apostar na capacidade de fazer florescer a inteligência local e na potencialização de redes transnacionais.

Quando ministro, tive a honra e o desafio de participar do processo de construção de uma rede de pontos de cultura que foram espalhados pelo país. Imagino que algo parecido poderia ser também aplicado à ciência e à tecnologia, com a disseminação, pelo território físico e pelos espaços virtuais, de pontos de dinamização do conhecimento local, de encontros improváveis, e de liberação das energias sociais hoje em grande medida represadas.

O momento de hiperbólica oclusão política que vivemos é um capítulo da longa história de tensão entre as forças retrógradas que negam nosso potencial como nação e as forças criativas que teimam em continuar existindo.

Precisamos superar essa tensão e pôr a cultura e a ciência no coração de um projeto de país. E isso não é apenas uma missão de políticas públicas: é um dos vetores urgentes de reinvenção do Brasil frente aos desafios climáticos, econômicos, sociais e humanos.

A responsabilidade pública pelo fomento da ciência é parte do projeto civilizatório não só para garantir um futuro ao Brasil, mas à humanidade, já que sem o Brasil é quase impossível que haja o humano. Promover e disseminar a ciência é um projeto cultural que aposta no melhor do humano.

No texto-manifesto do disco "Realce" (1979), eu disse que a ciência a serviço do país e de sua gente é "uma maneira de dizer a luz geral. Denominar o brilho anônimo, como um salário-mínimo de cintilância a que todos tivessem direito".

Esse brilho anônimo é mais intenso que os raios de Marie Curie e a luz funesta de todas as bombas atômicas: ele é o brilho da ciência e da cultura que nos ajuda a sair da noite escura.

Gilberto Gil

Cantor, compositor e ex-ministro da Cultura (2003-2008, governo Lula)

GILBERTO GIL - Realce [Clipe Oficial] #EmCasaComOsGil

https://www.youtube.com/watch?v=ou7SjXTjPXs






quarta-feira, 29 de junho de 2022

#diarioculturamilgrau 02 Notas ou notinhas para chamar a atenção sobre o que interessa, ou o que é prioridade, em se tratando de arte e cultura.


Ouvindo os maravilhosos álbuns do saudoso Dominguinhos via youtube e lembrando, quanta informação se perdeu pela falta de grana "questão de visão e prioridade", para o registro , guarda/conservação e difusão das palestras e debates no Fórum do Forró. O que a FUNCAJU pode fazer para recuperar o que foi armazenado e transformar em livros e audiovisual, com acesso livre e universal?

A FUNCAJU fez muito bem isso, com a transmissão do Fórum do Forró neste ano de 2022. O que é facilitado pelas possibilidades oferecidas pela cultura digital e pela visão da gestão com relação a este aspecto.

O mesmo vale para o Encontro Cultural de Laranjeiras, que até produziu livros com a transcrição das palestras e debates. Isso durante algumas edições do Encontro Cultural.. Mas isso tem um bom tempo.

Lembremo-nos disso quem for falar ou escrever sobre Sergipanidade ou Brasilidade. #culturamilgrau

domingo, 19 de junho de 2022 #diarioculturamilgrau 01

terça-feira, 28 de junho de 2022

NÃO VAMOS NOS LIVRAR DO BOLSONARISMO TÃO CEDO

  https://www.youtube.com/watch?v=qu5B4LuUsQE

O Bolsonarismo será vitorioso mesmo se perder eleição. É o que afirma Marcos Nobre, autor de 'Limites da Democracia'. E pior: se conseguir voltar ao poder em 2026, a extrema direita terá todas as condições para consolidar seu projeto autoritário.



Marcos Nobre é um dos raros pensadores brasileiros que faz jus à alcunha de intelectual público. Sua trajetória acadêmica irretocável caminha de par com uma disposição única para pensar o presente. Nobre faz, a quente, diagnósticos de época complexos e reveladores. Não por acaso, tornou-se nos últimos anos um dos intérpretes mais presentes no debate público brasileiro.

Limites da democracia radiografa os últimos dez anos da vida política nacional. Do abalo sísmico provocado pelas manifestações de junho de 2013, passando pela operação Lava Jato, o impeachment de Dilma Rousseff e a eleição de Bolsonaro, o período é visto à luz das particularidades do sistema político.

Em livro publicado em 2013, Imobilismo em movimento, Nobre olhava para a política brasileira desde a redemocratização à luz do que chamou de “pemedebismo” – o travamento do sistema decorrente da necessidade de formação de supermaiorias no Congresso. Agora, ele dá continuidade à reflexão, vendo no governo Bolsonaro e sua relação com o centrão a forma-limite – e por isso também a crise – do pemedebismo.
Nobre condensa sua volumosa reflexão política dos últimos anos e dialoga com uma vasta bibliografia sobre o mundo digital. Na contramão de parte expressiva dos comentadores políticos, para os quais as “instituições estão funcionando”, este livro acena com um sonoro “não”. “O campo democrático continua jogando amarelinha eleitoral enquanto Bolsonaro monta o octógono de MMA do golpe”, adverte o autor.
Num sofisticado esquema interpretativo, a ascensão das “novas direitas” e o advento dos partidos e movimentos digitais, desconectados do aparato burocrático das agremiações tradicionais, se contrapõem à ressurgência inesperada da centro-esquerda lulista.
O estrago, contudo, já está feito. O futuro não depende apenas do cenário eleitoral: as forças de extrema direita representadas por Jair Bolsonaro vieram para ficar. “Perdendo ou ganhando a eleição em 2022, o bolsonarismo já ganhou. Derrotá-lo será tarefa para muitos anos.”
Marcos Nobre é professor do Departamento de Filosofia da Unicamp e presidente do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento – Cebrap. É autor de Lukács e os limites da reificação, A dialética negativa de Theodor W. Adorno e A teoria crítica, entre outros livros. Pela Todavia, publicou Como nasce o novo (2018).

+ Seis importantes livros para se compreender o governo bolsonaro, essa extrema direita e seu projeto de poder num brasil apequenado, sem rumo e destruído... O sentimento que ficamos é que a coisa é muito grave...
Prof.º Romero Venâncio


Sobre o primeiro livro acima:






segunda-feira, 27 de junho de 2022

Pandemia, bem-estar e cultura. Artigo de Danilo Santos de Miranda (SESC_SP)


 

Cinema brasileiro comemora retorno de editais, mas ainda teme "filtros" e indecisões da Ancine

BRASIL NA TELA

https://www.youtube.com/watch?v=BPe1yR4_6Gc&t=6s



Produtores audiovisuais comentam a longa crise vivida pelo setor sob Bolsonaro e a presença, sem freios, dos streamings

Alex Mirkhan

Brasília (DF) | 25 de Junho de 2022 às 10:11

https://www.brasildefato.com.br/2022/06/25/cinema-brasileiro-comemora-retorno-de-editais-mas-ainda-teme-filtros-e-indecisoes-da-ancine

"A Vida Invisível", dirigido por Karim Aïnouz, venceu mostra Um Certo Olhar no Festival de Cannes em 2019 - Bruno Machado/ IMS

O cinema brasileiro vive um momento de suspense. Ainda pairam sobre ele as sombras dos efeitos da pandemia, da várias ofensivas contra a Ancine (Agência Nacional do Cinema) pelo governo de Jair Bolsonaro (PL) e da longa paralisação de recursos gerada após um imbróglio judicial. 

Produtores audiovisuais e trabalhadores do setor reconhecem uma melhora nos últimos meses, seguida do retorno do público às salas de cinema e da volta de editais de fomento publicados pela Ancine. Mas o clima ainda é de apreensão, desconfiança e incerteza para uma indústria que, em 2019, adicionou R$ 27,5 bilhões ao PIB brasileiro, de acordo com levantamento da própria agência.

Uma postura justificada por rupturas em políticas públicas, patrocínios estatais e “pela própria visão de mundo” que remontam à presidência de Michel Temer e à ascensão da extrema-direita de Bolsonaro. Mesmo para os 9 novos editais publicados desde dezembro de 2021, há temor de patrulhamento ideológico e sobre o ritmo de aprovação e de liberação de verbas.

Questionada, a Ancine justifica parte da interrupção da aplicação de recursos do Fundo do Setor Audiovisual (FSA) à uma investigação conduzida pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Mesmo assim, alega que “não houve descontinuidade” na análise e liberação de recursos de editais anteriores e que os investimentos liberados desde 2021 já correspondem a R$ 873,2 milhões.

Segundo Camilo Cavalcanti, produtor executivo de sucessos de público e crítica, como A Vida Invisível, há de se considerar o gargalo criado nos últimos anos. Ele menciona um edital aberto para novos realizadores - criadores de até um longa-metragem - que contou com um número massivo de inscrições. “Existe uma efervescência enorme na produção audiovisual brasileira, mas é impossível que o fundo setorial dê conta de 700 propostas”, avalia. 

A crise do cinema nacional também se reflete em resultados de bilheteria, que nos últimos levantamentos foram dominados pelas produções estrangeiras, e também pelo desempenho internacional. Cavalcanti compara a fraca participação brasileira deste ano do prestigiado festival de Cannes, na França, quando nenhum filme nacional foi selecionado, com outras edições. “Quando eu fui em 2019 com A Vida Invisível, também tinha Bacurau e vários outros filmes em várias outras mostras diferentes”, lembra.

Ainda em 2019, último ano antes da pandemia, foram lançados 153 longas-metragens brasileiros, muitos deles bastante exibidos nas 3.496 salas de cinema abertas à época. Em 2021, após a reabertura, o país havia perdido quase 250 salas segundo a Ancine. Enquanto o mercado se desaquecia por esse lado; por outro, assistia à explosão dos serviços de streaming.

E foram os grandes serviços de vídeo sob demanda e canais de TV por assinatura que garantiram certa produtividade dos trabalhadores do setor audiovisual nos últimos anos. É o que aponta Thiago Iacocca, produtor e pesquisador documental de obras como Democracia em Vertigem. 

“Em 2020, primeiro ano da pandemia, tudo parou e tivemos que ir nos reinventando. As produtoras pequenas foram para o buraco. Como ela iria produzir ainda com todos os protocolos sanitários? Quem tinha produtora média viu ela se tornar pequena, então naturalmente a coisa se encaminhou para produtoras grandes trabalhando com streamings, porque vem o dinheiro direto lá”, analisa.

 Falta de regulamentação pode desequilibrar o mercado

Muitas séries e alguns filmes nacionais foram produzidos nesse período, também como reflexo da Lei 12.485, de 2011. A legislação voltada para TV por assinatura obriga os canais estrangeiros e nacionais a exibirem 3,5 horas por semana de obras audiovisuais brasileiras. 

Uma herança da “política positiva” da Ancine em gestões passadas para o estímulo do setor audiovisual brasileiro, na avaliação de Marcelo Ikeda. Ele é professor de cinema na Universidade Federal do Ceará (UFC) e autor do livro Utopia da Autossustentabilidade: Impasses, desafios e conquistas da Ancine, lançado no ano passado.

Ikeda reconhece que a abertura do novo e pujante mercado dos streamings precisa ser ocupado pelos produtos brasileiros, mas que a falta de regulamentação pode ameaçar os direitos dos criadores e desequilibrar o próprio mercado. “Hoje as plataformas de streaming não têm nenhuma regulação, não tem qualquer obrigatoriedade, inclusive pagam menos impostos que a TV por assinatura. Isso cria uma assimetria muito grande”, opina.

Propostas de um novo marco regulatório do streaming estão sendo debatidas no Congresso Nacional, enquanto o Ministério das Comunicações e a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) entram no debate propondo uma atualização da lei que rege as TVs por assinatura. 

Segundo o deputado federal Paulo Pimenta (PT-SP), autor de uma das propostas, a falta de regulamentação pode render prejuízos de R$ 3,7 bilhões em tributos que não serão pagos, além de não haver uma quota de conteúdo nacional nos serviços de streaming. Dentre os modelos considerados está o francês que reserva de 20 a 25% nas plataformas para os produtos nacionais.

“Então tem uma explosão que a gente não sabe até que ponto será uma bolha. Vários estudos apontam para uma fragilidade desse modelo como se desenha hoje sem regulamentações. As próprias empresas de streaming já passaram por reformulações, a Netflix fechou alguns setores”, exemplifica Cavalcanti.

 Mudanças na gestão e na mentalidade da Ancine

Se a própria maneira de consumir cinema mudou após a covid-19, há de se levar em conta os cortes de patrocínios que as produções nacionais vêm sofrendo desde 2019. Empresas  públicas como a Petrobras e o BNDES, além da Vale e da Eletrobras que foram privatizadas, contribuíram para os “anos dourados” da sétima arte no país, como classifica Ikeda. 

Segundo ele, esse processo ocorreu por decisões que atendem a interesses de acionistas e de parcela da opinião pública, cuja visão teria sido distorcida por campanhas contra a corrupção envolvendo especialmente a Petrobras. O pesquisador compara “a nova lógica liberal” com as políticas adotadas, especialmente, a partir do segundo mandato de Lula na presidência e exalta a longeva gestão de Manoel Rangel à frente da Ancine, que durou de 2006 a 2017.

“Nesse período,  o cinema não só cresceu em número de filmes e séries produzidos, ele também se diversificou e rompeu os limites do eixo Rio-São Paulo. O Brasil inteiro passou a fazer cinema, no Nordeste, no sul, no norte, abrindo caminho para outros sotaques e visões de mundo”, exalta.

O período também foi marcado pela combinação de recursos federais com leis de incentivo regionais, que possibilitaram a emergência de novos pólos de cinema. Ikeda lembra do caso da Paraíba, “um estado pequeno na economia, mas com um cinema muito fértil”, e que conseguiu emplacar uma série de longa-metragens, sendo um deles, A Noite Amarela, de Ramon Porto Mota, exibido no importante festival de Roterdã, na Holanda. 

Thiago Iacocca e Camilo Cavalcanti, que viveram esse momento de auge das produções, também defendem que a evolução também foi estética e de linguagem. Por isso, defendem formas de investimento estatal, assim como ocorre em países reconhecidos pelas altas produtividade e qualidade de suas obras.

“Você acha que o cinema francês é bancado por quem? Os próprios EUA têm linhas de incentivo para defender a produção, isso é algo básico”, questiona Iacocca. De forma mais ampla, ele também enxerga preconceitos e a “vilanização” de quem produz arte e cultura no país, e que passaram a ter medo e receio de apresentar novos projetos que toquem nas feridas abertas da sociedade.

“Em um mundo onde a cultura é vista com tantos maus olhos, o cinema foi o primeiro a parar e o último a voltar. Como se fosse uma coisa desimportante, sendo que a cultura é a nossa essência. O povo precisa de cultura para viver, se identificar e para se relacionar com o mundo”, define.

Outro lado

Questionada sobre a paralisação de investimentos até dezembro passado, a Ancine argumentou que houve “um descompasso financeiro na gestão” da entidade em 2020, causado pelo “lançamento de editais para além das disponibilidades financeiras do Fundo Setorial do Audiovisual”. Em 2018, o fundo havia gasto mais do que o previsto na Lei Orçamentária Anual (LOA).

Ainda segundo a Ancine, “uma série de medidas” foram adotadas e que a capacidade operacional da agência foi restabelecida antes do lançamento dos editais a partir de dezembro passado. 

Durante esse período de regularização, a Ancine também alega que não houve “descontinuidade ou desinvestimento” e que “recursos  foram sendo liberados de acordo com o fluxo de seleções e análises, conforme as regras de editais anteriores”.

A Ancine também afirmou à reportagem que está cumprindo os cronogramas estabelecidos, que os três primeiros editais do FSA lançados para investimento em produção de obras cinematográficas “já estão na etapa de habilitação”, quando é avaliada a adesão das propostas às regras das chamadas.

Finalmente, também alega estar preparada, após passar por reestruturação interna em suas áreas para o lançamento dos novos editais. “Além disso, ao contrário de lançamentos dos anos anteriores, e devido aos ajustes de gestão, os recursos do FSA estão efetivamente disponibilizados para os investimentos, dando estabilidade e segurança às ações de desenvolvimento do setor”, afirma a agência. 

 Edição: Rodrigo Durão Coelho





“Volta do ministério da Cultura é ponto de partida para próxima gestão”, diz cientista político

 Rafael Moreira fala de seu livro que discute a cultura após a extinção do MinC por Bolsonaro

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
 
Extinção do MinC gerou uma série de protestos em 2019 no país - Elen Carvalho/Brasil de Fato

Desde março em 1985, quando foi criado, até os seus 33 anos de existência, em 2019, o ministério da Cultura (MinC) viveu anos em que tentava se equilibrar entre a luta por orçamento, a tentativa de se afirmar como pasta de relevância para a administração nacional e as dificuldades políticas que, em um momento ou outro, se acentuavam e ameaçavam as políticas do setor. 

Mas foi no governo Bolsonaro, precisamente no mês de janeiro do primeiro ano de comando do ex-capitão, que o MinC viveu seu pior terror, ao ser formalmente extinto como pasta para se tornar uma secretaria. A medida, oficializada em despacho do presidente da República que marcou sua primeira reforma ministerial, rebaixou o ministério a um status que o levou ao centro de uma das principais polêmicas daquele momento.

“A partir de quando você rebaixa uma determinada área da condição de ministério para de secretaria, sinaliza que ela passa a ter menos importância na definição de políticas públicas e que também vai passar necessariamente a contar com uma parte menor do orçamento”, resume o cientista político Rafael Moreira, que recentemente publicou o livro O Fim do Ministério da Cultura: Reflexões sobre as Políticas Culturais na Era Pós-MinC, em parceria com o jornalista Lincoln Spada.

Em conversa com o Brasil de Fato, Moreira refletiu sobre os efeitos do desmonte e destacou, entre outras coisas, que vê a recriação do MinC como “ponto de partida” para o futuro governo federal, “quem quer que seja” o presidente da República. Confirma a seguir a entrevista na íntegra.

Brasil de Fato: Em janeiro 2019, o Ministério da Cultura perdeu o status de ministério e foi convertido em secretaria especial de Cultura, inclusive vinculada agora ao ministério do Turismo. Em que medida isso mudou o papel da pasta?

Rafael Moreira: A partir do momento em que você rebaixa uma determinada área da condição de ministério para a de secretaria, você sinaliza para as pessoas do país em geral que aquela área passa a ter menos importância na definição de políticas públicas e que também vai passar necessariamente a contar com uma parte menor do orçamento.

A pessoa que vai ficar à frente daquela pasta tem menor poder de barganha internamente na hora de definir os rumos do orçamento do país. Isso se desdobra nos outros órgãos ligados ao Ministério da Cultura.

É importante lembrar que o MinC não era só um ministério. Ele já tinha toda a sua estrutura, suas políticas públicas que vinham sendo tocadas há anos. Também estava ligada ao ministério uma série de órgãos e secretarias, que também passam por esse processo de desmonte. Então, só para citar alguns, você tem o Iphan [Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional], tem o Ibram [Instituto Brasileiro de Museus], tem a Fundação Cultural Palmares.  

Essa mudança de estrutura organizacional e política contradiz os preceitos constitucionais? A Constituição diz que o Estado deve garantir a todos não só o acesso às fontes da cultura nacional, mas também deve apoiar e incentivar a valorização e a difusão das manifestações culturais...  

Sim. A questão da cultura está definida na Constituição como um direito das pessoas. Isso, inclusive, se consolida a partir da própria Constituição de 1988. Vale lembrar que o MinC foi criado a partir da transição democrática.

O país atravessava uma ditadura que já durava 21 anos e, como parte dos acordos da aliança democrática que deu início aos governos eleitos a partir de então, ainda que o primeiro tenha sido eleito de forma indireta por um colégio eleitoral [de Tancredo Neves, que faleceu antes de assumir e a consequente gestão de José Sarney] consolidou-se a ideia de que deveria ser criado um ministério onde se pudesse congregar todas as políticas públicas culturais do país.

A gente já tinha algumas experiências locais e estaduais, de Secretaria de Cultura, mas até então não existia um ministério que pudesse congregar todas as políticas publicas e também, de certa forma, dar representação aos artistas. A gente teve ali figuras importantíssimas que passaram pelo ministério.

Acho importante pontuar isso. Francisco Weffort, Celso Furtado, Juca Ferreira e Gilberto Gil, o mais lembrado, são pessoas que, além de representarem os anseios dos artistas, dos fazedores de cultura do nosso país, procuraram levar adiante políticas que justamente dessem voz ou canalizassem essa previsão constitucional de que cultura é um direito de todos.


Presidente Jair Bolsonaro [à esq.] ao lado do polêmico ex-secretário especial de Cultura Mário Frias / Reprodução/Twitter

Então, a partir do momento em que você rebaixa um ministério a uma condição de secretaria, você está sinalizando pro país que aquilo que está previsto na sua própria Constituição, a partir de então, passa a ter menos importância para aquele determinado governo.

A cultura, então, quando assume essa forma institucional mais robusta, como é o caso de um ministério, tem mais força para alavancar esse movimento, esse incentivo que a Constituição exige que o Estado dê à área?

Exatamente. Ela passa a ter mais força porque, a partir do ministério, você passa a ter uma estrutura em que você vai contar com servidores públicos que são diretamente ligados a esse setor e também com os artistas, que, de certa forma, vão começar a participar do processo de elaboração de políticas públicas ligadas àquele setor em específico, e é por meio de um ministério que você consegue consolidar essas políticas, consegue fazer com que elas passem a ter uma certa continuidade, independentemente de alternância de governo, de alternância de poder entre diferentes partidos, etc.

A gente tem uma série de políticas, como a própria Lei Rounet – que é sempre uma das mais lembradas –, que foram implementadas lá atrás e que, obviamente, passam por um processo de aperfeiçoamento, independentemente do governo que esteja no poder, mas que se consolidam, que reconhecem a importância você ter políticas tais como a Lei Rounet, mas também como várias outras.

Temos os pontos de cultura, as praças das artes, enfim, uma série de políticas culturais que acabam se consolidando a partir da existência de um ministério.

Aproveitando que você falou da Lei Rouanet, a gente vive hoje uma grande controvérsia em relação a essa política pública, que foi criada já há algum tempo e hoje parece ser alvo de uma espécie de campanha de armadilhas retóricas que tentam enfraquecer o objetivo da política. É possível concluir que o fim de uma instituição como o MinC talvez incentive esse movimento de difamação da Lei Rouanet?

Incentiva, sim. Só acho importante pontuar que a Lei Rouanet sofria críticas mesmo antes do atual governo, e ela mesma foi criticada tanto em governos de direita quanto de esquerda porque, muitas vezes, ela acaba levando a uma concentração dos recursos na região Centro-Sul.

Então, críticas havia, mas a questão é: a partir do momento em que você critica uma determinada política pública, não é para destruí-la, mas sim para aperfeiçoá-la. Quando o Bolsonaro participa das eleições de 2018, ele tem ali duas “grandes” propostas para a Cultura. A primeira delas é justamente a destruição do MinC e a segunda, de certa forma, é a destruição da Lei Rouanet, e deu no que deu.

Agora, em relação à sua pergunta, a gente pontua inclusive no livro que a extinção do MinC, a perseguição que os artistas e algumas leis sofrem, como é o caso da Lei Rouanet, acaba se desdobramento nas outras esferas de poder. Então, só para citar um dos entrevistados, o Mateus Sartori, que foi secretário de Cultura de algumas gestões no interior de São Paulo, pontua na entrevista dele [no livro] essa perseguição que os artistas tiveram no nível municipal na cidade dele.

Eles tiveram que fazer uma série de reuniões com empresários da cidade, fazedores de cultura porque já havia uma lei de incentivo municipal, mas, a partir de quando o Bolsonaro ganha a eleição e vem com essa retórica de perseguição à lei, os empresários ficaram até com o pé atrás para continuar patrocinando eventos culturais na própria cidade.


Ações culturais carecem muitas vezes de orçamento público para que sejam incentivadas nos diferentes segmentos e manifestações artísticas / Foto: Arquimedes Santos/PMO

Então, eles tiveram que dizer “olha, a lei que a gente tem aqui na cidade é municipal, não é a Lei Rouanet, mas, independentemente disso, vocês não devem temer a Lei Rouanet”. Então, só para pessoas terem a dimensão do que essa retórica de perseguição tanto aos artistas quanto ao MinC e a algumas leis acaba tendo no nosso cotidiano...

A partir do momento em que você tem um presidente da República que persegue a Lei Rouanet, essa perseguição se desdobra em outros níveis de governo e isso afeta diretamente a oferta de atividades culturais que a gente tem no nosso município.

 A jornada do MinC nesta nossa frágil democracia pós-ditadura militar durou 33 anos. Curiosamente, a pasta foi criada no mesmo dia em que se considera o fim do regime, 15 de março de 1985. E aí, depois, vem o governo Bolsonaro e põe fim ao ministério logo no comecinho do primeiro ano de gestão. A gente pode afirmar que a valorização das políticas de cultura vem claramente junto do desenvolvimento democrático, ao mesmo tempo em que governos autoritários parecem desidratar essa área?  

Sim. A gente, inclusive, pontua algo no livro que relaciona aquilo que está acontecendo no nosso país com o que acontece em outros países. Mundo afora lideranças do campo da extrema direita têm ascendido ao poder por vias democráticas e, a partir do momento em que elas chegam ao poder, elas passam a minar a democracia por dentro.

Essa é uma das principais linhas de pesquisa na ciência política nos últimos anos. E boa parte das pessoas que ascendem por essas vias passam a adotar uma postura de perseguição explícita à sua cultura, à cultura do país, até pelo papel que ela cumpre. A cultura nos faz refletir, nos faz passar uma mensagem para um público mais amplo que mesmo um próprio livro ou artigo científico não consegue passar, até pelo alcance que esse tipo de produção tem.

Uma música, letra de rap, peça de teatro, nação de maracatu, tem a capacidade de gerar reflexão crítica nas pessoas sobre aquilo que está acontecendo no país que um livro, muitas vezes, não consegue cumprir.

Então, eu acho que tem, sim, uma relação entre a ascensão desses governos de direita e a perseguição que a cultura tem sofrido. A gente também pontua, além dessa reflexão sobre o que está acontecendo mundo afora, que esse processo já estava em curso mesmo antes do governo Bolsonaro. Vale lembrar que a gente já teve ali, ainda em 2017 ou 2016, se não em engano, aquela exposição que teve que ser fechada em Porto Alegre porque houve uma série de manifestações de extrema direita, teve o [agora] ex-prefeito do Rio de Janeiro Marcelo Crivella tentando tirar de circulação um gibi que tinha um beijo sendo exposto na Bienal do Rio de Janeiro.

Então, já havia uma série de perseguições em curso com pessoas que atuam na área da cultura e a extinção do MinC pelo governo Bolsonaro foi o auge do processo, o fundo do poço. Nunca houve uma perseguição tão grande, tão explícita aos fazedores de cultura do país.

Depois de vocês terem se debruçado sobre o que aconteceu com o MinC,  de terem refletido sobre isso e entrevistado várias pessoas da rede de atuação na Cultura, o que vocês trazem como conclusão na pesquisa que poderiam compartilhar com a gente?

A gente aponta que, quem quer que assuma a Presidência da República ano que vem, vai pegá-la numa condição de terra arrasada em se tratando das políticas públicas. Lógico que isso também vai se desdobrar em outras áreas das políticas. A política ambiental foi completamente destruída, o MEC [Ministério da Educação] nem se fala, enfim, mas quem quer que assuma vai pegar uma terra arrasada, e a reconstrução das políticas vai passar necessariamente pela reconstrução do MinC.

Isso vai acabar sendo o primeiro passo que necessariamente vai ter que ser dado. Mas, lógico, isso é apenas o primeiro passo, e não um ponto de chegada. Mas a recriação do ministério é, sim, um ponto de partida necessário.


domingo, 26 de junho de 2022

O BRASIL COMO RESULTADO DO ATAQUE DA DIREITA E DA EXTREMA DIREITA. AVENTURA MILITAR GOLPISTA A VISTA?

Chico Buarque - Vai Passar

Abro nesta manhã de domingo (26/06/2022) a newsletter do portal 247 e me deparo  com duas matérias jornalisticas preocupadas com a possibilidade de um aprofundamento do golpe no Brasil e de forma ainda mais violenta, mesmo que particularmente concorde com outros  analistas que consideram uma hipótese pouco provável, todavia por ser pouco, não é de todo impossível.

Aí uma pergunta vem sempre porque não se cala dentro de mim....

O que é que pode fazer o homem comum neste presente instante ? 


Quanto a esquerda, PT, Lula e q tais, espero,  tenham aprendido a lição. Embora pela forma como muitos companheiros e camaradas atuam na pequena e na grande  politica, em especial nos parlamentos e nos executivos, parece haver um longo caminho a ser percorrido.

Acerca disso, publicou um agente cultural no chat de uma live organizada pelo setorial de cultura do Partido dos Trabalhadores.

"Alguém sabe explicar porque nesses eventos de políticas culturais, tem sido incluídos figuras que foram autoritárias no MINC, ou que em conselhos de cultura não fazem nada?"

Afinal,  importa reconhecer o papel e a importância da democracia participativa no campo da macro politica como nessa postagem que publiquei no facebook a poucos dias atrás.

DEMOCRACIA PARTICIPATIVA RADICAL
Se os governos pós Constituição de 1988 tivessem investido mais nas propostas de plebiscito e referendos, o desmonte do estado brasileiro poderia não ser tão fácil como está sendo..
Um governo de centro esquerda ou de "esquerda" não pode ficar refém apenas do "republicanismo"  das instituições, como o parlamento,  o judiciário e a imprensa. 
E não é bolivianarismo ou comunismo, coisa nenhuma..
Plebiscitos e referendos são comuns em países liberais como EUA e Suiça. Podem trazer complemento para melhorar o argumento nos comentários....


Há que se reconhecer o mesmo no campo da politica das cidades, na politica do cotidiano. Como na postagem abaixo que publiquei no portal Overmundo no ano de 2006. 

OUTRO BRASIL? SOMENTE COM PARTICIPAÇÃO E ARTE.

Certa feita, conversando com um amigo educador/artista, que reside na cidade de Olinda, em Pernambuco, sobre o modo de a esquerda governar, ele externou para mim algumas preocupações referentes ao modelo de gestão de muitas administrações progressistas que ele conheceu e que se moldam facilmente à cultura política das oligarquias locais e realizam, mesmo que de forma mais eficiente, uma gestão cuja prioridade são apenas as grandes obras, os programas assistenciais e os shows com grandes artistas ligados à cultura de massa, o que acaba lembrando uma canção do Cazuza: “Um museu de grandes novidades” ou parafraseando Belchior: “Minha dor é perceber que apesar de tudo que fizemos, ainda somos os mesmos, “pensamos” e administramos a coisa pública como os velhos coronéis.”

E o meu amigo fez o questionamento porque, ocorrendo o término do mandato (sem reeleição), uma outra administração ligada a partidos conservadores, com inteligência e perspicácia pode fazer a mesma coisa: realizar grandes obras, investir em programas sociais e prosseguir na organização dos mega shows e, conseqüentemente, passar para a população a idéia de que não haverá necessidade de se votar na esquerda novamente.

Se na época não consegui imaginar isso como uma possibilidade real, decorridos alguns anos dessa conversa, reconheço que essa opinião é pertinente e esse texto foi escrito para ajudar na reflexão sobre o assunto, na linha de que tudo que é sólido se desmancha no ar e de que o que é novidade facilmente torna-se comum, e por isso todo indivíduo ou organização que deseja ser sempre considerada e reconhecida deve continuadamente buscar se aprimorar naquilo para que foi criada e facilitar as coisas para que novas descobertas e novas invenções possam ter lugar.

E isso só acontece num ambiente de autonomia e que favoreça condições e oportunidades para a construção e reconstrução subjetiva dos indivíduos .

Nesse sentido, considero duas questões primordiais. Em primeiro lugar, atenção especial para a mudança de valores e práticas de relacionamento político pautado nos antigos procedimentos da elite dominante, como o clientelismo, o paternalismo, o autoritarismo etc...

Em segundo lugar, atenção especial àquilo que aponta para a criação de sujeitos mais solidários, mais livres, mais ousados, àquilo que cria e dá sentido à realização plena das pessoas (refiro- me aqui à produção artístico/ cultural).

No primeiro caso se faz necessário (re)construir, fortalecer ou criar estruturas formais e informais de participação “real” da população nas decisões sobre os rumos do governo, como os conselhos, as conferências, as câmaras setoriais, os fóruns e as redes, além do incentivo e apoio à organização da sociedade civil através das ongs, e cooperativas. Assim, se viabilizaria um ambiente favorável à gestação de novas idéias e recursos para resolver ou atenuar velhos problemas, o que também pode garantir a criação de um antídoto para evitar o retrocesso de condução antidemocrática das decisões, a partir da eleição de partidos ligados às velhas elites dirigentes, após suceder-se um governo de esquerda.

No segundo caso, democratizar o acesso aos meios de produção artística e dos meios de produção e difusão da informação, com orçamento decente e gestores comprometidos, preparados e que saibam ouvir os interessados no assunto, o que resultará em diretrizes e ações que garantirão à maioria da população a possibilidade de se expressar de maneira que não fiquem apenas se comportando como meros consumidores de um bocado de lixo que é comercializado como produto cultural e cujos conteúdos -- carregados de intolerância (inclusive religiosa), vulgarização do sexo, preconceitos vários, individualismo exacerbado, banalização da violência, etc., -- vão na direção contrária de tudo aquilo que defendemos, formando o “caldo” da cultura que conduz ao retorno e sustentação da nova/ velha direita.

E isso é tudo que muita gente que ousa lutar e acreditar em outro país menos deseja, mas que será inevitável, caso opiniões como a nossa não sejam levadas em consideração a tempo.

P.S.: Segundo o pensador italiano Norberto Bobbio a esquerda orienta-se por um sentimento igualitário e a direita aceita a desigualdade como natural. Embora no Brasil seja praticamente impossível perceber a diferença através dos discursos e propaganda em época de campanha eleitoral.

Quanto as questões que apresento no texto acima percebo que o modelo de gestão do Ministério da Cultura aponta para o que escrevi acima. Apesar da necessidade de aumento do orçamento e da capacitação técnica e redução da burocracia para o acesso dos pequenos empreendedores culturais do interior e das periferias aos editais. Em Recife, em visitas a comunidades periféricas e em conversas com artistas e arte-educadores populares e também com o Secretário de Cultura, João Roberto Peixe, que nos concedeu audiência de quase duas horas no ano de 2004, pude perceber que muito daquilo que queremos/sonhamos já é realidade. Na oportunidade, o secretário me entregou cópias do relatório de gestão 2000/2004 e da I Conferência Municipal de Cultura do Recife, da qual tive a honra de participar.

José de Oliveira Santos - “Zezito” Professor de história e ativista cultural

No e-book coletivo "Paulo Freire em tempos de fakenews" escrevi: 

"E assim, a AMABA/Projeto Reculturarte foi caminhando, entre erros, acertos, contradições, encontros, desencontros. Até que chegou ao fim no ano de 2004.  Mas, em 2018, a experiência retorna como memória de um tempo bom, por meio de entrevistas e coleta de documentos, fotos, recortes de jornais, pesquisas acadêmicas, base para a produção de um livro cujo objetivo principal é demonstrar   a necessidade e o potencial de iniciativas culturais de base comunitária.
Ao mesmo tempo em que começava as primeiras entrevistas, nos deparamos com a disputa eleitoral de 2018, dentro de um ambiente marcado pela apatia, pela desinformação e preconceitos gerados e disseminados pelas empresas de produção de  fake news e, decorrente disso, a  virulência verbal e odienta nas redes sociais e em muitos encontros  nas casas, nas ruas.
Por outro lado, uma sensação de impotência e angústia de quem foi um dos idealizadores da AMABA e do Projeto Reculturarte, mas que nesse momento não dispunha dos meios e  pre-textos, as linguagens artísticas, a comunicação popular, o esporte etc. para reunir pessoas de diversas idades para discutir e aprender coletivamente, visando à superação dos muitos equívocos e da desinformação espalhados como recursos para a vitória de algumas ideias e candidaturas a cargos eletivos.
Com certeza, caso a iniciativa tivesse continuidade, um expressivo contingente de pessoas residentes em um bairro periférico de Aracaju estaria vacinado contra a apatia e contra as fake news que tomaram conta das últimas eleições e do processo cotidiano de convivência e vínculos, com possibilidade de participar de forma positiva como protagonista dos acontecimentos sociais e políticos, sejam aqueles mais próximos relacionados ao bairro, rua, escola, posto de saúde etc., como aqueles mais distantes, os momentos de decidir pelo voto os rumos e a gestão da cidade, do estado, do país."  

Para compreender o contexto da afirmação acima dentro de um tempo mais longo, recomendo a leitura do artigo na integra: 

Se conseguirmos ultrapassar esse período tenebroso da nosso história, sem mais sobressaltos, poderemos construr  mais antidotos ou vacina contra aventuras autoritárias, desde que realmente tenhamos aprendido a lição.


O Globo
Marcos Nobre: ‘Essa ameaça autoritária vai seguir mesmo se Bolsonaro perder’

Jair Bolsonaro
Jan Niklas
sáb., 25 de junho de 2022 8:25 PM

O filósofo e cientista político Marcos Nobre, autor do livro recém-lançado “Limites da democracia”, vê o presidente Jair Bolsonaro em seu pior momento eleitoral, mas acredita que uma eventual derrota em outubro não vai representar o afastamento do que ele classifica de “ameaça autoritária”. Para o escritor, o chefe do Executivo agora vai mobilizar a base digital para conter os danos relacionados às suspeitas de corrupção que pairam sobre o ex-ministro Milton Ribeiro (Educação).

Qual a diferença do modelo celebrizado pelo MDB para dar apoio aos governos de PSDB e PT para a união entre Bolsonaro e o Centrão?

No modelo que funcionou de 1994 até 2013, o peemedebismo agiu como um mecanismo para travar transformações profundas. Nesse sentido, ele representa um conservadorismo democrático. O Centrão na versão Bolsonaro é a forma limite do peemedebismo, porque pode levar à abolição da democracia. Representa um conservadorismo autoritário. É o “Centrão carcará”: pega, mata e come. E topa colaborar com um presidente que tem um projeto autoritário. Eles têm muito mais poder do que qualquer outro Centrão já teve: dispõem de 20% do orçamento discricionário.

Mesmo com a aliança, Bolsonaro usa a imagem de antissistema...

Bolsonaro não se responsabiliza pelo seu próprio governo. Ele diz que quem governa é o sistema. E entrega para quem quiser governar — desde 2020, é o Legislativo. Se ele sofre uma derrota, é porque o sistema continua mandando. Ou seja, não adianta ganhar a eleição, porque o sistema é mais forte. E qual é o implícito disso? Para que eu possa realmente lutar contra o sistema, vocês precisam me dar mais poder no meu tempo. E assim fecha o regime.

Há chance de golpe? Qual seria o papel das Forças Armadas?

Um golpe clássico me parece a possibilidade menos provável. Nós não sabemos o que as Forças Armadas pensam. Mas uma coisa dá para saber, elas não vão apoiar uma ruptura institucional se 70% do eleitorado estiver contra. Agora, podemos pegar o exemplo da Bolívia. Quando o caos se instalou (em 2019, após eleições marcadas por denúncias de fraude e renúncia de Evo Morales), as Forças Armadas simplesmente apoiaram a saída que apareceu, no caso, a posse da autoproclamada presidente (Jeanine Áñez). No Brasil, você pode produzir um caos social, ter uma paralisação de caminhoneiros, desabastecimentos, quebra-quebra, fazendo com que uma intervenção para “restabelecer a ordem” seja necessária.

Bolsonaro segue distante de Lula nas pesquisas. O que esperar da mobilização do presidente para reverter este quadro?

Do ponto de vista eleitoral, o Bolsonaro está no seu pior momento. Mas o jogo do Bolsonaro é o golpe, não é a eleição. Ele tem 30% da intenção de voto, uma taxa de aprovação que se mantém num patamar constante desde o início do governo dele. O que está em jogo não é só eleição. A derrota de Bolsonaro na eleição não significa o afastamento da ameaça autoritária. Enquanto Bolsonaro está montando o octógono para o MMA, o outro lado está jogando amarelinha.

O que podemos esperar da reação do Bolsonaro sobre as suspeitas no Ministério da Educação? O discurso anticorrupção foi uma das tônicas da campanha de 2018.

Nenhuma acusação de corrupção colou em Bolsonaro para sua base de apoio até hoje. Se colar, ele está perdido e arrisca até perder a vaga no segundo turno. Agora, é evidente que toda a contracampanha no partido digital bolsonarista já começou muito antes de o Milton Ribeiro ser preso. Da mesma maneira como ele conseguiu convencer essa base de que era necessário fazer acordo com o Centrão, ele vai tentar convencer de que a acusação de corrupção não tem nada a ver com ele.

Frei Betto fala sobre Bolsonaro defender Jesus armado