terça-feira, 17 de junho de 2025

Forró Romântico das antigas - Playlist



TIMIDEZ é minha "Asa Branca". Minha MAIOR composição e totalmente baseada numa história REAL!!




A Música e a sua História- “Noda De Cajú”




Cavalo de Pau - Estrelinha do Céu


Luis Fidelis - Acústico - Imaginar



segunda-feira, 16 de junho de 2025

Cineclube Realidade encerra as sessões propostas para a 14ª mostra difusão cinema e direitos humanos com alunos da Escola Neyde Mesquita em São Cristóvão (SE)

Foi boa,  a quarta e  última sessão do Cineclube Realidade proposta  para a 14ª Mostra Difusão Cinema e Direitos Humanos que aconteceu nesse dezesseis de maio  chuvoso e um pouco frio para  padrões nordestinos, a exceção de umas poucas cidades no interior de clima frio mais constante.  

O grupo formado por cerca de vinte alunos de diversos turmas da Escola Estadual Neyde Mesquita, manhã e tarde,  se mantiveram atentos e interessados, salvo a dispersão de um ou outro, o que não prejudicou  a apreensão do conteúdo do filme e a apreciação da forma como este foi transmitido em termos  estéticos ou de linguagem filmica. 

Os filmes escolhidos retratam duas realidades de violência capacitista (1) e de racismo, o que infelizmente está bastante presente no cotidiano de nossos adolescentes, tanto na escola, como fora dela.  

Os filmes exibidos,   “Sobre amizade e bicicletas” e “Sem Asas”,  passaram por uma  análise prévia de sinopse e do trailer , junto com os outros dez filmes selecionados pela curadoria nacional da 14ª mostra difusão cinema e direitos humanos,  e os dois citados, escolhidos  no âmbito da escola pela coordenadora pedagógica no turno da manhã, Marta Goes,  em comum acordo com o professor Zezito de Oliveira, também professor na escola, além de curador (2) e produtor do Cine Realidade, uma iniciativa independente do coletivo Ação Cultural.

O que salta aos olhos, os dois filmes conseguem abordar temáticas fortes de violência com uma linguagem  sensível que deixa a quem assiste,  duplamente impactado pelo tema  em si e pela maneira imaginativa e poética como as questões são apresentadas. 

Decerto , não traria o mesmo impacto de surpresa e de satisfação, se o filme “Sem Asas”, por exemplo,   com sua abordagem diferenciada do racismo e da violência policial, fizesse da  maneira como os programas de televisão, em especial os sensacionalistas, e mesmo muitos documentários “mais do mesmo” com  estética de programa de reportagem. 

Por exemplo: No filme “Sem Asas” o  policial  que faz a abordagem do menino negro por meio de uma arma apontada e de perguntas provocativas,    não aparece  na tela, e depois que atira, o elemento surpresa, com  o impacto do som  alto e  estouro da bolsa  contendo a farinha de trigo que escorre pelo corpo do  menino  Zu, a mesma comprada por ele no mercadinho do bairro a pedido da mãe, o que levou  a  reação de um dos alunos que assistia, por sinal da mesma idade e cor do personagem.

-Pôxa! O que foi isso, eles atiraram no moleque? 

Outra  solução interessante foram as asas que aparecem visualmente como extensão dos braços do menino Zu, nos dois dois  momentos em que ele mostra que entendeu as palavras do pai e da mãe sobre o poder do estudo e da auto aceitação para quem é negro e periférico.

E o pai de Zu? Quando sai de casa abordado por policiais depois do retorno do menino para  casa, quando recebe os primeiros cuidados da mãe. O filme termina, mas a pergunta fica no ar, porque só aparece esta cena sem continuidade. Uns dois alunos no corredor da escola me perguntaram.   E aí, será que ele foi preso?  Houve até o que me perguntou, será que o pai de Zu foi morto pela policia? Dei uma resposta rápida em função do tempo, mas vou retomar a conversa com os dois alunos sobre a cena e o que ele quer nos comunicar, isso no retorno das aulas, pós recesso de meio de ano.

Já o filme “Sobre Amizades e Bicicletas”,  tem uma abordagem também com surpresas interessantes, a primeira pela aproximação de duas crianças com problemas de deficiência física, o menino com os pés um pouco retorcidos para dentro e a menina com baixa visão. A coragem dela com a vontade de aprender bicicleta com ele na garupa,  e com o  uso de tornozeleiras e cotoveleiras bem acolchoadas para se proteger após a primeira queda, enquanto aprende. 

Outra surpresa da menina Cecilia é a participação em uma corrida de bicicletas, o que finaliza o filme, sem uma conclusão final, mas com a promessa que ele fez ao coleguinha que poderia vencer porque conhece um atalho, a corrida é livre não determina um caminho único, apenas ponto de partida e de chegada.. Precisa dizer com quem fica a preferência do público?  Ainda mais porque a menina intrépida não deixa de levar seu coleguinha na garupa, o qual gostaria de poder andar de bicicleta sozinho, mas já que não pode e encontrou Cecilia... Aqui também um menino e uma menino que juntos, ganharam asas....

(1)  Você já ouviu falar sobre o termo “capacitismo”? Ele não é muito conhecido, mas possui uma grande importância. Para entendê-lo, é simples, vamos fazer uma analogia com outros tipos de preconceitos: assim como o machismo se refere ao preconceito contra a mulher, e o racismo àquele que envolve a raça, o capacitismo significa a discriminação de pessoas com deficiência. 

“Essa palavra vem da ideia de enxergar o outro como incapaz, a partir de uma dedução de quais são as capacidades de uma pessoa que tem deficiência” – explica Giovana Santos, Analista de Geração de Renda do PAF – Plano De Ação Familiar.

Mais informações AQUI

(2)  Curador em artes e cultura:
Curador de exposições:
É o responsável pela concepção, organização e supervisão de exposições, incluindo a seleção das obras, a montagem e a elaboração do catálogo. 
Curador de museus ou galerias:
Responsável pela manutenção e organização de coleções, incluindo a supervisão de exposições. 
Mais informações AQUI

Zezito de Oliveira


Textos selecionados de alunos que participaram da sessão. Seleção realizada pela agente jovem cultura viva, Iasmin Santos Feitosa,  sob a supervisão de Zezito de Oliveira. 

Isis Gabrielly [8° A, 13 anos]

“Em um lugar onde não há atividades culturais, a violência vai reinar”. Achei a frase bastante interessante, por isso quis destacar.



Crianças, adolescentes e telas – programa criado para falar e tirar dúvidas sobre a relação entre as telas, os adolescentes e crianças.

Crianças, Adolescentes e Telas – Guia sobre usos de dispositivos digitais

Filme Amizade e Bicicletas – O filme fala sobre uma amizade de uma garota e um garoto, ambos deficientes, que juntos, conseguiram participar do campeonato de bicicletas que era um sonho de ambos.

Na minha opinião, o filme se resume na seguinte frase: A amizade faz a força”.

Kethyllin [8° A]

“2° filme – Sem Asas / Tema: Racismo”

O filme fala sobre um menino negro que foi comprar farinha pra mãe, e no caminho ele entra na casa de uma mulher pra pegar uma pipa, mas os policiais abordam o menino e acham que a farinha era droga. Então, o policial atira no menino, mas por sorte pega de raspão. Enquanto a mãe está limpando o menino, os policiais também abordam o pai do menino.

Quando o menino está no quarto pensando no que aconteceu, ele ganha asas. Esse filme mostra realidades que acontecem toda hora, em qualquer lugar, e essa realidade é bem pior do que a que mostra no filme. Isso é racismo, e racismo é crime.

Maria Aliny [8° A, 12 anos]

“Em um lugar onde não há atividade, a violência vai reinar”.

O filme fala sobre o bullying, é sobre uma amizade entre um garoto e uma garota que tem deficiência, e podem provar que mesmo com sua deficiência, eles conseguem ser como as outras pessoas e serem felizes.

Isso prova que nem sempre a gente deve ligar para os comentários dos outros, e sim para a nossa própria opinião.

Nicole [8° B, 14 anos]

“Tema: Direitos Humanos”

Guia que ajuda crianças e adolescentes, garantindo segurança das crianças e adolescentes das telas de aparelho, sempre sendo atualizado para as pessoas, ensinando como combater o bullying.

Sobre Amizades e Bicicletas – O filme retrata a história de um garoto com deficiência, tendo um grande sonho de poder participar de uma corrida de bicicleta. Thiago no jardim triste pelas vozes dos amigos o maltratando de forma verbal, mas ele conhece uma garota chamada Cecília, que o mostrou que nada é impossível, que iria ajuda-lo contra o  bullying. Ambos viram bons amigos, mas em um determinado momento se separaram por conta das zoações e zombaria das demais crianças. Ambos têm uma briga, mas voltam a ser amigos. Decididos a participarem da corrida, juntos contra muitas pessoas, mesmo que não ganhassem, mas estariam felizes juntos.

Daniel Yan [8° C, 13 anos]

“Filme: Sobre Amizade e Bicicleta”

É um mini filme sobre dois personagens, Thiago e Cecília, eles têm deficiência, mas mesmo com esse problema eles conseguem superar, e participam de uma corrida de bicicleta. Eles sofreram bullying, mas seguiram em frente.

Nayr Victoria

“Esse filme conta a história de duas crianças que sofrem por suas condições físicas, e que sofrem também com diversos julgamentos que as crianças de sua rua fazem. Mas quando se juntam, fazem aquilo que não era possível por conta de suas condições.

As fotos e o suporte técnico da exibição foi realizado pelo agente jovem cultura viva Raoni Smith.

Nossos agradecimentos a equipe diretiva da Escola Estadual Neyde Mesquita e aos alunos monitores da mesma  que deram total apoio ao evento, assim como os demais que atenderam ao convite para participar da sessão.

Também nossos agradecimentos ao Ministério da Cultura, ao Ministério da Cidadania e dos Direitos Humanos e a Universidade Federal Fluminense pela iniciativa e qualidade da seleção dos filmes e pela metodologia da 14ª Mostra Difusão, assim como pela atenção e disponibilidade como foram tratados  os responsáveis pela exibição nas escolas e comunidades , em outros lugares a mostra segue até 22 de junho. A destacar a disponibilidade para ouvir e acatar sugestões que melhoraram sobremaneira o acesso aos  filmes para um maior número de pessoas.

Sobre o acesso a mais pessoas aos filmes selecionados e mesmo para quem asssistiu, aguardamos com grande expectativa a inauguração do serviço de disponibilização de filmes brasileiros de forma gratuita ao público por meio do streaming do ministério da cultura, conforme matéria veiculada no inicio deste ano através de  diversos meios  de informação.

"O Ministério da Cultura (MinC) lançará uma plataforma de streaming pública e gratuita chamada Tela Brasil, com o objetivo de ampliar o acesso à produção audiovisual nacional. A plataforma, desenvolvida pela Secretaria do Audiovisual, terá um catálogo exclusivo de produções brasileiras, incluindo curtas, médias e longas-metragens. O lançamento está previsto para o segundo semestre de 2025. 

A plataforma também visa atender a Lei Federal 13.006/2024, que prevê a exibição de filmes nacionais como componente curricular complementar nas escolas. Além disso, a Tela Brasil buscará disponibilizar conteúdo para espaços de difusão não comerciais, como cineclubes, pontos de leitura e bibliotecas públicas. "

STREAMING

Ministério da Cultura investe R$ 3,8 milhões em licenciamento de obras audiovisuais para plataforma pública de streaming

O objetivo é compor o catálogo da nova Plataforma Pública de Acesso e Difusão de Conteúdos Audiovisuais Brasileiros Sob Demanda, uma iniciativa pioneira que promete democratizar o acesso às produções nacionais
 

sexta-feira, 13 de junho de 2025




domingo, 15 de junho de 2025

Morre Maria Angelina de Oliveira, liderança histórica da JOC

 Faleceu Maria Angelina de Oliveira, uma das mais importantes lideranças da Juventude Operária Católica (JOC) no Brasil e no mundo, cuja trajetória foi marcada por uma vida inteira dedicada à luta da classe trabalhadora, dos movimentos populares e da economia solidária. Sua partida enche de pesar familiares, amigos, militantes e organizações sociais que conviveram e aprenderam com seu exemplo.

https://radiopeaobrasil.com.br/morre-maria-angelina-de-oliveira-lideranca-historica-da-joc/?sfnsn=wiwspwa

Angelina teve seu primeiro contato com a JOC em 1955, aos 21 anos, na cidade de João Pessoa, na Paraíba, dando início a uma caminhada que ultrapassaria fronteiras. Dois anos depois, em 1957, assumiu a Coordenação Regional da JOC no Nordeste, e, em 1960, passou a integrar a Coordenação Nacional da JOC Brasileira (JOC-B).

Com um olhar sempre voltado para a formação e a organização da juventude operária, Angelina expandiu sua militância além das fronteiras nacionais. Em 1964, assumiu o trabalho de extensão da JOC na Colômbia e, em 1966, foi responsável pelo Serviço de Formação e Extensão do movimento, atuando na Ásia, África e América Latina. No Conselho Mundial da JOC, realizado no Líbano em 1969, foi eleita vice-presidente  da JOC Internacional, função que consolidou sua relevância no movimento operário mundial.

De volta ao Brasil em 1971, Angelina se estabeleceu em Recife (PE), onde trabalhou na fábrica de tecidos Tacaruna. Foi presa pela Ditadura Civil-Militar, e após sua libertação, passou sete meses em Crateús (CE), até retornar à sua terra natal, João Pessoa.

Sua trajetória seguiu marcada pelo engajamento social. Em 1976, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde, acolhida por Sila e pelo padre Agostinho, integrou-se à Pastoral Operária, à Central de Favelas e a Associações de Moradores. Três anos depois, em 1979, ajudou a fundar o Centro de Ação Comunitária (CEDAC), voltado para a formação de jovens, apoio a organizações populares, movimentos sociais, povos indígenas e comunidades marginalizadas.

Angelina também foi uma das articuladoras da construção da economia solidária no Brasil. Participou, em 2000, dos debates que resultaram na criação da Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES) e do 1º Fórum Brasileiro de Economia Solidária (FBES).

Em 2011, retornou a João Pessoa e, pouco depois do falecimento de sua mãe, se estabeleceu em Recife, onde seguiu ativa na militância. Mesmo com idade avançada, seguiu participando de eventos nacionais e internacionais. Esteve no II Colóquio Internacional da JOC, em 2016, na Alemanha, e, em 2018, ajudou na organização do Encontro Nacional de Militantes e Antigos Militantes da JOC-B (ENAJOCISTA), realizado em Nova Lima (MG).

Até seus últimos dias, vivendo em Camaragibe (PE) com as irmãs Nena e Gorette, Angelina manteve seu apoio político e financeiro à JOC em nível local, regional e nacional, com especial atenção aos adultos extensionistas no Nordeste.

Sua trajetória permanece como exemplo de coragem, dedicação e compromisso com a classe trabalhadora e os movimentos populares. Sua Páscoa, como dizem seus companheiros e companheiras de caminhada, não representa um fim, mas a continuidade de sua inspiração viva nas lutas presentes e futuras.

A Coordenação Nacional da JOC Brasileira manifestou, em nota, solidariedade à família, destacando: “Nosso coração e nossa memória guardam lembranças das suas palavras, do seu testemunho de vida e militância na JOC. Seguirá presente, inspirando nossa caminhada militante e o trabalho contínuo da JOC.”

JOC significa "Juventude Operária Católica". É um movimento internacional de jovens trabalhadores, inspirado nos princípios da Igreja Católica, que busca promover a justiça social e a dignidade humana no ambiente de trabalho e na sociedade em geral. 

A JOC surgiu na Bélgica, fundada pelo padre Joseph Cardijn, e se espalhou por diversos países, incluindo Portugal, onde chegou em 1935. No Brasil, a JOC também teve um papel importante, especialmente durante a ditadura militar, quando seus membros enfrentaram perseguições e prisões. 

O movimento da JOC se baseia no método "Ver, Julgar, Agir", que incentiva os jovens a observar a realidade em que vivem (Ver), analisar os problemas à luz da fé (Julgar) e agir para transformá-la (Agir). A JOC busca construir uma sociedade mais justa e fraterna, onde a dignidade de cada pessoa seja respeitada e valorizada, especialmente a dos jovens trabalhadores. 

Em resumo, a JOC é um movimento de jovens católicos que se dedicam à ação social e à transformação da realidade, buscando a justiça e a dignidade humana no mundo do trabalho e além. 


A JOC faz 100 anos

Encontro entre Walter Benjamin e o Caboclo da Pedra Preta: o espaço escolar a contrapelo.

 Encontro entre Walter Benjamin e o Caboclo da Pedra Preta: o espaço escolar a contrapelo. Parte 1/2


Ponto Caboclo Boiadeiro - Pedrinha Miudinha -



"(...) Nesse aspecto, brinco de imaginar um encontro, coisa que fiz em um livro de 2013, entre o filósofo alemão e o Caboclo da Pedra Preta, entidade das encantarias brasileiras que guiava o babalorixá Joãozinho da Gomeia. Para o caboclo, em “Pedrinhas de Aruanda”, seu canto mais famoso, das pedras da aldeia “uma é maior, outra é menor: a miudinha é a que nos alumeia”.

As ruas de dentro são os caminhos por onde circulam as pedras miúdas. Longe dos holofotes, distantes do espetáculo, mais próximos dos rumores que dos brados retumbantes(...)".
-------------------------------------

"Pensa na escuridão e no grande frio

Que reinam nesse vale, onde soam lamentos."

Brecht, Ópera dos três vinténs

Fustel de Coulanges recomenda ao historiador interessado em ressuscitar uma época que es-queça tudo o que sabe sobre fases posteriores da história. Impossível caracterizar melhor o método com o qual rompeu o materialismo histórico. Esse método é o da empatia. Sua origem é a inércia do coração, a acedia, que desespera de apropriar-se da verdadeira imagem histórica, em seu relampejar fugaz. Para os teólogos medievais, a acedia era o primeiro fundamento da tristeza. Flaubert, que a conhecia, escreveu: "Peu de gens devi-neront combien il a fallu être triste pour ressusciter Cartha-ge". A natureza dessa tristeza se tomará mais clara se nos perguntarmos com quem o investigador historicista estabelece uma relação de empatia. A resposta é inequívoca: com o vencedor. Ora, os que num momento dado dominam são os herdeiros de todos os que venceram antes. A empatia com o vencedor beneficia sempre, portanto, esses dominadores. Isso diz tudo para o materialista históri-co. Todos os que até hoje venceram participam do cortejo triunfal, em que os dominadores de hoje espezinham os corpos dos que estão prostrados no chão. Os despojos são carregados no cortejo, como de praxe. Esses despojos são o que chamamos bens culturais. O materialista histórico os con-templa com distanciamento. Pois todos os bens culturais que ele vê têm uma origem sobre a qual ele não pode reflectir sem horror. Devem sua existência não somente ao esforço dos grandes génios que os criaram, como à corvéia anônima dos seus contemporâneos. Nunca houve um monumento da cultura que não fosse também um monumento da barbárie. E, assim como a cultura não é isenta de barbárie, não o é, tampouco, o processo de transmissão da cultura. Por isso, na medida do possível, o materialista histórico se desvia dela. Considera sua tarefa escovar a história a contrapelo.


É Páscoa. E agora, quem vai ressuscitar a Escola?

por Cristiane Corrêa de Souza Hillal no GGN

Era páscoa de 1993. As crianças que moravam na favela São Remo, na Zona Oeste de São Paulo, estavam ansiosas pela festa. Ia ter coelho, chocolate, cantoria, balões e cachorro quente.

Maralívia tinha 3 anos. Vinha toda semana com seus olhinhos saborosos de jabuticaba e cuidava de garantir local privilegiado no meu colo. Ali ficava, quietinha, observando como eu brincava de ser “tia” por três horas, de 20 crianças entre 02 e 04 anos, enquanto suas mães ouviam palestras e faziam consultas médicas e odontológicas no projeto social que acontecia quase dentro da comunidade. 

Com CD dos Saltimbancos, livros infantis e muito lápis de cor eu fui infinitamente feliz nas tardes de sábado de quase toda minha adolescência, limpando nariz, contando histórias e impedindo (ou tentando impedir) puxões de cabelo de mini pessoinhas tão saltitantes quanto abraçadeiras.

Naquela tarde especial, Maralívia chegou sem palavras, como sempre, e ficou me esperando elogiar o laço azul gigante do seu cabelo. Era do tipo que observava e esperava. Sabida. Aguardou que eu acomodasse uma a uma das crianças para assistir ao teatro da páscoa e, então, certeira, me fisgou com seus olhinhos de menina coleira.

A cantoria da criançada mais velha enchia a festa de esperança eufórica: o Célio, ou melhor, o coelho gigante de pelúcia, podia aparecer a qualquer momento, tímido e atrapalhado com suas orelhas encardidas, distribuindo ovinhos de chocolate coloridos.

Em dado momento, um estouro.

– “Matou!”

A palavra.

Maralívia nunca tinha falado comigo antes. Não precisava. Sabia usar todas as outras gramáticas do corpo, olhar, riso e choro, para se comunicar. Mas naquele momento fez-se palavra falada. Sílabas. A literalidade da violência que percebia cotidianamente no seu corpinho de três anos precisava ser dita e entendida.

Era uma bexiga que estourava, mas quase não fazia sentido explicar isso a ela. Mesmo assim, expliquei.

O anúncio de morte matada, como rotina na vida de uma criança, marcaria para sempre quem eu seria.

2023. 30 anos se passam e a Páscoa chega em mim sem a ressurreição prometida. Há cerca de 20 anos sou Promotora de Justiça e o tempo segue, cada vez mais, sendo de morte matada e anunciada.

Da Zona Oeste de SP reverbera a notícia de que um menino de 13 anos esfaqueou e matou a sua professora dentro da sala de aula. Uma semana depois, um rapaz de 25 anos pulou os muros de uma escola em Blumenau e, com uma machadinha, matou quatro crianças entre 04 e 07 anos que brincavam no parquinho da escola.

Vemos o inferno se rasgar diante de nós quando a morte atravessa o corpo de uma criança que está distraída na balança de um parquinho, com a faca na mão, ou com o laço azul na cabeça. Se ela é a testemunha, a vítima ou a assassina no cenário de horror, é só de dor que se trata. Dor em estado bruto e brutal. Dor colossal, fracasso, derrota máxima.

Não é mais possível dizer que é apenas uma bexiga furada. É nossa humanidade estourando inteira com a ideia de que escolas passam a ser locais em que crianças podem matar e serem mortas. 

A morte matada de uma professora e dos pedacinhos de gente abraçadeiros, coleiros, saltitantes, de nariz escorrendo e olhos saborosos dentro do espaço escolar nos convoca para o anúncio de outra morte: a morte da ideia de que a educação só vale a pena enquanto afirmação da liberdade.

Os corpos ainda nem foram suficientemente sepultados e o medo, esse afeto político reacionário por excelência, berra aos quatro cantos: as escolas precisam de muros mais altos, cercas elétricas, detector de metais, policiais em ronda. Ronda dentro da escola? Fora da escola? Essa é a discussão.

Tratemos, pois, crianças, como criminosos em potencial. Professores como sujeitos em perigo. O parquinho não é mais o espaço lúdico, do encontro e da partilha, do tênis cheio de areia, do baldinho que o amiguinho não quer dividir. Ensinemos nossas crianças que, agora, é onde podem morrer. Nos grupos de rede social viralizam dicas de como ensinar crianças a fugir e a se defender de assassinos enquanto estão ocupadas fazendo castelos de areia.

Há cerca de um mês, em escuta social feita pelo Ministério Público, na região de São José do Rio Preto, interior de São Paulo, os microfones foram quase monopolizados por adolescentes da idade do menino que esfaqueou a professora na capital de São Paulo: “pensem na nossa saúde mental”, eles pediram. 

– Eles chegam na escola com dor de cabeça, dor de barriga e uma tristeza infinita -, emendou uma professora.

É preciso escutar a agonia dos estudantes, dos professores, das escolas e dessa palavra em morte: educação!

Não há quem não defenda “a educação”, palavra fácil e sonora, que cabe na boca de qualquer um.  Mas é preciso entender de que educação cada um fala.

Estamos, todas e todos defendendo a educação freiriana, libertária em essência, que enxerga o homem como ser de relação (posição reflexiva), e não apenas ser de contatos (posição reflexa), que não apenas está NO mundo, mas está COM o mundo, potente, desejante e implicado em seu contínuo movimento histórico e cultural, herdando experiências e, a partir delas, criando e recriando realidades, discernindo e transcendendo para além do que é posto? (1)

Ou estamos apenas enxergando a escola como espaço de domesticação e normatização. Espaço de padronização de sujeitos e desejos, em que todos aprendem a obedecer e são eficientemente treinados para comporem um gado cumpridor de metas de mercado às custas de muita solidão e antidepressivo?

Estamos, todas e todos, falando da escola antirracista que abandona a lógica colonial e deixa de domesticar corpos? Como ensina genialmente o historiador Simas, estamos na defesa da escola que liberta, transgride e permite a invenção de novas formas de (re)existência, ou estamos bradando pela escola que domestica os corpos, vistos ora como “corpo pecado” (na lógica da moral judaico-cristã), ora como o “corpo ferramenta” (na lógica do trabalho), ora como o “corpo da mulher colonial” (na lógica do estupro), ou “corpo do homem reprodutor” (na lógica da virilidade)? (2)

Estamos desconstruindo maneiras de ensinar eurocêntricas que, como ensinou Frantz Fanon, enxergam os saberes africanos como inferiores, destituídos de valor e beleza sendo, na melhor das hipóteses, saberes folclorizados e pitorescos?

Desde sempre se disputou o que é educação e, nos últimos anos, o jogo extrapolou os limites do tosco e perverso. 

A educação libertária de Paulo Freire sempre foi luta, furos e frestas mas, infelizmente, nunca foi uma realidade hegemônica nas escolas.

Nos últimos anos, para piorar, e extrema direita foi competente em ocupar a rede social e achou terreno fértil em mentes tristes e acostumadas com a repressão dos corpos. O medo imposto com os “kit gays” imaginários, os banheiros unissex em que crianças virariam trans, a ideia disseminada de que os professores, comunistas, estavam a postos nas escolas bradando pela ruína das famílias e que Paulo Freire era um sujeito execrável, responsável por todas as mazelas da educação pública, levou manadas de cristãos, em nome do slogan fascista “Deus, pátria e família”, a defender o projeto de educação – morte.

E, aí, a cartada final: se a padronização e a normatização sufocam, se o individualismo neoliberal asfixiou as singularidades e matou os laços sociais, se não temos mais vontade de acordar, todos os dias, nessa sociedade do cansaço, em vez de lutarmos por novas formas de estar no mundo e em relação com os outros, criemos comunidades baseadas no ódio. Façamos, dele, o motor da diferença. Sejamos bons em alguma coisa, ainda que seja na tarefa de matar. Matemos! Em vez de destruir a sociedade que massifica, sejamos alguém nela. Se a escola sufoca, se não escuta ou acolhe, se a escola é o espaço do medo e padronagem, existamos, ao menos, pela dor, pelo sangue, pelo impensável do horror.  Se não podemos matar a dor, sejamos a dor em estado bruto. Sejamos.

Pasmos, impotentes e patéticos, diante do jovem que mata a professora e da criança de 04 anos que vai ao velório do amigo com o desenho de dinossauro que lhe fez, o Ministério Público, os governos e a sociedade em geral podem mais que ceder à ilusão de que há muros de concreto, detector de metais ou policiais que podem nos salvar deste imenso vazio subjetivo e social a que nos condenam há tempos.

 É tempo de ressurreição bradam os cristãos. Pois, então, vamos ressuscitar a escola que nunca nasceu de verdade e que, mesmo assim, não cansam de matar no seu sonho. A escola descolonizadora dos corpos, espaço de libertação e criação de novas possibilidades de vida. Aquela que não é escola se não está escancarada em portas e ouvidos para as ruas da cidade e para cada sujeito singular que por ela passe. Vamos ressuscitar todas as professoras que morreram com Elizabeth, todas as mães que perderam seus filhos abraçadeiros, todos os jovens que estão solitários, em profundezas virtuais de comunidades de desalento, apostando na dor para serem alguém.

Ressuscitemos a criança que conhece mais a morte que a bexiga estourada. A criança que nunca mais seremos para, ressuscitando em  Maralívia, Bernardos e Elizabeth, possamos reverter o curso da morte. Vamos em ressurreição, transgressivos, amorosos e enlaçados, esperançarmos incansavelmente uma educação viva e libertária.

Cristiane Corrêa de Souza Hillal – Promotora de Justiça do MPSP. Integrante do Coletivo Transforma Ministério Público.

BIBLIOGRAFIA: 

(1) Educação como prática da liberdade – Paulo Freire – editora Paz e Terra. 46ª edição

(2) O encontro entre Walter Benjamin e o Caboclo da Pedra Preta: o espaço escolar a contrapelo. Aula dada na FGV – Fundação Getúlio Vargas. L.A. Simas. https://profqui.iq.ufrj.br/walter-benjamin-e-o-caboclo-da-pedra-preta-sobre-o-espaco-escolar-por-luiz-antonio-simas/

Assista também: 



sábado, 14 de junho de 2025

Cineclube Realidade exibe os filmes Sem Asas e Marés da Noite no Centro Integrativo Social Carajás no municipio de Socorro (SE).


 No dia 11 de junho, o Cineclube Realidade ocupou o Centro Integrativo Social Carajás, no Marcos Freire II (Socorro), com a exibição de dois filmes que não deixam margem para neutralidade: Sem Asas e Marés da Noite (Tragédia de São Sebastião). Duas produções que provocam, comovem e nos forçam a olhar para as dores de um país que ainda insiste em silenciar as vozes negras e periféricas.

O Centro  integrativo social  carajás , atua no município  de Nossa Senhora  do Socorro desde 2013 iniciando  suas atividades  como associação  de Moradores,  em 2019  passa  ser uma instituição de abrangência em todas áreas  da cidade, trabalhando  em rede  com instituições locais e de  outros territórios.

Hoje conta com público de 200 pessoas assistidas, ofertando acolhimento, orientação  e cuidados em saúde. 

Fomenta o empreendedorismo institucional  com artesanato  e economia  solidária. 

Promove ações relacionadas  ao fomento da cultura.

A exibição de Sem Asas (1) acendeu o debate sobre o racismo estrutural e a desumanização diária enfrentada por famílias negras no Brasil. A pergunta lançada ao público — “Como vocês captaram o que foi passado no filme?” — abriu espaço para reflexões potentes:

— “É uma realidade muito presente. A cor negra é muito discriminada, é algo que ainda se passa de geração a geração, infelizmente.” — Osmar.

— “Trouxe uma questão intrigante: será que a discriminação social vem antes do racismo? Pessoas negras bem vestidas são, às vezes, tratadas com mais respeito do que aquelas em situação precária. Isso diz muito sobre a nossa sociedade e como as autoridades ainda agem seletivamente.” — Audisséia.

Já Marés da Noite, que trata da tragédia em São Sebastião (2), tocou fundo em cada pessoa presente. Já a segunda pergunta da noite foi direta: “O que lhes foi transmitido através desse filme?”. As respostas, carregadas de emoção, mostraram a força do cinema como denúncia e memória:

— “Transmitiu muitos sentimentos intensos, tristes, mas também esperança. A narradora acreditava que a cidade voltaria ao normal.” — Cremildes.

— “Não precisou mostrar cenas de impacto. As falas por si só já mostraram a realidade. O começo depois do meio... é o recomeço.” — Osmar.

— “Foi uma mensagem explícita que transmitiu luto, denúncia, escancarou o abandono, a desigualdade e o descaso com as pessoas, as vítimas daquela região.” — Iasmin.

Foram momentos de silêncio respeitoso, seguidos de falas fortes, que reafirmaram o compromisso do Cineclube com a memória, a justiça e a escuta sensível. Porque resistir também é isso: reunir, assistir, refletir — e não deixar que a dor alheia seja esquecida.

A exibição faz parte da  14º Mostra Difusão Cinema e Direitos Humanos é realizada pelos Ministérios da Cultura (MinC) e dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC). No Estado de Sergipe, conta com 11  pontos de exibição credenciados, incluindo o Cineclube  Realidade, como parte dos  320 credenciados em todo o Brasil.  A iniciativa teve inicio em 15 de maio e se  encerra em 22 de junho.

Com a temática “Viver com dignidade é direito humano”, a Mostra reforça a importância deste evento como um espaço de diálogo e reflexão sobre questões fundamentais que afetam nossa sociedade. Viver com dignidade pressupõe um conjunto de fatores que passam pelo direito à moradia, educação, saúde, cultura e lazer.

Iasmin Santos Feitosa - Agente Cultura Viva.

P.S.: Por Zezito de Oliveira

(1) A sessão realizada com um grupo pequeno de pessoas, cinco no total, garantiu um espaço maior de liberdade para no debate pós exibição do filme "Sem Asas",  surgir uma voz representativa de um grande contingente de brasileiros  influenciadas por um pensamento conservador do status quo de injustiças e desigualdade a que somos submetidos   desde a época da colonização, trata-se de um pensamento que não reconhece a existência de racismo no Brasil e a não necessidade de cotas raciais para reparar a injustiça de uma abolição incompleta e inconclusa. 

No debate foram trazidos alguns exemplos que confirma a existência do racismo com base na REALIDADE, como a violência da discriminação sofrida por negros quando vão fazer compras  em supermercados, quando são observados com maior ênfase  e seguidos  por vigilantes, muitas vezes também negros. 

Foi citado em defesa das cotas raciais, por ser  uma forma de reparação pela  abolição da escravidão ter sido realizada sem indenização aos escravos libertos, o que poderia ser feito pelo menos por meio da cessão de terras públicas, em razão da grande extensão territorial do Brasil, o contrário do que aconteceu com um grande contingente de imigrantes europeus que chegaram ao país nos anos finais do  séc. XIX e inicio do século XX recebendo doação de terras, garantia de pagamento de passagens, acomodação e ferramentas de trabalho, para trabalhar e "embraquecer"  a terra brasilis... 

Assista AQUI a uma palestra do historiador Luiz Antonio Simas, partindo da ideia da história a contrapelo, questionou o ensino conformista da história, eurocentrado até quando fala de africanos e índios, e discutiu o racismo epistemológico que fundamenta a intolerância religiosa, inclusive nas escolas, apresentando alternativas para combatê-lo.

(2) Antes da apresentação do filme Marés da Noite, fizemos  uma rápida contextualização da questão de fundo que o filme traria por meio de animação e um belo texto narrado  e escrito  como um quase poema.

Dois anos da tragédia de São Sebastião: mobilização e resistência por justiça.  Aqui


sexta-feira, 13 de junho de 2025